Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2444/20.2T8BCL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: INADMISSIBILIDADE DA COMPENSAÇÃO INTEGRAL DA RETRIBUIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO POR DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Em regra os créditos que o empregador possa ter sobre o trabalhador não são compensáveis através da retribuição, nem este pode proceder a descontos na retribuição do trabalhador para se ressarcir diretamente, na pendência do contrato de trabalho, a não ser nas situações previstas no n.º 2 do art.º 279.ºdo CT, sendo ainda certo que a violação do n.º 1 do art.º 279.º CT constitui contra-ordenação muito grave.
II – Actua de forma ilícita, abusiva e violadora dos mais elementares princípios do direito do trabalho, como o é o direito à retribuição e a regra da inadmissibilidade da compensação integral da retribuição em dívida com créditos do empregador sobre o trabalhador, o empregador procede de sua iniciativa a descontos no vencimento do trabalhador das quotizações por si entregues à CGA e ao ... dos Funcionários do Estado referentes ao período de ausência do trabalhador por motivo de acidente causado por terceiro.
III - Nem todos os danos não patrimoniais são ressarcíveis e merecedores da tutela do direito, já que decorre do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 496.º do C.C., que apenas são ressarcíveis aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494 .º do C.C., tais como, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
APELANTE – X - SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A.
APELADO – J. L.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Barcelos – Juiz 2

Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

J. L., residente na Rua … Barcelos instaurou acção declarativa comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra X - SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A., com sede Av. … Lisboa e formula pedido de condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização global de €13.500,00 (sendo a título de danos patrimoniais €3.580,00 e a título de danos não patrimoniais €10.000,00), acrescidos de juros de mora desde a citação até ao integral pagamento.
Alegou em síntese que foi admitido pela ré, aquando da extinta sociedade C. e Telecomunicações, em 3 de Julho de 1973, desempenha actualmente as funções de “técnico”, mediante o pagamento da retribuição mensal líquida de 1.080,00. Entre 11/12/2018 e 07/01/2020 esteve incapacitado para o trabalho (ITA), na sequência de um atropelamento por si sofrido, tendo regressado ao serviço em 08/01/2020. Durante esse período de tempo, a Seguradora do responsável pelo sinistro procedeu ao pagamento, a título de indemnização, do valor da retribuição que deixou de auferir. Ao regressar a Ré não lhe pagou a retribuição que lhe era devida até Junho do mesmo ano, inclusive, alegando que tinha o direito de descontar no seu vencimento os valores que havia pago, durante a sua ausência ao serviço, a título de contribuições para a CGA e ...SE, tendo ficado privado, sem qualquer comunicação prévia, da totalidade ou de parte do seu vencimento de Janeiro a Junho de 2020, durante 6 meses, «tendo-lhe sido subtraído o montante total de cerca de €3.580,00». Mais alega que a actuação do seu empregador lhe causou danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais.
Procedeu-se à realização de audiência de partes e não tendo sido possível a conciliação notificou-se a Ré para contestar a acção.
A Ré contestou deduzindo a excepção da competência material do tribunal para apreciar o litígio e impugnou o alegado pelo autor, apenas reconheceu que procedeu aos descontos no vencimento do autor, no estrito cumprimento de uma obrigação legal que impende sobre si, durante o período que mediou entre Dezembro de 2018 e Dezembro de 2019, liquidando à CGA a parte respeitante ao trabalhador, concretamente 11% sobre o seu vencimento mensal, descontos que ascendem ao montante de €1.972,70, sendo que a partir do mês de Março em diante e até Junho de 2020, o autor viu a sua situação ser progressivamente regularizada à medida que iam sendo feitos os acertos por conta dos montantes devidos à Ré.
Conclui a Ré pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido.

Os autos prosseguiram a sua normal tramitação, realizou-se a audiência de julgamento e seguidamente foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção de processo comum laboral parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência condeno a Ré “X–Serviços de Comunicações e Multimédia S.A.” a liquidar ao Autor J. L. as seguintes quantias:
- a quantia devida ao Autor referente às retribuições referentes a Janeiro e Fevereiro de 2020, considerando os dias de trabalho efectivamente prestado, a liquidar em execução de sentença;
- a quantia global de €1.317,10 (Mil trezentos e dezassete euros e dez cêntimos)-€403,42+€403,42+€403,42+€106,84 referentes ao valor indevidamente descontado nos meses de Março a Junho de 2020 no vencimento do Autor;
- a quantia referente aos juros de mora à taxa legal dos juros civis, sobre estas quantias, a contar do respectivo vencimento: 20/1/2020, 20/02/2020, 20/03/2020, 20/04/2020, 20/05/2020 e 20/06/2020;
- a quantia de €4.500,00 (Quatro mil e quinhentos euros) referente a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo aqui Autor.
*
Custas por Autor e Ré na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do Apoio Judiciário de que beneficia o Autor.
Registe e notifique.”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

“1- A recorrente não se conforma com a matéria dada por provada sob os pontos 15., 16., 25., 26., 27., 28. e 29. dos factos provados, impugnando a mesma;
2- Os factos provados supra identificados constituem, em grande parte, os alicerces da condenação por danos não patrimoniais levada a cabo pelo Tribunal a quo;
3- Tribunal a quo que, neste âmbito, socorreu-se das declarações das duas únicas testemunhas arroladas pelo autor, a sua mulher – A. S. – e o amigo A. L. – a quem terá pedido dinheiro emprestado;
4- Declarações das quais, salvo melhor opinião, não se retiram quaisquer factos ou esclarecimentos susceptíveis de sustentar qualquer condenação por danos não patrimoniais, muito menos no montante determinado pelo Tribunal a quo;
5- Tanto assim que o próprio Tribunal a quo se viu obrigado a recorrer a juízos de equidade – a última válvula de segurança do sistema – dada a inexistência de qualquer outro argumento consistente para condenar a este respeito;
6- De resto, o Tribunal a quo sobrevalorizou por completo as declarações da testemunha A. S., mulher do recorrido (embora incorrectamente identificada na Acta de Audiência de Julgamento de 15/09/2021 e constante do ficheiro áudio 20210915104032_5851604_2870524);
7- As declarações desta testemunha, como tivemos oportunidade de analisar, encontram-se repletas de incongruências, inconsistências, incoerências e inverdades, não compatíveis com a sua qualidade e proximidade ao autor, precisamente por ser sua mulher;
8- Não se retiram das suas declarações quer a gravidade, quer a extensão dos alegados danos não patrimoniais que o Tribunal a quo lhes deu, precisamente porque inexistiu qualquer comportamento grave da recorrente apta a gerar tais prejuízos;
9- Ainda para sustentação dos mesmos factos provados, o Tribunal a quo socorreu-se das declarações prestadas pela testemunha A. L. (amigo do autor que terá emprestado dinheiro) ouvido em sede de audiência de Discussão e Julgamento (Cfr. Acta de Audiência de Julgamento de 30/09/2021 constantes do ficheiro áudio 20210930141855_5851604_2870524);
10- Testemunha que, não obstante ter confirmado os empréstimos (três que totalizaram cerca de 5 mil euros), não logrou contextualizar de forma convincente os termos exactos em que as transacções ocorreram, aludindo genericamente a transferências em dinheiro sem quaisquer registos, apenas uma anotação numa agenda pessoal que estaria em casa;
11- De resto, tratou-se de um depoimento que contrariou de forma frontal aquele prestado pela mulher do autor na medida em que esclareceu que as filhas do casal há algum tempo que não residiam no domicílio dos pais, encontrando-se a residir fora do país;
12- Face à forma como foi apresentado e como se apresentou em juízo (amigo próximo e de infância do autor) não temos como não dar como boas os seus esclarecimentos a este respeito;
13- Igualmente no que toca ao alegado destino do dinheiro emprestado, as declarações da testemunha A. L. divergem de forma absolutamente oposta das que foram prestadas por A. S.;
14- Se aquele refere, entre outros, um empréstimo para reparação do automóvel do autor, esta apenas mencionou que o dinheiro serviu para fundo de maneio, para fazer face a um imprevisto;
15- Fica por apurar com exactidão se de facto aconteceu, o que aconteceu e como aconteceu;
16- Censuravelmente, o Tribunal a quo aderiu à tese do autor, sem que, com o devido respeito, tivesse escrutinado de forma exaustiva como era seu dever, as inconsistências e contradições detectadas;
17- Impõe-se assim que a matéria dada por provada sob os pontos 15., 16., 25., 26., 27., 28. e 29. dos factos provados, seja considerada não provada;
18- Em complemento, o Tribunal a quo, ao condenar a recorrente nos moldes constantes da decisão proferida – devolução dos montantes objecto de acertos nos meses de janeiro a junho de 2020 – está a permitir que o recorrido, de forma não justificada, obtenha uma vantagem patrimonial indevida;
19- O Tribunal a quo deu por provada toda a factualidade relativa ao acidente que vitimou o recorrido, o que se aceita, mas de onde, necessariamente, terão de resultar outras conclusões ao nível da decisão proferida;
20-Merece assim censura que, não obstante o Tribunal a quo tenha aceitado que o recorrido foi indemnizado pela perda salarial pela seguradora no período em que esteve impedido de prestar trabalho à recorrente (janeiro de 2020 a 07 de janeiro de 2021) e que aquele até tenha celebrado um acordo para colocar termo ao seu litígio com a seguradora no montante de € 25.000,00;
21- E venha agora, condenar a recorrente a devolver montantes que o recorrido recebeu, a título de retribuição quando já se encontrava de baixa, mormente o vencimento de janeiro de 2020;
22-A ser confirmada esta condenação, será permitido que o recorrido, sem qualquer legitimidade ou justificação, receba valores de duas entidades distintas durante a sua baixa, da seguradora que o indemnizou precisamente pela perda salarial que o acidente causou e da recorrente que se vê obrigada a devolver remunerações que lhe pagou indevidamente quando o recorrido já se encontrava de baixa;
23-O mesmo se dirá relativamente aos descontos levados a cabo e entregues à CGA, na medida em que a recorrente fê-los mas não se encontra na posse de quaisquer quantias, encontrando-se tudo na posse da CGA, algo que foi amplamente explicitado ao Tribunal a quo;
24-Uma vez mais, o Tribunal a quo, não obstante o pedido da recorrente em sede de contestação, ignorou a necessidade de chamar a juízo aquela entidade para esclarecer que montantes haviam sido entregues por conta do recorrido pela recorrente;
25- O Tribunal a quo, no seu processo decisório, ignorou por completo documentação explicativa de todo o sucedido, remetida pela própria ACT, documentação que não foi colocada em causa pelo recorrido;
26-A recorrente não se conforma com o valor arbitrado, a título de indemnização por danos não patrimoniais ao recorrido, no montante de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros);
29. Face ao todo exposto, inexiste qualquer nexo de causalidade entre o alegado pelo recorrido e os danos que alega ter sofrido, pelo menos na gravidade que o Tribunal a quo lhes conferiu;
30. Para sustentar as suas conclusões o Tribunal a quo baseou-se em exclusivo nas declarações da mulher do recorrido figura próxima e directamente interessada no desfecho do processo;
31. Declarações que, como tivemos oportunidade de analisar amplamente, se pautaram pela inconsistência, incoerência, contradição e inverdade;
32. Para além destas, o Tribunal a quo baseou-se nas declarações do amigo do recorrido, A. L., que terá emprestado dinheiro aquele;
33. Declarações também repletas de afirmações vagas, genéricas e sem grande consistência, como supra se analisou detalhadamente;
34. O Tribunal a quo, consciente da ausência de argumentos para condenar em danos não patrimoniais, jogou mão do juízo de equidade para arbitrar um montante indemnizatório sem qualquer correspondência com a realidade do que discutido e demonstrado em julgamento;
35. O STJ já se pronunciou acerca dos mesmos em variadíssimos Acórdãos, sempre defendendo que: “A avaliação desta gravidade [danos não patrimoniais ressarcíveis] tem de aferir-se segundo um padrão objectivo.” Cfr. Acórdão do S.T.J. de 24/05/2007, Proc. 07A1187, ITIJ;
36. Impondo-se que, de acordo com o Acórdão do S.T.J. de 5/06/1979, seja “Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”;
37. Afigurando-se deste modo, o valor a que a recorrente foi condenada, de €2.000,00, como um montante indemnizatório sem qualquer sustentação dado que os factos alegados que o fundamentam não passam de meros incómodos causados pelo próprio recorrido que se colocou nessa posição e pretende agora tornar-se num mártir;”
Peticiona assim a Recorrente a revogação da sentença recorrida com a sua consequente absolvição dos pedidos.
Respondeu a Recorrida/Apelada defendendo a manutenção do julgado.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da improcedência total da apelação.
Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer do Ministério Público.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Impugnação da matéria de facto;
- Do desconto na retribuição do autor;
- Da indemnização por dano moral;

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS:

1. O Autor trabalha por conta e sob direção da sociedade Ré, desempenhando as funções inerentes à categoria profissional de “técnico”.
2. Tendo, em 3 de Julho de 1973, sido admitido ao serviço da extinta sociedade C. e Telecomunicações, esta que, entretanto, veio a dar origem à X – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A.
3.Pelo que o vínculo laboral subsiste desde aquela data.
4. No passado dia 11 de Dezembro de 2018, quando saía do Centro Clínico …, no parque de estacionamento do Edifício … - …, sito na Rua …, freguesia de …, concelho de Braga, o Autor foi atropelado por veículo ligeiro de passageiros – cfr. doc. 1, junto à p.i. que se dá por integralmente reproduzido
5.Tendo sofrido lesões várias,
6. Em virtude das quais, necessitou de acompanhamento médico permanente, foi submetido a intervenção cirúrgica, bem como à realização de inúmeras sessões de fisioterapia.
7. Esteve, pois, desde a data do acidente até ao dia 7 de Janeiro de 2020, impossibilitado de comparecer ao serviço, por não se encontrar apto para o exercício das suas funções, ou seja, 392 (trezentos e noventa e dois) dias de Incapacidade Temporária Absoluta - cfr. relatório médico, junto à p.i. como doc. 2, que se dá por integralmente reproduzido.
8.Tendo deixado de auferir naquele período qualquer rendimento.
9.A culpa do referido sinistro ficou a dever-se única e exclusivamente à atuação da condutora do automóvel.
10. Pelo que a companhia de seguros Y, S.A. – representante em Portugal da companhia de seguros W, seguradora do veículo em causa – de pronto assumiu a responsabilidade pelos danos sofridos no acidente pelo Autor – cfr. docs. 3 e 4, juntos com a p.i., que se dão por integralmente reproduzidos.
11. Em ato contínuo dessa mesma assunção, aquela companhia de seguros, com uma periodicidade mensal, foi procedendo a pagamentos ao Autor, a título de indemnização, no valor da retribuição que deixou de auferir – cfr. recibos de indemnização juntos aos autos a fls. 15 a 17 verso, que se dão por integralmente reproduzidos – até que o Autor celebrou um acordo com a Seguradora pelo valor de €25.000,00, considerando-se ressarcido com o recebimento de tal quantia de todos os danos ou prejuízos presentes ou futuros relativamente ao sinistro em causa – cfr. fls. 59 a 61 que se dão por integralmente reproduzidos.
12. Não pagou, pois, a Ré, naquele período, qualquer valor ao Autor, nem a tal se encontrava obrigada.
13. O Autor retomou a sua atividade profissional em 8 de Janeiro de 2020.
14. Tendo trabalhado ininterruptamente durante os restantes dias de trabalho daquele mês.
15. Grande foi, por isso, o seu espanto quando, uma vez recebida a nota discriminativa de retribuições, constatou que o total líquido a receber era de 0,00€ (zero euros) – cfr. doc. 6 junto com a p.i., que se dá por integralmente reproduzido.
16. O que se repetiu no mês de Fevereiro – cfr. doc. 7 junto com a p.i., que se dá por integralmente reproduzido.
17. Incrédulo com o sucedido, solicitou o Autor esclarecimentos à entidade empregadora.
18. Esta limitou-se a dizer que o Autor se encontrava em falta para com ela do valor que havia pago, a título de contribuições para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) e ... Servidores do Estado (...SE), no período em que aquele esteve ausente.
19. Informaram ainda, porém, que o saldo em dívida ao mês de Março era de 1.317,10€ (mil trezentos e dezassete euros e dez cêntimos), valor este que iria ser descontando mensalmente até ao mês de Junho, inclusivé – cfr. doc. 8 junto com a p.i., que se dá por integralmente reproduzido.
20. Como veio, efetivamente, a acontecer – cfr. doc. 9, junto com a p.i. que e s dá por integralmente reproduzido.
21. Somente no mês de Julho do presente ano começou a auferir o seu vencimento na íntegra – cfr. doc. 10, junto com a p.i., que se dá por integralmente reproduzido.
22. O vencimento do Autor, uma vez somada a remuneração base e as diuturnidades, de 1.466,22€ (mil quatrocentos e sessenta e seis euros e vinte e dois cêntimos), cerca de 1.080,00€ (mil e oitenta euros), uma vez efetuados os devidos descontos.
23. A Ré, sem qualquer comunicação prévia ao Autor, decidiu, de forma unilateral, reter o seu salário.
24. A Ré não comunicou ao Autor a existência de uma dívida, não concedeu qualquer prazo para o mesmo exercer o contraditório ou proceder ao pagamento voluntário do valor que considerava estar em falta.
25. Ao agir da forma supra descrita, lesou naturalmente a Ré legítimas expectativas do Autor que, uma vez retomando o seu posto de trabalho e prestando trabalho efetivo, esperava ser devidamente remunerado.
26. O Autor vinha de um episódio altamente traumatizante, do qual ainda não estava refeito, e viu-se logo envolto nesta problemática.
27. A situação financeira do Autor ficou severamente afetada, pois que, estando responsável por sustentar a sua esposa, desempregada, se viu com dificuldades para arcar com as despesas correntes, e teve que passar pelo vexame de pedir dinheiro emprestado a um amigo próximo, por forma a poder satisfazer as necessidades básicas da sua família, bem como a liquidar a prestação de empréstimo bancário, procurando evitar o vencimento das restantes prestações.
28. Sentiu-se, por isso, o Autor humilhado, ferido na sua honra, o que levou a que fosse alimentando uma crescente raiva, por ser um trabalhador com praticamente meio século de casa que nem por isso mereceu qualquer consideração ou oportunidade de se pronunciar acerca da medida tomada pela Ré, sentindo-se, por isso, destratado, o que influiu diretamente no seu estado de espírito e humor, que saíram indelevelmente afetados.
29. Desde então, o Autor tem andando acabrunhado, inquieto, ansioso, sem paciência para tudo que não seja a reposição da justiça no presente caso.
30. A Ré em 21 de Fevereiro propôs ao Autor, após este tê-la interpelado acerca do sucedido, a concessão de um empréstimo precisamente para evitar que os constrangimentos ocorridos no mês de Janeiro de 2020, se repetissem em Fevereiro de 2020.

FACTOS NÃO PROVADOS

- Que o autor estava responsável por sustentar a sua e mãe, com pensão de reforma exígua;
- Que momentos de descanso e lazer se tornaram para o aqui Autor coisas do passado ou apenas possíveis com recurso a ansiolíticos, uma vez que tudo isto não lhe permite reunir a paz de espírito necessária de que aquelas atividades carecem;
- Que os ansiolíticos passaram a fazer parte do quotidiano do Autor;
- Que a Ré apenas descontou do vencimento do Autor, entregando à CGA, o montante de € 1.972,70 (mil novecentos e setenta e dois euros e setenta cêntimos).

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da impugnação da matéria de facto

A Ré/Recorrente pretende com referência à decisão sobre a matéria de facto, a sua alteração, com reapreciação da prova testemunhal.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por seu turno, o art. 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Do citado preceito resulta que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância.

No caso em apreço a Recorrente cumpriu o ónus de impugnação e insurge-se quanto ao facto de terem sido considerados provados os factos que constam dos artigos 15º, 17º (por lapso é indicado pela recorrente como sendo o ponto 16), 25º a 29º dos pontos de facto provados, defendendo que os depoimentos das testemunhas A. S. e A. L. afiguram-se de contraditórios e de insuficientes para dar esta factualidade como provada.

Vejamos se lhe assiste razão:
Os factos que o Recorrente pretende que sejam dados como não provados têm o seguinte teor:
“15. Grande foi, por isso, o seu espanto quando, uma vez recebida a nota discriminativa de retribuições, constatou que o total líquido a receber era de 0,00€ (zero euros) – cfr. doc. 6 junto com a p.i., que se dá por integralmente reproduzido.
17. Incrédulo com o sucedido, solicitou o Autor esclarecimentos à entidade empregadora.”
25. Ao agir da forma supra descrita, lesou naturalmente a Ré legítimas expectativas do Autor que, uma vez retomando o seu posto de trabalho e prestando trabalho efetivo, esperava ser devidamente remunerado.
26. O Autor vinha de um episódio altamente traumatizante, do qual ainda não estava refeito, e viu-se logo envolto nesta problemática.
27. A situação financeira do Autor ficou severamente afetada, pois que, estando responsável por sustentar a sua esposa, desempregada, se viu com dificuldades para arcar com as despesas correntes, e teve que passar pelo vexame de pedir dinheiro emprestado a um amigo próximo, por forma a poder satisfazer as necessidades básicas da sua família, bem como a liquidar a prestação de empréstimo bancário, procurando evitar o vencimento das restantes prestações.
28. Sentiu-se, por isso, o Autor humilhado, ferido na sua honra, o que levou a que fosse alimentando uma crescente raiva, por ser um trabalhador com praticamente meio século de casa que nem por isso mereceu qualquer consideração ou oportunidade de se pronunciar acerca da medida tomada pela Ré, sentindo-se, por isso, destratado, o que influiu diretamente no seu estado de espírito e humor, que saíram indelevelmente afetados.
29. Desde então, o Autor tem andando acabrunhado, inquieto, ansioso, sem paciência para tudo que não seja a reposição da justiça no presente caso.”

A Mmª Juiz motivou a sua decisão no que respeita a estes factos da seguinte forma:
“Na fixação da factualidade assente e não assente, ponderamos a prova testemunhal, pela sua pertinência no apuramento da matéria que vinha controvertida e, sempre, em paralelismo com a análise da documentação junta.
As partes estavam de acordo quanto ao contrato de trabalho, funções exercidas, data de admissão, retribuição auferida e valores efectivamente recebidos pelo Autor entre Janeiro e Junho de 2020.
No que toca ao valor dos descontos efectivamente realizados, a ré não apresentou qualquer prova consistente do que alegava quanto a ter o autor apenas ficado privado ao longo dos seis meses do valor de €1.972,70, valor pelo qual admite, supletivamente, poder ser condenada a devolver ao aqui Autor.

(…)
Quanto à outra matéria em discussão entre as partes relativa aos danos morais sofridos pelo Autor pareceu-nos que os depoimentos da ex-mulher do Autor, A. S., e do amigo do Autor A. L., a quem o Autor terá pedido emprestado na ocasião várias quantias que ascenderam a €5.000,00, foram esclarecedores acerca do estado de espírito e sofrimento psicológico do aqui Autor em face da actuação da Ré, nada havendo que possa abalar a credibilidade que suscitaram nesse particular e designadamente à luz das regras da lógica e experiência comum.”
Procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e à audição da gravação onde constam os depoimentos das testemunhas mencionadas pelo Recorrente, bem como das demais testemunhas que foram inquiridas na audiência de julgamento, por isso, podemos desde já dizer que bem andou a Mmª Juiz a quo ao dar estes factos como provados, pois a prova documental junta aos autos conjugada com o depoimento das testemunhas arroladas pelo autor, bem como com as regras da experiência afigura-se-nos de suficiente para dar tal factualidade como provada.
No que respeita aos pontos 15, 17, 25 e 26 dos pontos de facto provados, tal como resulta da motivação, as partes estão de acordo com os valores efectivamente recebidos pelo Autor entre Janeiro e Junho de 2020, sendo certo que da prova documental resulta exuberantemente provado que o Autor nos meses de Janeiro e Fevereiro apesar de ter cumprido com a sua prestação, prestando o seu trabalho a Ré não cumpriu com a sua obrigação, pois não lhe liquidou a prestação a que se obrigara, ao invés procedeu a seu belo prazer aos descontos na retribuição devida ao autor de forma a que nos dois primeiros meses não recebesse qualquer prestação. O depoimento da testemunha A. S. vem confirmar que efectivamente dos recibos de vencimento resultava que o Autor nada tinha a receber naqueles primeiros meses de trabalho, após ter regressado de um período de ausência por acidente, do qual ainda não estava refeito. Das regras da experiencia e do senso comum resulta mais do que evidente que perante o facto do autor ter cumprido com a prestação a que se obrigara trabalhando nos meses de Janeiro e Fevereiro, só pode ter ficado estupefacto com o facto de a Ré não lhe ter pago qualquer quantia nos referidos meses, nem prestado de forma espontânea e de sua iniciativa qualquer informação sobre o facto.
É assim de manter a redação destes dos pontos de facto 15, 17, 25 e 26 dos pontos de facto provados, pois que não foi cometido qualquer erro na apreciação da matéria de facto que imponha a sua alteração.
No que respeita aos factos que constam dos pontos 27 a 29 dos pontos de facto provados referentes aos danos morais, diremos que apesar da prova não ter sido abundante, o certo é que a mesma é suficiente para dar como provada tal factualidade e tal resulta da conjugação dos depoimentos prestados pela mulher (A. S.) e pelo amigo do autor (A. L.).
Ao invés do defendido pela recorrente tais depoimentos não se afiguram de contraditórios entre si, pois desconhecendo-se o grau de intimidade estabelecido entre o autor e a testemunha A. L. afigura-se de pouco relevante o facto deste ser pouco preciso quanto à composição do agregado familiar do autor, sendo certo que do seu depoimento não resulta claro quando se refere ao agregado familiar do autor a que data é que se está a reportar (data em que prestou depoimento, ou data em que o autor lhe pediu dinheiro emprestado). O que nos parece ser relevante e resultou suficientemente provado do teor dos depoimentos prestados por A. S. e A. L. é o facto do autor depois de ter passado pelo trauma de ter sofrido uma acidente – atropelamento – que lhe terá causado os inerentes incómodos, maçadas e sofrimento, ao regressar ao trabalho ter sido confrontado, no final dos dois primeiros meses em que prestou serviço, com a ausência de salário, o que o obrigou a pedir dinheiro emprestado para satisfazer as suas despesas, uma vez que na altura o seu agregado familiar dependia do seu rendimento. Tudo isto fez com que o autor se sentisse humilhado, triste e ansioso passando a ter como objectivo o de resolver esta situação criada pelo seu empregador, como afirmou a mulher do autor a este propósito “psicologicamente ele não estava bem… quando fizeram-lhe aquilo… foi mesmo abaixo… a minha vida… a nossa vida, a minha e da minha família tem se desgraçado no dia a dia… por causa destes problemas todos. Tal factualidade ainda que com algumas imprecisões foi suficientemente explicada quer pela mulher do autor, quer pela testemunha A. L., não ficando qualquer dúvida quer quanto à ocorrência do empréstimo, que foi feita de forma corriqueira como sucede habitualmente entre amigos, quer quanto aos danos resultantes da actuação do empregador ao despojar o trabalhador do seu salário mensal, obrigando-o a pedir dinheiro emprestado para poder satisfazer as suas necessidades e pagar as suas contas, caso tal se revelasse necessário. No caso, não nos parece ser muito relevante o facto de não se ter apurado as concretas despesas que o autor teria de liquidar mensalmente, que o levou a pedir um empréstimo ao seu amigo, pois das regras da experiência resulta que quem ganha cerca de €1.000,00 por mês e tem de fazer face apenas com esse rendimento ao sustento do seu agregado familiar e a todas as despesas a ele inerentes composto por três pessoas, ao ver-se privado do seu rendimento, só terá duas soluções ou contrai um empréstimo ou deixa de pagar as suas contas.
Acresce dizer que ao contrário do entendido pela recorrente o depoimento a mulher do autor ainda que com algumas imprecisões foi suficientemente esclarecedor para conjugado com a demais prova dar a factualidade referente aos pontos 27 a 29 como provada.
Quanto ao depoimento de A. L. revelou ter conhecimento que a empresa havia deixado de pagar ao autor, que este estava a passar por dificuldades, tendo por isso emprestado-lhe dinheiro, uma vez que o agregado familiar do autor dependia economicamente do vencimento do autor. O destino concreto que o autor terá dado ao dinheiro emprestado, mais uma vez diremos que é pouco relevante, o que releva e se nos afigura de suficientemente provado é o facto de o autor ter passado por dificuldades económicas por se ter visto desapossado do seu vencimento, o que o obrigou a pedir dinheiro emprestado.
Verificamos assim que por um lado os meios de prova invocados pela Recorrente/Apelante bem como a argumentação utilizada não abalam a convicção espelhada na motivação que consta da decisão recorrida, não sendo assim só por si bastantes para impor decisão diversa sobre a factualidade em causa. Por outro lado, a factualidade apurada pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, está em conformidade com as regras da lógica, experiência e conhecimento comum, não se vislumbrando que tenha sido cometido pelo tribunal de 1.ª instância qualquer erro tão flagrante que imponha que tal factualidade seja dada como não provada.
Em face do exposto é de manter a factualidade provada e de considerar de improcedentes as conclusões da alegação de recurso enumeradas de 1 a 17.

2. Do desconto na retribuição do autor

Insurge-se a Recorrente por ter sido condenada a repor os valores por si descontados ao autor nas retribuições referentes aos meses de Janeiro a Junho de 2020, defendendo que no processamento de Janeiro de 2020 procedeu ao acerto de valores anteriormente pagos de forma indevida relativos a Janeiro de 2019 e aos primeiros sete dias de Janeiro, a que acrescem os descontos feitos para entrega à Caixa Geral de Aposentações e ao ... Servidores do Estado, em todo o período de ausência do trabalhador, bem como os valores referentes à aquisição de dois equipamentos informáticos adquiridos à recorrente pelo recorrido, descontos que este expressamente autorizou.

A este propósito na decisão recorrida consta o seguinte:
Analisando a primeira das questões apontadas, está dado como provado que entre Janeiro e Junho de 2020 a ré, conforme resulta dos recibos de vencimento que emitiu, a Ré reduzindo a retribuição deste aos seguintes montantes:
- €0,00 em Janeiro de 2020;
- €0,00 em Fevereiro de 2020;
- €489,95 em Março de 2020;
- €757,73 em Abril de 2020;
- €680,15 em Maio de 2020; e,
- €977, 48 em Junho de 2020.
Entre os descontos ali contemplados, resultou assente que a aqui Ré fez descontos junto da CGA pelo Autor, durante o período em que o mesmo não esteve ao serviço, pois que, embora os beneficiários (trabalhadores independentes e trabalhadores por conta de outrem) também sejam obrigados a contribuir para os regimes de segurança social, a responsabilidade pelo pagamento das suas quotizações, no caso de serem trabalhadores subordinados, recai unicamente sobre a respectiva entidade empregadora e tal responsabilidade advém do facto de as entidades empregadoras estarem obrigadas a descontar, nas remunerações pagas aos seus trabalhadores, o valor das cotizações por aqueles devidas.
A Ré, que, lido e relido o seu articulado, sequer pugna pela legalidade da sua actuação, limita-se a referir que «a existir um diferendo este apenas poderá ser dirimido entre o autor e aprópria CGA, detentora da responsabilidade previdencial e entidade destinatária das contribuições. (…) a existir condenação da ré, esta seja unicamente respeitante aos valores dos descontos efectivamente feitos e entregues à CGA, no montante de €1. 972,70 – cfr. art.º 33.º e 34.º do articulado de contestação da Ré.
Sendo o aqui Autor quem enquadra a actuação da Ré como se tratando da realização de descontos para compensar a retribuição em dívida com um pretenso crédito, em violação do disposto no art.º 279.º do CT.

O art.º 279.º, n.º 1 do Código do Trabalho prevê que “Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela.”

Por sua vez no n.º 2 do mesmo normativo prevê-se que
«O disposto no número anterior não se aplica:

a) A desconto a favor do Estado, da segurança social ou outra entidade, ordenado por lei, decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação, quando o empregador tenha sido notificado da decisão ou do auto;
b) A indemnização devida pelo trabalhador ao empregador, liquidada por decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação;
c) À sanção pecuniária a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 328.º;
d) A amortização de capital ou pagamento de juros de empréstimo concedido pelo empregador ao trabalhador;
e) A preço de refeições no local de trabalho, de utilização de telefone, de fornecimento de géneros, de combustíveis ou materiais, quando solicitados pelo trabalhador, ou outra despesa efectuada pelo empregador por conta do trabalhador com o acordo deste;
f) A abono ou adiantamento por conta da retribuição.
3 - Os descontos a que se refere o número anterior, com excepção do mencionado na alínea a), não podem exceder, no seu conjunto, um sexto da retribuição.
4 - Os preços de refeições ou outros bens fornecidos ao trabalhador por cooperativa de consumo, mediante acordo entre esta e o trabalhador, não estão sujeitos ao limite mencionado no número anterior.
5 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1.»

Em verdade, assumindo o salário natureza alimentícia e de sobrevivência para o trabalhador e sua família, o legislador dotou-o de um conjunto de “garantias” onde se contam a impossibilidade de renúncia, de cessão, de penhora, e para o que ora interessa, de compensação. Todo este regime tutelar se compreende numa perspectiva de integralidade da retribuição (ou de mínimos dessa integralidade) face à sobredita função social do salário e à própria sobrevivência do trabalhador.
No presente caso, o que se passou foi que a aqui Ré, em Janeiro e Fevereiro de 2020, privou o aqui Autor da totalidade do seu salário tendo descontado, sem mais, no vencimento do autor entre vários outros valores, o valor das quotizações para a CGA do período compreendido entre o dia 01.01.2019 e o dia 07.01.2020, o que continuou a suceder em parte nos meses de Março e até Junho de 2020. Durante esses dois primeiros meses a ré, deixou o autor, pura e simplesmente, desprovido totalmente do seu salário e parcialmente nos meses seguintes.
Ora, essa situação, como salta à evidência, não pode ser.
Não somente traduz uma prática contrária ao prescrito no citado normativo (e onde em lado algum se admite a compensação total), como atenta, de modo grosseiro, contra a Constituição da República Portuguesa, de onde resulta, com efeito, que “todos os trabalhadores têm direito à retribuição” - art. 59.º, n.º 1 - tendo-se ainda consagrado o direito ao salário mínimo nacional (actualmente retribuição mínima mensal garantida – rmmg) por se entender que abaixo desse valor, cujo montante é actualizado anualmente, nenhum ser humano deve viver. E pese embora se possa questionar, se esse montante verdadeiramente acautela o mínimo de sobrevivência, o que é facto é que o legislador assim o pressupõe e pretende que ninguém aufira menos do que essa importância.
Desta feita, a conduta da aqui Ré ao descontar no salário do Autor, durante aquele (longo) período, deixando-o nos 2 primeiros meses em que regressou ao serviço sem receber qualquer retribuição, viola o princípio de que todos os trabalhadores têm direito à retribuição mensal mínima, também consagrado no art. 266.º Código do Trabalho, colocando, assim, irremediavelmente em causa aquele patamar mínimo de subsistência que a todo e a qualquer trabalhador deve ser proporcionado como modo de garantir o valor supremo da dignidade da pessoa humana consagrado no art. 1.º da nossa Constituição.
Mas, para além disso, os descontos levados a cabo pela Ré são antes do mais ilegais porque sobre o vencimento do autor não poderiam ser feitos nenhuns dessa natureza, com exceção daqueles previstos no n.º 2 da norma vinda de citar, nos quais aqueles aqui em apreço não são enquadráveis. É que a finalidade de parte desses descontos visava a compensação de um montante liquidado pela ré à CGA, que é da exclusiva responsabilidade da ré, como amesma reconhece, e logo não poderia a ré proceder aos descontos no vencimento do autor de forma a ressarcir-se dos montantes pagos. Questão diversa será a de saber se a Ré tem, ou não,direito a ser reembolsada/indemnizada do valor que já despendeu em contribuições para a Caixa Geral de Aposentação durante o período em que um seu funcionário esteve ausente de serviço por causa de doença que resultou de um acidente de viação causado por terceiro, de que é responsável a seguradora que liquidou ao aqui autor o vencimento, substituindo-se à aqui ré, já que «não se compreende nem se justifica, à luz dos princípios basilares da responsabilidade civil e do estatuído nos arts. 483.º e 562.º do Código Civil, que um terceiro causador culposo de acidente de viação, em que ficou lesado um funcionário do Estado, ou de outro ente público, em serviço no momento da ocorrência, não responda na íntegra pelos danos daí resultantes» – vd. acórdão do STJ uniformizador de jurisprudência de 14.01.1997, in www.dgsi.pt. Isto porque o pagamento das “contribuições” à Caixa Geral de Aposentações sem qualquer contrapartida laboral, poderá constituir um dano próprio da aqui ré que deverá ser ressarcido pelo terceiro responsável pela eclosão do acidente ou, como sucede in casu, pela seguradora deste – neste sentido, cfr. Ac. da RE de 30/01/2020, in www.dgsi.pt –, para quem foi transferido o risco inerente à circulação do veículo que atropelou o aqui Autor, pois que se não se tivesse verificado o acidente e a incapacidade temporária absoluta para trabalhar, a aqui Ré estaria igualmente adstrita ao pagamento das contribuições para a CGA mas teria recebido a contraprestação de trabalho por parte do seu funcionário – o que não sucedeu.
Mas essa questão não cumpre aqui apreciar já que o que aqui está em causa é, para além de outros, o “reembolso” do valor que a ré pagou a título de “contribuições” à Caixa Geral de Aposentações, durante o período de ausência de um seu trabalhador do serviço por causa de doença gerada por acidente causado por um terceiro, à custa do vencimento desse seu funcionário após o regresso ao serviço do mesmo.
Temos assim que será forçoso considerar como ilícita e abusiva a actuação da aqui Ré ao proceder a descontos no vencimento do aqui Autor, entre outras, das quantias devidas à CGA, e tanto assim foi que a mesma ao assim proceder incorreu em contra-ordenação muito grave – cfr. n.º 5 do art.º 279.º do CT, norma que proíbe a compensação unilateralmente operada pelo empregador.
É que, como se escreveu sumariando. no Ac. da RP de 04-12-2017, in www.dgsi.pt: «A retribuição, enquanto contrapartida da prestação de trabalho, é definida de harmonia com um certo equilíbrio, fixado no contrato ou noutra fonte jus-laboral: lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. II - O princípio da irredutibilidade da retribuição tem por finalidade proibir uma alteração daquele equilíbrio, em sentido considerado menos favorável para o trabalhador, só sendo admitidos desvios ao mesmo nos casos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, (art. 129º, nº 1, al. d) do CT).».
De facto, como decorre do disposto nos art.s 276º e 278º é obrigação da entidade empregadora pagar, pontualmente e na forma devida, a retribuição do trabalhador ao seu serviço. Sabido que, a retribuição concretiza a obrigação essencial que recai sobre a entidade empregadora, como contrapartida dos serviços prestados pelo trabalhador ou da disponibilidade da sua força de trabalho.
Acrescendo que, além da sua natureza de contraprestação e até de instrumento de política económica, a retribuição está funcionalmente constituída, também, como meio de satisfação de necessidades pessoais e familiares do trabalhador, o que lhe confere uma especial tutela jurídica.
Como diz Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3ª ed., pág.594 e nota 1,“tendo em conta que a retribuição, não raras vezes, está relacionada com o sustento do trabalhador e da sua família, o legislador instituiu certas garantias que visam a tutela de um efectivo pagamento da remuneração. (Quanto à protecção do salário, veja-se a Convenção nº95 OIT (1949), ratificada em 1981)”.
Sendo que, essa tutela jurídica, orientada pelo “princípio da protecção do trabalhador”, está desde logo acautelada na Constituição da República (CRP), art. 59º, onde se garante ao trabalhador o direito “à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o principio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”, incumbindo ao Estado assegurar-lhe a retribuição a que tem direito, nomeadamente, com “o estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades do trabalhador, o aumento do custo de vida, …;”, etc..
Tutela jurídica, essa, aflorada em vários outros segmentos do ordenamento jurídico, onde se estatui, designadamente, que a retribuição do trabalho é parcialmente impenhorável (2/3 da parte líquida), cfr. art. 738º, nº 1, do CPC, na mesma medida insusceptível de cessão, cfr. art. 280º e, que o crédito decorrente do seu não pagamento beneficia dos privilégios creditórios enunciados no art. 333º.
Prevenindo, além disso, o legislador que o não pagamento pontual da retribuição na forma devida, além de fazer constituir em mora a entidade empregadora, obrigando-a a indemnizar, cfr. art. 806º do CC, consubstancia justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho, nos termos prescritos no art. 394º, nºs 1, 2, al. a), 3, al. c) e 5. E, acima de tudo, sendo o que, aqui, mais nos importa considerar, o legislador proíbe à entidade patronal, nos termos do art. 129º, nº1, al. d), de “diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos no CT ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.
Como refere João Leal Amado, in “Contrato de Trabalho-Noções Básicas”, Coimbra Editora, págs. 262 e 263, “O CT consagra a chamada “garantia da irredutibilidade da retribuição” no seu art.129º, nº1, al. d), nos termos do qual é proibido ao empregador “diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”. Esta proibição de regressão salarial (trata-se, é claro, do salário nominal, não do salário real, o qual é inexoravelmente corroído pela inflacção…) significa que não é lícita a diminuição da retribuição, nem por decisão unilateral do empregador, nem mesmo por mero acordo inter partes. Dir-se-ia que a lei procura furtar o trabalhador a possíveis pressões da entidade empregadora, num domínio que para aquele é vital”.
Ora, a Ré, entidade empregadora do aqui Autor, fez não só aquilo que não podia ignorar poder fazer como o fez de um modo que sabia jamais poder fazer. Note-se que não estamos perante uma entidade empregadora provida de meios para lograr conhecer a lei e as suas obrigações legais e constitucionais!
Chegados a tal conclusão a primeira consequência será a condenação da Ré na reposição dos dois salários indevidamente suprimidos ao aqui Autor e na devolução das quantias indevidamente descontadas nos meses seguintes, que o Autor aceita que ascendem a € 1317,10, mas não só, como é bom de ver.
De facto, verifica-se em face da factualidade provada a violação, por parte da aqui Ré, de obrigações decorrente do contrato de trabalho, enquanto entidade empregadora, geradora de responsabilidade civil com a consequente obrigação de indemnizar, estando tal responsabilidade especialmente prevista no Código de Trabalho.

No caso em apreço, estamos perante factos que o A. imputa à Ré que constituem a violação de determinados deveres impostos por lei, daqui derivando a consequente obrigação desta na indemnização dos prejuízos que tal comportamento lhe causou, nos termos do artigo 323º, n.º 1, do Código de Trabalho.

Sendo que nos termos do n.º 2 do art.º 323.º se prevê o seguinte:

«O empregador que faltar culposamente ao cumprimento de prestações pecuniárias é obrigado a pagar os correspondentes juros de mora à taxa legal, ou a taxa superior estabelecida em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou acordo das partes.»
Assim, terá a ré de pagar ao autor a quantia devida ao Autor referente aos salários refentes a Janeiro e Fevereiro de 2020, considerando os dias de trabalho efectivamente prestado, acrescida do montante de €1.317,10 indevidamente descontada na sua remuneração nos meses de Março a Junho de 2020, valor que é aceite pelo Autor, devendo tais quantias ser acrescidas de juros, à taxa legal – cfr. art.s 323.º, n.º1, do CT e 806.º do C.C..”
Vejamos se lhe assiste razão.

Os factos provados com relevo para apreciação desta questão são os seguintes:

- O Autor esteve desde a data do acidente (dezembro 2019) até ao dia 7 de Janeiro de 2020, impossibilitado de comparecer ao serviço, por não se encontrar apto para o exercício das suas funções, ou seja, 392 (trezentos e noventa e dois) dias de Incapacidade Temporária Absoluta.
- Tendo deixado de auferir naquele período qualquer rendimento.
- A companhia de seguros Y, S.A. – representante em Portugal da companhia de seguros W, assumiu a responsabilidade pelos danos sofridos no acidente pelo Autor
- Em ato contínuo dessa mesma assunção, aquela companhia de seguros, com uma periodicidade mensal, foi procedendo a pagamentos ao Autor, a título de indemnização, no valor da retribuição que deixou de auferir, até que o Autor celebrou um acordo com a Seguradora pelo valor de €25.000,00, considerando-se ressarcido com o recebimento de tal quantia de todos os danos ou prejuízos presentes ou futuros relativamente ao sinistro em causa
- Não pagou, pois, a Ré, naquele período, qualquer valor ao Autor, nem a tal se encontrava obrigada.
- O Autor retomou a sua atividade profissional em 8 de Janeiro de 2020.
- Tendo trabalhado ininterruptamente durante os restantes dias de trabalho daquele mês.
- Grande foi, por isso, o seu espanto quando, uma vez recebida a nota discriminativa de retribuições, constatou que o total líquido a receber era de 0,00€ (zero euros). O que se repetiu no mês de Fevereiro.
- Incrédulo com o sucedido, solicitou o Autor esclarecimentos à entidade empregadora e esta limitou-se a dizer que o Autor se encontrava em falta para com ela do valor que havia pago, a título de contribuições para a Caixa Geral de Aposentações (CGA) e ... Servidores do Estado (...SE), no período em que aquele esteve ausente.
- Informaram ainda, porém, que o saldo em dívida ao mês de Março era de 1.317,10€ (mil trezentos e dezassete euros e dez cêntimos), valor este que iria ser descontando mensalmente até ao mês de Junho, inclusivé, como veio, efetivamente, a acontecer.
- Somente no mês de Julho do presente ano começou a auferir o seu vencimento na íntegra.
- O vencimento do Autor, uma vez somada a remuneração base e as diuturnidades, de 1.466,22€ (mil quatrocentos e sessenta e seis euros e vinte e dois cêntimos), cerca de 1.080,00€ (mil e oitenta euros), uma vez efetuados os devidos descontos.
- A Ré, sem qualquer comunicação prévia ao Autor, decidiu, de forma unilateral, reter o seu salário.
- A Ré não comunicou ao Autor a existência de uma dívida, não concedeu qualquer prazo para o mesmo exercer o contraditório ou proceder ao pagamento voluntário do valor que considerava estar em falta
Desta factualidade resulta desde logo que a Ré não logrou provar a sua versão dos factos relativamente aos motivos que a levaram a proceder ao desconto total da retribuição devida ao autor nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2020 e ao desconto parcial nos meses de Março a Junho de 2020. Ou seja, não logrou provar ter efectuado pagamentos indevidos ao autor, nem logrou provar que o autor lhe tivesse adquirido dois equipamentos informáticos cujo desconto no seu vencimento autorizou.
Em suma, da factualidade provada apenas resulta que a Recorrente procedeu a descontos nos vencimentos do autor por ter efectuado o pagamento de contribuições quer para Caixa Geral de Aposentações, quer para o ... Servidores do Estado, no período de ausência do autor (sem que se apurasse e demonstrasse a quantia global que a Ré se intitulava de credora do autor) e assim sendo afigura-se-nos que outra não podia ser a decisão do tribunal a quo que não o de determinar a reposição dos descontos efectuados indevidamente na retribuição do autor. Tudo o mais alegado pela recorrente em sede de alegação de recurso a propósito de factualidade que no seu entender era relevante mas que não consta da factualidade provada e até contradiz aquela, afigura-se de totalmente irrelevante, dela não permitindo extrair qualquer conclusão (factos referentes ao processamento salarial de Janeiro de 2019 e pontos de facto provados 8 e 12).
Como é por todos sabido desde que verificados os requisitos previstos no n.º 1 do art.º 847.º do CC. «quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor».
Contudo, na pendencia do contrato de trabalho, prescreve o n.º 1 do art.º 279.º do CT que «o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela». Acresce dizer que o legislador exceciona no n.º 2 do citado preceito algumas situações, nas quais não se inclui a situação em apreço.
Por outro lado, o salário assume a natureza alimentícia e de sobrevivência para o trabalhador e sua família e o direito à retribuição encontra-se consagrado no art.º 59.º da Constituição da República Portuguesa, que em conjugação com o art.º 273.º do Código do Trabalho nos permite concluir também pela consagração do direito a uma retribuição mínima mensal garantida que permite acautelar o mínimo de sobrevivência do trabalhador.
De tudo isto resulta estabelecido o nexo de causalidade entre a retribuição e as necessidades de subsistência do trabalhador, daí que o empregador de forma unilateral, durante a vigência do contrato de trabalho, não possa compensar a retribuição devida ao trabalhador com um qualquer crédito de que seja titular sobre aquele. Vigora, assim a regra da inadmissibilidade da compensação integral da retribuição em dívida com créditos do empregador sobre o trabalhador, sendo certo que a compensação quando admitida não pode exceder, em regra, um sexto da retribuição. A proibição de descontos ou compensações vigora enquanto se mantiver o contrato e cessa com a sua extinção. Acresce dizer que tal proibição evidencia a finalidade da retribuição na satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador. Trata assim de uma proibição unilateral que apenas atinge o empregador, nada obstando que possa ocorrer em situações pontuais a compensação voluntária desde que assente num acordo entre as partes, ou que possa ocorrer a compensação unilateral por iniciativa do trabalhador. A disposição legal em causa apenas proíbe que o empregador de forma unilateral actue como compensante.
Como refere Leal Amado, em Contrato de Trabalho, 4ª edição, pág. 318 “(…) consistindo o salário num crédito cuja especial natureza exige o pagamento efectivo, bem se compreendem as preocupações restritivas neste domínio evidenciadas pelas leis do trabalho, as quais encontram expressão no art. 279.º do C.T.: a função alimentar do salário e a correspondente necessidade de assegurar o seu pagamento conduziram a limitar aqui o jogo da compensação. (…)
E mais à frente refere ainda o mesmo autor “…o que se afigura lícito deduzir do disposto no presente artigo é que esta norma visa impedir que o empregador – e apenas ele – recorra a esta espécie de acção directa, frustrando ou sacrificando o crédito retributivo do trabalhador. O artigo em análise já não constitui qualquer espécie de obstáculo à utilização do crédito salarial pelo trabalhador, com o objectivo de saldar dívidas suas para com o empregador. Vale dizer, o art. 279.º não permite que a entidade patronal actue como compensante, mas não proíbe que o trabalhador actue como tal – ou, por outras palavras, o crédito retributivo não poderá funcionar, à luz desta norma, como «crédito principal», mas nada impede que ele funcione como «contra-crédito». Fora da previsão deste artigo ficam também, naturalmente, as hipóteses de compensação voluntária, bilateral, em que as duas partes estejam de acordo em compensar os recíprocos créditos e débitos. Significa isto, em suma, que a proibição contida no art.º 279.º se restringe às hipóteses de compensação legal (unilateral) e, dentro destas, às hipóteses de compensação unilateral por parte do empregado r. Diferentemente será o caso na eventualidade de a declaração de compensação ser feita pelo trabalhador bem como na hipótese de compensação convencional ou voluntária. Estas são situações que exorbitam da respectiva previsão normativa, pelo que a operatividade da compensação não encontra qualquer entrava no preceito.”
Em suma, em regra os créditos que o empregador possa ter sobre o trabalhador não são compensáveis através da retribuição, nem este pode proceder a descontos na retribuição do trabalhador para se ressarcir diretamente na pendência do contrato de trabalho, a não ser nas situações previstas no n.º 2 do art.º 279.ºdo CT, sendo ainda certo que a violação do n.º 1 do art.º 279.º CT constitui contra-ordenação muito grave.
Ora, sendo a Ré uma grande empresa, com departamento jurídico organizado, sendo conhecedora das mais elementares normas imperativas de natureza laboral e das consequências jurídicas resultante da sua violação, seria expectável que tivesse procedido em respeito com os mais elementares direitos do trabalhador. Para nós afigura-se-nos inconcebível que a Ré de sua iniciativa tivesse permitido que o Autor cumprisse com a sua obrigação – prestando o trabalho a que se obrigou - e como contrapartida, em dois meses seguidos, apenas lhe tivesse proporcionado um recibo de vencimento por si manietado a seu belo prazer, sem que se perceba a engrenagem utilizada, da qual apenas resulta nada ter a liquidar ao autor pelo trabalho por aquele efectivamente prestado nos meses de Janeiro e Fevereiro. A que acresce o facto de depois de ser alertada pelo trabalhador e ao que tudo indica pela ACT (cfr. ofício enviado pela ACT em 28-01-2021; referência Citius 11059133) ter apurado que o saldo em divida no mês de Março ascendia a €1.317,10 que viria a ser descontado, agora em prestações até ao mês de Junho inclusive.
Da prova produzida apenas se apurou que o crédito de que a Ré se arrola de titular sobre o autor, se deve ao facto de ter entregue à CGA as contribuições devidas respeitantes ao período de ausência do autor. Tal constitui uma obrigação da Ré decorrente de disposição legal, pois como decorre da legislação aplicável que o empregador mantém a obrigação de proceder à liquidação da contribuição por si devida para a CGA durante o período de ausência, ficando apenas o trabalhador nesse mesmo período desobrigado de proceder a tal liquidação – cfr. artigo16.º da Lei n.º 35/2014 de 20/06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Publicas).
Assim sendo, não poderia a Ré ter efectuado os referidos descontos na retribuição do Autor, quer por a tal obstar o n.º 1 do art.º 279.º do CT., quer por tal atentar contra a CRP, designadamente contra o seu art.º 59.º do qual resulta que “todos os trabalhadores têm direito à retribuição”. Mais não resta do que concluir pela actuação ilícita, abusiva e violadora dos mais elementares princípios do direito do trabalho, como o é o direito à retribuição e a regra da inadmissibilidade da compensação integral da retribuição em dívida com créditos do empregador sobre o trabalhador, levada a cabo pela Recorrente ao proceder de sua iniciativa inicialmente à retenção do vencimento e posteriormente ao desconto no vencimento do Autor das quotizações por si entregues à CGA e ao ... dos Funcionários do Estado referentes ao período de ausência do autor por motivo de acidente causado por terceiro.
Ao invés do que afirma a recorrente este seu procedimento subjacente ao processamento de salários não gera apenas constrangimentos pontuais, mas revela-se violador das mais elementares garantias do trabalhador, como é o direito ao salário devido pelo trabalho prestado e é integrador da prática de infracção contra-ordenacional muito grave.
Improcedem as conclusões de recurso enumeradas de 18 a 25.

3. Da indemnização por dano moral

Por fim, insurge-se a Recorrente quanto ao valor de €4.500,00 em que foi condenada a título de dano não patrimonial, defendendo que tal montante indemnizatório não tem sustentação nos factos provados, pois estes não passam de meros incómodos causados ao recorrido que não são merecedores de qualquer reparação.
Vejamos.

A factualidade com relevante é a seguinte:

- A Ré, sem qualquer comunicação prévia ao Autor, decidiu, de forma unilateral, reter o seu salário.
- A Ré não comunicou ao Autor a existência de uma dívida, não concedeu qualquer prazo para o mesmo exercer o contraditório ou proceder ao pagamento voluntário do valor que considerava estar em falta.
- Ao agir da forma supra descrita, lesou naturalmente a Ré legítimas expectativas do Autor que, uma vez retomando o seu posto de trabalho e prestando trabalho efetivo, esperava ser devidamente remunerado.
- O Autor vinha de um episódio altamente traumatizante, do qual ainda não estava refeito, e viu-se logo envolto nesta problemática.
- A situação financeira do Autor ficou severamente afetada, pois que, estando responsável por sustentar a sua esposa, desempregada, se viu com dificuldades para arcar com as despesas correntes, e teve que passar pelo vexame de pedir dinheiro emprestado a um amigo próximo, por forma a poder satisfazer as necessidades básicas da sua família, bem como a liquidar a prestação de empréstimo bancário, procurando evitar o vencimento das restantes prestações.
- Sentiu-se, por isso, o Autor humilhado, ferido na sua honra, o que levou a que fosse alimentando uma crescente raiva, por ser um trabalhador com praticamente meio século de casa que nem por isso mereceu qualquer consideração ou oportunidade de se pronunciar acerca da medida tomada pela Ré, sentindo-se, por isso, destratado, o que influiu diretamente no seu estado de espírito e humor, que saíram indelevelmente afetados.
- Desde então, o Autor tem andando acabrunhado, inquieto, ansioso, sem paciência para tudo que não seja a reposição da justiça no presente caso.

Inquestionada a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes da actuaçao da recorrente resta agora reapreciar os danos não patrimoniais.
Como é consabido nem todos os danos não patrimoniais são ressarcíveis e merecedores da tutela do direito, já que decorre do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 496.º do C.C., que apenas são ressarcíveis aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494 .º do C.C., tais como, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesado e as demais circunstâncias do caso. No apuramento do dano moral, que está sobretudo ligado à vida de relação, designadamente familiar, nele se incluem as dores físicas e psíquicas, a perturbação da pessoa e sofrimentos morais.
Ora, têm se entendido que tais danos para serem ressarcíveis devem ser graves e si mesmos, ultrapassar os simples incómodos e contrariedades, de modo a que fosse exigível ao lesante um comportamento diverso do empreendido, o que impõe uma análise ponderada, objectiva, comum à generalidade das pessoas e que possa servir como padrão para a apreciação do grau de gravidade do dano. Por outro lado, citando Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, pág. 499 “o montante da indemnização deve ainda ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
Por fim, cabe-nos referir, que o apelo a critérios de equidade leva a encontrar o que no caso concreto será a solução mais justa, uma vez que equidade está limitada pelos imperativos da justiça real, constituindo ela a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. - Cfr. Dario M. Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, 2.ª Edição Coimbra, 1980, pág. 103 e 104.
A indemnização por danos não patrimoniais não se destina a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou da perturbação psíquica sofrida

Como se refere, a propósito da reparação do dano não patrimonial no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-09-2009, Proc. n.º 518/06.1TTOAZ.P1, consultável em www.dgsi.pt. “A indemnização por danos não patrimoniais tem de constituir um lenitivo para os danos suportados, uma efectiva possibilidade compensatória, pois se é certo que os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente, é possível, mesmo assim, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização dessa indemnização. Trata-se de proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para a realização de uma gama de interesses na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal. Cfr. MOTA PINTO, “Teoria Geral de Direito Civil”, 3.ª Edição, Coimbra, pág. 115.”

No caso em apreço, a ré permitiu que o autor deixasse de auferir a retribuição dos meses de Janeiro e Fevereiro e procedeu a descontos parciais nas retribuições dos meses de Março a Junho, para se fazer pagar das importâncias que liquidou à CGA durante a ausência prolongada do autor, em consequência de acidente de trabalho. Sendo a retribuição elemento essencial do contrato de trabalho e resultando da factualidade provada que o autor e o seu agregado familiar dependiam dela para satisfazer as suas mais básicas necessidades, pois não se provou que fosse detentor de qualquer outro rendimento que lhe permitisse suprir a sua falta. Ao invés teve de solicitar um empréstimo de dinheiro a um amigo. Fácil é assim de concluir que a ausência de retribuição teve reflexos negativos quer no autor, quer no seu agregado familiar, designadamente causou angústia, preocupação, humilhação, raiva e carência familiar, visto que o agregado familiar do autor dependia da sua retribuição para sobreviver, pois era o único rendimento com que contavam. Por outro lado, a atitude prepotente e pouco humana do empregador de reter o salário do autor, sem aviso prévio, é altamente censurável.
Neste contexto teremos de concluir que os danos sofridos pelo autor não são meros incómodos ou contrariedades, mas sim assumem gravidade bastante para serem merecedores da tutela do direito, razão pela qual ponderando toda a factualidade apurada consideramos de justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos a quantia que a este propósito foi fixada pelo tribunal a quo
Por fim, uma última nota apenas para realçar que o comportamento da Ré ao disponibilizar-se para conceder um empréstimo ao seu trabalhador em nada diminui a ilicitude da sua actuação ao proceder de forma cega à retenção e a descontos no vencimento do autor.
Aliás afigura-se-nos até de deplorável e de alguma forma irónica esta sua disponibilidade para emprestar dinheiro, pois com uma mão procede à compensação integral na retribuição devida ao autor com um alegado crédito de que se diz titular e com a outra mão prontifica-se a conceder um empréstimo ao autor, provavelmente para fazer nova compensação, sabe-se lá em que condições.
Em suma é de manter inalterada sentença recorrida, improcedendo as restantes conclusões do recurso de apelação da Ré.

V - DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por X - SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A. confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 21 de Abril de 2022

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga