Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3874/11.6TBVCT.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
DEVER DE INFORMAR
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Nos contratos de adesão o predisponente deve comunicar ao aderente o teor integral das cláusulas contratuais gerais, comunicação que tem de ser feita por modo a que este efectivamente as receba. A comunicação deve ser feita na fase pré-contratual, antes da emissão da declaração de aceitação do aderente.
II – O dever de informar não se restringe à comunicação do singelo teor das cláusulas contratuais gerais mas abrange também o sentido da interpretação que delas faz o predisponente, sendo este um aspecto tão mais importante quanto é certo que só uma vontade esclarecida é uma vontade livre.
III – Deve, pois, aquele, motu próprio, independentemente do pedido do aderente, aclarar o sentido das cláusulas que se apresentem objectivamente difíceis de compreender, chamando a atenção para as que contribuam para a interpretação de outras, e até mesmo para aquelas que sejam mais desaforáveis para o aderente verificadas determinadas circunstâncias – v.g. se não forem cumpridos os prazos de pagamento acordados, ou seja, a mora – dever que ganha maior acuidade quando o predisponente tem pela frente uma contraparte impreparada para assimilar o verdadeiro alcance dos conceitos jurídicos utilizados.
IV- Quando estamos perante um contrato de adesão, deve entender-se que um factum proprium que foi praticado num contexto de falta de liberdade negocial e de falta de informação, pode ser contraditado, sem que tal signifique violação da boa fé ou da confiança da outra parte.
V – Com efeito, se o aderente desconhecer ou conhecer mal o conteúdo de uma das cláusulas, não se pode considerar abusivo ou contraditório, se, quando confrontado com ela, invocar a violação do dever de informação, mesmo depois de ter durante algum tempo cumprido com o pagamento das prestações, isto porque nos contratos de adesão, o aderente é a parte mais fraca, menos assessorada e informada, enquanto a empresa goza de vantagens informativas e organizacionais.
Decisão Texto Integral: - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES -

A) RELATÓRIO
I.- “Banco.., S. A.” moveu acção declarativa de condenação, sob a forma sumária a D.. e mulher M.., pedindo a condenação destes a pagarem-lhe as importâncias de € 1.113,70; € 6.874,98; e € 569,05, acrescidas de €5.461,38 de juros vencidos até 30/12/2011, e de € 218,46 de imposto do selo sobre estes juros, e ainda dos juros que se vencerem, às taxas de 18,996%, 19,008% e de 18,869%, desde 31/12/2011 até integral pagamento, bem como do imposto do selo, à taxa de 4%, que recair sobre aqueles juros.
Fundamenta alegando, em síntese, que, a pedido dos Réus e no âmbito da sua actividade, concedeu-lhes crédito nos montantes peticionados.
Os Réus contestaram e os autos prosseguiram os seus termos, havendo-se procedido ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção totalmente procedente, condenou aqueles a pagarem ao Autor as quantias por este peticionadas, acrescidas dos juros e do imposto do selo, nos termos pedidos.
Inconformados, trazem os Réus o presente recurso, pretendo que seja revogada aquela decisão e substituída por outra (presume-se, já que tal não vem concretizado) que tenha em atenção o por si alegado, designadamente quanto à exclusão dá cláusula 7ª. do contrato.
O Autor contra-alegou sustentando o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
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II.- Os Réus/Apelantes fundam o recurso nas seguintes conclusões:
1 – A douta decisão ora posta em crise, com o devido respeito, merece censura, além do mais, por errada subsunção dos factos ao direito.
2 - Importa esclarecer em que condições foram celebrados os contratos cujo incumprimento foi invocado pelo Autor, ou seja, importa apurar se os réus foram informados e esclarecidos dos termos e clausulado de cada um dos contratos celebrados, condições gerais e específicas.
3 – Com interesse para a questão que se pretende ver resolvida, foi dado como provado, no que se refere à matéria alegada pelos réus em sede de contestação, que:
Artigo 20º: provado apenas que o doc. nº 2 junto com a petição inicial está apenas assinado pelo réu marido.
Artigos 22º e 23º: provado apenas que o documento nº 5 junto com a petição inicial está apenas assinado pelo réu marido.
E da resposta à contestação
Artigo 13º: provado que, aquando da assinatura pelos réus dos contratos aqui em causa, os mesmos já se encontravam integralmente impressos, de acordo com os pedidos de financiamento.
Artigo 15º: provado que a Autora estava à disposição dos réus para lhes prestar esclarecimentos e informações, quer anteriormente a estes terem subscrito os contratos, como posteriormente, designadamente através da linha de apoio ao cliente.
Artigo 17º: provado que os réus não solicitaram ao Autor qualquer informação ou esclarecimento, antes da aposição das assinaturas nos contratos ou posteriormente.
4 - Da matéria referida e dada como provada deveria concluir-se em sentido diametralmente oposto, ou seja que o Autor não cumpriu o dever de comunicação e de informação a que estava obrigado, senão vejamos:
5- Não foi dado como provado que o Autor cumpriu integralmente o seu dever de informação mas antes e apenas que estava disponível para prestar esclarecimentos e informações.
6 - O dever de informação e comunicação é um dever anterior à celebração dos contratos, sem prejuízo de durante e após a celebração dos contratos continuar a existir esse dever de informação por parte do contraente que oferece tais condições gerais.
7 - As condições gerais dos contratos não foram devidamente explicados aos réus, designadamente quanto às taxas de juro, condições de vencimento antecipado e outras cláusulas.
8 - Estamos, no caso sub judice, na presença de um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo bancário, em que os réus alegaram a invalidade das cláusulas do contrato por não lhe terem sido explicadas.
9 - Contratos em causa contêm no seu verso um conjunto de condições gerais pré-estabelecidas e a que os réus se limitaram a aderir sem qualquer possibilidade de negociação pois foram-lhe apresentadas pelo Autor, como resulta da matéria de facto dada como provada.
10 - Estamos assim na presença do regime legal das cláusulas contratuais gerais, regulado pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 que assenta, basicamente, nos princípios da boa fé, da proibição do abuso do direito e da protecção da parte mais fraca, (sublinhado nosso).
11- As cláusulas contratuais gerais têm de ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitam a subscrevê-las ou aceitá-las, comunicação que deve ser feita de modo adequado às circunstâncias de cada caso (tendo em conta a importância do contrato, a extensão e complexidade das cláusulas, artigos 5º e 6º do referido Dec-Lei.
12 - Consideram-se excluídas dos contratos singulares, conforme preceitua o artigo 8º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10, as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5º (alínea a), as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde a não se esperar o seu conhecimento efectivo (alínea b), as cláusulas que pelo contexto em que se surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição de contratante real (alínea c).
13 - Os réus assinaram os referidos contratos com as condições gerais já impressas no seu verso.
14 - O Banco.., Autor, não provou que tenha explicado o teor das referidas condições, sendo certo que as mesmas, dado os termos em que são elaboradas, não são facilmente apreensíveis ao comum dos consumidores sem qualquer formação jurídica quanto mais ao comum cidadão com um grau de instrução básico, como é o caso dos réus.
15 - Não podem os réus estar em mais desacordo quanto ao facto de a Mmª Juiz "a quo" ter entendimento de que "da análise e leitura das cláusulas que integram as "condições gerais" e as "condições específicas" dos contratos aqui em causa resulta claro que não são complexas, não sendo de difícil compreensão para o contraente dotado de capacidade média e que tivesse o cuidado de as ler".
16 - É sobre o contraente que apresenta as referidas cláusulas que recai o ónus da prova do dever de comunicação efectiva e adequada e o dever de informação e não àquele a quem tais cláusulas são impostas que tem a obrigatoriedade de se esclarecer ou o "cuidado de as ler".
17 - Como não põem os réus estar de acordo quando a Mmª Juiz "a quo", para fundamentar a sua decisão refere que "Parece-nos que o Autor não tem obrigatoriamente que ler e explicar aos seus clientes os contratos que com ele celebra ... )" tendo em conta a princípio da boa fé e da defesa da parte mais fraca.
18 - O dever de comunicação e informação não se basta com a mera inclusão das referidas cláusulas no contrato singular antes do aderente proceder à sua subscrição, como parece depreender-se da fundamentação da douta decisão, sob pena de se estar a subverter tal exigência legal substituindo-se a necessidade da comunicação das condições gerais pela mera aceitação concludente da contraparte atenta a inclusão daquelas no momento da celebração do contrato e aquando da assinatura do aderente (Acórdão da Relação de Lisboa, de 10 de Abril de 2003, Colectânea de Jurisprudência, tomo II, pago 120 e ss.
19 - Nestas situações, em que o aderente se limita a assinar um formulário, a lei exige que o proponente proporcione à parte aderente a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado, estando o proponente obrigado a demonstrar que proporcionou ao aderente o conhecimento efectivo das condições gerais do contrato.
20 - E não se diga ainda, como o faz a Mmª Juiz “a quo" "(que o Autor estava à disposição dos réus para lhes prestar os esclarecimentos e informações, quer anteriormente a estes terem subscrito os contratos, como posteriormente, designadamente através da linha de apoio ao cliente ... )
21 - O dever de informação prescrito no artigo 6º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, compreende não só o dever de prestar os esclarecimentos que o aderente tome a iniciativa de solicitar mas também o dever de espontaneamente o proponente o informar de aspectos carecidos de aclaração ou da prestação de esclarecimentos complementares, em função das concretas circunstâncias do caso concreto, veja-se Acórdão do STJ, de 8/04/2010, proc. 3501/06.3 TVL5B:C151, in www.dgsi.pt.
22 - A falta de assinatura de um dos réus nos aditamentos efectuados é mais do que suficiente para provar que o Autor não cumpriu com o seu dever de comunicação e de informação previa, tendo os respectivos aditamentos produzido os seus efeitos sem sequer ter sido aposta a assinatura nos mesmos de um dos réus.
23 - O não cumprimento por parte do Autor dos deveres a que por lei estava obrigado, - comunicação e informação, antes, durante e depois da celebração dos contratos e seus aditamentos, só pode ter, como tem, a consequência de serem excluídas dos contratos em apreço as condições gerais constantes do verso dos formulários.
24 - O que desde logo afasta dos contratos a cláusula 7ª sob a epígrafe "mora e cláusula penal", sendo aplicado ao caso sub judice, e no que respeita a tal matéria, o regime legal supletivo, mormente o disposto no artigo 781º do Cod. Civil, tendo apenas o Autor direito a receber o capital em dívida (capital emprestado e não o valor das prestações em falta que já contemplam imposto de selo, taxa de juro, valor de seguro etc.) e a remuneração desse empréstimo através de juros, até ao momento em que o recuperar não tendo direito a receber juros remuneratórios dos réus porque não se venceram e não existem.
25 - Considerando-se não escritas as condições gerais dos contratos, a cláusula penal fixada no artigo 7º dos contratos e que faz acrescer 4% sobre a taxa contratual não é de atender pelo que os juros de mora nunca poderão ser calculados com base na referida cláusula, como o faz a douta sentença.
26 - Não tem o Autor direito a qualquer montante relativo a juros remuneratórios das prestações vencidas e não pagas pelos réus e cujo período de tempo ainda não decorreu.
27 - O Autor tinha perfeito conhecimento das dificuldades económicas dos Réus em cumprir os seus compromissos, uma vez que recorreram várias vezes ao crédito para pagar prestações já vencidas, pelo que violou também o princípio da boa fé.
28 - O Autor não informou nem esclareceu, como era seu dever e obrigação, em concreto, os Réus das específicas condições negociais, de que é demonstrativo o facto de ter havido contratos não assinados pela ré mulher.
29 - Não tendo deixado de, nessas circunstâncias, continuar a contratar com os RR., propondo-lhes novos contratos de mútuo a que estes aderiam, resultando daí cada vez maiores dificuldades em cumprir os seus compromissos, dia a dia.
30 - A douta decisão, ora posta em crise, violou, além do mais, o disposto nos artigos 5º, 6º e 8º do Decreto-Lei 446/85, de 25/10.
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III.- O Autor/apelado, nas contra-alegações, defende ter cumprido com os deveres que se lhe impunham, de comunicação e informação das cláusulas contratuais, defendendo ainda a razoabilidade da sentença ao considerar que o teor das referidas cláusulas, pela sua simplicidade, era perfeitamente compreensível pelos Apelantes.
Advoga ainda o Autor que os Apelantes estão a agir com abuso do direito ao excepcionarem a falta de cumprimento, por si, dos deveres, de comunicação e de informação, depois de terem cumprido, durante cerca de dois anos, com o pagamento de 21 das 72 prestações em dívida, e depois de, instados a pagarem estas últimas, haverem-lhe procedido à entrega do veículo (a cuja aquisição se destinou o empréstimo contraído) para que o vendesse e descontasse o preço da venda na dívida, o que constitui circunstância idónea a reforçar a convicção dele, Autor, de que a falta de comunicação não seria invocada como meio de defesa.
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Como resulta do disposto nos artos. 660º., nº. 2, ex vi do nº. 2 do artº. 713º.; 684º., nº. 3; 685º.-A, nos. 1 a 3, e 685º.-C, nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), (artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2; 635º., nº. 4; 639º., nos. 1 a 3; 641º., nº. 2, alínea b), todos do novo Código de Processo Civil (NCPC)), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões são questões a decidir:
- da exclusão da cláusula 7ª. de cada um dos contratos com fundamento em violação dos deveres de comunicação e de informação;
- que prestações pecuniárias estão os Apelantes obrigados a pagarem ao Autor relativamente a cada um dos quatro contratos que celebraram entre si.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
a) O Autor, no exercício da sua actividade comercial, por contrato constante de título particular datado de 31 de Maio de 2007, ao diante junto em fotocópia e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concedeu crédito pessoal directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado aos Réus a importância de Euros 1.500,00 (doc. n.º 1).
b) Nos termos do documento número um junto com a petição inicial, o Autor entregou aos réus a importância de € 1.500,00, com juros, à taxa nominal de 14,996% ao ano, devendo a aludida importância, juros, comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida, serem pagos em trinta e seis prestações, mensais e sucessivas, com vencimento da primeira em 10 de Julho de 2007 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.
c) Nos termos do documento n° 1, junto com a petição inicial, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária, sediada em Lisboa, titulada pelo Autor.
d) Nos termos da cláusula sétima, alínea b) das condições gerais do documento n° 1 junto com a petição inicial, a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as restantes, sendo que o montante de cada prestação tinha o valor de € 58,02.
e) Nos termos da cláusula terceira, alínea c) das condições gerais do documento nº 1 junto com a petição inicial, no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do financiamento, o valor do imposto de selo devido, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 13 destas Condições Gerais.
f) Nos termos da cláusula sétima, alínea c) das condições gerais do documento n° 1 junto com a petição inicial, em caso de mora incidirá sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.
g) A Autora é uma instituição de crédito.
h) O réu marido por não poder cumprir com o contrato, solicitou ao Autor que o saldo então em débito fosse pago pelos réus pelo alargamento do prazo do reembolso de 36 para 60 prestações bem como pela alteração do valor da prestação mensal que passou assim de € 58,02 para € 35,10, cada, a partir da 11ª prestação, com vencimento em 10 de Maio de 2008.
i) Nos termos do documento n° 2 junto com a petição inicial, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária indicada pelo Autor.
j) Nos termos do documento n° 3 junto com a petição inicial, os réus solicitaram ao Autor que, prorrogando o prazo de pagamento, fosse concedido um período de carência de oito meses, a partir da 22ª prestação, cuja data de vencimento foi alterada de 10 de Abril de 2009 para 10 de Dezembro de 2009, passando o valor da prestação mensal acordado a ser de € 31,82, a partir de 10 de Dezembro de 2009, tendo ainda o prazo do reembolso do empréstimo sido alargado de 60 para 72 meses.
k) Nos termos do documento n° 3 junto com a petição inicial, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária indicada pelo Autor.
l) Os réus não pagaram a 38ª a prestação, vencida em 10 de Abril de 2011 nem as seguintes, num total de 35.
m) O Autor, no exercício da sua actividade comercial, por contrato constante de título particular datado de 6 de Agosto de 2007, ao diante junto em fotocópia e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concedeu crédito pessoal directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado aos ditos Réus mais a importância de Euros 2.000,00 (doc. n.º 4).
n) Nos termos do documento n° 4 junto com a petição inicial, o Autor entregou aos réus a importância de € 2.000,00, com juros, à taxa nominal de 15,008% ao ano, devendo a aludida importância, juros, comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida serem pagos em trinta e seis prestações, mensais e sucessivas, com vencimento da primeira em 10 de Setembro de 2007 e das seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.
o) Nos termos do documento n° 4 junto com a petição inicial, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária, sedeada em Lisboa, titulada pelo Autor.
p) Nos termos da cláusula sétima, alínea b) das condições gerais do documento n° 4 junto com a petição inicial, a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as restantes, sendo que o montante de cada prestação tinha o valor de € 73,03.
q) Nos termos da cláusula terceira, alínea c) das condições gerais do documento nº 4 junto com a petição inicial, no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do financiamento, o valor do imposto de selo devido, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 13 destas Condições Gerais.
r) Nos termos da cláusula sétima, alínea c) das condições gerais do documento n° 4 junto com a petição inicial, em caso de mora incidirá sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.
s) Nos termos do documento n° 5 junto com a petição inicial, o réu marido e a Autora acordaram um alargamento do prazo do reembolso do empréstimo, que passou de 36 para 60 prestações e uma alteração do valor da prestação mensal de € 73,03 para € 45,69, cada, a partir da 9ª prestação com vencimento em 10 de Maio de 2008.
t) Nos termos do documento n° 5 junto com a petição inicial, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária indicada pelo Autor.
u) Nos termos do documento n° 6 junto com a petição inicial, os réus solicitaram ao Autor que, prorrogando o prazo de pagamento, fosse concedido um período de carência de oito meses, a partir da 20ª prestação, cuja data de vencimento foi alterada de 10 de Abril de 2009 para 10 de Dezembro de 2009, passando o valor da prestação mensal acordado a ser de € 41,88, a partir de 10 de Dezembro de 2009, tendo ainda o prazo do reembolso do empréstimo sido alargado de 60 para 72 meses.
v) Nos termos do documento nº 6 junto com a petição inicial, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária indicada pelo Autor.
w) Os réus não pagaram a 35ª prestação, vencida em 10 de Março de 2011 nem as seguintes, num total de 38.
x) O Autor, no exercício da sua actividade comercial e com destino, segundo informação então prestada pelo réu marido, à aquisição de um veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Golf 1.6 Avenue, com a matrícula ..-HI, por contrato constante de título particular, datado de 20 de Março de 2008, junto com a petição inicial sob o documento n° 7 e que aqui se dá por reproduzido, concedeu ao réu marido crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo entregue ao réu marido a importância de € 4.375,00.
y) Nos termos do documento n° 7 junto com a petição inicial, para aquisição de um veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Golf 1.6 Avenue, com a matrícula ..-HI, o Autor entregou aos réus a importância de € 4.375,00, com juros, à taxa nominal de 20,362% ao ano, devendo a aludida importância, juros, comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida serem pagos em sessenta prestações, mensais e sucessivas, com vencimento da primeira em 30 de Abril de 2008 e das seguintes nos dias 30 dos meses subsequentes.
z) Nos termos do documento n° 7 junto com a petição inicial, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária, sedeada em Lisboa, titulada pela Autora.
aa) Nos termos da cláusula oitava, alínea b) das condições gerais do documento n° 7 junto com a petição inicial, a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as restantes, sendo que o montante de cada prestação tinha o valor de € 121,30.
bb) Nos termos da cláusula quarta, alínea c) das condições gerais do documento nº 7 junto com a petição inicial, no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do financiamento, o valor do imposto de selo devido, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 13 destas Condições Gerais.
cc) Nos termos da cláusula oitava, alínea c) das condições gerais do documento n° 7 junto com a petição inicial, em caso de mora incidirá sobre o montante em débito, a titulo de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.
dd) Nos termos do documento n° 8 junto com a petição inicial, os réus solicitaram ao Autor que, prorrogando o prazo de pagamento, fosse concedido um período de carência de nove meses, a partir da 12ª prestação, cuja data de vencimento foi alterada de 30 de Março de 2009 para 30 de Dezembro de 2009, passando o valor da prestação mensal acordado a ser de € 112,26, a partir de 30 de Dezembro de 2009, tendo ainda o prazo do reembolso do empréstimo sido alargado de 60 para 84 meses.
ee) Nos termos do documento n° 8 junto com a petição inicial, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária indicada pela Autora.
ff) Os réus não pagaram a 9ª prestação - vencida em 30-12-2008 - e seguintes, tendo contudo pago as prestações 12ª a 26ª - que se venceram aos dias 30 dos meses de Dezembro de 2009 a Fevereiro de 2011 - num total de 61.
gg) O veiculo destinou-se ao património comum do casal.
hh) O Autor, no exercício da sua actividade comercial, por contrato constante de título particular datado de 10 de Março de 2009, junto com a petição inicial sob o documento nº 9 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, concedeu crédito pessoal directo, sob a forma de um contrato de mútuo, entregando aos Réus a quantia de € 949,45.
ii) Nos termos do documento n° 9 junto com a petição inicial, o Autor entregou aos réus a importância de € 949,45, com juros, à taxa nominal de 14,869% ao ano, devendo a aludida importância, juros, comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida serem pagos em quarenta e duas prestações, mensais e sucessivas, com vencimento da primeira em 15 de Abril de 2009 e das seguintes nos dias 15 dos meses subsequentes.
jj) Nos termos do documento nº 9 junto com a petição inicial, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para uma conta bancária, sedeada em Lisboa, titulado pela Autora.
kk) Nos termos da cláusula sétima, alínea b) das condições gerais do documento n° 9 junto com a petição inicial, a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as restantes, sendo que o montante de cada prestação tinha o valor de € 29,95.
ll) Nos termos da cláusula terceira, alínea c) das condições gerais do documento nº 9 junto com a petição inicial, no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do financiamento, o valor do imposto de selo devido, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 12 destas Condições Gerais.
mm) Nos termos da cláusula sétima, alínea c) das condições gerais do documento n° 9 junto com a petição inicial, em caso de mora incidirá sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.
nn) Os réus não pagaram as 24ª prestações e seguintes, num total de 19, vencendo-se a primeira em 15 de Março de 2011.
oo) O documento n° 2 junto com a petição inicial está apenas assinado pelo réu marido, assim como o documento nº 5 (acrescento nosso visto que, por simples lapso, não foi transcrito).
pp) Aquando da assinatura pelos réus dos contratos aqui em causa, os mesmos já se encontravam integralmente impressos, de acordo com os pedidos de financiamento.
qq) A Autora estava à disposição dos réus para lhes prestar esclarecimentos e informações, quer anteriormente a estes terem subscrito os contratos, como posteriormente, designadamente através da linha de apoio ao cliente.
rr) Os réus não solicitaram ao Autor qualquer informação ou esclarecimento, antes da aposição das assinaturas nos contratos ou posteriormente.
ss) Os réus não reclamaram de não terem sido informados sobre qualquer aspecto dos contratos em causa.
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V.- 1.- Como se extrai das conclusões oferecidas pelos Apelantes, pretendem eles obter a exclusão da cláusula 7ª. de cada um dos quatro contratos que celebraram com o Banco Autor, invocando, para tanto, a violação do dever de comunicação e de informação que a este cumpria observar.
Os referidos contratos, titulados de “Contrato de Crédito Pessoal” contêm cláusulas que se presume tenham sido objecto de negociação – as ali designadas “condições específicas” e outras que se apresentaram aos Apelantes já totalmente escritas e às quais estes se limitaram a aderir.
Ainda que estejamos perante contratos individualizados, posto que eles integram cláusulas resultantes de negociação prévia e cláusulas gerais – dizendo-se, por isso, contratos mistos – eles estão sujeitos ao regime definido pelo Dec.-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, com as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas.
O Código Civil (C.C.), no artº. 405º., consagra o princípio da liberdade contratual, não só na vertente da liberdade de contratar mas também na vertente da conformação do contrato.
Pressupõe, porém, que as partes contratantes estejam numa posição de igualdade, porque só assim é que tem sentido falar em liberdade.
E pressupõe (ou impõe) também, que nas negociações prévias à celebração do contrato as partes actuem de boa fé - cfr. artº.227º. – que aqui tem um sentido ético, fazendo, sobretudo, apelo à lealdade e honestidade.
Hodiernamente, porém, a realidade é outra, verificando-se a massificação de contratos em que as cláusulas são unilateralmente predispostas por um dos contraentes.
Ao outro fica apenas a liberdade de contratar ou não, liberdade que pode ser consideravelmente restringida se ele tiver necessidade daquele específico bem ou serviço.
Porque se verificou que, muitas vezes, se introduziam, dentre aquelas cláusulas unilateralmente predispostas, algumas que eram nocivas e injustas para uma das partes, violadoras do equilíbrio nas prestações, que o contrato sinalagmático pressupõe, houve a necessidade da criação de mecanismos eficientes de protecção da parte mais fraca.
A protecção do consumidor contra “condições de crédito abusivas” foi, de resto, uma preocupação da então Comunidade Europeia, manifestada na Directiva 87/102/CEE, de 22/12/1986 (alterada pela Directiva nº. 90/88/CEE, de 22/02/1990), que se manteve presente nas Directivas que lhe sucederam com vista à harmonização das legislações dos Estados-Membros nesta matéria – Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5/04/1993 e a Directiva 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2011.
O acento tónico de todas estas Directivas vai no sentido do reconhecimento de um efectivo direito à informação do consumidor.
Dever de informar que, de resto, não se restringe à comunicação do singelo teor das cláusulas contratuais mas abrange também o sentido da interpretação que delas faz o predisponente, sendo este um aspecto tão mais importante quanto é certo que só uma vontade esclarecida é uma vontade livre.
No direito interno, cumpre ter presente o que estabelecem os artos. 5º.; 6º.; e 8º., do Dec.-Lei 446/85, de 25 de Outubro.
O predisponente deve comunicar ao aderente o teor integral das cláusulas contratuais gerais, comunicação esta que tem de ser feita por modo a que este efectivamente as receba.
Esta comunicação deverá ainda ser feita com o tempo de antecedência que a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas ditem para que seja possível a um aderente normalmente diligente tomar delas um conhecimento completo e efectivo. A comunicação deve ocorrer ainda na fase pré-contratual, antes da emissão da declaração de aceitação do aderente.
Depois, incumbe ainda ao predisponente cumprir o dever de informar a outra parte dos aspectos essenciais compreendidos nas cláusulas, aclarando o que seja necessário aclarar, chamando a atenção para as cláusulas que contribuam para a interpretação de outras, e até mesmo para aquelas que sejam mais desaforáveis para o aderente verificadas determinadas circunstâncias – v.g. se não forem cumpridos os prazos de pagamento acordados (o que em direito se traduz conceptualmente pela mora).
José Manuel Araújo de Barros distingue (e bem) a “comunicação” da “informação” dizendo que “visando ambas a eficaz apreensão da proposta contratual”, a primeira procura garantir “o conhecimento efectivo” desta proposta contratual e na informação “pressupõe-se assegurar a compreensão da mensagem que lhe está subjacente”, referindo ainda dever articular-se o nº. 1 do artº. 6º. com o nº. 2 do artº. 5º., concluindo que “o dever de informação recairá sobre os aspectos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique, tendo em conta necessariamente a importância do contrato, a extensão e complexidade das cláusulas, a pessoa a quem elas são dirigidas e todas as outras circunstâncias que podem condicionar a sua compreensão pelo aderente (in “Clausulas Contratuais Gerais”, Coimbra Editora, págs. 92/93).
Trata-se, pois, de obrigações pré-contratuais que derivam da boa fé imposta pelo artº. 227º., do C.C., já referido.
Também Ana Prata, referindo-se ao dever de comunicação imposto pelo artº. 5º., refere que ele tem de ser cumprido por forma a permitir ao bom pai de família, como paradigma da diligência juridicamente exigível, “o conhecimento completo e efectivo” das cláusulas” retirando daquela norma que “o desconhecimento, a incerteza ou o engano acerca de disposições contratuais por parte do aderente – que não sejam devidos a culpa deste – significam que aquela obrigação não foi pontualmente cumprida” e, citando Almeno de Sá, prossegue defendendo que “Não basta ... a pura notícia da «existência» de cláusulas contratuais gerais, nem a sua indiferenciada «transmissão». Exige-se ainda que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo.
E, assim como o faz Araújo de Barros, de certo modo desvaloriza a declaração do aderente, constante do contrato, de que conhece todas as suas cláusulas e as aceita, porque isso “equivale a permitir que um regime legal de tutela de uma das partes, por se tratar de contraente débil seja afastado convencional ou, pelo menos, voluntariamente, o que será paradoxalmente quase inevitável” (in “Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais”, Almedina, 2010, págs. 238/239), sendo que Araújo de Barros defende que essa subscrição deverá apenas ser valorada como “um princípio de prova de ter sido cumprida a obrigação de comunicação, nomeadamente contribuindo para ajuizar da diligência do aderente”.
De resto, quanto a esta parte, cumpre fazer ressaltar que nos contratos celebrados com consumidores ou equiparados são absolutamente proibidas as cláusulas que “atestem conhecimentos das partes relativos ao contrato quer em aspectos jurídicos quer em aspectos materiais” – cfr. alínea e) do artº. 21º., do supra mencionado Dec.-Lei nº. 446/85.
Ainda sobre o artº. 6º., refere Ana Prata que, não decorrendo dele que o predisponente tenha a obrigação de explicar cada uma das cláusulas, “tem de prestar uma “informação circunstanciada”, “independentemente de pedido do aderente” (itálico nosso), em relação àquelas que se apresentem objectivamente difíceis de compreender e também quando tem pela frente uma contraparte impreparada para assimilar o seu verdadeiro alcance.
Como decidiu o S.T.J. no Ac. de 30/10/2007, “não é exigível a pessoa analfabeta que domine conceitos jurídicos como “mora”, “cláusula penal”, “rescisão do contrato” e “reserva de propriedade”, sobretudo se tais conceitos constarem das “Condições Gerais”, sendo, por isso, mais exigente o dever de informação” (Procº. 07A3048, Consº. Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt).
Também o Ac. do mesmo Alto Tribunal de 02/12/2013, discorrendo que “Dada a disparidade de poder entre as partes no contrato de adesão, assume um papel decisivo a garantia do “modelo de informação” ou “imperativo de transparência” cuja finalidade é potenciar a formação consciente e ponderada da vontade negocial, parificando posições de disparidade cognitiva, quer quanto ao objecto, quer quanto às condições do contrato”, afirma que “A comunicação das cláusulas deve ser clara e precisa e a informação completa, abrangendo as características do bem ou do serviço, a extensão dos riscos cobertos e a medida exacta dos direitos e obrigações previstos no contrato”, afirmando, bem assim, que o direito à informação “não se basta com o envio de uma nota informativa pela empresa utilizadora”, implicando ainda um “dever de aconselhamento” que pode ser definido como “uma obrigação de assistência que supõe não só uma grande lealdade, mas um verdadeiro serviço prestado ao aderente, e inclui um dever de chamar a atenção deste para cláusulas cujo conteúdo possa não corresponder às suas necessidades e situação pessoal ou que sejam «perigosas» para os seus interesses” (Procº. 306/10.0TCGMR.G1.S1, Consª. Maria Clara Sottomayor, que contém profusa referência à jurisprudência e à doutrina sobre o conteúdo daqueles deveres de informação e comunicação, in www.dgsi.pt).
2.- A cláusula geral visada pelos Apelantes é aquela que com o nº. 7 consta das “Condições Gerais” do contrato, que tem por título “MORA E CLÁUSULA PENAL”, dispondo na alínea “a) O(s) Mutuário(s) ficará(ão) constituído(s) em mora no caso de não efectuar(em), aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação”, e na alínea “b) A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes”, e ainda na alínea “c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora”.
Como se vê dos seus dizeres, trata-se de uma cláusula pejada de conceitos de direito cujo sentido técnico-jurídico não é facilmente apreensível pelo comum dos cidadãos não só por não fazerem parte do léxico normalmente utilizado, como porque, quando usados na linguagem corrente, têm um significado diferente.
Para além disso carece de concretizações que não resultam das restantes cláusulas contratuais, v.g. que tipo de despesas estão pensadas para a alínea c) e qual o montante, pelo menos previsível, da “comissão de gestão” que ali vem referida.
Nesta parte, pois, não podemos acompanhar o julgamento do Tribunal a quo tanto mais que, para além de se saber “pela experiência da vida que o mais comum é os aderentes confiarem nas explicações de um profissional-utilizador, sem lerem as cláusulas escritas do acordo, por falta de tempo e de capacidade para compreender os seus efeitos” e de que “tal atitude, de tão generalizada que é, não pode considerar-se falta de diligência comum ou razoável”, nos dizeres do Ac. do S.T.J. de 02/12/2013, supra referido, quanto a esta cláusula em concreto, e também pelas regras da experiência comum, quando decorreram conversações prévias à celebração de cada um dos contratos, andava bem afastada da ideia dos Apelantes e mesmo do representante do Banco Autor a perspectiva do incumprimento.
Trata-se de uma cláusula com consequências bem gravosas para os Apelantes, para mais se se perspectivar a hipótese de o não pagamento atempado das prestações se ficar a dever mais a dificuldades económicas do que a uma injustificada vontade de não cumprir.
O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao predisponente, nos termos consagrados do nº. 3 do artº. 5º. – o que se entende se considerarmos que é este quem pretende fazer-se valer das cláusulas em que funda o seu direito, não havendo, assim, desvio à regra vertida no nº. 1 do artº. 342º., do C.C..
E o certo é que o Banco Autor não cumpriu com este ónus.
Com efeito, do facto (provado) de ele “estar à disposição dos réus para lhes prestar esclarecimentos e informações, quer anteriormente a estes terem subscrito os contratos, como posteriormente, designadamente através da linha de apoio ao cliente (alínea qq) da facticidade acima transcrita) não se pode inferir, nem por aproximação, que o Banco Autor tenha cumprido o seu dever de informação, chamando a atenção dos Apelantes para aquela cláusula (a que lhes é mais desfavorável de todas as que compõem cada um dos contratos) e explicando-a e concretizando-lhes as despesas e o montante da comissão que considerava estarem ali previstas.
E porque a iniciativa da informação tinha de ser do Banco Autor, é inócuo o facto de os Apelantes lhe não terem solicitado “qualquer informação ou esclarecimento, antes da aposição das assinaturas nos contratos ou posteriormente” (alínea rr) da facticidade provada).
Desconhece-se se antes da celebração do primeiro contrato, datado de 31/05/2007, e identificado com o nº. 82530, o Banco Autor já teria celebrado com os Apelantes contrato(s) do mesmo género, mas não deixa de ser certo que quando, posteriormente, celebrou com eles os outros três, já os conheceria e saberia das suas reais capacidades de apreensão do verdadeiro alcance dos dizeres por ele próprio introduzidos no contrato.
De resto, tenha-se em atenção que in casu os Apelantes renegociaram o escalonamento da dívida por duas vezes (cfr. docs. de fls. 26 e 27 para o contrato nº. 82530; 30 e 31 para o contrato nº. 835128 e fls. 34 para o contrato nº. 874036) e nem quanto a estes momentos da vida dos contratos foi apurado se o Banco Autor cumpriu com aquele dever de informação, especialmente quanto à cláusula 7.
Como se sabe, a celebração destes contratos ocorreu num período de concessão de crédito excepcionalmente fácil, o que levou os Bancos e as entidades financeiras a negligenciarem o escrutínio a que normalmente submetiam as pessoas que se lhes dirigiam a pedir dinheiro emprestado. Por outro lado, o estado de euforia que então se vivia deixava pouca margem para o discernimento destas pessoas que já iam predispostas a assinar “de cruz” o que lhes fosse apresentado.
Só que os Bancos e as entidades financeiras, pelos seus privilegiados conhecimentos da evolução da situação macroeconómica, pela influência que exerce sobre a situação económica das famílias, tinham (e têm) um especial dever de aconselhamento e a obrigação de, pelo menos, hipotisarem junto dessas pessoas a possibilidade de poder ocorrer uma alteração da sua situação financeira, alertando-as para as consequências do não pagamento, na data que ficou estabelecida, de (apenas) uma das prestações contratadas.
Ora, aqueles especiais dever e obrigação teriam de ser cumpridos no tempo anterior ao da assinatura de cada um dos contratos, sendo, para o efeito, manifestamente insuficiente a previsibilidade de um período de reflexão, não só porque as pessoas que pedem dinheiro invariavelmente não voltam atrás com este pedido quando o conseguem ver admitido, como também não deixa de constituir uma desmotivação para a grande maioria das pessoas o cumprimento das formalidades exigidas para a revogação da declaração de aceitação, e que o Banco Autor fez constar da cláusula geral nº. 8, tanto mais que se não mostra provado nos autos ter sido junto o formulário da declaração de revogação a que alude o nº. 2 do artº. 8º., do Dec.-Lei nº. 359/91, de 21 de Setembro.
Assim, invocando o Banco Autor, como fundamento do direito que pretende fazer valer, a referida cláusula contratual geral, tinha de alegar e provar que, com referência a ela, cumpriu os deveres de comunicação e de informação, com o âmbito que acima se deixou referido.
Posto que a não prova de um facto não signifique a prova do facto de sentido contrário, a decisão da questão há-de ser contra a parte onerada com a prova, impondo-se concluir que os Apelantes não tomaram conhecimento efectivo do concreto conteúdo da cláusula 7.
Com efeito, como refere o Ac. do S.T.J. de 2/12/2013, acima mencionado, “A questão deve ser resolvida em prejuízo de quem tinha o ónus da prova, não só por razões formais, mas também por razões materiais, ligadas à protecção da parte mais fraca”.
Por isso, e nos termos do disposto no artº. 8º., do Dec.-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, julga-se excluída de cada um dos contratos em mérito a cláusula geral com o nº. 7.
Posto que, relativamente a cada um dos contratos, os Apelantes deixaram de pagar - no primeiro não pagaram as prestações 38ª. e sgs.; no segundo não pagaram as prestações 35ª. e sgs.; no terceiro não pagaram as prestações 9ª. a 12ª. e 27ª. e sgs.; e no quarto não pagaram prestação alguma - cumpre aplicar o regime comum previsto no artº. 781º. do C.C., considerando vencidas todas as restantes prestações, de acordo, de resto, com a posição do Banco Autor.
Não tendo pago no tempo certo, os Apelantes entraram em mora, cumprindo-lhes indemnizar o Banco Autor, nos termos do disposto no artº. 804º., nº. 1 do C.C..
Cumpre agora determinar o que os Apelantes têm de pagar ao Banco Autor.
Como resulta da alínea c) da cláusula geral nº. 3 de cada um dos contratos, “no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do financiamento, o valor do imposto do selo devido, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 13 destas Condições Gerais”.
Ora, como decidiu o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº. 7/2009, “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo da cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.
E dentre as premissas nucleares que suportam aquele entendimento, consta, sob o número “7) Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada”.
Ficam assim excluídos todos os elementos que anteriormente compunham cada uma das prestações, restando apenas a parte referente ao capital (diga-se, de resto, que uma vez que os juros agora a considerar são moratórios e não remuneratórios, também sobre eles não incidirá o imposto do selo, de acordo com o que consta no ponto 17.3.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo).
Acontece que na situação sub judicio, a cláusula 7, que tratava da mora e suas consequências, acaba de ser julgada excluída do contrato pelo que não podemos considerar o que aí se dispunha – taxa de juros de mora e cláusula penal.
Cumpre, por isso, aplicar o regime supletivo, nos termos dos artos. 805º., nº. 2 e 559º., do C.C., considerando-se a taxa anual de 4%, fixada pela Portaria nº. 291/2003, de 8 de Abril (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24/11/2009, Procº. 3181/07.9TJLSB.C1, Desemb. Artur Dias, in www.dgsi.pt).
Dever-se-á, pois, condenar os Apelantes a pagarem ao Banco Autor o montante do capital em dívida acrescido de juros de mora, à taxa acima referida, deste a data da constituição em mora - dia seguinte ao do vencimento da primeira prestação não paga, relativamente a cada um dos contratos - até integral e efectivo pagamento.
De quanto se expõe resulta assistir a razão aos Apelantes.
*
VI.- Relativamente à excepção peremptória invocada pelo Banco Autor, que imputa à Apelante uma actuação com abuso do direito, alegadamente por a sua conduta ter criado em si a convicção de que a falta de comunicação não seria invocada como meio de defesa, cumpre considerar o disposto no artº. 334º., do C.C. que trata deste instituto dizendo ser ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso pressupõe a existência do direito e, como refere o Ac. do S.T.J., de 22/11/1994, “no moderno pensamento jurídico os direitos subjectivos sofrem vários limites – de ordem moral, teológica e social, nomeadamente – e é a ofensa destes que constitui o abuso reprimido pela nossa lei” (in C. J. - Acs. do S.T.J. – ano II, tomo III-1994, pág. 158 (Carlos Caldas)).
Esclarecem P. Lima e A. Varela que “a concepção adoptada do abuso do direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites”, o que não significa que ao conceito “sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido”(in “Código Civil Anotado”, 3ª. Edição, volume I, pág. 296).
Exige-se, por outro lado, que o excesso cometido seja manifesto, que haja “uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” (nos dizeres do Prof. Vaz Serra, in B.M.J., nº. 85º., pág. 253).
No abuso do direito não é um direito ou um interesse alheio que é ofendido mas sim um direito próprio que é abusivamente exercido e, por isso, o exercício deste direito é, então, tido como ilegítimo (cfr. Prof. A. Varela, in Revista Leg. e Jurisprudª., ano 114, pág. 75).
Em resumo, e como se escreveu no Ac. do S.T.J. de 21/09/1993, “existirá abuso do direito quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito; dito de outro modo, o abuso do direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjectivo mas este poder formal é exercido em aberta contradição, seja com o fim (económico ou social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa fé e bons costumes) que, em cada época histórica envolve o seu reconhecimento” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano I, tomo III – 1993, pág.21, e referências doutrinais aí mencionadas).
Concretamente quanto à proibição do venire contra factum proprium, violadora da tutela da confiança da outra parte, enquanto modalidade que o abuso do direito pode assumir, como esclarece Menezes Cordeiro, só pode ser assim considerada “a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor”, explicitando que “no venire positivo, uma pessoa manifesta uma intenção, ou, pelo menos, gera uma convicção de que não irá praticar certo acto e, depois, pratica-o mesmo”, enquanto que no “venire negativo, o agente em causa demonstra ir desenvolver certa conduta e, depois, nega-a” (in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, págs. 275 a 297).
Ora, na situação sub judicio, para além da invocada “entrega do veículo automóvel”, acto que terá gerado a confiança no Banco Autor de que a Ré não iria invocar a violação dos deveres de comunicação e de informação, respeitar apenas a um dos contratos em causa (pelo menos ao que se extrai do seu teor), não se pode deixar de ter presente que os Apelantes só agora é que estão a ser confrontados com a impugnada cláusula, e com a concretização daquilo que o Banco Autor pretendia com ela.
Com efeito, como se escreveu no Ac. do S.T.J. de 02/12/2013, acima citado, “Sendo o factum proprium um facto voluntário, ao qual se aplicam as disposições respeitantes às declarações de vontade, deve entender-se que um factum proprium que foi praticado num contexto de falta de liberdade negocial e de falta de informação, pode ser contraditado, sem que tal signifique violação da boa fé ou da confiança da outra parte”, e prossegue, defendendo que, o aderente, desconhecendo ou conhecendo mal o conteúdo das cláusulas, “dada a complexidade das mesmas e a perda de tempo que implica o seu estudo para um leigo”, é “completamente natural e nada abusivo nem contraditório, que o cidadão assine o contrato confiando que não vai encontrar percalços na sua execução e reaja apenas quando esses percalços, normalmente imprevisíveis na data da celebração do contrato, surgem”, sendo certo que “a aplicação do instituto (do abuso do direito) não se desprende da análise das relações de poder na celebração do contrato, e, nos contratos de adesão, o aderente é a parte mais fraca, menos assessorada e informada, enquanto a empresa goza de vantagens informativas e organizacionais inegáveis”.
Vai no mesmo sentido o Ac. do S.T.J. de 30/10/2007, também acima citado, na parte em que refere que “Na ponderação de saber se houve abuso do direito ... o Tribunal deve actuar com prudência quando se está perante uma relação de consumo, onde é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a Autora, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao seu crédito, não infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres de cooperação, de lealdade e informação, em suma os princípios da boa fé”.
Entendemos, pois, considerando quanto acima já se deixou referido, no que concerne, designadamente, ao não conhecimento efectivo da cláusula em questão, que os Apelantes não ofenderam o princípio da boa fé ao invocarem a falta de cumprimento de um dever informação que cabia exclusivamente ao Banco Autor e, de resto, atento o desequilíbrio de posições entre eles e este, não se pode dizer, de modo algum, que o sentimento jurídico socialmente dominante saia clamorosamente ofendido.
Termos em que se julga improceder a excepção arguida pelo Banco Autor.
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C) DECISÃO
Atento quanto acima se deixa referido, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revogar a douta decisão impugnada, condenando os Apelantes a pagarem ao Banco Autor, relativamente a cada um dos quatro contratos, o valor do capital que se encontre ainda em dívida, acrescido dos juros de mora, à taxa anual de 4%, contados desde a data da constituição em mora até integral pagamento, e absolvendo-os do demais peticionado.
Custas da acção pelos Apelantes e pelo Autor, na proporção do vencido.
Custas da apelação pelo Autor.
Notifique.
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Guimarães, 13/Março/2014
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho
Espinheira Baltar