Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
33/17.8GBPRG-B.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: PENA DE MULTA
SUBSTITUIÇÃO PRESTAÇÃO TRABALHO
PRAZO LEGAL
ARTS.° 490°
Nº 1 E 489°
NºS 2 E 3) DO C.P.P E 49º
Nº 2
DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - Tendo sido requerida a substituição da multa por dias de trabalho, o Tribunal entendeu que o requerimento não era intempestivo e pediu relatório à D.G.R.S.P., a fim de concretizar o trabalho a prestar, o que não é uma decisão final de deferimento ou indeferimento.
2 - Porém, o Tribunal referiu já que considerava o requerimento tempestivo, não indeferindo liminarmente o requerido como propunha o M.P., pelo que nesta medida tem conteúdo decisório e é recorrível.
3 - O requerimento para substituição de pena de multa por prestação de trabalho só pode ser feito no prazo de pagamento voluntário que é de quinze dias ou no prazo concedido para o pagamento da multa em prestações.
4 - A isso leva a interpretação do disposto nos arts.° 490°/1 e 489°/2 e 3), C.P.P., que em passo algum remetem para o art.° 49°/2 C.P.
5 - Com efeito, este dispositivo apenas trata da possibilidade de evitar o cumprimento da prisão subsidiária, não se podendo dizer que prolongue o prazo para pagamento.
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Por despacho proferido nos autos apensos, decidiu-se, na parte que ora interessa:

- não indeferir liminarmente a pretensão do arguido P. C., ora recorrido, no sentido da substituição da pena de multa em que foi condenado por prestação de trabalho comunitário e pedir à “D.G.R.S.P.” o relatório pertinente para a sua implementação.

É deste despacho que recorre o M.P., por do mesmo discordar.

Apresenta no final do seu recurso, as seguintes conclusões:

“1. Resulta dos autos que o arguido P. C. foi notificado para liquidar, até ao dia 24.09.2019, a pena de multa a que foi condenado no valor de €750,00 (setecentos e cinquenta euros).
2. O arguido que não liquidou a pena de multa, de forma atempada, no dia 30.09.2019, requereu, designadamente, a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade. Perante o solicitado o MP promoveu o seu indeferido, por extemporâneo e o Tribunal decidiu o oposto, isto é, deferiu a substituição da pena de multa por dias de trabalho a favor da comunidade.
3. Nos termos conjugados dos artigos artigo 489º, nº 1, do Código de Processo Penal e 490º, nº 1, do Código de Processo Penal, o requerimento para a substituição da multa por dias de trabalho deverá ser apresentado no prazo peremptório de 15 dias após a notificação efetuada para o efeito.
4. Decorrido o prazo de pagamento voluntário da multa consignado no artigo 489º, nº 2 do Código de Processo Penal se devem seguir os procedimentos de pagamento coercivo e, não sendo este possível, a substituição da multa por prisão subsidiária, sem que qualquer referência exista à possibilidade de substituição da pena de multa por dias de trabalho a favor da comunidade.
5. Esta interpretação não põe em causa o espírito da lei no sentido de que a prisão será o último recurso, nem ofende a justiça material do ponto de vista do princípio da igualdade porque o condenado que não haja pago a multa por carência económica tem a faculdade de provar que o não pagamento lhe não é imputável e requerer a suspensão da prisão subsidiária, o que significa que existem antes de razões de justiça material que impõem a distinção entre o condenado que, podendo pagar a multa em prestações, não o requer no prazo legal e o condenado que nunca pode pagar a multa por carência económica.
6. Com efeito, além de não se vislumbrarem razões para conferir ao prazo do artº 489º nº2 do CPP, outra natureza que não a de prazo processual, como são em geral os prazos conferidos aos sujeitos processuais e designadamente aos arguidos para exercerem os seus direitos de defesa (contestar, recorrer, etc), também se não vê que com a interpretação supra defendida se belisquem sequer os direitos de defesa do arguido.
7. Defender solução contrária, estar-se-ia a premiar o desinteresse e a inércia bem patentes na atitude do arguido, face àqueles condenados em pena de multa que diligentemente cumprem os prazos legais, como aliás foi o caso do arguido F. M. que no âmbito dos presentes autos requereu, em prazo, a substituição da pena de multa em prestação de trabalho a favor da comunidade, que lhe foi deferido – ref. 33478619, 33708436 e 33717067.
8. Com efeito, só com a interpretação que defendemos faz sentir ao condenado o sentido ético-penal da condenação, do mesmo passo que se garante a confiança da comunidade nas normas, assegurando-se assim, a vigência da norma violada e a confiança no sistema sancionatório.
9. Por via do acima dito concluímos que o requerimento do arguido é manifestamente extemporâneo. Neste sentido decidiram os acórdãos do TRP de 09/11/2011, Processo n.º 31/10.2PEMTS.AP1, de 23/06/2010, Processo n.º 95/06.3GAMUR-B.PI, de 10/09/2008, Processo n.º 0843469, de 11/07/2010, Proc. n.º 0712537; Acórdãos do TRC de 18/03/2013, Proc. n.º 368/11.3GBLSA-A.C1, 18/09/2013, Proc. n.º 145/11.1TALSA-A.C1, de 11/02/2015, Proc. n.º 12/12.1GECTB-A.C1, Acórdão da Relação de Guimarães de 19-05-2014, proc. 1385/09.9PBGMR.G2, de 26.09.2016, proc 863/06.0PBGMR-A, G1, de 23.01.2017, proc. 67/09.6ABRG –A, G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.04.2019, proc. 438/15.9GBPRG-A.G1, relatado por Filipe Melo.
10. O Tribunal a QUO deveria ter indeferido o solicitado e dado seguimento ao promovido pelo Ministério Público, isto é, averiguar a situação económico financeira do arguido, a fim de ser ponderado a obtenção coerciva de tal montante mediante a instauração do competente requerimento executivo ou o recurso ao artigo 49.º., n.º1, do Código Penal.
11. O Tribunal A QUO violou o regulado nos artigos 489.º, n.º2, 490.º, n.º1 e 491.º, n.º1 e 2, 4.º e 104.º, n.º1 do Código de Processo Penal e artigo 139.º, n.º1 e 3, do Código de Processo Civil.”

O arguido não contra-alegou.

Neste Tribunal da Relação teve vista no processo o Dignm.º Procurador Geral Adjunto, que perfilhou por remissão o entendimento do M.P. em 1ª instância, acrescentando ainda uma referência bibliográfica, alusão a um Acórdão deste Tribunal da Relação e ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/16, publicado na 1ª Série do “D.R.”, de 21/3/2 016. Sustentou, a final, a procedência do recurso.
Notificado o arguido recorrido nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o mesmo também aqui não respondeu.
O recurso vai ser decidido em conferência, como o impõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentos

Para uma melhor apreciação do caso concreto, transcrever-se-á de seguida a decisão recorrida na íntegra:

Ref.ª 2080533:

Por sentença transitada em julgado em 23 de Abril de 2018, foi o arguido P. C. condenado na pena de 150 dias de multa, à razão diária de 5,00 (cinco) euros.

Em 30.09.2019, veio o condenado requerer a substituição da pena de multa em que foi condenado por trabalho a favor da comunidade, invocando dificuldades financeiras que não lhe permitem proceder ao pagamento da pena de multa.

O Ministério Público, em ref.ª 33733353, declarou opor-se à sobredita substituição, uma vez que o requerimento apresentado é extemporâneo, dado que o mesmo devia ter sido apresentado em juízo até ao dia 24.09.2019, promovendo o indeferimento do mesmo.
Compulsados os autos constatamos que as guias para liquidação de custas e multa foram remetidas em 04.09.2019, com pagamento até 24.09.2019.
O requerimento do condenado deu entrada em 30.09.2019.

Resulta dos factos provados da sentença proferida nestes autos, relativamente à situação socioeconómica do arguido:

i. Trabalha na vinha.
ii. A esse título, aufere a quantia mensal líquida de cerca de 700,00, nos meses em que trabalha.
iii. Encontra-se divorciado.
iv. Habita em casa de sua irmã e sua mãe.
v. Tem dois filhos menores, que residem com a progenitora. vi. Ajuda com as despesas da casa, conforme os seus ganhos. Vii. Possui o 4.º ano de escolaridade

Cumpre decidir.

O art.48.º do C.Penal [Substituição da multa por trabalho] prevê a possibilidade de substituição da multa por dias de trabalho, dispondo o seu n.º1 “a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Por sua vez, o C. P. Penal, no capítulo referente à execução da pena de multa, estabelece no art.º 489.º, sob a epígrafe “Prazo de pagamento”:

“1. A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs…

2. O prazo de pagamento é de quinze dias a contar da notificação para o efeito.

3. O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações”, ou seja, o prazo de pagamento da multa, quando esta for paga em prestações, decorre até se terem vencido todas as prestações.

E o art.490.º do C.P.Penal, sob a epígrafe “Substituição da multa por dias de trabalho” no seu n.º1 prevê que “o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nº 2 e 3 do artigo anterior, …”
Da conjugação destas disposições legais, deve entender-se que após o decurso do prazo previsto no art.489.º do C.P.Penal para pagamento da multa, fica precludida a possibilidade de requerer a substituição da multa por trabalho?

Afigura-se-nos que não.
Vejamos.

É certo que a se jurisprudência encontra dividida quanto a esta questão, tendo-se formado duas correntes:

-uma, defende que o pedido de substituição da pena de multa por dias de trabalho pode ser feito para além do prazo estabelecido para o pagamento voluntário da multa [v., por exemplo, Ac.R.Porto de 5/7/2006, proc.n.º0612771 e 30/9/2009, proc.n.º344/06.8, Ac. R. Guimarães de 06/06/2011, proc. n.º 328/10.1GTBRG-A.G1 in www.dgsi.pt];
-outra, sustenta que o pedido de substituição da pena de multa por dias de trabalho só pode ser feito no prazo previsto no art.489.º, [v. Ac.R.Porto de 11/7/2007 e de 23/6/2010, in www.dgsi.pt], dado que a natureza peremptória dos prazos estabelecidos nos arts. 489.º n.º 2 e 490.º n.º 1 do C. P. Penal implica a preclusão do direito de requerer a substituição da multa por dias de trabalho.
Para esta segunda corrente, o pedido de substituição da multa por dias de trabalho tem que ser formulado antes do incumprimento se ter verificado.
Embora esta tese tenha a seu favor o teor literal da lei, afigura-se-nos não ser a mais consentânea com o espírito do legislador.

“Estando subjacente à medida de prestação de trabalho o intuito de obviar aos efeitos negativos que se reconhecem às reacções penais detentivas, mormente as de curta duração, assim se facultando ao condenado uma via mais para se eximir à execução da prisão subsidiária correspondente à multa, e visando a exigência do requerimento do condenado apenas tornar claro que tal medida de substituição da multa por trabalho exige sempre a manifestação de vontade concordante do condenado, parece razoável que o prazo referido no nº 1 do artº 490º do C. P. Penal não seja havido como um prazo peremptório, que faça precludir a possibilidade do condenado requerer aquela substituição da multa por dias de trabalho. As preocupações eminentemente pessoais que atravessam o direito criminal, com relevo para a procura da verdade material e, dentre os fins a atingir com a imposição das penas, a recuperação e a integração social do condenado, preocupações que, necessariamente, se reflectem no direito adjectivo, apontam claramente no sentido de que, por uma razão de cariz essencialmente formal (…) não seja preterida a possibilidade de opção por uma pena que, porventura, se revele mais ajustada.”- Ac.R.Porto de 5/7/2006, supra mencionado.

Por outro lado, se é certo que o espírito do legislador não é suficiente para fundamentar uma decisão contrária à vertida na letra da lei, tal não acontece na situação em análise, pois a pena de multa pode ainda ser tida como cumprida para além do prazo de 15 dias e mesmo após o decurso do prazo de vencimento das prestações fixadas.

É isto que resulta do art. 49.º do C. Penal, sob a epígrafe “conversão da multa não paga em prisão subsidiária”.

Estabelece tal dispositivo legal:

“1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…)
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - (…)
4 - O disposto nos n.º 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída (…)”

Face ao n.º2 deste preceito, o condenado está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, mesmo que já tenha entrado em incumprimento e mesmo que o incumprimento tenha sido declarado.

Sobre este assunto debruçou-se o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 27.06.2018, superiormente relatado por Vaz Pato (disponível em www.dgsi.pt), a cuja fundamentação aderimos e passamos a transcrever:

«A questão em apreço, que desde há muito vem dividindo a jurisprudência, diz respeito à natureza (perentória ou não) do prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Considera o despacho recorrido, e considera o Ministério Público na resposta à motivação do recurso e no parecer apresentado nesta instância, que estamos perante um prazo perentório e que o seu decurso preclude a possibilidade de vir a ser requerida mais tarde a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade. Invoca essa tese a letra da lei, com a alegação de que se fosse outra a intenção do legislador, ele não teria fixado tal prazo e teria afirmado expressamente que o referido requerimento poderia ser apresentado a todo o tempo.
Afigura-se-nos que este entendimento não é consentâneo com o espírito da lei, sendo que também não é imposto pela sua letra.
É manifesta a preferência do Código Penal por penas não privativas da liberdade com recurso à pena de prisão apenas como ultima ratio, preferência que as sucessivas reformas nunca deixaram de reforçar (veja-se, desde logo, o seu artigo 70.º). Essa preferência será ainda mais justificada quando está em causa a reação perante a falta de pagamento de uma pena de multa, normalmente relativa à prática de um crime de menor gravidade e onde serão menores as exigências de prevenção geral, e sendo essa falta de pagamento normalmente motivada por carências económicas e financeiras. Reflexo dessa preferência nestes casos são as várias possibilidades de evitar o cumprimento da pena de prisão subsidiária correspondente à pena de multa: pagamento diferido ou em prestações (artigo 47.º, n.º 3), pagamento a todo o tempo (artigo 49.º, n.º 2), substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 48.º), suspensão da execução da prisão subsidiária (artigo 49º n.º 3).

Assim sendo, contrasta claramente com esse espírito a tese que atribui natureza perentória ao prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Essa tese faz prevalecer razões de ordem formal sobre um princípio que pode considerar-se trave mestra de todo o edifício do Código Penal.
E não pode dizer-se que se trate de uma tese imposta pela letra da lei. Desta não deriva necessariamente que estejamos perante um prazo perentório. Há que salientar que o prazo de pagamento da multa referido no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e para que remete o artigo 490.º, n.º 1, do mesmo Código (este relativo ao prazo de apresentação do requerimento de substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade) também não é perentório. Na verdade, o condenado pode pagar a multa a todo o tempo para evitar o cumprimento da prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal). Não seria coerente com este regime considerar que é perentório o prazo para requerer a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
No sentido de que o prazo a que se reportam os artigos 489.º.n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal não tem natureza perentória e que o seu decurso não preclude a possibilidade de vir a ser requerida mais tarde a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, pronunciam-se, entre outros, os acórdãos desta Relação de 5 de julho de 2006, proc. n.º 0612771, relatado por Borges Martins; de 30 de setembro de 2009, proc. n.º 344/06.8GAVLC.P1, relatado por Olga Maurício; de 15 de junho de 2011, proc. n.º 422/08.9PIVNG-A.P1, relatado por Olga Maurício; e de 7 de julho de 2016, proc. n.º 480/13.4GPRT-A.P1, relatado por Luísa Arantes; e os acórdãos da Relação de Évora de 25 de maio de 2011, proc. n.º 2239/09.4PAPTM.E1, relatado por João Gomes de Sousa; de 12 de julho de 2012, proc. n.º 751/09.4PPTR.E1, relatado por Clemente Lima; e de 8 de janeiro de 2013, proc. n.º 179/07.0GBPSR-A.P1, relatado por João Amaro; todos acessíveis em www.dgsi.pt.».
Assim, por considerarmos não existirem motivos para o indeferimento liminar da pretensão do arguido, admito o requerimento porque apresentado nos termos dos artigos 489º, n.º2 e 490º, n.º1 do Código de Processo Penal.
Notifique.

Oficie à DGRS com cópia da sentença, do requerimento do arguido e deste despacho para que se averigue quais as suas habilitações literárias e profissionais, a sua situação pessoal, profissional e familiar, qual o tempo disponível para a prestação de trabalho e para que indique qual a instituição beneficiaria e horário de trabalho.”

2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Da Recorribilidade do Despacho Recorrido;
2.1.2. – Da Tempestividade do Requerimento para Substituição da Pena de Multa, pela de Prestação de Trabalho

2.2. - Da Recorribilidade do Despacho Recorrido

No caso em apreciação foi proferido um despacho que não é literalmente um deferimento do pedido de substituição da pena de multa pela de prestação de trabalho, nem um indeferimento claro da oposição ao requerido, por parte do M.P. e por razões de intempestividade do requerimento.

O Tribunal admitiu o requerimento do arguido e pediu relatório à “D.G.R.S.P.”, no sentido da possibilidade de concretização do requerido na prática, só depois sendo de deferir ou indeferir claramente o peticionado pelo arguido. Parece até um despacho interlocutório, sem conteúdo decisório, o que implicaria que não fosse recorrível, por não se poder dizer que algum dos sujeitos processuais tivesse ficado vencido, do que depende a respetiva legitimidade – art.º 401º/1 C.P.P.
Porém, se bem se vir foi já analisada em concreto, a questão da tempestividade do requerimento do arguido – referindo-se até na decisão proferida não ocorrer motivo para indeferimento liminar.
Ou seja, há já uma decisão expressa no sentido de o requerido ser tempestivo, do que o M.P. discordava.
Ora, neste sentido pode dizer-se que ocorre já uma decisão de sentido antagónico à proposta pelo M.P., traduzindo-se o deferimento liminar do requerimento do arguido no entendimento de que o requerimento foi tempestivo.
Considera-se pois que o referido despacho tem já algum conteúdo decisório, o que confere ao M.P. legitimidade e interesse em agir, para o recurso interposto – art.º 401º/1 e 2), C.P.P.
Pelo que, não há razão para defender que a decisão é irrecorrível ou que o recorrente não tem legitimidade e interesse em agir.
Não há razão assim, para a não admissão do recurso interposto pelo M.P., devendo o mesmo ser analisado. É o que se fará de seguida.

2.3. - Da Tempestividade do Requerimento para Substituição da Pena de Multa, pela de Prestação de Trabalho

A questão suscitada no presente recurso é única e exclusivamente a da tempestividade do requerimento do arguido para requerer a substituição da pena de multa que lhe foi imposta, pela de prestação de trabalho, nos termos do disposto no art.º 48º C.P.. Mais concretamente, apenas está em causa saber-se se o requerimento deve ser feito ainda durante o prazo de pagamento voluntário ou se, mesmo esgotado este, o requerimento pode ainda ser feito e deferido.

Desde há mais de uma década, que a Jurisprudência vem divergindo na decisão:

- para uns, no sentido favorável ao requerido e com os argumentos principais de o art.º 49º/2 C.P. permitir o pagamento da multa a todo o tempo, inclusive no momento em que o arguido é preso para cumprimento da pena de prisão subsidiária e ainda no de a lei penal preferir as penas não detentivas, às detentivas, o que se traduz no facto de o prazo previsto nos arts.º 490º/1 e 489º/2 C.P.P. não ser perentório – de entre outros, o Acórdão da Relação de Évora de 21/8/2 018, Leonor Botelho, o Acórdão da Relação do Porto de 7/7/2 016, Maria Luísa Arantes e o Acórdão da Relação de Lisboa de 27/6/2 018, Pedro Vaz Pato, aliás citado na decisão recorrida (todos acessíveis em www.dgsi.pt);

- para outros, a remissão do art.º 490º/1 C.P.P. para o art.º 489º/2 do mesmo Código só pode ter o sentido de fixar o prazo de 15 (quinze) dias, equivalente ao do pagamento voluntário, como um prazo perentório para ser requerida a substituição da pena de multa pela de prestação de trabalho, tornando-se o requerimento do arguido intempestivo se feito posteriormente ao decurso do citado prazo de pagamento voluntário, que é de 15 (quinze) dias – de entre outros, os Acórdãos da Relação de Guimarães de 19/5/2 014, Ana Teixeira e de 12/11/2 007, Fernando Monterroso e da Relação do Porto de 8/2/2 017, Eduarda Lobo (também todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Ora, pode o Tribunal determinar a substituição da pena de multa pela de prestação de trabalho, a requerimento do condenado – art.º 48º/1 C.P.
A multa pode ser paga voluntariamente, no prazo de 15 (qionze) dias contados da notificação para o efeito - art.º 489º/2 C.P.P.
Questão que se põe então é a de saber do prazo para requerer aquela substituição e mais concretamente, saber se a mesma pode ser pedida uma vez transposto o prazo de pagamento voluntário.

Ora e compulsados os arts.º 47º/49º C.P. com os arts.º 489º/491º - A, C.P.P. – estes, tratam da execução da pena de multa - verifica-se que:

- primeiro decorre o prazo de pagamento voluntário da multa, no prazo de 15 (quinze) dias ou em prestações, se deferido – arts.º 47º/3 C.P. e art.º 489º C.P.P.;
- se não paga naquele prazo, pede-se informação sobre bens para ver se é possível a execução patrimonial da mesma – art.º 491º/1 e 2), C.P.P.;
- não sendo esta possível, segue-se a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, sendo que a respetiva suspensão da execução pode ser determinada, se o arguido demonstrar que o pagamento lhe foi economicamente inviável – art.º 49º/1 e 3), C.P.;
- de qualquer modo, pode o arguido a todo o tempo, inclusive no momento da sua prisão, evitar a mesma, pagando total ou parcialmente a pena de multa, inclusive a terceiros como a autoridade policial ou no Estabelecimento Prisional – arts.º 49º/2 C.P. e 491º-A, C.P.P.

Como se referiu, o prazo de pagamento voluntário da multa é porém de 15 (quinze) dias, contados desde a respetiva notificação para pagar – art.º 489º/2 C.P.P.

Ora, o art.º 490º/1 C.P.P., cuja epígrafe é justamente sobre a “substituição da multa por dias de trabalho”, refere expressamente que o requerimento para prestação de trabalho deve ser feito nos termos dos citados ns.º 2) e 3), do art.º 489º C.P.P., que trata dos prazos de pagamento.

O que quer dizer que daqui decorre expressamente que o requerimento deva ser feito ainda no prazo de pagamento voluntário – normal ou de pagamento das prestações.
Aqui começa o dissídio Jurisprudencial.
Diz a primeira corrente que, permitindo o disposto no art.º 49º/2 C.P. a possibilidade de pagar a multa a todo o tempo, assim se evitando a prisão, então o requerimento para a referida substituição pode também ser feito a todo o tempo.

Com o que não concordamos.

É que a remissão é feita apenas para o art.º 489º/2 e 3), C.P.P. e não para o citado art.º 49º/2 C.P. É que este art.º não trata propriamente do prazo normal de pagamento da multa, mas da possibilidade de se evitar a todo o tempo a prisão, pagando a multa. É como que um último recurso e não uma extensão de qualquer prazo, já antes fixado. Tem pois em conta já uma realidade e objetivo diversos.
Aliás, é de presumir que o legislador exprimiu a sua intenção de uma forma correta, quando redigiu a lei – art.º 9º/3 C.C. Assim, se quisesse também referir que o citado requerimento de substituição poderia ser feito a todo o tempo, bastar-lhe-ia também fazer remissão para o disposto no citado art.º 49º/2 C.P.
Mais: não o fazendo, faz todo o sentido a utilização do argumento lógico “a contrario senso”, pensando-se assim que o citado requerimento pode apenas ser feito no citado prazo de 15 (quinze) dias da notificação para pagamento ou enquanto perdurar o pagamento em prestações.
Este prazo só pode ser perentório, pois não está em causa qualquer prazo que difira para momento ulterior a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo, único caso em que seria dilatório (cfr. art.º 139º C.P.C., aplicável via art.º 4º C.P.P.).
O que só pode querer dizer que uma vez decorrido o referido prazo, se esgota o poder de fazer o citado requerimento e de o mesmo ser deferido.
Contra, nem se argumente com o facto de o nosso legislador dar preferência às penas não privativas da liberdade. É que, a imposição de regras e de prazos não contrariam tal desígnio, apenas o disciplinam. Esse princípio ou propósito não é sempre válido, em qualquer situação. Com efeito, há uma ordem lógica até à conversão da pena de multa em prisão e com prazos, como faz sentido, sendo que o arguido para obstar à prisão pode requerer o pagamento da multa em prestações, a sua substituição por prestação de trabalho, demonstrar que não pôde pagar o que determinará a suspensão da execução da pena de prisão e até pagar a todo o tempo a pena de multa, de modo a obstar à prisão.
O princípio de preferência pelas penas não privativas da liberdade, não equivale à ausência de regras para que esse desiderato seja conseguido. As regras processuais servem para isso mesmo, para disciplinar o andamento de um processo. E não há nenhum princípio, no sentido de as normas processuais deverem ser interpretadas de acordo com tal princípio. O mesmo só existe para o julgador o ter em conta, no momento da aplicação da pena.
Ora e como se referiu, a remissão do art.º 490º/1 C.P.P. para o art.º 489º/2 e 3), C.P.P., só pode dizer que são esses os prazos aplicáveis, não havendo qualquer dúvida na referida interpretação.
Interpretação que aliás foi acolhida no A.U.J. n.º 7/16, publicado no D.R. de 21/3/2 016, 1ª Série. Neste Acórdão de Fixação de Jurisprudência não era esta a matéria discutida, mas a de saber se a pena de multa substitutiva da de prisão, podia ela própria ser substituída pela pena de prestação de trabalho ou de trabalho comunitário. Concluiu-se por maioria que sim, referindo-se que o requerimento para tal deve ser feito no prazo previsto nos arts.º 489º e 490º C.P.P., não se fazendo também qualquer referência ao art.º 49º/2 C.P., no sentido de que o requerimento poderia ser feito a todo o tempo. Aí se disse até expressamente que o aludido requerimento deve ser feito nos 15 (quinze) dias do pagamento voluntário ou antes de o arguido entrar em incumprimento, no caso de ter sido deferido o pagamento da multa em prestações.
Certo que a jurisprudência fixada tem a ver com a possibilidade de ser requerida e deferida a substituição da pena de multa pela de prestação de trabalho, nos casos em que foi fixada uma pena de multa substitutiva da pena de prisão, o que não é o caso dos autos. Mas, se se entendeu fixar jurisprudência pela positiva, a verdade é que no citado Acórdão – que é de 2 016, altura em que já era bem conhecida a dissidência jurisprudencial em causa nos autos – se entendeu também que o requerimento para tal deveria ser feito no prazo fixado nos arts.º 490º/1 e 489º/2 e 3), C.P.P. e não a todo o tempo.
E, tratando-se de Acórdão recente não pode deixar-se de ter em conta o ali decidido para caso nesta parte análogo ao dos autos, entendimento aliás com que se concorda, pelos motivos já expostos.

Ora, no caso dos autos, o pagamento da multa deveria ter sido feito até 24/9/2 019 não tendo sido requerido ou deferido ou requerido o respetivo pagamento em prestações e o arguido só requereu a substituição da pena de multa pela de prestação de trabalho, em 30/9/2 019, logo depois de decorrido o citado prazo de pagamento voluntário da multa, que é de 15 (quinze) dias contados da notificação para pagamento e que é também aplicável para a apresentação do citado requerimento – arts.º 490º/1 e 489º/2 e 3), C.P.P.
Ou seja, o mesmo foi apresentado em momento posterior ao do términus desse prazo.

Assim, só pode ter-se como intempestivo o requerimento feito, o que deveria ter conduzido ao indeferimento do requerido, seguindo-se após trânsito os normais atos processuais, nomeadamente o pedido de informação sobre bens aos O.P.C., com vista à cobrança coerciva da multa.

Termos em que, procede o recurso interposto pelo M.P.
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Razões por que, se decide

3 – Decisão

a) julgar procedente o recurso interposto pelo M.P. e, por via disso revoga-se o despacho proferido, que é substituído por outro que considera intempestivo o requerimento do arguido para substituição da pena de multa pela de prestação de trabalho, indeferindo-se assim liminarmente o citado requerimento – ao que devem seguir-se após trânsito, os normais atos processuais com vista à cobrança coerciva da multa.
b) Sem custas.
c) Notifique.
Guimarães, 13 de Julho de 2 020

(Pedro Cunha Lopes)
(Ausenda Gonçalves)