Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
904/16.9T8BGC.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
SERVIDÃO DE ESTILICÍDIO
DEMOLIÇÃO
NOVA CONSTRUÇÃO COM OCUPAÇÃO DO PRÉDIO VIZINHO
EXTINÇÃO DA SERVIDÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Dentre os ónus impostos ao recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, estabelecidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2, do art.º 640.º do C.P.C., a indicação dos concretos pontos de facto é essencial porque ela delimita o poder de cognição do Tribunal ad quem. Estando em causa direitos de natureza disponível é exclusivo do seu titular a iniciativa, no sentido amplo do conceito, fazer o enquadramento fáctico do direito que pretende fazer valer, devendo, consequentemente, ser rejeitado o recurso quando o recorrente não concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

II- Tendo sido decidida, com trânsito em julgado da decisão, a rejeição de um pedido, a força obrigatória da decisão impede que, dentro do mesmo processo, se possa dele conhecer.

III- Como se extrai do disposto no artº. 676º., nº. 1, do C.P.C., é da natureza dos recursos a reponderação das decisões proferidas pelos tribunais recorridos, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre matéria não submetida à apreciação do tribunal a quo e de que não deva/possa conhecer oficiosamente, estando-lhe, por isso, vedado conhecer de questões novas, apenas suscitadas em sede de recurso.

IV- São elementos constitutivos da acessão industrial imobiliária prevista no artº. 1340º.: a) a construção de uma obra; b) a sua implantação em terreno alheio; c) a formação de um todo único entre o terreno e a obra; d) o valor de um e outra; e) a boa fé na conduta do autor da obra.

V- Para que a acessão invertida prevista no art.º 1343.º do C.C. possa operar torna-se necessário que a construção de um edifício se inicie em terreno próprio do construtor, e só uma pequena parte ocupe, no seu prolongamento, uma parcela do terreno vizinho.

VI- Uma das limitações do direito de propriedade decorrentes das relações de vizinhança é a que impõe ao proprietário edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, devendo deixar um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.

VII- É elemento essencial à existência de um negócio jurídico a declaração de vontade, pelo que, faltando esta, o acto não será havido como negócio jurídico. A declaração negocial é o meio por que se manifesta a vontade que visa a produção de efeitos jurídicos.
VIII- Se o proprietário demolir inteiramente a construção original e na construção do edifício novo ocupar uma faixa de terreno integrante do prédio confinante, que adquire pela acessão industrial imobiliária, e sobre a qual caíam as águas pluviais provenientes do beiral daquela construção original, extinguiu-se a servidão de estilicídio de que beneficiava este prédio original, pela reunião no domínio do mesmo titular, do “prédio” serviente e do prédio dominante - cfr. art.º 1569.º, n.º 1, alínea a).

IX- São pressupostos que desencadeiam o efeito jurídico próprio do instituto do «venire contra factum proprium»: a) a verificação de uma situação objectiva de confiança; b) o investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento; c) a boa fé da contraparte que confiou.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- M. B. e esposa, C. L.; M. C. e marido, M. A.; I. M. e marido, A. C.; B. C. e marido, J. C.; A. S. e esposa, C. C., todos identificados nos autos, intentaram a presente ação declarativa de condenação, contra G. P. e esposa L. P., também aqui identificados, pedindo que estes sejam condenados a:

(a) Reconhecerem que as heranças que eles, AA., representam são donas e legitimas proprietárias do prédio identificado em 1 da petição inicial.
(b) Reconhecerem que levaram a cabo obras no seu prédio;
(c) Reconhecerem que nas ditas obras abriram uma janela ao nível do rés-do-chão que não respeita a distância de 1,50m ao prédio da herança que eles, AA., representam, e por lesar direitos destes, condenados a removê-la, devolvendo ao prédio a configuração que sempre teve;
(d) Reconhecerem que colocaram o tubo de queda da água da caleira do seu prédio embutido na caleira do prédio das heranças que eles, AA., representam, e que fixaram um troço de tal tubo de queda no prédio das heranças e assim serem condenados a retirar quer a ligação que fizeram para a caleira quer o tubo de queda da água;
(e) Reconhecerem que a caleira assim colocada faz aumentar a quantidade de águas a escoarem na caleira do prédio das heranças que eles, AA., representam e que por isso há infiltrações para o interior do dito prédio;
(f) Reconhecerem que o beiral colocado no seu prédio invade o prédio das heranças que eles, AA., representam, e assim condenados a demoli-lo na parte em que invade o dito prédio;
(g) Reconhecerem que colocaram chapas na parede que fizeram surgir junto ao limite do telhado do prédio das heranças que eles., AA., representam, e que estas invadem estes prédio, e serem os mesmos condenados a retirá-las;
(h) Reconhecerem que ocuparam abusivamente o espaço com cerca de 25/30 cm de largura, que se situava entre os dois prédios, integrando-o no seu prédio, e serem condenados a restituir o dito espaço à situação que anteriormente à reconstrução do seu prédio, se verificava;
Fundamentam alegando, em síntese, que os Réus procederam a obras de reconstrução do seu prédio e com elas ofenderam o seu direito de propriedade sobre o prédio pertencente às heranças que representam, fazendo-o sem o consentimento e contra a vontade dos autores das heranças, seus pais e sogros.
Os Réus contestaram alegando que na reconstrução do seu prédio mantiveram as características originárias deste, tendo tais obras sido realizadas com o integral conhecimento de todos os Autores, tendo sido com o total conhecimento e aceitação dos pais destes que colocaram o tubo de escoamento de águas, invocando a constituição de uma servidão de estilicídio.
Mais alegam que o espaço de cerca de 25/30 cm que existia entre os dois prédios antes da reconstrução efetuada em 2006/2007 foi ocupado por eles, Réus, com a plena concordância dos pais dos Autores, que, para o efeito lhes solicitaram o pagamento da quantia de 100,00 €, que lhes entregaram.
Sendo do conhecimento dos Autores que os seus pais, então únicos proprietários do prédio que herdaram, só falecidos em 2014, aceitaram todas as obras realizadas por eles, Réus, em 2006 e 2007, afigura-se-lhes totalmente incompreensível a sua pretensão manifestada nos presentes autos que, defendem, configura um abuso do direito.
Terminam pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má fé por deduzirem pretensão cuja total falta de fundamento conhecem e estão cientes e fazerem do processo um uso manifestamente reprovável, obrigando-os, a eles Réus, a intervir processualmente e a registar os decorrentes incómodos e despesas.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os Réus a:

a) Reconhecerem que as heranças que os AA representam são donas e legitimas proprietárias do prédio identificado em 1 dos factos provados.
b) Reconhecerem que levaram a cabo obras no seu prédio.
c) Absolveu os Réus quanto ao demais peticionado.
d) Absolveu os Autores quanto à litigância de má-fé.

Inconformados, trazem os Autores o presente recurso pedindo a revogação da supra transcrita sentença, e a condenação dos Réus a reconhecerem que com as obras que levaram a efeito no seu prédio, lesaram o direito de propriedade deles, Autores, e os condene a:

- remover o tubo de queda de água da caleira do seu prédio embutido na caleira do prédio das heranças que os autores representam, removendo quer este tubo, quer a ligação que fizeram para a caleira.
- remover o beiral colocado no seu prédio na proporção em que invade o espaço aéreo do prédio das heranças que eles, Autores, representam e lhes lesa direitos;
- remover as chapas da parede, que fizeram surgir junto ao limite do telhado, invadindo espaço aéreo do prédio das heranças que eles, Autores, representam, e bem assim a tapar a janela que nas mesmas fizeram surgir;
- restituir o espaço de 25-30cm que ocuparam abusivamente.

E, com tais alterações dar a configuração primitiva ao seu prédio, não lesiva da propriedade do prédio das heranças que eles, Autores, representam.
Contra-alegaram os Réus propugnando para que se mantenha a decisão impugnada.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- Convidados a sintetizar as suas conclusões (que eram praticamente a cópia das alegações), os Apelantes/Autores ofereceram as que constam de fls. 270v.º a 272.
Posto que esta conclusões revelam-se mais sintéticas e precisas, aceitam-se, dando-se por cumprido o convite formulado.

São, pois, estas as conclusões em que os Apelantes fundam o seu recurso:

a. O Tribunal recorrido não fundamenta como formou a sua convicção, não fazendo, nem esclarecendo a análise crítica que fez dos depoimentos prestados, nomeadamente no que tange à prova dos autores, não motiva a totalidade dos factos provados, nem sequer por mera referência, nem qualquer dos factos não provados.
b. É jurisprudência deste venerando Tribunal, que: «Na motivação/ fundamentação da matéria de facto, o julgador, deverá tomar posição expressa sobre a prova produzida. Em caso de prestação de depoimentos contraditórios, deverá explicar porque razão opta por uns em detrimento de outros ou porque razão nenhum dos depoimentos lhe ofereceu credibilidade…. In Acórdão prolatado no processo 455/14.6TBBGC de 10-07-2018
c. Pela não verificação dos requisitos legais elencados, os recorrentes arguem a nulidade da sentença proferida, nos termos do disposto no art. 615º nº1al. b) e nº 4 do C.P.C.

Sem prescindir, e caso assim se não entenda,
d. Existe contradição entre a decisão e a factualidade dada como provada, e, diga-se até, na dada como não provada, bem como incoerência na subsunção das ilações que faz da mesma.
e. Pois, apesar de se dar como provado que a obra dos RR não obedeceu às características do prédio primitivo, que foi ocupado, pelos réus, um espaço de 25-30 cm que existia entre as casas das heranças que os autores representam e a casa dos RR; que a caleira de escoamento das águas do telhado do prédio dos réus foi embutida na caleira de escoamento de águas do prédio das heranças que os autores representam, ainda assim, contrariando toda a prova dos autores e todas as regras da experiência, o Tribunal a quo alicerçou-se numa testemunha dos réus, e proferiu decisão onde dá como provada a concordância dos pais de alguns dos autores, sem que se diga, no entanto, porquê.
f. Da prova produzida em sede de julgamento e das regras da experiência não resulta e existência de qualquer consentimento.
g. Neste sentido vão inequivocamente os depoimentos das testemunhas A. J., e M. F.. E,
h. Os depoimentos de parte de todos os autores que responderam também quanto à alegada autorização dada pelos pais, tendo todos eles negado que tal tenha acontecido.
i. O autor J. B., na companhia de seu pai, fez deslocar ao local a GNR e uma advogada, o que faz concluir pela existência de oposição.
j. Só porque lhes foi respondido, embora mal, que tudo estaria legal é que tal oposição não prosseguiu.
k. Face aos depoimentos prestados, e à ausência de qualquer documento que o comprovasse, não poderia o tribunal dar por assente e existência de qualquer consentimento.
l. Não existe qualquer abuso de direito, na pretensão dos autores. De facto,
m. Tendo as obras no prédio dos RR ocorrido entre 2005-2006, não tendo resultado prova de que as negociações alegadas tivessem existido, teria de ser o decurso do tempo a atribuir direitos a tal intervenção, por força da usucapião.
n. Matéria de que o tribunal também não conheceu.
o. Tendo a presente acção sido intentada na data de 06-07-2016, não havendo qualquer documento que formalizasse qualquer negócio, estariam tão só decorridos dez anos de posse. Pelo que, no modestíssimo entender dos recorrentes, não lhes tinha, ainda, cessado o seu direito de defender judicialmente a sua propriedade.
p. Não poderia, pois, o tribunal concluir, como concluiu, que foi prestado consentimento.
q. Deste modo, não se concebe que os pais de alguns dos autores, tivessem autorizado quaisquer obras.
r. Ainda se diz na sentença recorrida que «o pai de alguns dos autores não permitiu que trabalhadores andassem sobre o telhado, nem no logradouro da sua casa, e como tal não permitiu que os RR rebocassem a parede traseira e lateral da casa.».
s. Não se pode inferir desta actuação que se estava bem para umas coisas, estava para outras, como fez o Tribunal a quo, porque para rebocar e pintar esta parede era necessário aceder pela casa hoje das heranças que os autores representam, exclusivamente por dentro desta, e, uma coisa é não abrir as portas da sua casa, outra é fazer valer a sua posição fora delas.
t. É, pois, contrário às regras da experiência e do senso comum a ilação que a douta sentença tira deste facto.
u. Ainda, diz-se na douta sentença, em conformidade com o ponto 30) dos factos provados, pg. 17 da sentença, 4§ “da prova produzida, designadamente testemunhal, mais especificadamente das testemunhas indicadas pelos RR, em concreto N. M. (…) resultou que a janela ao nível do 2º andar, já existia originalmente desde a construção do prédio dos RR, há mais de 50, 70 anos. Por outro lado, não foi possível apurar, as dimensões desta janela, sendo que foi esclarecido por N. M. que a sua localização seria onde se encontra hoje”.
v. E, no ponto 32 e 33 dos factos provados, o tribunal deu como provado que, existia um espaço de 25-30cm entre os prédios das heranças que os autores representam e o prédio dos réus, e que tal espaço foi incorporado no prédio dos réus.
w. Se assim é, e é, a parede do prédio dos RR forçosamente mudou de local. Ora,
x. Se a janela está, e está, construída nessa parede como pode a dita janela continuar no mesmo local em que se encontrava anteriormente?!
z. A incoerência ganha proporções ainda maiores no que tange à colocação da caleira no prédio das heranças que os autores representam. Alguém neste mundo concebe que haja uma pessoa que permita um ónus dessa envergadura para o seu prédio, com intuito de favorecer um vizinho?! O bom senso, a lógica e a experiência dizem-nos que não, como também o disseram as testemunhas, a oposição dos pais de alguns dos autores, aconteceu, e relativamente a todas as intervenções das obras dos RR suscetíveis de lesar os seus direitos, como aliás foi por todos referido.
aa. O Tribunal recorrido decidiu contra todas as regras do bom senso e da experiência, alicerçando-se, pelo contrário em depoimentos prestados por quem interveio na obra como autores do projecto e, portanto não tão isentos quanto se quer fazer crer, para merecerem total credibilidade, ignorando todos os demais, e, pior, alicerçou-se em depoimentos que só poderiam ser contraditados por quem já não vive.
bb. Mal andou o tribunal que, embora reconhecendo a realização pelos réus de obras lesivas dos direitos dos autores, se estribou num alegado, porém não provado, consentimento, para decidir como decidiu.
No entendimento dos recorrentes foi violado o disposto no art. 615º nº1 al. b) e d) do CPC, 1360º, 1364º e 1344º nº1 do Código Civil bem como quaisquer outras que o Venerando Tribunal entenda por bem suprir.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas, pois, as conclusões acima transcritas, cumpre:

- conhecer da nulidade arguida à sentença;
- reapreciar a decisão de facto (se se vierem a considerar reunidos os pressupostos de impugnação);
- reapreciar a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Alegando que o Tribunal a quo “não fundamentou como formou a sua convicção, não fazendo, nem esclarecendo a análise crítica que fez dos depoimentos prestados”, nomeadamente os deles próprios, e não motivou “a totalidade dos factos provados, nem sequer por mera referência, nem qualquer dos factos não provados”, arguem os Apelantes a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C..
Como refere LEBRE DE FREITAS, a sentença, no que é extensível aos despachos, “pode apresentar vícios que geram nulidade, tornando-a totalmente inaproveitável para a realização da função que lhe compete, e vícios de conteúdo, que podem afectá-la total ou apenas parcialmente”. Estes, os vícios de conteúdo, podem ainda respeitar “à estrutura, aos limites ou à inteligibilidade da decisão”, dando origem à anulabilidade da sentença. Mas também podem respeitar a “um erro material”, que, unicamente, compete rectificar” (in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª ed., págs. 328 e sgs.).
Geram a nulidade da sentença, para além da falta absoluta do poder jurisdicional de quem a proferiu, e da falta de assinatura do juiz, também a falta ou a ininteligibilidade da parte decisória “como conteúdo mínimo essencial da sentença”.
Geram a anulabilidade da sentença os vícios, que respeitam à sua estrutura, referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C..

i) Assim, é passível de anulação a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - cfr. alínea b).
Trata-se da inobservância do disposto nos n.os 3 e 4 do art.º 607.º do C.P.C..
A necessidade de fundamentação da sentença decorre hoje de uma exigência constitucional, consagrada no n.º 1 do art.º 205.º, da Constituição.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO, e RUI PINTO referem-se à fundamentação como “um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º., 2.ª ed., pág.661), desiderato que se atinge no seu nível mais elevado quando o juiz consegue convencer as partes, a quem a decisão se dirige, da correcção da sua decisão.
Já ALBERTO DOS REIS chamava a atenção para a necessidade de a parte vencida “conhecer as razões por que o foi, para que possa atacá-las no recurso que interpuser”, e mesmo que não seja admissível o recurso, “uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos”, que “se destinam precisamente a convencer de que a decisão é conforme à justiça (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º., pág. 172).
Como vem sendo entendimento uniforme só a ausência total de fundamentação é que constitui a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º, referido.
Ora a visada sentença enuncia os factos que o Tribunal julgou provados e os que julgou não provados, e fundamenta de direito a decisão, como é linearmente constatável de fls. 199v.º a 201v.º quanto à matéria de facto (a fundamentação da decisão de facto consta de fls. 202 a 204v.º); e de fls. 204v.º a 208 quanto à fundamentação de direito e subsunção dos factos ao direito.

Não é, pois, do vício arguido que a sentença enferma.

ii) A argumentação aduzida pelos Apelantes aponta antes para a inobservância do disposto no art.º 607.º do C.P.C., que define a estrutura da sentença, a qual passou a integrar a enunciação dos factos julgados provados e os não provados, com a obrigatoriedade de fundamentação da decisão, quer quanto aos primeiros, quer quanto aos segundos.
A deficiente fundamentação ou a sua falta não constituem, porém, nulidade da sentença, posto que não integram nenhuma das taxativamente enunciadas no art.º 615.º, antes consubstanciando uma irregularidade a ser sanada com recurso aos instrumentos processuais previstos no art.º 662.º do C.P.C., e apenas quanto aos factos essenciais para o julgamento.
Como refere LEBRE DE FREITAS, fundando-se na jurisprudência que cita, “se o facto dado, sem fundamentação, como provado ou não provado não se revelar concretamente essencial para a decisão da causa, a exigência a posteriori da fundamentação em via de recurso, é inútil, sendo a falta de fundamentação irrelevante”, e prossegue referindo “Assim acontecerá, designadamente, quando tratando-se de facto principal da causa, só juntamente com outros, fundamentadamente não dados como provados, preencheria uma previsão normativa (…) ou quando outro facto, fundamentadamente dado como provado, destrua o seu efeito” (in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª ed., pág. 316, nota-de-rodapé 1ª).
No processo de formação da convicção do julgador concorre uma diversidade de elementos, não sendo facilmente explicáveis os raciocínios que conduziram à decisão sobre determinado facto e à formulação do juízo sobre a credibilidade de cada uma das testemunhas.
A afirmação dos Apelantes, de que o Tribunal a quo não fundamentou a decisão quanto aos factos que julgou não provados, só poderá fundar-se na desconsideração do que consta a fls. 204 e verso, sob o título “III.B.FACTOS NÃO PROVADOS”, aí referindo a Meritíssima Juiz “a prova testemunhal, mais especificamente das testemunhas indicadas pelos RR e que realizaram trabalhos na reconstrução efectuada pelos RR”.
A decisão (de provado) do facto essencial visado pelos Apelantes – o consentimento dos seus pais e sogros ou a não manifestação de discordância ou oposição às obras apontadas – está fundamentada a fls. 203, aqui se referindo o depoimento da testemunha “N. M. (que prestou esclarecimentos de forma segura, e com conhecimento directo dos factos)”.
Assim, embora o Tribunal a quo não tenha feito constar as razões por que lhe mereceram menos credibilidade as testemunhas arroladas pelos ora Apelantes, não pode recusar-se que fundamentou a sua decisão quanto ao supramencionado facto.
A mais do que aqui se deixa referido, a apreciação crítica da fundamentação não poderá deixar de ser feita na reapreciação da decisão de facto.
iii) A contradição entre a decisão e os seus fundamentos, de facto e de direito, que vem prevista na 1ª parte da alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., como vem sendo entendimento pacífico, consubstancia-se quando na fundamentação, o juiz seguir uma determinada linha de raciocínio, que aponta para uma determinada conclusão, mas acaba por decidir em sentido oposto ou, pelo menos, divergente.
Ora, a decisão mostra-se conforme com os fundamentos de facto e de direito em que assenta, sendo certo que a contradição entre a decisão e a facticidade julgada não provada não é concebível simplesmente porque os factos não provados configuram uma realidade que não existe para os autos.
Impõe-se, pois, ter por insubsistente a arguição deste vício que os Apelantes apontam à sentença na conclusão d..
Sem embargo do que se deixa referido, impõe-se salientar que, ainda que fosse anulada a decisão não deixaria de se conhecer do objecto do recurso, impor-se-ia aplicar a regra da substituição consagrada no art.º 665.º do C.P.C..
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V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

a) julgou provado que:

1. Na freguesia de ..., concelho de Vimioso, existe o prédio composto de casa de habitação composta de r/c e 1º andar com 3 divisões no rés-do-chão e seis no primeiro andar, possuindo, ainda, um quintal anexo com 50m2, e inscrito na matriz sob o artigo ….
2. O dito prédio foi construído há mais de 40 anos, mais concretamente 43 anos, pelo casal que foi formado por M. J. e A. N., com materiais e mão-de-obra que pagou.
3. E após a construção do dito prédio, foi no mesmo que o dito casal viveu durante a sua vida em comunhão.
4. Foi no dito prédio que o dito casal viveu o seu dia-a-dia, praticando nele todas as atividades do quotidiano, como seja dormir, alimentar-se, receber a correspondência que lhe era endereçada, receber os seus amigos, tratando-o como casa de morada de família e onde nasceram e cresceram os seus filhos. Isto é, usou-o, o dito casal, como seu, nele praticando todos os atos apenas permitidos aos proprietários.
5. Praticou, o dito casal, tais atos sempre à vista de todas as pessoas de ..., ciente que exercia direito próprio e que não molestava direito de ninguém, e, na realidade à prática dos ditos atos nunca ninguém se opôs.
6. Em 09 de Maio de 2014, deu-se o decesso de M. J..
7. Em 1 de Agosto de 2014, deu-se o decesso de A. N..
8. Ainda não houve partilhas nem duma nem da outra daquelas heranças.
9. E do referido prédio fazem os filhos do dito casal pleno uso também, habitando-o quando se deslocam a Portugal sendo que os que residem em ..., nele entram e saem quando lhes apetece.
10. Contiguo ao identificado imóvel, existe um prédio urbano, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …/20060123, que os RR vêm possuindo, composto rés-do-chão e 1º andar, sendo que no rés-do-chão do dito imóvel funciona um estabelecimento comercial afeto a café.
11. Prédio que tal qual está hoje resultou de uma reconstrução que os RR levaram a efeito entre 2006 e 2007.
12. A reconstrução do dito imóvel não obedeceu a todas as características do prédio primitivo.
13. Fizeram os RR nascer no rés-do-chão do seu prédio uma janela, que gradearam, diretamente voltada para o espaço público e que não mereceu discordância ou oposição por parte dos pais de alguns dos Autores, M. J. e A. N..
14. Janela que dista poucos centímetros da porta da entrada do prédio das heranças que os AA representam, e regista uma obliquidade com grau não concretamente apurado relativamente ao prédio mencionado em 1..
15. A dita janela permite o lançamento de objetos para a porta do prédio das heranças que os AA representam.
16. Da dita janela consegue-se ver a porta do prédio das heranças que os AA representam.
17. O prédio primitivo que aí existiu na configuração que tinha e teve durante longos anos, não tinha qualquer janela ao nível do rés-do-chão.
18. Colocaram ainda os RR uma caleira na sua casa para escoamento de águas pluviais e a mesma foi posta de modo a escoar pelo lado em que confronta com o prédio das heranças que os AA representam e embutiram o tubo de queda da dita caleira, na caleira que faz a recolha das águas no telhado do prédio das heranças que os AA representam.
19. A colocação da caleira não mereceu qualquer oposição por parte dos pais de alguns dos Autores, M. J. e A. N..
20. Os RR fixaram o tubo de queda das águas da dita caleira na parede do prédio das heranças que os AA representam.
21. Que o tubo de queda das águas foi colocado com o conhecimento e não oposição dos pais de alguns dos Autores, M. J. e A. N..
22. Os RR colocaram um beiral no telhado da sua casa que em toda a extensão em que confronta com o prédio das heranças que os AA representam invade o espaço aéreo do prédio destas.
23. Que o beiral no telhado foi colocado com o conhecimento e não oposição dos pais de alguns dos Autores, M. J. e A. N..
24. Na construção original do prédio dos RR existia um beiral do telhado.
25. Os RR revestiram a parede que confronta com o prédio das heranças que os AA representam, e na parte que fica acima do telhado deste, com chapas caneladas.
26. As ditas chapas encontram-se totalmente implantadas no espaço aéreo do prédio das heranças e mesmo fazendo uso do telhado do mesmo onde se encontram assentes.
27. Que as chapas foram colocadas com o conhecimento e não oposição dos pais de alguns dos Autores, M. J. e A. N..
28. Sensivelmente a meio da parede onde colocaram as referidas chapas, os RR fizeram nascer uma janela, e ao nível do 2.ª andar.
29. A referida janela deita diretamente para o telhado do prédio mencionado em 1., e não se encontra a 1,50m de distância do prédio das heranças que os AA representam.
30. A referida janela já existia originalmente desde a construção do prédio dos RR., há mais de 50, 70 anos, mas com dimensões não apuradas.
31. A referida janela não se encontra dotada de qualquer grade, abre para dentro do quarto e do lado de fora tem uma chapa de acrílico translúcido aparafusada com parafusos que vão de dentro para fora da casa.
32. Entre o prédio das heranças que os AA representam e o prédio dos RR durante todo o período de existência dos dois prédios, até à reconstrução levada a cabo pelos RR sempre existiu um espaço de cerca de 25/30cm.
33. Espaço esse, que os RR ocuparam incorporando-o no seu prédio aquando das obras de reconstrução que levaram a cabo no seu prédio.
34. Estando hoje o dito espaço completamente suprimido e por sua vez integrado no prédio dos RR.
35. E é na parede que ergueram e a qual ocupa o dito espaço que foi construído o beiral referido supra, foram colocadas as chapas referidas supra, e a janela referida supra.
36. Que o espaço de cerca de 25/30 cm que existia entre os dois prédios antes da reconstrução efetuada pelos RR foi ocupado pelos RR com a concordância dos pais de alguns dos AA., M. J. e A. N., e que para o efeito solicitaram na altura aos RR o pagamento da quantia de €100,00, que estes lhes entregaram.
37. Que as obras efetuadas pelos RR no seu prédio não mereceram discordância ou oposição por parte dos pais de alguns dos AA., M. J. e A. N., únicos proprietários, à data, do prédio mencionado em 1..
38. A reconstrução dos RR foi efetuada com o conhecimento dos pais de alguns dos AA., M. J. e A. N..
39. Em data não concretamente apurada, os pais de alguns dos AA., M. J. e A. N., colocaram no telhado do seu prédio e mencionado em 1. uma chapa de zinco para recolha das águas.

b) julgou não provado:

a. Que a janela do prédio dos RR construída no rés-do-chão se encontra diretamente voltada para o prédio das heranças que os AA representam.
b. Que a janela do prédio dos RR construída no rés-do-chão regista uma obliquidade superior a 45 graus relativamente ao prédio mencionado em 1..
c. Que a referida janela fica voltada diretamente sobre porta do prédio das heranças que os AA representam.
d. A colocação da caleira aconteceu sem que tivesse sido solicitada qualquer autorização aos proprietários do prédio dono da caleira que utilizaram como se fosse sua.
e. E, com a colocação da caleira e tubo de queda de águas, causaram e causam os RR danos no prédio das heranças que os AA representam, pois o excesso de água que aflui à casa das heranças que os AA representam, resultante do facto de pela sua caleira se fazer o escoamento das águas de dois prédios em vez de um, tal como deveria e foi concebida, faz com que exista uma maior afluência de águas a escoarem pela caleira do prédio dos AA.
f. Há infiltração de águas e humidades no prédio das heranças que os AA representam, causando-lhe sérios danos e deterioração das paredes.
g. Que o beiral do prédio dos RR para o decorrente escoamento de águas do seu prédio se encontra no local onde sempre existiu.
h. A janela ao nível do 2.º andar foi aberta em três fases, isto é, em três ocasiões diferentes foi a dita janela sendo aberta.
i. A referida janela encontra-se aberta a menos de 1,80m de altura, naturalmente contando do telhado.
j. Que as obras efetuadas pelos RR no seu prédio foram acompanhadas e consentidas pelos AA., J. B. e F. B..
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VI.- Os Apelantes, como se alcança das conclusões e. a bb., pretendem impugnar a decisão de facto.

O art.º 640.º do C.P.C. impõe ao recorrente que pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto o cumprimento dos ónus que enuncia nas três alíneas do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2.
A este propósito tem-se distinguindo um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados que relevam para a apreciação da impugnação – cfr., v.g., Acórdãos do S.T.J. de 29/10/2015 (ut Proc.º 233/09.4TBVNG.G1.S1 (Lopes do Rego) in www.dgsi.pt) e de 07/03/2019 (ut Proc.º 2293/10.6TBVIS.C1.S1 (Rosa Ribeiro Coelho) in www.dgsi.pt).
Assim, a indicação dos concretos pontos de facto (alínea a)) é essencial porque ela delimita o poder de cognição do Tribunal ad quem. Estando em causa direitos de natureza disponível é exclusivo do seu titular a iniciativa, no sentido amplo do conceito, fazer o enquadramento fáctico do direito que pretende fazer valer.
A indicação dos concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida (alínea b)), assim como o projecto de decisão a que alude a alínea c), assentando a sua ratio na autorresponsabilização do recorrente e no cumprimento efectivo do dever de cooperação (que é triangular: as partes entre si, as partes com o tribunal, e o tribunal com as partes), inequivocamente se justifica a satisfação daqueles ónus.
No que se refere à indicação das passagens da gravação tem-se verificado maior abertura, sendo aproveitável “um mínimo de aproximação à exigência feita na lei”, como referem os Arestos acima citados.
Na situação sub judicio, só um trabalho de interpretação das conclusões e. a bb. permite concluir que os Apelantes impugnam “a concordância” (conclusão e.), ou “consentimento” (v.g., conclusões f. e k.) ou “autorização” (conclusão h.) dos seus pais e sogros às obras realizadas pelos Apelados/Réus.
Referindo, na conclusão z., a colocação da caleira no prédio das heranças que representam, as demais alegações não concretizam as obras concretamente visadas, que só é possível identificar no pedido formulado a final.
Muito embora invoquem, a favor da sua pretensão de alteração da decisão quanto àquela facticidade, os depoimentos de duas testemunhas e as suas próprias declarações, cumprindo, com referência às alegações primeiramente apresentadas (que são as que devem ser consideradas já que o convite ao aperfeiçoamento se dirigia, como se afigura manifesto, apenas às conclusões) o ónus imposto pela alínea a) do n.º 2 do referido art.º 640.º, o certo é que, nas conclusões, não precisam os pontos de facto que pretendem visar com a impugnação, omissão que, de resto, já se verificava nas anteriores conclusões (nem tampouco constam nas alegações, seja nas originais, seja nas que fizeram juntar às conclusões corrigidas).
Mau grado se possa aceitar que na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação os aspectos de ordem formal devam ser projectados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atento o primado concedido à dimensão substancial em detrimento da meramente formal, a não identificação, com precisão, dos pontos de facto que são objecto de impugnação, pela essencialidade que assume, por, como se referiu, ser delimitadora do objecto do recurso, não pode ser contornada nem o tribunal de recurso se pode substituir ao recorrente “escolhendo” os pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados.

Termos em que, na conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 640.º, do C.P.C., por os Apelantes não terem cumprido com o ónus imposto pela alínea a), decide-se rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da decisão de facto.
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VII.- Mantém-se, pois, inalterada a decisão de facto.

Com base na facticidade provada, o Tribunal a quo julgou improcedentes os pedidos formulados pelos ora Apelantes, por entender que se “não mostram preenchidos os requisitos de responsabilidade civil extracontratual” estabelecidos no art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil (C.C.), entendendo ainda não se mostrarem preenchidos “os requisitos do disposto nos artigos 1360.º e 1364.º do Código Civil, pois a janela ao nível do 2.º andar já existia antes da construção da casa dos pais de alguns dos Autores, bem como a janela ao nível do R/C não deita para o prédio mencionado em 1”, concluindo mesmo que “tampouco se verifica a lesão do direito de propriedade dos AA.”.
Nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 5.º do C.P.C., o tribunal não está sujeito às alegações das partes no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Cumpre, pois, com relação a cada uma das obras que os Apelantes referem no pedido recursório que formularam, indagar os institutos jurídicos pertinentes.

1.- Pedido de restituição do espaço de 25-30 cm que os Apelados/Réus ocuparam com a sua obra:

Nos termos do art.º 1305º. do C.C. (como o serão todas as disposições legais infra citadas sem menção do respectivo Diploma), o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição, e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
O direito de propriedade estende-se, pois, até aos limites do juridicamente possível.
Mas também se comprime na medida do necessário, quando com ele concorre um outro direito real de gozo, sobre o mesmo objecto. No entanto, extinto este direito real, volta o direito de propriedade a distender-se até àqueles limites.
O direito de propriedade sobre uma coisa adquire-se por uma das formas enunciadas no artº. 1316º., dentre as quais a acessão.
Nesta, o momento de aquisição do direito de propriedade é o da verificação dos factos respectivos – cfr. artº. 1317º., alínea d).
Dá-se a acessão quando com uma coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia – artº. 1325º..
Como refere OLIVEIRA ASCENÇÃO, a acessão "repousa necessariamente numa determinada situação material, que é a resultante da união de duas coisas pertencentes a dono diverso”, e nela o beneficiário da acessão actua propter rem – “na qualidade de proprietário de uma das coisas em presença” (in “Direitos Reais”, 4.ª ed., págs. 397-398).
A acessão é um modo de aquisição originária do direito de propriedade – o beneficiário recebe um novo direito de propriedade, totalmente independente das vicissitudes que possa ter sofrido o anterior direito que se extingue (cfr. OLIVEIRA ASCENÇÃO, ob. Cit., pág. 404).
A acessão pode ser natural ou industrial e esta é mobiliária ou imobiliária – artº. 1326º
De acordo com ANTUNES VARELA, na acessão industrial, “a união ou incorporação dá-se por um acto da iniciativa do homem, exercido sobre bens alheios, que cria um novo valor económico, sendo esse valor atribuído por lei, com as consequências adequadas, umas vezes ao autor da iniciativa, outras vezes ao titular dos direitos ou bens alheios” (in Revista Legislação e Jurisprudência (R.L.J.), ano 125º, pág. 270).
São elementos constitutivos da acessão industrial imobiliária prevista no artº. 1340º.: “a) a construção de uma obra; b) a sua implantação em terreno alheio; c) a formação de um todo único entre o terreno e a obra; d) o valor de um e outra; e) a boa fé na conduta do autor da obra” – cfr. Acórdão do S.T.J. de 06/03/1986 (in B.M.J., n.º 335, págs. 373 e sgs.).
É entendimento pacífico o de que a acessão tanto pode ocorrer num prédio de natureza rústica como num prédio urbano.
Se a obra não ocupar o terreno na totalidade, o direito de acessão restringe-se à parte dele onde se situam as obras porque, como refere o S.T.J., no Acórdão de 5/03/1996, representando a acessão uma limitação imposta ao direito de propriedade do dono do terreno, “impõe-se justificadamente que ela se confine ao estritamente necessário para que o dono da obra adquira a parcela de terreno, onde elas (as obras) se situam, acrescida da zona envolvente minimamente indispensável” (in C.J., Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo I, pág. 130).
Nos termos do artº. 1343º., o construtor que na construção de um edifício em terreno próprio ocupe, de boa fé, uma parcela de terreno alheio, pode adquiri-la se tiverem decorrido três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário, e pagando aquele o valor do terreno e reparando o prejuízo causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante.
Para que esta acessão invertida possa operar torna-se, antes do mais, necessário, que a construção de um edifício se inicie em terreno próprio do construtor, e só uma pequena parte ocupe, no seu prolongamento, uma parcela do terreno vizinho. Se a maior parte da edificação tiver sido construída em terreno alheio a situação é a tipificada no art.º 1340.º, n.os 1 a 3.
Como refere o Acórdão do S.T.J. de 2/02/1973, o artº. 1343º. “concede ao construtor um direito potestativo, que ele pode exercer ou não, de adquirir, verificados certos requisitos, a propriedade do terreno ocupado no caso de prolongamento do edifício por prédio alheio”. A aplicação daquele preceito legal supõe “a construção de um edifício em terreno próprio, a ocupação, por essa construção, de uma parcela de terreno alheio, a boa fé na ocupação e a falta de oposição do proprietário da parcela de terreno ocupada, durante três meses a contar do início da ocupação” (in B.M.J., n.º 224º, págs. 164-165).
No que concerne à oposição do proprietário, referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA que “a ignorância por parte do dominus soli de que o seu terreno foi ocupado é irrelevante para este efeito”, e, citando Pescatore-Albano através de Azara, acrescentam que esta solução se justifica “através do novo conceito de propriedade, que impõe ao proprietário também obrigações, entre as quais se encontra certamente a de exercer vigilância sobre os bens que lhe pertencem” (in “Código Civil Anotado”, 2.ª ed. Revista e Actualizª, pág. 171).
A oposição do proprietário do terreno “pode ter lugar por qualquer dos meios admitidos para a declaração negocial” – art.os 217º. e 224º., ex vi do artº. 295.º.
O conceito de “boa fé” tem aqui o mesmo sentido do constante do nº. 4 do artº. 1340.º - entende-se que houve boa fé se o autor da obra desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.
A boa fé deve existir no momento da construção e enquanto ela durar.
Como é agora comummente entendido, e já vinha sendo defendido por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, o conceito de “boa fé” em matéria de acessão não se afasta do conceito em matéria possessória, constante do artº. 1260º., nº. 1, ou, como escreveu QUIRINO SOARES, citado pelo Acórdão do S.T.J. de 08/06/1999, “dizer-se que age de boa fé, para efeitos de acessão, o que desconhecia que o terreno onde produziu a intervenção era alheio, ou o que interveio debaixo de autorização do dono do terreno, é, pois, o mesmo que dizer que assim age (de boa fé) aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o direito de terceiro” (ut Proc.º 99A358 (Garcia Marques), in www.dgsi.pt).
Defende ANTUNES VARELA que “a lei deslocou intencionalmente o requisito da boa fé da posse do terreno, da qual prescindiu para o efeito, para o simples acto de realização da obra, da sementeira ou da plantação. E implícita, mas inequivocamente, a lei passou a admitir a hipótese de o benefício da acessão, previsto e regulado no artigo 1340º. do Código Civil, aproveitar ao agente (autor da iniciativa) que sabe que o terreno lhe não pertence e ele não é um verdadeiro possuidor de boa fé. O que a lei pretende, para conceder ao interessado os galões de eventual adquirente do prédio, é que ele tenha construído, semeado ou plantado de boa fé” (in R.L.J. citada, pág. 273).
Volvendo à situação sub judicio, ficou provado que entre o prédio das Heranças que os Apelantes representam e o prédio dos Apelados/Réus, até à reconstrução deste prédio sempre existiu um espaço de cerca de 25 a 30 cm., espaço que os referidos Apelados/Réus ocuparam quando (re)construíram o seu prédio, erguendo nele uma das paredes exteriores do edifício.
Mais ficou provado que a ocupação teve a concordância dos pais e sogros dos ora Apelantes, M. J. e A. N..
Ficou ainda provado que estes, na altura (em que se iniciou a ocupação), solicitaram aos Apelados/Réus o pagamento da quantia de € 100,00, que lhes foi satisfeito.
A facticidade acima transcrita, acrescida do decurso do prazo de três meses, integram os pressupostos de aquisição, pelos Apelados/Réus, do direito de propriedade sobre a dita parcela de terreno, por acessão, se bem que não tenha ficado esclarecido se aquela importância foi pedida e entregue com a intenção e o sentido de ser pago o valor do terreno.
Destarte, o pedido de restituição do dito espaço de terreno tem, necessariamente, de improceder.

2.- Pedidos de remoção do beiral do telhado da casa dos Apelados/Réus e das chapas caneladas que revestem a parede, assim como do tubo de queda de água da caleira e, bem assim, da ligação à caleira do prédio das Heranças.
a) O art.º 1344.º do C.C. estabelece os limites materiais da propriedade dos imóveis, colocando o limite superior “no espaço aéreo correspondente à superfície” e o limite inferior “no subsolo”.
O direito de propriedade estende-se, pois, até aos limites do juridicamente possível.
Sendo um direito absoluto – o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, nos termos do artº. 1305º. – conhece limitações que derivam das relações de vizinhança.
Como refere MOTA PINTO, “por haver proximidade ou contiguidade entre prédios, o proprietário não é livre de fazer tudo aquilo que se compreenderia num ilimitado “ius utendi, abutendi e fruendi” (ut “Direitos Reais”, pág. 244).
Uma das limitações do direito de propriedade decorrente das relações de vizinhança é a que impõe ao proprietário edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, devendo deixar um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo – cfr. artº. 1365º..
Relacionado com o princípio estabelecido no artº. 1351º., nº. 1, que sujeita os prédios inferiores a receber as águas dos prédios superiores, mas apenas as que para eles corram naturalmente e sem obra do homem, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “a obrigação legal de suportar o escoamento das águas pluviais só existe quando elas caem gota a gota dos prédios superiores. Se forem reunidas por acção do homem, através, por exemplo, de caleiros e tubos de descarga, o seu escoamento para os prédios inferiores não poderá fazer-se sem o consentimento dos respectivos proprietários.
Assim, “o proprietário tem a obrigação de construir de modo que as águas pluviais caídas do seu prédio urbano não vão, através da sua infiltração, prejudicar o prédio vizinho” o que se deve entender como “uma limitação ao direito daquele proprietário e não uma servidão sobre o prédio do outro” (in Código Civil Anotado, referido, vol. III, págs. 228-229).
Como refere o Acórdão da Relação do Porto, de 21/12/2000, “surge claro que a beira ou outra cobertura do telhado não pode gotejar sobre o prédio vizinho porquanto isso traduzir-se-ia numa emissão não permitida” (ut Proc.º nº. JTRP00030962, in www.dgsi.pt).

b) Sendo, embora, um direito absoluto, o direito de propriedade não é de natureza indisponível, pelo que sobre os bens imóveis, a onerá-los, podem ser constituídos outros direitos reais de gozo, designadamente um direito de servidão.
O artº 1543.º define a servidão como o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o prédio que dela beneficia.
Podem ser objecto de servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor – cfr. art.º 1544.º.
De acordo com o disposto no art.º 1547.º, as servidões prediais podem ser constituídas por contrato, por testamento, por usucapião, ou por destinação do pai de família, sendo o título constitutivo que regula a sua extensão e o modo como deve ser exercida.
Só as servidões aparentes, ou seja, as que se revelam por sinais visíveis e permanentes, é que podem constituir-se por usucapião – cfr. art.º 1548.º.
A posse dos direitos reais de gozo mantida durante certo lapso de tempo permite ao possuidor adquirir o direito que corresponde ao exercício da sua actuação – cfr. art.º 1287.º.
De acordo com o artº. 1251º., a posse “é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (rectius, do direito real correspondente a esse exercício) – trata-se, pois, de uma situação de facto, que é juridicamente relevante, como refere ORLANDO DE CARVALHO (in “Introdução à Posse”, R.L.J., ano 122º., págs. 104 e sgs.).
Ela envolve um elemento empírico – o exercício de poderes de facto – que constitui o “corpus”, e um elemento psicológico-jurídico – intenção de agir em termos de um direito real, isto é, a vontade de agir como titular de um direito real, que constitui o “animus possidendi”, sendo certo que, como vem sendo pacificamente entendido, uma vez provado aquele elemento material da posse (o corpus) presume-se a intenção de exercer o direito real correspondente àquele domínio de facto, como decorre do art.º 1252.º, n.º 2.
A posse pode ser titulada ou não titulada (artº. 1259º.), de boa ou de má fé (artº 1260º.), pacífica ou violenta (artº 1261º.), pública ou oculta (artº 1262º.) – artº. 1258º., todos do C.C..
Posse titulada é a que se funda em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico, não se presumindo o título, cuja existência deve ser provada por quem o invoca. A posse diz-se de boa fé quando o possuidor ignorava, no momento em que a adquiriu, que lesava o direito de outrem, presumindo-se de boa fé a posse titulada.
Gozando da presunção da titularidade do direito - art.º 1268.º do C.C. – podem adquirir por usucapião os possuidores que exercem poderes de facto sobre uma coisa, desde que a presunção não seja ilidida - cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. de 14/05/1996 (publicado no D.R. série II, nº. 159, de 11/07/1996).
Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse – artº. 1288º. – que, como se referiu, é o momento de aquisição do direito.
A aquisição, por usucapião, de um direito que incida sobre bens imóveis ocorre ao fim de 15 anos, não havendo registo nem da mera posse nem do título, se ela for exercida de boa fé, e ao fim de 20 anos, se a posse for de má fé – cfr. art.º 1296.º do C.C..
Nos termos do disposto na alínea a) do art.º 1293.º, não podem adquirir-se por usucapião as servidões não aparentes.
Deste modo, os sinais indicadores da servidão têm de ser visíveis e permanentes, porque só estes tornam “seguro que não se trata de um acto praticado a título precário, mas de um encargo preciso, de carácter estável e duradouro, como é próprio da servidão”, como escrevem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, vol. III, 2.ª ed. revista e actualizada, págs. 629-630).
Refere MÁRIO TAVARELA LOBO, traduzindo o que é uniformemente aceite, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, “A aparência das obras ou sinais deve ser susceptível de revelar-se a qualquer pessoa, evidenciando-se erga omnes”, o que constitui “uma qualidade objectiva da servidão”, sendo, por isso, irrelevante “o mero conhecimento subjectivo, a informação dada ao proprietário do prédio serviente sobre a existência oculta duma obra, sinal ou indício”.
Relativamente à inequivocidade, refere ainda o mesmo Autor que não basta um sinal ambíguo “ainda que perfeitamente visível”, antes se exigindo “o opus manu factum, o opus novus, consistente numa verdadeira modificação artificial”.
Em termos coincidentes, refere JACINTO FERNANDES RODRIGUES BASTOS que os sinais visíveis, só por si, não bastarão para a constituição da servidão, sendo ainda necessário que “eles tenham um carácter, por assim dizer, funcional ou instrumental, isto é, que se concretizem em obras dirigidas ao exercício da servidão e que possam ser interpretadas como tal por qualquer pessoa” (in “Direito das Coisas Segundo o Código Civil de 1966”, pág. 129-130).
No que concerne ao requisito da permanência dos sinais, cumpre referir que o conceito se não confunde com a ininterruptibilidade visto se não exigir que eles “tenham de ser sempre necessariamente os mesmos”, antes podendo renovar-se ou substituir-se desde que “durante o prazo da constituição prescricional da servidão existam colocados e se mostrem permanentemente”, como é o caso da servidão de passagem revelada “por uma porta, um caminho, ou uma escada móvel de madeira, quando qualquer destes sinais é substituído por outro” (in “Manual do Direito das Águas”, vol. II, Coimbra Editora, Ld.ª, 1990, págs. 165-168, e, nesta última, nota 1).
Também PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA defendem que o requisito da permanência “não exige a continuação no tempo dos mesmos sinais ou das mesmas obras”, admitindo-se “a sua substituição ou transformação”, não sendo mesmo necessário que “toda a obra ou todos os sinais estejam à vista: pode bastar perfeitamente que esteja visível uma parte apenas da obra ou do sinal, desde que suficiente para revelar aos olhos do observador o exercício da servidão” (in ob. cit., págs. 630-631).

c) Na situação sub judicio ficou provado que os Apelados/Réus colocaram um beiral no telhado da sua casa, em toda a zona de confrontação com o prédio das Heranças que os ora Apelantes representam, invadindo o espaço aéreo deste prédio.
Mais ficou provado que revestiram a parede que confronta com este prédio das Heranças com chapas caneladas, as quais estão totalmente implantadas no espaço aéreo do mesmo prédio, fazendo uso do telhado onde se encontram assentes.
Finalmente, ficou provado que os Apelados/Réus colocaram uma caleira na sua casa para escoamento de águas pluviais e a mesma foi posta de modo a escoar pelo lado em que confronta com o prédio das Heranças e embutiram o tubo de queda da dita caleira, na caleira que faz a recolha das águas no telhado do prédio das Heranças.
Adquirida a propriedade sobre o espaço que existia entre os dois prédios, a linha limite entre ambos passou a ser definida pela face exterior da parede que aí foi erigida, estando os Apelados/Réus impedidos de a ultrapassar.
Ora, o beiral e as chapas caneladas, invadindo o espaço aéreo do imóvel, que integra o direito de propriedade das Heranças dos ora Apelantes, violam este direito, assim como viola o direito de propriedade, a utilização da caleira para efeitos de escoamento das águas provindas do telhado do prédio dos Apelados/Réus.
As “obras” referidas têm como denominador comum a defesa do prédio dos Apelados/Réus das águas pluviais que nele caiam, constituindo, por isso, uma utilidade, destarte integrando o conceito de servidões prediais.
Ora, como se referiu, as servidões prediais (apenas) podem constituir-se por contrato, por testamento, por usucapião e por destinação do pai de família.
Excluídos o testamento e a destinação do pai de família, as servidões em presença só podem ter origem num contrato e na usucapião.
Um contrato, como refere HEINRICH EWALD HÖRSTER, “é uma declaração de vontade privada que visa a produção de um efeito jurídico que se verifica conforme a ordem jurídica por ter sido querido pelas partes”, sendo dois os seus pressupostos essenciais: “em termos subjectivos das partes, uma vontade dirigida aos efeitos e manifestada numa declaração de vontade” e “em termos objectivos, a garantia da produção dos efeitos jurídicos pela ordem jurídica, pelo direito objectivo” (in “A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina, 1992, págs. 417-418).
É elemento essencial à existência de um negócio jurídico a declaração de vontade, pelo que, faltando esta, o acto não pode ser havido como negócio jurídico.
Esta, a declaração negocial, pode ser descrita como “meio de manifestação da vontade que visa a produção de efeitos jurídicos”, apresentando-se, assim, “composta por dois elementos: a vontade – o elemento interno, subjectivo – e a declaração, a manifestação – o elemento externo, objectivo”, nos dizeres de HEINRICH EWALD HÖRSTER (ob. Cit., pág. 418).
O silêncio só pode ser havido como declaração negocial quando esse valor seja atribuído por lei, uso ou convenção, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 218.º.
A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir, sendo nula a declaração judicial que não observe a forma legalmente prescrita – cfr. art.os 219.º e 220.º.
Com alguma relação com o que vem de ser referido, ficou provado que, quer o beiral, quer as chapas caneladas, quer a caleira, foram colocados “com o conhecimento e não oposição” dos pais e sogros dos ora Apelantes.
No entanto, não foi alegado nem, consequentemente, provado, que estes tenham emitido qualquer declaração a manifestar a vontade de constituição das apontadas servidões, sendo certo que tal declaração tinha de ser obrigatoriamente reduzida a escrito, visto incidir sobre bens imóveis.
A inexistência de declaração negocial não permite que se tenha o contrato como base de constituição das servidões.
Resta, pois, a constituição por usucapião.
Aceitando que os Apelados/Réus quando colocaram a caleira, o beiral e as chapas caneladas, estivessem de boa fé, a aquisição do direito de servidão só ocorrerá decorridos 15 anos a contar do início da posse, nos termos do disposto no art.º 1296.º.
Ora, como ficou provado, os referidos factos ocorreram nos anos de 2006 e 2007 pelo que o termo final do prazo só ocorrerá em 2022 (ou, quando muito, em 2021), sendo certo que a presente acção deu entrada em Juízo no dia 06/07/2016.
Assim, mesmo ignorando a obrigatoriedade da sua invocação para poder ser considerada, nos termos do disposto no art.º 303.º, ex vi do art.º 1292.º, forçoso é concluir pela impossibilidade de constituição das servidões por usucapião, atenta a inverificação de um dos pressupostos.
É certo que se provou a existência de um beiral “na construção original do prédio” dos Apelados/Réus, o que, pela natureza das coisas, fazia com que as águas pluviais caíssem no prédio das Heranças.
No entanto, como foi referido, e a fotografia de fls. 84 dos autos ilustra, essas águas, em condições normais, caíam no espaço que havia entre os dois prédios.
Ora, adquirido este espaço pelos Apelados/Réus, extinguiu-se a servidão de estilicídio por estes invocada pela reunião no domínio dos mesmos titulares, do “prédio” serviente e do prédio dominante - cfr. art.º 1569.º, n.º 1, alínea a).
Deste modo, posto que os ditos beiral, caleira e chapa canelada ofendem o direito de propriedade das Heranças representadas pelos ora Apelantes, assiste-lhes o direito de exigir a sua remoção.

3.- Pedido de tapagem da janela aberta na parede coberta pelas chapas caneladas.
Ficou provado que os Apelados/Réus não reconstruiram o prédio antigo, preservando as suas paredes exteriores, antes o demoliram na sua totalidade e construíram um edifício novo, deslocando, pelo menos, a parede voltada para o edifício das Heranças, na qual abriram a janela, ocupando a (ainda que reduzida) faixa de terreno que existia entre eles.
Estando, assim, perante um edifício novo, poder-se-ia considerar que a abertura de janelas teria, em princípio, de obedecer às imposições estabelecidas no art.º 1360.º, apenas sendo permitida a abertura de frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, devendo as janelas serem dotadas de grades, nos termos que vêm referidos nos art.os 1363.º e 1364.º.
Por outro lado, o termo inicial do prazo necessário à constituição da servidão de vistas por usucapião (cfr. art.º 1362.º), seria a data da construção, pelo que, como já se concluiu relativamente às outras servidões, tal prazo ainda se não completou, não podendo ter-se por constituída a aludida servidão.

Sem embargo, o pedido de tapagem da dita janela não foi formulado na petição inicial, vindo apenas a sê-lo feito na sessão da audiência de julgamento de 09/07/2018, na qual os ora Apelantes apresentaram um requerimento, que vem transcrito a fls. 188 dos autos (transcrição que é fidedigna como se pôde constatar do formato informático do processo), do seguinte teor:

Em 29 e 33, os autores alegaram a abertura de uma janela que se situa no segundo andar do prédio dos réus.
Tal janela encontra-se implantada na parede que os réus construíram, ocupando o espaço, aqui sempre designado por “passa gatos”, que se situava entre os dois prédios, e que os autores pedem que seja demolida.
Para o caso de tal pedido não ser procedente, os autores, ao abrigo do disposto no artigo 265.º C.P.C., pretendem alterar o pedido, fazendo constar do mesmo que tal janela seja eliminada”.

Os Apelados/Réus opuseram-se, e o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

Na realidade, vieram os autores requerer, ou seja, acrescentar um pedido subsidiário, ou seja, na eventualidade de não ser procedente o pedido feito na PI na alínea h), que seja eventualmente apreciado o pedido que os autores ora requerem que seja acrescentado, aditado.
Assim sendo, e atento o disposto no artigo 265.º, designadamente o n.º 2, do C.P.C., não se trata de uma ampliação do pedido, pois tal ampliação não decorre do desenvolvimento ou da consequência do pedido primitivo, pelo que se indefere o requerido.”.
Esta decisão foi notificada aos ora Apelantes que a não impugnaram, transitando, por isso, em julgado.
Nos termos do disposto no art.º 620.º do C.P.C., as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
Como referem ANTUNES VARELA et AL. “A força e a autoridade atribuídas à decisão transitada em julgado, quer ela se refira à relação processual, quer sobretudo quando respeita à relação material litigada” visam acautelar “uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito”, impedindo que uma questão decidida “pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde, em termos diferentes, por outro ou pelo mesmo tribunal (res judicata pro veritate habetur)” (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, pág. 296).
Um dos princípios basilares do direito processual civil é o princípio do dispositivo que se traduz, designadamente, na liberdade de decisão sobre a instauração do processo e sobre a conformação do seu objecto.
Daí que o tribunal não possa conceder a tutela jurisdicional a uma das partes sem que ela lhe seja pedida – cfr. art.º 3.º, n.º 1 do C.P.C..
A propósito, referiu o S.T.J. no Acórdão de 06/02/1992, “Desde que determinada medida de tutela jurídica não tenha sido oportunamente pedida o princípio do dispositivo obsta a que o tribunal dela conheça e a decrete sob pena de nulidade” (in B.M.J., nº. 414º., págs. 413 e sgs., maxime 415).
Tendo sido rejeitado o pedido acima referido, os efeitos que decorrem da rejeição são os mesmos da não formulação do pedido, não podendo, por isso, este Tribunal dele conhecer.
De qualquer modo, por constituir uma questão nova, também o seu conhecimento está vedado a este Tribunal da Relação visto que dela não podia conhecer oficiosamente.
Com efeito, como se extrai do disposto no artº. 676º., nº. 1, do C.P.C., é da natureza dos recursos a reponderação das decisões proferidas pelos tribunais recorridos, não podendo o tribunal ad quem pronunciar-se sobre matéria não submetida à apreciação do tribunal a quo e de que não deva/possa conhecer-se oficiosamente.

Refere o Acórdão do S.T.J., de 04/10/2007 ser “entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça” que os recursos se destinam “a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não para obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições. São remédios jurídicos que se destinam sim a apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso …” (in www.dgsi.pt/jstj, Procº. 07P2433, ponto 2 do sumário).
De facto, se, com os recursos, o que se pretende obter é a modificação das decisões (revogando-as ou anulando-as) relativas às questões que foram apreciadas pelo tribunal recorrido, está excluída a hipótese de o tribunal superior decidir sobre matéria nova, com o que sairia desvirtuada a finalidade do próprio recurso e ofendido o princípio da preclusão, salvo tratando-se de matéria que esteja subtraída à disponibilidade das partes e, por isso, de que deva conhecer-se oficiosamente.
Termos em que se decide não conhecer deste pedido (nem os Apelantes, cientes de que ele tinha sido rejeitado na 1.ª Instância, o deviam ter formulado nesta sede de recurso).
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VIII.- Mau grado ter concluído pela inverificação de qualquer lesão do direito de propriedade das Heranças que os ora Apelantes representam, o Tribunal a quo conheceu e julgou procedente a excepção do abuso do direito.

i) O abuso do direito é uma excepção peremptória de direito material, configurando igualmente uma excepção peremptória de direito adjectivo, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 576.º do C.P.C., sendo do conhecimento oficioso.

Nos termos do art.º 334.º do C.C., é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso pressupõe a existência do direito, exigindo-se, para ser censurado, que o excesso cometido seja manifesto, que haja “uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”, como referiu VAZ SERRA (in B.M.J., nº. 85º., pág. 253), que acrescenta que “quem abusa do seu direito utiliza-o fora das condições em que a lei permite, e o efeito deve ser, portanto, em princípio, o que resultaria de um direito só aparente, isto é, falta de direito”.
Como vem sendo observado, o abuso do direito “constitui uma ‘válvula de segurança’ do sistema jurídico, destinado a fazer face e neutralizar situações de flagrante injustiça a que por vezes pode conduzir o exercício de um direito subjectivo” – cfr., v.g., Acórdão do S.T.J. de 12/02/2004 (ut Proc.º 03B4273, in www.dgsi.pt).
De acordo com o Acórdão do S.T.J. de 9/04/2013, “O instituto do abuso do direito relaciona-se com situações em que a invocação ou o exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça” e prossegue, citando o Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 28/11/1996, referindo que “O abuso do direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito e casos em que se excede os limites impostos pela boa fé” (in C. J., Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo III, págs. 118-121).
Segundo ANTUNES VARELA “para que o exercício do direito seja abusivo é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder”, acrescentando que “para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade”, e a “consideração do fim económico ou social do direito apela, de preferência, para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei” (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed., págs. 545-546).
Dentre os tipos de actos abusivos releva, para a decisão, o «venire contra factum proprium», em que incorre quem contradiz o seu próprio comportamento. A doutrina dominante tem neste instituto uma manifestação da tutela da confiança.
Como ficou referido no Acórdão do S.T.J. de 24/03/2015, “A tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência. O fundamento da proibição do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objectiva (ut Proc.º 296/11.2TBAMR.G1.S1, in www.dgsi.pt).
De acordo com MENEZES CORDEIRO, o venire contra factum proprium traduz em Direito “o exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente”, contradição que, porém, “só o será quando não tiver nenhum factor que o justifique”.
Assim, esclarece, “só se considera como o venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor, destarte se excluindo “a supressio, a actuação por conta própria, a situação dita tu quoque e a do chamado dolo inicial”, devendo ainda afastar-se, à partida, “a hipótese de o factum proprium, por integrar os pressupostos da autonomia privada, surgir como acto jurídico que vincule o autor: em termos de o segundo comportamento representar uma violação desse dever específico”, caso em que se devem accionar “os pressupostos da responsabilidade obrigacional, e não os do exercício inadmissível de posições jurídicas”.
Distingue ainda MENEZES CORDEIRO as hipóteses do venire positivo, nestas integrando: o exercício dos direitos potestativos; o exercício de direitos comuns; e as actuações no âmbito de liberdades gerais. No venire negativo, “a situação paradigmática reside em alguém prevalecer-se de nulidades quando, conhecendo-as, tivesse em momento prévio mostrado a intenção de agir em execução do negócio viciado” (in “Tratado de Direito Civil”, vol. V, págs. 275 e sgs.).
Segundo BAPTISTA MACHADO “o instituto do «venire contra factum proprium» caracteriza-se pela combinação de dois elementos. Por um lado, ser conforme à ideia de justiça distributiva que os riscos originados na credibilidade da conduta anterior do agente não devam ser suportados por quem, dentro da normalidade da vida de relação, acreditou na mensagem irradiada pelo significado objectivo da conduta do mesmo agente. Por outro lado, ser possível alcançar esse resultado sem sujeitar tal agente a uma obrigação, sem lhe impor a constituição de um vínculo, mas pelo simples desencadear de um efeito inibitório ou inabilitante” (in R.L.J., ano 118, pág. 104).
O Acórdão do S.T.J. de 12/11/2013, refere que “o princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte”, sendo pressupostos desta modalidade do abuso do direito: i) “a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; ii) a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; iii) a boa fé do lesado (confiante); iv) a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; v) o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou”, continuando o mesmo Acórdão referindo que “O princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.” (ut Proc.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, in www.dgsi.pt).

ii) O Tribunal a quo considerou “abusivo” o comportamento dos ora Apelantes deixando referido que “atenta a factualidade dada como provada, resulta que é manifesto que, na situação em apreço, existe nexo causal entre o alegado “factum proprium” praticado pelos Autores e o alegado dano de confiança.
Assim, a reconstrução dos RR. foi realizada entre 2006 e 2007, sendo que, à data, eram únicos proprietários do prédio mencionado em 1., os pais de alguns dos AA., M. J. e A. N., que viviam ao lado da dita reconstrução, e tinham conhecimento direto da mesma e nada disseram, para 2 anos após a sua morte em 2014 (ou seja, 9/10 anos após o inicio da reconstrução) virem os filhos questionar a reconstrução dos RR.
Por outro lado, os AA. admitiram que acabaram na altura por ter conhecimento das obras dos RR., mas nada fizeram pois na altura quem mandava eram os seus pais.
Há manifestamente aqui duas atitudes contraditórias dos Autores, e foram os Réus surpreendidos com a iniciativa judicial de sinal contrário à sua conduta anterior que se pode considerar como traindo a confiança que nela depositavam.”.
Como se vê, a decisão funda-se em comportamentos e atitudes dos pais e sogros dos ora Apelantes, unicos proprietários do prédio aquando das obras, e que a elas se não opuseram, e funda-se ainda em factos que não constam da facticidade provada: que os ora Apelantes “acabaram na altura por ter conhecimento das obras dos RR., mas nada fizeram pois na altura quem mandava eram os seus pais” tendo, ao invés, sido julgado não provado que “as obras efetuadas pelos RR no seu prédio foram acompanhadas e consentidas pelos AA. J. B. e F. B.” (cfr. alínea j.).
Tais factos traduzem realidade inexistente para os autos e, por isso, não pode fundar-se neles a decisão.
Sempre se impõe deixar referido, porém, que a não oposição às obras por banda dos pais e sogros dos ora Apelantes, podendo configurar uma atitude de tolerância a essas mesmas obras, não pode ser havida como renúncia ao exercício do direito de defesa dos interesses e direitos violados pelas mesmas obras, tanto mais que, como acima se deixou referido, nem uns nem outros emitiram qualquer declaração de vontade nesse sentido ou tiveram participação nessas mesmas obras.
A tolerância não é consentimento e muito menos equivale à renúncia de direitos.
Assim, para além de não ter sido provado qualquer comportamento dos pais e sogros dos ora Apelantes, nem, tampouco, destes, capazes de gerar nos Apelados/Réus a convicção de que nunca viriam a exigir a remoção das obras ofensivas do seu direito de propriedade, porque nunca manifestaram esse propósito, o tempo decorrido desde a data da execução das obras até à data da propositura desta acção – nove anos – não lhes pode obstaculizar o exercício do direito de defesa da propriedade (como ficou provado, o pai e sogro dos Apelantes, M. J., faleceu em -/05/2014, e a mãe e sogra, A. N., faleceu em -/08/2014, e a presente acção foi intentada (apenas) um ano e oito meses depois).
Do exposto resulta a improcedência da excepção do abuso do direito, destarte se impondo revogar a decisão quanto a esta parte.
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C) DECISÃO

Considerado quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recuso de apelação, revogando a decisão impugnada quanto à excepção do abuso do direito, que se julga, agora, improcedente, e no segmento absolutório, em relação aos pedidos formulados pelos Apelantes/Autores sob as alíneas d); f); e g), condenando-se os Apelados/Réus a:

- Removerem o tubo de queda de água da caleira do seu prédio que se encontra embutido na caleira do prédio das Heranças que estes últimos representam, removendo, quer este tubo, quer a ligação que fizeram para a caleira.
- Removerem o beiral que colocaram no seu prédio na parte em que invade o espaço aéreo do referido prédio das Heranças.
- Removerem as chapas caneladas com que revestiram a parede que confronta com o mesmo prédio das Heranças.
No mais, confirmam e mantêm a supracitada decisão.
Custas da acção e da apelação pelos Apelantes/Autores e pelos Apelados/Réus, na proporção de dois oitavos para os primeiros e seis oitavos para os segundos.
Guimarães, 16/01/2020

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho