Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
176/09.1TBPTL.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
INSOLVÊNCIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A pendência de acção de impugnação pauliana proposta por exequente a devedor que vem entretanto a ser declarado insolvente, não obsta à extinção da referida acção executiva nos termos do nº3, do artº 88º, do CIRE, ou seja, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º do referido diploma legal.
II – Por outra banda, também a extinção da referida acção executiva não vai de todo retirar qualquer utilidade a uma eventual e futura procedência da acção de impugnação pauliana, pois que, não apenas tal sentença constitui título executivo contra o terceiro adquirente de bens do devedor, como inclusive obrigado está o credor, para alcançar a satisfação do seu crédito através dos referidos bens, de o executar directamente ( cfr. artº 735º,nº2, do CPC)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães
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1. Relatório.
Em acção executiva a correr termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, intentada em 25/2/2009 e com vista à cobrança coerciva da quantia total de 283.483,61€, e em que figura como exequente a R…, SA, com sede em Viana do Castelo, e, como executada A…, Ldª , foi incorporada ( em 2/5/2014 ) no apenso de oposição à referida execução informação enviada pela Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima, da mesma constando que a executada foi declarada dissolvida ( pela Ap. 01 de 27/5/1013 ), mostrando-se igualmente já averbado o encerramento da liquidação e encontrando-se registado o cancelamento da matrícula.
1.1.- Em face da informação da CRP de Ponte de Lima, indicada em 1, e conclusos os autos de execução a 12-06-2014, nele foi proferido o seguinte despacho : “ Uma vez que a executada foi declarada extinta com o consequente cancelamento da sua matrícula julgo extinta a instância por impossibilidade da lide.
Custas a cargo da massa insolvente.
Registe e notifique.
P. Lima, DS “
1.2. – Notificada do despacho indicado em 1.1., e não do mesmo discordando, veio de imediato a exequente R…, SA do mesmo apelar, sendo que em sede de alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho a fls. dos autos que decidiu da seguinte forma: “ uma vez que a executada foi declarada extinta com o consequente cancelamento da sua matrícula julgo extinta a instância por impossibilidade da lide ”.
2. Do despacho recorrido é manifesta a sua falta de fundamentação, na medida em que o mesmo é completamente omisso quanto às normas jurídicas em que se baseou, mas também quanto aos princípios jurídicos em que se apoiou e é omissa quanto à motivação da decisão em termos concretizados.
3. Não se compreende, desde logo porque o Douto Despacho recorrido não explica e/ou concretiza e carece em absoluto de fundamentação fáctico-legal, de que forma, com que fundamento, em que momento e no âmbito de que processo é que a executada foi declarada extinta e em que medida e com que fundamento é que a mesma determina “in limine” a impossibilidade da presente lide.
4. Até porque, tal como resulta do artigo 88.º do C.I.R.E., a declaração de insolvência não determina a extinção das acções executivas “tout court”, mas antes e tão só a respectiva suspensão.
5. Isto porque, independentemente do encerramento do processo de insolvência (e até da extinção da sociedade insolvente a ter existido), casos há em que os credores podem exercer os seus direitos, como assim o será no caso de procedência da acção de impugnação pauliana instaurada pela Recorrente e que se encontra pendente em juízo, tal como decorre do artigo 127.º do C.I.R.E..
6. Pelo que, não ocorre ou pelo menos não resulta do teor do despacho recorrido, no âmbito dos presentes autos, uma qualquer impossibilidade da presente lide que determine “in limine” a extinção da instância.
7. Cremos, pois, que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido não especificou os fundamentos de facto e de direito que justifica a decisão, o que consubstancia uma nulidade : artigo 668.º, n.º 1 alínea b), aplicável nos termos do disposto no artigo 666.º, n.º 3, ambos do Cód. Processo Civil - e é essa nulidade que expressamente se invoca e que, julgando-se procedente, deverá determinar a revogação do despacho em análise.
8. Por outro lado, não assiste, salvo o devido respeito, qualquer razão ao Mm.º Juiz “a quo” para decidir como decidiu, desde logo, pela invocada “extinção da instância por impossibilidade da lide” estar desprovida de qualquer fundamento fáctico-legal.
9. Corre os seus termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, o processo n.º 1220/09.1TBPTL, no âmbito da qual é peticionada a anulação/declaração de ineficácia de escrituras públicas de compra e venda através das quais a sociedade insolvente, aqui executada, “vendeu” bens imóveis que integravam o seu património, com vista à frustração dos credores, como é o caso da ora Recorrente.
10. No âmbito do presente processo executivo foram indicados e objecto de penhora os bens imóveis pertencentes à sociedade executada ora insolvente que, por sua vez, foram alienados a terceira sociedade, encontrando-se pendente em juízo a correspondente acção de impugnação pauliana, acima identificada, com vista à restituição/reintegração de tais bens no património da sociedade insolvente, com direito à execução dos mesmos pela credora/aqui Exequente para pagamento da dívida: artigo 616.º do Código Civil.
11. Tal como decorre do artigo 127.º, n.º 3 do C.I.R.E., a acção de impugnação pauliana prossegue os seus termos normais e nenhuma influência nela terá o prosseguimento ou encerramento do processo de insolvência ou até a extinção da sociedade devedora, o que vale dizer que, independentemente do encerramento do processo de insolvência, os credores, como é o caso da Recorrente, podem exercer os seus direitos, nos termos do disposto no artigo 616.º do Código Civil.
12. Com a prolação do despacho recorrido chegamos, pois, ao ponto de, por um lado, a Recorrente não dispor de “título executivo” que lhe permita o prosseguimento dos seus direitos (creditórios) contra a sociedade insolvente e de, por outro lado, em caso de procedência da acção de impugnação pauliana acima referenciada, não dispor de mecanismo processual que lhe permita a penhora desses bens e a sua posterior venda judicial, com vista à cobrança judicial do seu crédito, tal como dispõe o artigo 616.º do Código Civil.
13. Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que, julgando o presente recurso integralmente procedente, ordene a suspensão da presente instância até prolação da decisão final no âmbito da sobredita acção de impugnação pauliana.
14. Por outro lado, e considerando o supra alegado, o encerramento do processo de insolvência não determina, sem mais, a impossibilidade da presente lide, não devendo ser desconsiderada, designadamente pelo Mm.º Juiz “a quo” a pendência da referida acção judicial de impugnação pauliana.
15. Pelo contrário, a única via de cobrança e/ou execução do património da sociedade Insolvente de que a ora Recorrente dispõe, uma vez reintegrado por efeito da procedência da referida acção de impugnação pauliana, é a presente instância, pelo que a mesma deverá aguardar pelo desfecho da acção de impugnação pauliana instaurada pela Recorrente que se encontra pendente em juízo.
16. O mesmo é dizer que a “impossibilidade” da presente lide, uma vez que se encontra pendente em juízo uma acção de impugnação pauliana cuja procedência determinará o reingresso de bens no património da Executada para efeitos de cobrança pelo Autor, só poderá ser aferida após decisão nesta acção judicial, o que ainda não sucedeu.
17. Ademais, em sede de acção executiva, a extinção da mesma só ocorrerá: 1) com o pagamento coercivo ou voluntário da quantia exequenda; 2) por qualquer outra causa prevenida na lei civil (dação em cumprimento, consignação em depósito, novação, remissão, confusão: artigos 837.º a 873.º do C.Civil); 3) revogação da sentença exequenda (em sede de recurso); 4) procedência da oposição à execução; 5) desistência da instância ou do pedido; 6) por deserção ou transacção (artigo 287°, alíneas c) e d) do C.P.Civil) - cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 2a edição, 291, Miguel Teixeira de Sousa, A Reforma Da Acção Executiva, 209 e Fernando Amâncio Ferreira, Curso De Processo De Execução, 261. – e nenhuma desta situações sucede no âmbito da presente instância.
18. Pelo que, contrariamente ao decidido, não ocorre, nos presentes autos, uma qualquer impossibilidade da presente lide que determine “in limine” a extinção da instância, pelo contrário, a improcedência do presente recurso e consequente extinção da instância, determinará, sem mais, que à Exequente seja retirada a possibilidade de obter mecanismos processuais que lhe permitam efectivar o direito de cobrança que lhe assistirá no caso da procedência da acção de impugnação pauliana, ainda pendente em juízo, o que é contrário aos princípios plasmados na Lei.
19. Neste sentido defendeu já o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/07/2013 (processo n.º 283/09.0TBVFR-C.P1.S1), disponível in www.dgsi.pt: “Nos casos em que os executados são declarados insolventes na pendência de acção de impugnação pauliana, por razões de justiça material e respeito pela execução universal que a insolvência despoleta, os bens alienados e objecto de acção de impugnação pauliana, devem, excepcionalmente, regressar ao património do devedor, para, integrando a Massa Insolvente responderem perante os credores da insolvência, sendo o crédito do exequente e Autor triunfante na acção de impugnação pauliana, tratado em pé de igualdade [com a ressalva do estatuído no art. 127º, nº3º, do CIRE] com os demais credores dos inicialmente executados, ora insolventes, assim acolhendo a lição de Pires de Lima e Antunes Varela quando afirmam que “o credor pode ter interesse na restituição dos bens ao património do devedor, se a execução ainda não é possível ou se há falência ou insolvência, caso em que os bens revertem para a massa falida.”
20. A decisão recorrida, ao partir do pressuposto (erróneo) de que se verifica “in casu” uma situação de impossibilidade da lide como causa de extinção do processo, violou, além do mais, a disposição do artigo 287.º, alínea e) do Cód. Processo Civil.
21. Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que, julgando o presente recurso integralmente procedente, ordene a suspensão da presente instância até prolação da decisão final no âmbito da sobredita acção de impugnação pauliana.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, proferir-se Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!
1.4.- Não houve contra-alegações.
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Thema decidendum
Estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 , 6º,nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer, as questões a decidir são apenas duas :
I - Aferir se o despacho do a quo indicado no item 1.1 do presente Ac. padece de nulidade;
II - Aferir se a decisão apelada deve ser revogada;
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2.- Motivação de facto.
Os factos a considerar para a economia da apelação são os constantes do relatório que antecede, impondo-se porém ainda atentar , porque pertinente para a decisão a proferir, na seguinte factualidade [ que decorre do processado nos autos , ainda que destes últimos não constem os competentes documentos, como se impunha, e em observância ao disposto no art.º 412º,nº2, do CPC – v.g. no tocante à sentença de declaração de insolência da executada ]:
2.1. - No decurso da presente acção executiva, foi a executada A…, Ldª, judicialmente declarada insolvente, por sentença proferida em 19/3/2010 , transitada em julgado ( vide informação a fls. 397);
2.2.- Na acção de insolvência identificada em 2.1., em 16/9/2011 foi proferida decisão judicial de encerramento ( nos termos da alínea d), do nº1, do art.º 230º, do CPC ) do processo ;
2.3. - Na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima, e no tocante à executada A…, Ldª, mostra-se já registada a sua dissolução e encerramento da liquidação, encontrando-se igualmente já averbado o cancelamento da respectiva matrícula ( pela Ap. 01 de 27/5/1013 ) ;
2.4.- A exequente R…, SA, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum ordinária contra a executada A…, Ldª , e outros , nos termos e para efeitos do disposto nos artºs 610º e 616º, ambos do CPC ( impugnação pauliana ) , acção que vem correndo termos ;
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3.- Motivação de Direito
3.1. – Da nulidade da decisão apelada.
Diz a apelante que o despacho recorrido ( que consta do item 1.1. do presente Ac. ) padece do vício adjectivo de falta de fundamentação, na medida em que é ele completamente omisso quanto às normas jurídicas em que se baseou, mas também quanto aos princípios jurídicos em que se apoiou.
Daí que, conclui a apelante, ao decidir como decidiu, não especificando os fundamentos de facto e de direito que justifica a decisão, padece o mesmo de nulidade, nos termos do artigo 668.º, n.º 1 alínea b), aplicável nos termos do disposto no artigo 666.º, n.º 3, ambos do Cód. Processo Civil.
Vejamos.
Do disposto no artº 154º, do CPC ( nº1) , resulta claro que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas e, bem assim (nº2), que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
Em causa está, em rigor, a consagração na Lei adjectiva do princípio constitucional vertido no artº 205º da Lei Fundamental, no sentido de que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Aludindo a tal exigência, explica Alberto dos Reis (1) que importa que a parte vencida conheça as razões por que o foi, para que possa atacá-las no recurso que interpuser.
Acresce que, adianta Alberto dos Reis (2), “ Mesmo no caso de não ser admissível recurso da decisão, o tribunal tem de justificá-la , pela razão simples de que uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valeram os seus fundamentos . Claro que a força obrigatória da sentença ou despacho está na decisão ; mas mal vai à força quando não se apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer de que a decisão é conforme à justiça”.
Concluindo, ainda segundo Alberto dos Reis (3), sendo a função própria do Juiz a de interpretar a lei e aplicá-la aos factos da causa, “ (…) deixa de cumprir o dever funcional o Juiz que se limita a decidir, sem dizer como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto “.
No seguimento das apontadas exigências de fundamentação, diz-nos o art.º 615º, n.º 1, b), do CPC, que é nula a sentença quando não especifique ela os fundamentos de facto e de direito, discriminando os factos que a justificam e indicando outrossim quais as normas jurídicas que à situação fáctica provada se aplicam, sendo que tal exigência estende-se ainda, até onde seja possível, aos próprios despachos ( cfr. nº3, do artº 613º, do CPC ).
Porém, como é jurisprudência uniforme sobre tal matéria, apenas o vício da falta absoluta de motivação, ou seja , quando ela não existe de todo, é que integra causa de nulidade de sentença, já não padecendo esta última de nulidade quando , existindo tal fundamentação, é porém ela escassa, deficiente ou mesmo demasiado pobre ( cfr. de entre vários e muitos outros o Ac. do STJ de 5/5/2005, in www.dgsi.pt).
Do mesmo modo, e a propósito do apontado vício, é a doutrina também unânime em considerar que importa (4) distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada . É que, adverte José Alberto dos Reis (5), o que a lei considera nulidade é “(…)a falta absoluta de motivação ; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.
Chegados aqui, e analisada a decisão que é objecto da apelação, manifesto é que [ “ Uma vez que a executada foi declarada extinta com o consequente cancelamento da sua matrícula julgo extinta a instância por impossibilidade da lide” ] padece a mesma, no âmbito da indicação da fundamentação de facto, de demasiada concisidade , não explicando v.g. quando e qual a decisão de extinção a que se refere, designadamente se foi a mesma proferida no âmbito de um qualquer processo judicial e, na afirmativa, qual foi ele.
De igual modo, e agora em sede de indicação da fundamentação de direito, é a decisão apelada, não apenas demasiado sintética, mas em rigor absolutamente omissa, pois que não se descobre na mesma a indicação de uma única disposição legal que justifica o comando decisório de extinção da instância executiva pendente.
Em rigor, portanto, e porque mais considerações não se justificam, mostram-se assim pertinentes as conclusões da apelante no tocante à invocada nulidade da decisão do Juiz a quo, nulidade que efectivamente existe.
Em todo o caso, neste conspecto, importa não olvidar que, nos termos do preceituado no nº1, do artigo 665° do C.P.C., ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso não deixará de conhecer do objecto da apelação, ou seja, confirmando a Relação a arguição de alguma das nulidades de sentença a que aludem v.g. as alíneas b) a e), do nº1, do artº 615º, do CPC , tal não obriga inevitavelmente ao reenvio do processo para o tribunal a quo para suprir a nulidade, v.g., especificando agora os fundamentos de facto e de direito da decisão quando faltem eles.
No essencial, representando o referido artº 665° do CPC a consagração do princípio fundamental do direito a uma tutela jurisdicional efectiva contemplado no artº 20º da Constituição da República (6), e não obstante ficarem os dois graus normais de jurisdição reduzidos a apenas um só (7) , considerou porém o legislador que este último inconveniente era largamente compensado pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal “ ad quem “.(8)
Importa, pois, de seguida, e não obstante o juiz a quo não haver v.g. elencado as disposições legai que fundamentam a sua decisão, conhecer do objecto da apelação, o que se justifica ainda pelo facto de do processo constarem todos os elementos de prova necessários para o efeito,
3.2.- Se a decisão apelada deve ser revogada, sendo substituída por outra que ordene o normal e regular prosseguimento da execução.
No entender da apelante R…, SA, a decisão recorrida incorre ainda em error in judicando, pois que, partindo do pressuposto de que in casu se verifica fundamento legal de extinção da execução, a saber, a impossibilidade da lide , a verdade é que tal causa não existe, nem sequer uma outra qualquer, antes se justificava tão só que o tribunal a quo tivesse determinado a mera suspensão da instância até a prolação da decisão final no âmbito da acção de impugnação pauliana intentada pela ora apelante e que vem ainda correndo termos.
É que, diz a apelante, com a extinção da acção executiva, não apenas fica a Recorrente doravante sem qualquer “título executivo” que lhe permita o prosseguimento dos seus direitos (creditórios) contra a sociedade insolvente, como, por outra banda, mesmo que venha a obter ganho de causa na acção de impugnação pauliana intentada e ainda a correr termos, deixa de dispor de qualquer mecanismo processual ( que será a presente execução) que lhe permita a penhora dos bens que da referida acção são objecto.
Adiantado desde já o nosso veredicto, é para nós manifesto é que à apelante não assiste qualquer razão, quer no tocante à primeira questão que suscita, quer outrossim relativamente à segunda.
Senão, vejamos.
Relativamente à primeira questão [ não existir in casu fundamento legal de extinção da execução ] , a saber, não existir fundamento legal para a extinção da execução por impossibilidade superveniente da lide, sendo verdade que as causas típicas de extinção da acção executiva são as que se mostram previstas nos artºs 846º a 849º, do Código de Processo Civil, sendo as mais conhecidas/normais as que correspondem às diversas formas susceptíveis de se operar a extinção da obrigação exequenda [ o pagamento, a quitação, o perdão e a renúncia – cfr. nºs 1 e 5, do artº 846º, do CPC ] , e , bem assim, as que integram a causa própria de extinção da execução como o é o da procedência de oposição que tenha sido deduzida ( artºs 728º e segs), certo é que há muito (9) que é admitida a possibilidade de a execução também se poder extinguir por causas primariamente processuais, as quais se repercutem ,ou não, na relação material ou subjacente.
E, de entre as últimas referidas, destacam-se v.g. algumas das causas de extinção da instância previstas no artº 277º, do CPC, maxime a deserção, a desistência e a transacção. (10)
Já no que concerne especificamente à causa da alínea e), do artº 277º, do CPC ( a impossibilidade ou inutilidade superveniente a lide ), sendo certo que não era a mesma ab initio considerada aplicável à instância executiva, sucede que, após a alterações introduzidas no CPC com o DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, passou doravante alguma doutrina (11) a não questionar a sua aplicação à própria execução, passando a mesma a configurar uma causa susceptível de integrar a previsão da alínea f), do nº1, do actual artº 849º, do CPC ( “quando ocorra outra causa de extinção a execução”), o mesmo sucedendo com o entendimento maioritário da jurisprudência. (12)
Dito isto, e sabendo-se que no decurso da presente acção executiva, foi a executada A…, Ldª, judicialmente declarada insolvente, por sentença proferida em 19/3/2010 , transitada em julgado , impõe-se de seguida aferir se tal ocorrência serve de fundamento para respaldar a decisão apelada.
Ora, relativamente a tal matéria, recorda-se que, do artigo 88º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), com a redacção actual e vigente à data da prolação da decisão apelada [ redacção introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril ] , consta que ( Acções executivas) :
1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.
3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.
4 - Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios electrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afetadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior.
Por sua vez, já o artº 230º, do CIRE, nos respectivos nºs 1 , alínea d), e nº2 [ ainda com a redacção anterior à introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril ], prescrevia que “ 1 - Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento: (…) d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente”, sendo que “A decisão de encerramento do processo é notificada aos credores e objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º, com indicação da razão determinante ( nº 2).
Não constando da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril ] , uma qualquer norma transitória a regular a aplicação das alterações introduzidas no CIRE aos processos pendentes, e sendo o entendimento doutrinal (13) prevalecente no sentido de que, em sede do direito processual, quando se diz que a lei ( no artº 12º, do CC ) dispõe para futuro, deve interpretar-se tal norma no sentido de que na área do direito processual , a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros a praticar nos processos pendentes, temos assim que as alterações supra referidas são também aplicáveis aos presentes autos, maxime no tocante ( cfr. artº 136º, do CPC ) aos actos processuais praticados no processo após a entrada em vigor da Lei nº 16/2012.
Ora, em face do disposto no artº 88º do CIRE, com a redacção anterior à introduzida pela Lei nº 16/2012, a jurisprudência encontrava-se dividida no sentido de optar, em sede de acção executiva proposta contra o devedor declarado insolvente na sua pendência, ou pela mera suspensão da instância, ou antes pela sua imediata extinção, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, sendo que, importa reconhecer, a maioria alinhava pelo entendimento da mera suspensão, desde logo em razão da letra do artigo 88º do CIRE, ao definir expressis verbis quais os efeitos processuais da sentença de declaração de insolvência nas acções executivas, pois que não impunha/determinava de todo a extinção da execução, mas tão só a sua suspensão. (14)
Sucede que, entretanto, com as alterações introduzidas no artigo 88º, do CIRE, com a Lei nº 16/2012, e como bem se salienta em Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra (15), com os novos nºs 3 e 4, é hoje indiscutível ( entendimento que de resto granjeava já um amplo espaço interpretativo face à redacção originária do preceito ) que a declaração de insolvência do executado determina tão só a suspensão da instância, que não a sua extinção, ou seja, admitindo que se “alguma vez existiu no artigo 88º do CIRE algum espaço interpretativo (…) para, nestas condições, determinar a extinção da instância executiva e não a suspensão, isso perdeu qualquer sentido com a introdução do nº 3 operada pela Lei nº 16/2012.”
Ou seja, suspensa a acção executiva com a declaração de insolvência do executado, a sua extinção relativamente ao mesmo executado apenas ocorre com a prolação pelo Juiz de decisão de encerramento do processo de insolvência , nos termos do nº1, alíneas a) e d), do artº 230º, do CIRE.
Aqui chegados, se atentarmos agora à factualidade vertida nos itens 2.2. e 2.3., ambos da motivação de facto do presente Ac., inevitável é porém considerar-se verificada a previsão do nº3, do artº 88º, do CIRE, quer no tocante à prolação na acção de insolvência de decisão judicial determinativa do respectivo encerramento, quer relativamente ao cumprimento da obrigação relacionado com o registo na Conservatória do Registo Comercial [ cfr. artºs 3º,nº1, alínea t) e artº 9º, alínea n) , ambos do CRC ] da competente e referida decisão.
Logo, precipitada é, no mínimo, a alusão de que a decisão recorrida não se ampara em fundamento legal que a suporte, pois que, não apenas se mostra esta última expressis verbis consagrada ( no nº3, do artº 88º do CIRE, este último com a redacção introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril ), como o facto legal desencadeador da extinção da execução veio a ocorrer/verificar-se.
Seguindo-se a análise da segunda questão equacionada pela apelante e a qual, no seu entendimento, obstava outrossim que tivesse o tribunal a quo declarado a extinção da acção executiva, é também a mesma, e até com mais clareza, de todo injustificada.
Na verdade, caso a apelante venha a obter ganho de causa na acção de impugnação pauliana intentada, é o nº1, do artº 616º, do CC, peremptório em dispor que “ julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição (…)”.
Por outra banda, em face da conjugação do disposto nos artºs 818º, do Código Civil, e artºs 54º,nº2 e 735º, nº2, ambos do CPC, não apenas a apelante passa a dispor de título executivo contra o obrigado à restituição dos bens, como inclusive está obrigado a demandá-lo em acção executiva, pois que, só o fazendo, poderá a exequente alcançar a satisfação do seu direito de crédito através do bem alienado pelo devedor . (12)
É que , para todos os efeitos , o nº2, do artº 54º do CPC , é igualmente aplicável quando o exequente dispõe de sentença favorável proferida em acção de impugnação pauliana julgada procedente, podendo de imediato e apenas directamente contra o terceiro exercitar/executar o seu direito de crédito ( cfr. nº 3, primeira parte, do art.º 54º, do CPC ).
Logo, não é verdade que, com a manutenção da decisão apelada, deixe a recorrente de dispor de mecanismo processual que lhe permita a penhora desses bens e a sua posterior venda judicial, com vista à cobrança judicial do seu crédito, tal como dispõe o artigo 616.º do Código Civil, antes está inclusive obrigada , com base na sentença proferida na acção de impugnação pauliana, a executar directamente o terceiro.
E suma, a apelação improcede in totum.
Sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC ) :
I - A pendência de acção de impugnação pauliana proposta por exequente a devedor que vem entretanto a ser declarado insolvente, não obsta à extinção da referida acção executiva nos termos do nº3, do artº 88º, do CIRE, ou seja, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º do referido diploma legal.
II – Por outra banda, também a extinção da referida acção executiva não vai de todo retirar qualquer utilidade a uma eventual e futura procedência da acção de impugnação pauliana, pois que, não apenas tal sentença constitui título executivo contra o terceiro adquirente de bens do devedor, como inclusive obrigado está o credor, para alcançar a satisfação do seu crédito através dos referidos bens, de o executar directamente ( cfr. artº 735º,nº2, do CPC)
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4.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Guimarães, em , não concedendo-se provimento à apelação interposta por R…, SA, com sede em Viana do Castelo, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante .
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(1) In Comentário ao Código de Processo Civil, 1945, Volume 2º, págs. 172 e segs. .
(2) In Comentário ao Código de Processo Civil, 1945, Volume 2º, pág. 172 .
(3) Ibidem , pág. 172.
(4) Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1984, anotado, Volume V, pág. 140.
(5) in Código de Processo Civil, 1984, anotado, Volume V, pág. 140.
(6) Cfr. Ac. do STJ de 9/12/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(7) Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1984, anotado, Volume V, pág. 489.
(8) Cfr. Abílio Neto, in Cód. de Processo Civil anotado, 2007, pág. 1020.
(9) Cfr. v.g. João de Castro Mendes, in Acção Executiva, aafl , 1980, pág. 209.
(10) Vide v.g. José Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma, 5 tª Edição, 2009, pág.355.
(11) Vg. o Cons. Lopes do Rego, in Comentários ao CPC, pág. 61.
(12) Vide v.g. os Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/5/2009 e do Tribunal da Relação do Porto, de 15/9/2009 , ambos in www.dgsi.pt.
(13) Cfr. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, págs 42 e segs.
(14) Vide de ente muitos outros o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3/11/2009, Proc, 68/08.1 TBVLF-B.C1, in www.dgsi.pt.
(15) Ac. de 25/3/2014, Proc. nº 219227/10.8YIPRT-A.C1, in www.dgsi.pt
(16) Vide v.g. o Ac. do STJ de 16/10/2014, Proc. nº 411/11.6TBGMR-A.G1.S1, sendo Relatora a Cons. FERNANDA ISABEL PEREIRA, e in www.dgsi.pt ..
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Guimarães, 09/07/2015
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte