Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
400231/09.2YIPRT.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: INJUNÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - A competência internacional dos tribunais portugueses é determinada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
2 - Este Regulamento estabelece que a regra geral em matéria de competência internacional, é o foro do domicílio do réu, seja qual for a sua nacionalidade – artigo 2.º n.º 1
3 – Contudo, em matéria contratual, prevê-se que se possa ser demandado perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, que, no caso de venda de bens, é o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, considerando-se este como o da entrega efectiva, ou seja, o destino final dos bens, e não o local onde estes sejam colocados à disposição pelo fornecedor para posterior transporte.
4 – O artigo 23.º estabelece a possibilidade da celebração de pactos atributivos de jurisdição, desde que, pelo menos uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado Membro.
5 - A excepção à regra da extensão de competência enunciada no art. 24.°, deve ser interpretada no sentido de se permitir ao demandado não apenas arguir a incompetência do tribunal, mas também, à cautela, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa, bem como deduzir pedido reconvencional, de forma subsidiária, sem que com isso fique excluída a hipótese de procedência da excepção de incompetência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Através de requerimento de injunção, «C…, Lda.», com sede em Barrosas, Idães, solicitou que «B…, Srl», sociedade italiana, com sede em Corridonia (Mc), lhe pague a quantia de € 336.481,49, sendo € 332.302,20, de capital e € 3752,79, de juros de mora, proveniente de facturas não pagas e que titulam fornecimentos de calçado efectuados pela requerente à requerida, solicitados e aceites por esta.
Opôs-se a requerida, invocando, como questão prévia, a incompetência internacional do ordenamento judicial português para julgar a causa e, sem prescindir, a litispendência, por correr termos no Tribunal de Macerata, Itália, uma causa com o mesmo pedido, a mesma causa de pedir e as mesmas partes processuais, intentada em primeiro lugar, pelo que, mesmo que se afirme não existir litispendência, sempre existirá conexão, o que conduzirá à incompetência deste tribunal. Finalmente, e também sem prescindir, contesta por impugnação, alegando atrasos nas entregas, necessidade de subempreitar a terceiros e deficiências de confecção, que originaram prejuízos avultados para a requerida. Em reconvenção pede que a requerente seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 239.335,21, acrescida de juros de mora, a título de diversos prejuízos por si sofridos em função do incumprimento da requerente.
Notificada para esse efeito, a requerente pronunciou-se sobre as excepções, pugnando pela sua improcedência.
Foram juntas, a solicitação do tribunal, as facturas referidas no requerimento de injunção – documentos de fls. 88 a 112 dos autos.
Foi proferido despacho que, conhecendo da excepção de incompetência absoluta do tribunal, declarou a incompetência dos Tribunais Portugueses para apreciação e decisão da acção, absolvendo a ré da instância.
Discordando da decisão, dela interpôs recurso a autora tendo, a final, formulado as seguintes
Conclusões:
A. A Sentença recorrida deu como provado que a mercadoria, depreende-se que toda, fornecida pela Autora à Ré, foi entregue por esta em Itália, para onde foi enviada.
B. Tal facto não foi alegado pela Autora. Nem pela Ré aquando da sua arguição de incompetência do Tribunal
C. Nem tão pouco corresponde ao que ocorreu, uma vez que a mercadoria foi entregue à recorrida em Portugal, conforme contratado
D. E posteriormente enviada para diversos países como Espanha, Itália ou Bélgica.
E. Significa portanto que a decisão dá como provado facto da maior relevância para os autos sem fundamentar chega a essa premissa.
F. Os elementos juntos aos autos impunham conclusão diversa, uma vez que constam das facturas vários locais de destino que não Itália.
G. Deve pois a Sentença recorrida ser declarada nula, por violação do art.º 668.º n.º 1 b), com as legais consequências.
H. Sem conceder, A recorrente, escolheu, propositadamente o procedimento de injunção para reclamar o seu crédito.
I. Decorre da lei que, neste tipo de processos, após os articulados – requerimento inicial e oposição – a prova faz-se em audiência.
J. Tendo em conta a forma de processo que a acção tramitava, a recorrente solicitou ao Tribunal esclarecimentos sobre a antecipação da apresentação da prova, manifestando vontade de completar as respostas após receber tais esclarecimentos.
K. A recorrente não obteve qualquer resposta. Não foi notificada do indeferimento do por si solicitado, nem convidada a, na ausência do esclarecimento pedido, vir completar as suas respostas, como tinha manifestado querer fazer.
L. O Exmo. Juiz a quo, muito embora alterasse o regime regra tipificado na Lei, não deu resposta a uma questão importante expressamente suscitada pela recorrente.
M. Ao não fazê-lo, violou a lei, nomeadamente artigos 668.º n.º 1 d) e 201.º, ambos do CPC, e artigo 3.º do DL 269/09 de 1.09, o que consubstancia nulidade para a qual se reclamam as legais consequências.
N. Sem prescindir, Como se disse, a presente acção especial tem na sua origem um procedimento de injunção apresentado pela recorrente.
O. A escolha desse mecanismo legal foi ponderada, e obedece à estratégia decidida pela recorrente para, entre outros, ver o seu direito satisfeito com a maior celeridade e eficácia possíveis.
P. Nos termos da lei reguladora deste tipo de acções, nomeadamente o Decreto-Lei 269/98 de 01.09, as provas são oferecidas na audiência.
Q. Não obstante serem essas as disposições da lei, inclusive invocadas pelo M.Mo. Juiz a quo, a recorrente não teve oportunidade de chegar à audiência de julgamento. Não teve portanto oportunidade de apresentar a sua prova, documental e testemunhal, para cabalmente rebater as ficções que a recorrente apresenta como defesa.
R. Termos nos quais, violou a decisão recorrida, nomeadamente os artigos 3.º CPC e 3.º n.º 4 do anexo ao Decreto-Lei 269/98 de 1 de Setembro, o que deverá merecer as legais consequências.
S. Sem conceder, na oposição à injunção, e demais articulados posteriores, a recorrida alicerça a sua defesa não apenas na questão da incompetência internacional do Tribunal a quo, mas também em diversos outros aspectos, quer processuais quer substantivosT. Assim sendo, nos termos do artigo 24.º do regulamento 44/2001 o tribunal de Felgueiras seria competente para conhecer a acção.
U. Isto porque, Dispõe o artigo 24.º do Regulamento 44/2001 que “(…) é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva (…)”
V. A inclusão da expressão “único” a letra da lei tem, necessariamente, efeitos e consequências na sua interpretação.
W. É que a lei não diz que basta arguir a incompetência para afastar a prorrogação tácita de competência. Aí se diz, clara e expressamente, que a comparência tem que ter apenas uma finalidade (Única): a de arguir a incompetência.
X. Razão pela qual, deduzida que foi defesa para além da arguição da incompetência, o Tribunal de Felgueiras sempre seria internacionalmente competente, por aplicação do art. 24.º do Regulamento Comunitário 44/2001.
Y. Não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso – art. 9.º n.º 2 do C.C.
Z. Interpretação diferente seria inadmissível, na medida em que não teria qualquer correspondência na letra do art. 24.º.
AA. Termos nos quais, torna-se claro que a Sentença recorrida violou o art.º 24.º do Regulamente 44/2001, e artigo art. 9.º n.º 2 do C.C., pelo que deve ser revogada e substituída por outra que, atendendo à prorrogação tácita de competência, remeta os autos para julgamento
BB. Sem prescindir, Sempre seria de considerar que os Tribunais Portugueses são os competentes, atendendo ao acordado entre as partes como local de entrega das mercadorias, que foi, como consta das facturas, FCA Porto.
CC. Como é facto, e não foi sequer levantada a questão pela parte contrária, em todas as conversas na fase de negociação, em todas as comunicações trocadas entre as partes, assim como na finalização do negócio, sempre ficou acordado, como aconteceu, que a recorrente entregaria as mercadorias em Portugal. Daí a condição do negócio ser FCA.
DD. A condição de venda FCA (Free Carrier), é definida como: O vendedor cumpre com a sua obrigação de entrega logo que tenha colocado a mercadoria, depois de ter efectuado o despacho de exportação, na transportadora determinada pelo comprador no local acordado
EE. Também nos termos das Incoterms®, FCA define “Franco Transportador” significa que o vendedor cumpre a sua obrigação quando entrega a mercadoria ao representante do comprador ou qualquer pessoa nomeada por este no local indicado (armazém de transitário, transportador, terminal aéreo, rodoviário, ferroviário).
FF. Assim, o local expressamente acordado para a entrega dos produtos foi Portugal, e não Itália como defende a decisão recorrida.
GG. É pois, por demais evidente, que o Tribunal Português é competente para julgar os presentes autos.
HH. A decisão recorrida, ao não o considerar, e decidir como decidiu, violou, entre outros, o artigo 5.º do Regulamento 44/2001, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que aceite e remeta os autos para julgamento.
II. Sem conceder, a própria leitura das facturas, documentos antecipadamente solicitados pelo M.Mo. Juiz a quo, implicaria decisão diferente.
JJ. Desde logo nelas consta o pacto de jurisdição, segundo o qual, o Tribunal de Felgueiras é o competente.
KK. De facto, se atentarmos aos já referidos documentos de fls. …, cuja junção foi ordenada pelo M.Mo. Juiz, que mais não são do que as facturas de venda, nelas podemos verificar que, para além da condição de venda FCA (já referida), dos locais de entrega não se resumirem a Itália,
LL. A factura 2009/00151/C tem inscrito: “In case of litigation, only the court of Felgueiras will be competent”. O mesmo ocorre com diversas outras facturas identificadas nestas motivações e todas juntas aos autos por ordem do Mm. Juiz a quo.
MM. A tradução para Português da referida expressão é: “Em caso de litígio, apenas o tribunal de Felgueiras será competente”
NN. A recorrida tomou conhecimento das facturas, via email, em momento anterior à entrega dos produtos, sem produzir qualquer manifestação de não aceitação quanto ao pacto de jurisdição.
OO. Nos termos da Jurisprudência prevalecente, para a validade do pacto atributivo de competência internacional é bastante a aceitação tácita, por uma das partes, da cláusula apenas escrita pela outra.
PP. Também, como refere Sofia Henriques in Os pactos de jurisdição, pagina 65, “O STJ já aceitou a factura como forma de atribuição formal de competência – v. Acordão d 23-04-1996, publicado no BMJ, n.º 456, p.350. Estende-se esse entendimento ao conhecimento de carga ou documento escrito equivalente (…)”
QQ. Pelo que mesmo que não tivesse havido aceitação expressa, sempre teria havido aceitação tácita.
RR. Termos nos quais, não restam dúvidas de que tem aplicação integral o artigo 23.º do Regulamento 44/2001, pelo que deveria ter sido reconhecido o pacto de jurisdição constante das facturas aludidas e juntas aos autos.
SS. Ao não fazê-lo, violou a Sentença recorrida esse mesmo artigo 23.º do Regulamento 44/2001, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo a validade do pacto de jurisdição, ordene a prossecução do processo para julgamento.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, a decisão recorrida seja revogada e enviados os autos para julgamento.

A ré contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber se ocorre a incompetência internacional do tribunal português para julgar a acção.
II. FUNDAMENTAÇÃO
A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório que antecede.

Na sentença sob recurso transcreveu-se acórdão deste Tribunal da Relação que incidiu sobre sentença proferida no processo n.º 453/08.9TBFLG-A do 2.º juízo cível do Tribunal de Felgueiras, onde os factos alegados são paralelos aos desta acção (apenas estando a compradora domiciliada em França e não em Itália) – contrato de fornecimento de bens, tendo a vendedora/autora domicílio em Portugal e a compradora/ré domicílio em Itália. A mercadoria fornecida pela autora à ré, foi enviada para Itália, onde foi entregue, mas não foi paga, pretendendo a autora a condenação da ré no seu pagamento.
No referido acórdão transcrito na sentença e que constitui o teor da própria sentença, face à similitude de situações em análise, concluiu-se que são dois os critérios para aferição da competência internacional, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de Dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (aplicável em virtude de ambas as sociedades estarem domiciliadas em Estados Membros da EU):
- o do lugar do cumprimento da obrigação, de carácter geral e contemplado na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º;
- o do lugar onde os bens foram ou devem ser entregues, de carácter especial para a venda de bens e para a prestação de serviços e plasmado na alínea b), relevando, para o caso da venda, o lugar da entrega efectiva, o destino final dos bens e não o local onde estes sejam colocados à disposição pelo fornecedor, para posterior transporte.
Em face de tal critério, concluiu-se pela competência internacional dos tribunais italianos.
Vejamos, então.
«A competência internacional designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras» - Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ‘Manual de Processo Civil’, 2.ª edição, pág. 198 – devendo aferir-se essa competência face à relação jurídica que se discute na acção, tal como a mesma vem configurada pelo autor.
A competência internacional dos tribunais portugueses é determinada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, Regulamento este que é directamente aplicável a todos os Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artigos 1.º, 68.º e 76.º e, em Portugal, o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa) e prevalece perante as normas reguladoras da competência internacional previstas no Código de Processo Civil.
Este Regulamento estabelece a regra do domicílio como factor de conexão essencialmente relevante para a determinação da competência internacional do tribunal, no sentido de que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado – artigo 2.º n.º 1 – ou seja, a regra geral, em matéria de competência internacional, é o foro do domicílio do réu, seja qual for a sua nacionalidade.
Contudo, a regra do domicílio ou sede, como factor de determinação da competência judiciária, não é absoluta, existindo casos em que é possível instaurar a acção nos tribunais de Estado-Membro diverso daquele onde o sujeito passivo esteja domiciliado ou sedeado – por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do Capítulo II (artigo 3.º n.º 1).
Para efeitos do Regulamento em análise, as sociedades comerciais têm domicílio no lugar em que tiverem a sua sede social, a sua administração principal ou o seu estabelecimento principal – artigo 60.º n.º 1 – no caso dos autos, o domicílio da ré é Itália.
No que concerne aos critérios especiais de determinação de competência, supra referidos, releva essencialmente, o disposto no artigo 5.º n.º 1 a) do Regulamento, segundo o qual, em matéria contratual, uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, estabelecendo a alínea b) desse artigo que o lugar de cumprimento da obrigação será, no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues e, no caso de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.
Por último, a alínea c) previne que se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a).
É entendimento corrente e, ao que se sabe – conforme é salientado no Acórdão do STJ de 21/06/2011, in CJ/STJ, ano XIX, Tomo II, pág. 131 -, unânime na doutrina e na jurisprudência que, subjacente ao critério especial acolhido no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento, esteve a ponderação de que o foro do lugar do cumprimento da obrigação é o mais bem colocado para a condução do processo, bem como aquele com o qual, em geral, o litígio apresenta a conexão mais estreita e que, com o objectivo de limitar divergências associadas ao recurso à aplicação das regras de direito de conflitos do Estado do foro, na referida alínea b) se “estabeleceu um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação” nas concretas situações de venda de bens e de prestação de serviços, adoptando uma “solução prática (designação pragmática do local da execução) que assenta num critério puramente factual, sempre aplicável qualquer que seja a obrigação em litígio, incluindo quando esta obrigação consista no pagamento da contrapartida pecuniária do contrato”.
Ou seja, a obrigação relevante é apenas a obrigação característica do contrato – neste caso, a entrega dos bens – e não a correspondente obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro, mesmo que o pedido se fundamente nessa obrigação – cfr. acórdãos do STJ de 08/06/2006 e de 08/04/2010, A. C. Neves Ribeiro, in «Processo Civil da União Europeia», 2002, pág. 68, L. Lima Pinheiro, in «Direito Internacional Privado», III, pág. 80 e ss e Dário Moura Vicente, in «Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001», in Scientia Iurídica, n.º 293, pág. 362/63, todos citados no Ac. do STJ a que supra se fez referência.
E o lugar da entrega dos bens é o da entrega efectiva, ou seja, o destino final dos bens, e não o local onde estes sejam colocados à disposição pelo fornecedor para posterior transporte.
De outro modo, o critério especial da alínea b) do n.º 1 do art. 5. °, teria reduzido interesse prático. Na verdade, é sabido que na grande maioria dos contratos de compra e venda internacional, o transporte das mercadorias é assegurado por empresa transportadora. Logo, admitir que o local de entrega possa ser o do Estado-Membro exportador, implicaria desconsiderar completamente o elemento de conexão com o Estado Membro importador, esvaziando de sentido a referida alínea b), e contrariando a prioridade atribuída pelo legislador comunitário ao critério da alínea b) em detrimento do critério da alínea a), prioridade que resulta claramente da alínea c) do n.º 1 do art. 5. °.

Do que fica dito resulta que nenhuma importância pode ser atribuída, para efeito da fixação da competência internacional, ao facto, alegado, do pagamento ser efectuado para uma agência do BES sita em Barrosas, ou seja, em Portugal.
O que releva, como já vimos, é o local da entrega dos bens, sendo, também, irrelevante, o facto de a entrega das mercadorias em território português ser efectuada por FCA, uma vez que tal se destina, apenas, a regular os termos e condições da venda, definindo o momento da transferência das obrigações e responsabilidades legais do exportador sobre o produto exportado, “pelo que são irrelevantes para a aferição da competência do tribunal para conhecer do mérito da presente acção que tem como causa de pedir uma compra e venda” – Ac. do STJ de 23/10/2007, in www.dgsi.pt.
Considerando que o que interessa para efeito da fixação da competência é, não o lugar do pagamento, nem o lugar em que os bens foram entregues ao transportador, mas o local do destino final dos bens adquiridos pela compradora, teria que concluir-se que o tribunal internacionalmente competente seria o Tribunal Italiano, pois resulta da maior parte das facturas que o destino da mercadoria era a sede da ré em Itália, ou simplesmente, Itália, pese embora se constate que uma ou outra das facturas indica como local de destino a Bélgica, a França ou a Espanha – apenas 4 em 23 facturas.

Contudo, teremos ainda que analisar a matéria que se prende com a extensão de competência prevista nos artigos 23.º e 24.º do Regulamento.
Em primeiro lugar, estabelece o artigo 23.º a possibilidade da celebração de pactos atributivos de jurisdição, desde que, pelo menos uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado Membro.
Aí se diz que «Se as partes…tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência».
Este pacto deve ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, admitindo-se qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto e em conformidade com os usos – artigo 23.º , n.º 1, alíneas a), b) e c) e n.º 2 - , o que evidencia um carácter pouco formal do mesmo, perfeitamente compatível com a sua inserção na factura.
No caso dos autos, quase todas as facturas contêm a frase «In case of litigation, only the court of Felgueiras will be competent», o que, claramente, revela a convenção de um pacto atributivo de jurisdição, que cumpre os requisitos de forma supra enunciados.
Estes pactos atributivos de jurisdição só não produzem efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 13.º (relativo à competência em matéria de seguros), 17.º (relativo à competência em matéria de contratos celebrados por consumidores) e 21.º (relativo à competência em matéria de contratos individuais de trabalho), ou se os tribunais cuja competência pretendem afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 22.º (competências exclusivas em sede de direitos reais, arrendamento, validade, nulidade ou dissolução de sociedades, registos, patentes, marcas, desenhos e modelos e execução de decisões) – artigo 23.º, n.º 5 do Regulamento.
Não se verificando nenhuma destas situações elencadas em que o pacto atributivo de jurisdição não produzirá efeitos, terá o mesmo que ser considerado, tomando-se em conta a vontade das partes expressa dessa forma e, assim, conduzindo-nos à conclusão de que o Tribunal de Felgueiras será o competente (competência convencionada).

Para além deste argumento, há ainda que analisar o argumento retirado do disposto no artigo 24.º do Regulamento, uma vez mais sobre a extensão de competência.
Nos termos deste artigo «Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.º»
Na sentença sob recurso salienta-se que o tribunal não deve declarar-se incompetente se o requerido comparecer não invocando a incompetência. Tal não é o caso dos autos, em que o requerido compareceu e invocou a incompetência, mas, subsidiariamente, invocou outras excepções, contestou por impugnação e deduziu reconvenção.
O que dizer neste caso?
O legislador comunitário entendeu que quando o requerido compareça perante o tribunal do Estado-Membro em que foi demandado, excepto se o fizer com o objectivo de arguir a incompetência do tribunal ou se a acção for da competência exclusiva dos tribunais de outro Estado membro por força do art. 22.º, não se justifica a declaração oficiosa de incompetência, reconhecendo a autonomia da vontade como um princípio fundamental em torno do qual está estruturado o regime instituído pelo Regulamento no que respeita à repartição da competência internacional.
Todavia, pensamos dever entender-se que o art. 24. ° permite ao demandado arguir a incompetência do tribunal e, subsidiariamente, prevenindo a hipótese de improcedência da excepção, apresentar a sua defesa em relação ao mérito da causa, bem como deduzir pedido reconvencional.
Ou seja, a excepção à regra da extensão de competência enunciada no art. 24. °, deve ser interpretada no sentido de se permitir ao demandado não apenas arguir a incompetência do tribunal, mas também, à cautela, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa, de forma subsidiária, sem que com isso fique excluída a hipótese de procedência da excepção de incompetência.
O que parece também corresponder à aplicação do principio da economia processual, uma vez que sendo a excepção de incompetência julgada improcedente a acção seguiria os seus normais termos, com a apresentação dos pedidos que a lei permite, nos quais eventualmente se incluiria o pedido reconvencional.
Este entendimento tem sido sufragado na jurisprudência, conforme se pode ver no Acórdão da Relação de Lisboa de 30/06/2011, in www.dgsi.pt: «julga-se não ser defensável o entendimento, de que a competência internacional dos tribunais portugueses podia ser fundada nos termos do art. 24.º do Regulamento, e no facto de a ré não ter limitado a sua intervenção nos autos à invocação da incompetência, tendo contestado a acção, e até deduzido reconvenção. Apesar de a redacção do preceito legal em causa poder sugerir o entendimento assim propugnado, julga-se que o mesmo não pode ser aceite à luz dos princípios gerais, até porque não corresponde a quaisquer interesses merecedores de tutela jurídica.
No caso, a ré estabeleceu, claramente, uma relação de subsidiariedade entre a arguição da incompetência internacional do tribunal, feita a título principal, e a restante defesa deduzida nos artigos subsequentes (…). Ou seja, a ré defendeu-se, invocando, fundamentalmente, a incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar o caso, pretendendo que essa competência está deferida aos tribunais alemães. Mas, prevenindo entendimento diferente, apresentou, desde logo, a sua defesa em relação à pretensão da autora.
Procedimento que, segundo se julga, terá de ser considerado inteiramente regular e processualmente justificado. Pois que, se limitasse a sua intervenção na acção à arguição da excepção de incompetência e viesse a decair, perdia a oportunidade de se defender da acção, não sendo concebível a existência de um prazo autónomo para contestar, depois de transitada em julgado a fixação da competência. E também não podia ser obrigada a prescindir da arguição da incompetência do tribunal para poder apresentar a restante defesa. Ou seja, não podia ser obrigada a optar entre a arguição da incompetência do tribunal, limitando a sua defesa a essa excepção, sujeitando-se a ficar sem defesa em caso de decaimento, e a contestação da acção, sujeitando-se a que a mesma fosse julgada no tribunal onde foi proposta, apesar de entender que o mesmo não era internacionalmente competente.
Deste modo, julga-se que a competência internacional, atribuída nos termos do questionado art. 24.º do Regulamento, é limitada aos casos em que a parte demandada intervém na causa sem suscitar prontamente a questão da incompetência. E que tal preceito legal não obsta a que a parte demandada cumule a arguição da incompetência do tribunal com a contestação da acção. Outro entendimento conduziria a uma injustificada limitação do direito de defesa».
Idêntico entendimento foi sufragado no Acórdão da Relação de Lisboa de 01/02/2011, in www.dgsi.pt: «não faz o menor sentido exigir à parte a obrigação de total omissão de invocação de qualquer outra matéria de defesa (para além da dedução da excepção de incompetência do tribunal) sob a cominação de se transmutar, automaticamente e por essa via, a jurisdição incompetente em competente. Isto é, a partir do momento em que na contestação apresentada suscite tal incompetência há que declará-la, não relevando em sentido oposto a - sempre prudente e, nessa perspectiva, absolutamente aconselhável - apresentação de defesa por impugnação (e inclusivamente a oportuna dedução de pedido reconvencional). Tal normativo deverá ser restritivamente interpretado no sentido de que o tribunal em que a acção foi intentada, sem observância das regras da atribuição de competência definidas neste Capítulo II do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, considerar-se-á competente quando o demandado, chamado a defender-se, intervém no respectivo processo sem deduzir a excepção de incompetência, constituindo, nessas circunstâncias, a sua comparência uma extensão tácita da competência do tribunal».
No nosso caso, não será, portanto, a extensão de competência prevista no artigo 24.º do Regulamento, a atribuir a competência ao tribunal português.

Relativamente à invocada nulidade por violação dos artigos 668.º n.º 1 d) e 201.º do CPC e artigo 3.º do DL 269/09, de 01/09, deve dizer-se que a apelante não tem razão. Não só o Mmo. Juiz de 1.ª instância fundamentou o seu despacho com as normas legais que entendeu serem aplicáveis para possibilitar à autora pronunciar-se sobre a contestação deduzida pela ré e documentos juntos – cfr. despacho de fls. 118 – como, ainda por uma outra vez, permitiu de novo, à autora, que se pronunciasse sobre requerimento e documentos juntos – despacho de fls. 161 – antes do início da audiência, até porque, como se viu, ia decidir sem haver lugar à audiência de julgamento. Daí que não tenha cometido nenhuma nulidade, fazendo funcionar o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º do CPC (que, aliás, invocou), dando a possibilidade às partes de se pronunciarem previamente à sua decisão (o que foi cumprido pela autora, pronunciando-se quanto às excepções invocadas pela ré, sendo que só tal pronuncia lhe era permitida).

Do que fica dito resulta que, pese embora a apelante não tenha razão quanto ao que arguiu nas conclusões A) a HH) das suas alegações, terão que ser consideradas procedentes as conclusões II) a SS), considerando-se que o tribunal português – Tribunal de Felgueiras – é competente, em função do pacto atributivo de jurisdição celebrado entre as partes (domiciliadas em territórios de Estados Membro), nos termos do qual convencionaram que “um tribunal tem competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica”, nos termos do artigo 23.º do Regulamento.
Assim tendo que ser revogada a sentença, declarando-se competente internacionalmente o Tribunal de Felgueiras e prosseguindo os autos os seus regulares termos.
Sumário:
1 - A competência internacional dos tribunais portugueses é determinada ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
2 - Este Regulamento estabelece que a regra geral em matéria de competência internacional, é o foro do domicílio do réu, seja qual for a sua nacionalidade – artigo 2.º n.º 1
3 – Contudo, em matéria contratual, prevê-se que se possa ser demandado perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, que, no caso de venda de bens, é o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, considerando-se este como o da entrega efectiva, ou seja, o destino final dos bens, e não o local onde estes sejam colocados à disposição pelo fornecedor para posterior transporte.
4 – O artigo 23.º estabelece a possibilidade da celebração de pactos atributivos de jurisdição, desde que, pelo menos uma das partes se encontre domiciliada no território de um Estado Membro.
5 - A excepção à regra da extensão de competência enunciada no art. 24.°, deve ser interpretada no sentido de se permitir ao demandado não apenas arguir a incompetência do tribunal, mas também, à cautela, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa, bem como deduzir pedido reconvencional, de forma subsidiária, sem que com isso fique excluída a hipótese de procedência da excepção de incompetência.
III.DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, revogando-se a sentença recorrida, declara-se a competência internacional dos Tribunais Portugueses - Tribunal de Felgueiras – para conhecer da presente acção.
Custas pela apelada.
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Guimarães, 24 de Janeiro de 2012
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho