Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1441/16.7T8BRG.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: PRINCÍPIO DO PEDIDO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
MATÉRIA CONCLUSIVA
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM FASE DE RECURSO
PRESUNÇÕES DE CULPA DE TERCEIROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Muito embora o actual C.P.C. haja concedido o primado à substância em detrimento da forma, com vista à prolação de decisões materiais, o princípio do dispositivo continua a ser um dos princípios enformantes do processo, como decorre do estabelecido no n.º 1 do art.º 3.º do C.P.C., sendo uma das manifestações desse princípio, na vertente do designado “princípio do pedido”, a proibição de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do que tiver sido pedido – cfr. art.º 609.º, n.º 1 do C.P.C..
II- Ainda que o Autor tenha deduzido pedido indemnizatório apenas por danos que integra na categoria normativa de danos não patrimoniais, não ofende aquele princípio a fixação de uma indemnização autónoma pelo chamado dano biológico, integrado na categoria normativa de dano patrimonial, posto que o Tribunal tem liberdade para qualificar juridicamente os factos.
III- Como resulta do disposto no art.º 5.º do C.P.C., o ónus da alegação respeita apenas aos factos essenciais, que são os factos constitutivos do direito invocado pelo autor e, relativamente ao demandado, os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito. O Tribunal poderá ainda conhecer dos factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado, isto é, daqueles factos que, embora necessários para a procedência da pretensão formulada ou da excepção invocada, não têm uma função individualizadora do tipo legal, apenas densificando e especificando os elementos da previsão normativa, devendo para tanto, previamente à sentença, cumprir o disposto na alínea b) do n.º 2 do referido art.º 5.º. Já relativamente aos factos instrumentais, que são os que servem de apoio à formação da convicção do julgador sobre a demais factualidade, designadamente quando a partir deles se possa inferir outros factos mediante presunções judiciais, basta que eles sejam enunciados na motivação da sentença.
IV- Nos termos do disposto nos art.ºs 613.º e 614.º do C.P.C., ficando, embora, esgotado o poder jurisdicional do juiz com a prolação da sentença, sempre poderão ser corrigidos os erros de escrita ou de cálculo, ou quaisquer inexactidões, desde que se revelem pela leitura atenta do texto da decisão.
V- Mau grado o Código vigente não contenha uma norma correspondente à inserida no art.º 646.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código anterior, extrai-se do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do C.P.C. vigente, que o juiz só deve incluir na decisão os factos, ou seja, as ocorrências concretas da vida real, que julga provados e não provados. A inclusão de pontos de facto que contenham matéria conclusiva, sem relevância, ou matéria de direito, não consubstancia a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., levando apenas à sua eliminação.
VI- De acordo com o disposto nos art.os 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do C.P.C., só podem justificar a junção de documentos na fase processual de recurso: i) a impossibilidade da sua apresentação em tempo oportuno, nos termos definidos pelo art.º 423.º do C.P.C.; e ii) a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância. Reconduz-se à primeira situação a superveniência do documento, tendo como referência o momento do julgamento em 1.ª Instância, superveniência que poderá ser objectiva se o documento foi produzido em data posterior àquela em que ele devia ter sido apresentado, ou poderá ser subjectiva se o conhecimento da sua existência só foi adquirido por quem o apresenta posteriormente ao referido momento. Quanto à necessidade motivada no julgamento da 1.ª Instância, só uma decisão surpresa, imprevista, justifica a junção de documentos nesta fase de recurso, não servindo de pretexto a surpresa quanto ao resultado.
VII- O n.º 2 do art.º 651.º do C.P.C. é inequívoco quanto à admissibilidade só estar aberta aos pareceres de jurisconsultos, ou seja, referentes a uma questão de direito.
VIII- O art.º 483.º do C.C. consagra duas modalidades da ilicitude: i) violação de direitos subjectivos, isto é, violação do dever de respeito pelos diretos de outrem; e ii) violação de normas destinadas a proteger interesses alheios. Esta segunda modalidade está pensada para os casos em que as normas, embora dirigidas à tutela de interesses particulares – quer exclusivamente quer juntamente com o interesse público – não atribuem aos titulares desses interesses um verdadeiro direito subjectivo, por não lhes atribuírem em exclusivo o aproveitamento de um bem.
IX- A culpa pode revestir a forma de dolo ou a forma de negligência (também dita mera culpa). Cabem no primeiro os casos em que o agente quis a produção do facto ilícito (dolo directo); ou, não havendo actuado com vista à produção do facto, previu-o como uma consequência necessária da sua conduta mas, apesar disso, não a alterou, aceitando esse resultado (dolo necessário); ou ainda, previu a produção do facto como uma consequência possível da sua actuação, mas conformou-se com essa produção (dolo eventual). A negligência caracteriza-se, essencialmente, por o agente não ter usado da diligência no grau que lhe é exigível, aqui cabendo os casos em que prevê a produção do facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar – culpa consciente; assim como aqueles em que o agente, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não chega, sequer, a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação se usasse da diligência devida – negligência inconsciente.
X- Aos deveres de tráfego que constam dos art.os 491.º, 492.º e 493.º do C.C., subjaz a ideia de incentivar a que no momento próprio sejam tomadas as devidas precauções, e a de fazer correr, pelos beneficiários do perigo, o risco dos danos, radicando no instituto da responsabilidade civil extracontratual a obrigação de reparar os danos causados a terceiros decorrentes do incumprimento dos referidos deveres. A obrigação de indemnização fica, assim, dependente do preenchimento dos pressupostos referidos no art.º 483.º do C.C..
XI- Se é a ré quem, na contestação, excepciona a responsabilidade do condomínio e a culpa in vigilandum da mãe do menor, Autor, cabe-lhe o ónus da alegação e da prova dos factos que excepcionou, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 342.º do C.C., não beneficiando das presunções constantes dos art.ºs 491.º e 492.º do mesmo Código se nem o condomínio nem a referida progenitora, a quem cabia a elisão das presunções, são partes no processo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- R. M., menor, representado pelos seus pais P. M. e T. P., e com eles resiente em ..., ..., município de Barcelos, intentou a presente acção, com processo comum, contra “Construções X, Ld.ª”, sociedade comercial com sede em Barcelos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe:

a) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, a quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros);
b) a título de indemnização pelos danos patrimoniais, o montante de € 5.970,00 (cinco mil novecentos e setenta euros);
c) juros de mora sobre as referidas quantias, à taxa legal em vigor, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Fundamenta alegando, em síntese, que a Ré, no exercício da sua atividade industrial de construção civil, construiu e promoveu a venda do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na rua da …, n.º …, em ..., ..., tendo os seus pais adquirido à Ré, por contrato de compra e venda que celebraram no ano de 2004, a fração autónoma designada pelas letras «AE», correspondente a um apartamento do tipo T3, sito no 1.º andar esquerdo do edifício acima referido. No dia 16.04.2013, cerca das 17h30m, ele, Autor, quando se encontrava em casa, recebeu uma visita de uma colega do infantário, e após sair do elevador foi a correr pela rampa de acesso a pessoas com dificuldade de locomoção, tendo embatido na janela de vidro incolor da porta de saída. Ao embater no vidro, este quebrou e provocou um corte no pescoço do Autor, que lhe causou a laceração traumática dos grandes vasos. Transportado para o Hospital de São João, no Porto, foi sujeito a uma craniectomia descompressiva para debelar o aumento do volume do cérebro e, depois, a uma cranioplastia de retalho ósseo frontotemporoparietal direito, tendo permanecido internado em coma induzido mais de 3 (três) semanas. Ficou com sequelas de enfarte de hemisfério cerebral direito, hemiparesia esquerda e paralisia facial direita. Em virtude das lesões e tratamentos a que foi submetido, ele, Autor, teve dores e sofrimento, tendo-se tornado uma criança pouco ativa, mal-humorada, ansiosa e agitada.
Alega ainda o Autor que a Ré colocou ou mandou colocar no local um vidro simples, incolor, com 2,85 mts de altura, de espessura reduzida, encaixilhado numa estrutura de alumínio, contrariando o projeto aprovado pela Câmara Municipal ..., com o alvará de construção n.º 1010/2002, colocando, desta forma, em risco a integridade física dos moradores e demais utilizadores do imóvel, mormente a ele, Autor.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, impugnando as consequências pessoais e emocionais decorrentes do evento para o Autor, e alegando a caducidade do direito que este pretende fazer valer, por terem decorrido mais de cinco anos da data em que a obra foi entregue à administração do condomínio, alegando ainda que desde a entrega da fração até à propositura desta ação nunca houve reclamação de quaisquer defeitos ou desconformidades do edifício, seja quanto às frações próprias, seja quanto às partes comuns.
Mais alegou que a memória descritiva e justificativa relativa ao prédio previa, na versão inicial, para as vidraças, que elas seriam incolores, com a espessura adequada ao vão de aplicação, com o mínimo de 0,04 mm. No entanto, devido a questões térmicas, o projeto foi alterado no sentido de, no que toca aos envidraçados, contemplar «vidro duplo com 5 + 5 mm de espessura de lâmina e caixilho de alumínio, com dispositivo de oclusão nocturna sem boa estanquicidade ao ar», mas apenas no que se refere às frações individuais. Contudo, na planta dos alçados, apresentada com a supramencionada alteração, previa-se, para os envidraçados das partes comuns, nas portas de entrada do edifício, uma grelha de ventilação em alumínio termolacado, onde foi aplicado vidro normal, com espessura superior a 6 mm. Afirma que a obra foi executada de acordo com o projeto, com a única diferença de terem sido colocadas as caixas de correio no local onde estava prevista a grelha de ventilação.
Alega ainda que o acidente descrito ocorreu por culpa exclusiva dos pais do menor, que omitiram o dever de vigilância sobre ele, ao permitir que o mesmo corresse em grande velocidade pelas escadas interiores do prédio e pela rampa destinada à circulação de pessoas com dificuldade de locomoção, ou cabe a culpa do condomínio por incumprimento do dever de manutenção e de cuidado sobre as partes comuns do edifício.
O Autor apresentou resposta, refutando a caducidade do seu direito já que a presente ação é de responsabilidade civil extracontratual. Quanto à omissão do dever de vigilância, alegou que estava vigiado dentro de um espaço fechado que supostamente não oferecia perigo e que se o vidro cumprisse as regras de segurança não quebraria com o embate de uma criança de 4 (quatro) anos com peso reduzido.
Deduziu incidente de intervenção principal provocada do Condomínio do Edifício sito na rua ..., da Administração do Condomínio do Edifício sito na rua ... e da Câmara Municipal ..., alegando que, face ao alegado pela Ré, passou a ter dúvidas fundamentadas sobre o sujeito da relação material controvertida.
Este pedido de intervenção principal foi indeferido.
Foi proferido despacho saneador no qual, conhecendo-se da excepção de caducidade invocada pela Ré, se decidiu pela sua improcedência.
Mais se conheceu do pedido de condenação da Ré em indemnização pelos danos patrimoniais, no valor de € 5.820,00 (cinco mil oitocentos e vinte euros), o qual foi julgado improcedente.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:

1. Condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia indemnizatória de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), vencendo juros à taxa legal de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento;
2. Absolveu a Ré do restante peticionado.

Inconformada, traz a Ré o presente recurso pedindo a revogação da supra transcrita decisão.
Contra-alegou o Autor propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Convidada a corrigir as suas conclusões, que se consideraram prolixas e complexas por serem excessivamente expositivas e repetidas, a Apelante/Ré ofereceu novas alegações e concluiu pela forma seguinte:
1. - QUESTÃO PRÉVIA: DAS NULIDADES DA SENTENÇA

1.1 – Das NULIDADES DO ARTIGO 615º N.º 1 ALS. D) e E) DO C.P.C.

1º - Nos presentes autos, a Apelante foi condenada a pagar ao Apelado a quantia de € 150 000,00 – cento e cinquenta mil euros -, a título de danos não patrimoniais e dano biológico.
2º - Sucede que, no que concerne aos pedidos deduzidos pelo Autor na sua petição inicial, este não peticionou qualquer pedido por danos patrimoniais atinentes ao dano biológico, pelo que, não compete ao Julgador fazer justiça pelas suas próprias mãos, suprindo as possíveis imprecisões, erros ou desleixos constantes do articulado do Autor, por força do princípio do dispositivo.
3º - É por isso que, por força do número 1, al. e) do artigo 609º do C.P.C. a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. No entanto, nos presentes autos, a Apelante foi condenada não só pelos danos não patrimoniais, mas pelo dano biológico, que assume feição patrimonial, conforme decorre do Ac. da Relação de Guimarães, de 15-02-2018, processo n.º 652/16.0T8GMR.G1, in: http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/ 86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/146293d6453aac16802582480036f8b6?OpenDocument
4º - Pelo que, na nossa humilde opinião, há nulidade da sentença por o tribunal recorrido condenar em objecto diverso, nos termos do n.º 1, al. e) do artigo 615º do C.P.C. confronte Ac. do STJ de 18.10.2012, processo n.º 660/04.3TBPTM.E1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf /954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5e3f852c66441ebd80257aa00052a07d? OpenDocument
5º - Acresce ainda que, da matéria fáctica dada como provada, o tribunal recorrido ao abrigo dos artigos 5º n.º 2 al. a) e 607º n.º 4 do C.P.C. deu como provados os factos constantes dos pontos 44 a 48, sem que as partes fossem confrontadas com esses factos, através de anúncio pelo tribunal, antes do encerramento da audiência.
6º - Não tendo, no caso, sido observado esse anúncio (não consta da acta que o tenham sido e ouvida a gravação da audiência, a que procedemos na totalidade, não detectámos que o tenham sido), não foi permitido às partes a possibilidade de produção de prova sobre esses factos, e por isso, a decisão do tribunal de considerar esses factos na sentença, julgando-os e apoiando neles a aplicação do direito, consubstancia a nosso ver uma nulidade por excesso de pronúncia porquanto o tribunal conheceu de questões de que não podia, nessas circunstâncias, tomar conhecimento, entendimento que tem eco na nossa jurisprudência, conforme acórdão do tribunal da Relação do Porto, datado de 30-04-2015, cujo sumário consta do corpo das alegações e que aqui damos por reproduzido e constante no seguinte endereço da internet: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/cef01405dc4382dc80257 e44003b29aa?OpenDocument
7º - Pelo que, também a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia ao dar como provados factos que não foram alegados pelas partes, nomeadamente os constantes dos pontos 44 a 48, nos termos do artigo 615º, n.º 1 al. d) e que aqui expressamente se alega.

1.2 – DA NULIDADE DA SENTENÇA PREVISTA NO ARTIGO 615º N.º 1 AL. C) DO C.P.C.

8º - Resulta da matéria de facto dada como provada, que foi dado como provado no ponto 43, que: “Era detetável ao condomínio a desconformidade aludida em 21. (parte do artigo 38º)”
9º - Assim, salvo melhor opinião, é nossa humilde opinião que os fundamentos de facto estão em oposição com a decisão ou até tornam esta decisão ininteligível ou até ambígua, e por isso, a sentença é nula ao abrigo do artigo 615º n.º 1 al. c).

1.3 – NOVA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONUNCIA - NÃO CUMPRIMENTO DO ARTIGO 607º N.º 4 DO C.P.C.

10º - Dispõe o Código de Processo Civil, no artigo 607º n.º 4 que na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, devendo expurgar dos factos provados e não provados, a matéria suscetível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos.
11º - Salvo melhor opinião, os factos dados como provados nos pontos 21 – concretamente a afirmação “de espessura reduzida” – e 24 são unicamente e meramente matéria conclusiva, que se traduzem em conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, pelo que o Mmo. Juiz “a quo” pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, não dando cumprimento às menções exigíveis no n.º 4 do artigo 607 do C.P.C.. Assim sendo, é nosso humilde entendimento que a douta sentença colocada em crise é nula, nos termos do artigo 615º n.º 1) al. d) do C.P.C., por não cumprimento do artigo 607º n.º 4 do C.P.C.
12º - Caso assim não se entenda, devem ter-se por não escritos os pontos 21 e 24 da matéria de facto dada como provada, pois não temos dúvida que se tratam efetivamente de conclusões jurídicas, que só por si encerram um juízo sobre a responsabilidade da Apelante (ou seja, só por si, decide a questão relativa ao facto ilícito e à culpa) que, em bom rigor, apenas deveria constar do enquadramento jurídico dos factos efetuado na sentença recorrida, pelo que se tem de considerar como não escrita, nos termos do artigo 607º, n.º 4 do C.P.C., pois tal alegação é meramente conclusiva e de direito e não deve ser atendida.

2 – DO RECURSO

13º - A Apelante não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos, pois não se decidiu bem nos autos, sendo o presente recurso de matéria de facto e de direito e os fundamentos específicos de recorribilidade, nos termos do artigo 637º n.º 2 do C.P.C. são os seguintes:
- Apurar se realmente estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, e em consequência, se a Apelante devia ser responsabilizada ou absolvida dos pedidos peticionados.
- E em caso de resposta que exima esta da responsabilidade invocada, aferir da responsabilidade devida.
14º - Conforme supra reiterado, o presente recurso versa sobre matéria de direito e toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi gravada, sendo que o tribunal valorou e apreciou de forma incorreta a prova constante nos autos, nomeadamente a prova testemunhal e documental, devendo ser alterada a prova dada como provada nos termos infra.
15º - De seguida, identificam-se os pontos de facto que consideramos incorretamente julgados, havendo violação do princípio de liberdade do julgamento nos termos do disposto nos artigos 640, n.º 1 al. a) do CPC:
- Pontos 21, 24, 44, 45, 46, 47 e 48 dos factos provados, que devem ser considerados como não provados. (Os pontos 44 a 48 devem ser dados como não provados por causa dos motivos supra expostos em sede da alegação de nulidades da sentença.)
16º - Os pontos 21 e 24 merecem a classificação de factos não provados, porquanto a prova testemunhal, no que concerne à espessura do vidro e se constitui perigo para os condóminos, verificamos que as testemunhas F. B., A. R., A. L., M. L., depuseram sobre o que viram no dia do acidente e as lesões e sequelas consequentes do embate. As testemunhas C. M., M. R. e M. J., médicas de profissão, apenas depuseram sobre as lesões e as sequelas do embate, pelo que, nenhuma destas testemunhas pode corroborar os factos dados como provados.
17º - Resta a testemunha C. C., tio do Apelado, o qual relatou ao tribunal o que viu no dia do acidente, discorreu sobre as lesões e respectivas sequelas do embate, mas acrescentou ainda alguns pormenores sobre o vidro que partiu, afirmando que houve substituição do vidro, por um mais grosso e laminado e que o vidraceiro que lá se deslocou terá dito que era proibido ter aquele vidro – sucede que, as últimas considerações são desmentidas pela prova testemunhal que iremos transcrever de seguida.
18º - Para aferir das circunstâncias do vidro e das prescrições do projecto, temos que nos suportar nos depoimentos das testemunhas M. M., J. G., H. L., M. F., A. P. e N. L., ao invés das indicadas na anterior conclusão, sendo que estes depoimentos demonstram que o vidro tinha 6 mm, que não existia qualquer desconformidade, que o projecto foi cumprido pela Apelante de acordo com as boas regras da arte existentes à data da construção, que inexistia legislação atinente à espessura dos vidros e resistência ao embate à data da construção, conforme é possível apurar pelos depoimentos das testemunhas citadas e que a seguir se transcrevem:

1 - Depoimento da testemunha M. M., gravado no sistema Habilus do tribunal judicial da comarca de Braga, juízo centro Cível de Braga, Juíz 1, a 15/02/2017, com início às 14:51:09 e termos às 15:11:52 , com a duração 00:20:42 horas, identificado no Ficheiro Áudio 20170215145109_5153478_2870506 com inicio minuto 1:03 e termo ao minuto 13:18, sendo que as transcrições encontram-se no corpo das alegações e aqui dão-se como reproduzidas;
2) - Depoimento da testemunha J. G., gravado no sistema Habilus do tribunal judicial da comarca de Braga, juízo centro Cível de Braga, Juíz 1, a 24/03/2017, com início às 09:49:54 e termo às 10:04:55, com a duração 00:15:00 horas, identificado no Ficheiro Áudio 20170324094954_5153478_2870506 com inicio minuto 1:38 e termo minuto 6:20, sendo que no corpo das alegações consta a transcrição do depoimento e que aqui se dá por totalmente reproduzido;
3 – Depoimento da testemunha Eng.º H. L., chefe de divisão do planeamento urbanístico da câmara Municipal ..., gravado no sistema habilus do tribunal judicial da comarca de Braga, juízo central de cível de Braga, Juiz 1, a 24/03/2017, com inicio às 10:04:58 e termo às 10:22:45, com a duração de 00:17:46 horas, constante do Ficheiro Áudio 20170324100457_5153478_2870506, o qual invoca que ainda hoje em dia a Câmara licencia projectos que contenham vidros incolores, com a espessura aplicada e em discussão nos autos, por inexistência de legislação e por estar em conformidade, não determinando risco de perigo a sua utilização, com inicio ao minuto 00:55 - termo minuto 3:26; inicio minuto 10:45 -termo minuto 11:57, depoimento cuja transcrição encontra-se no corpo das alegações e que aqui se dá por totalmente reproduzidas.
4) – Depoimento da testemunha M. F., gravado no sistema habilus do tribunal judicial da comarca de Braga, Juízo Central Cível de Braga, Juiz 1, a 24/03/2017, com início as 10:23:23 e termo às 10:35:26, com a duração de 00:12:02 horas, constante do ficheiro áudio 20170324102323_5153478_2870506, com Inicio Minuto 1:38 - Termo minuto 7:11; Inicio Minuto 11:27 - Termo minuto 11:35, depoimento cuja transcrição encontra-se no corpo das alegações e que aqui se dá por totalmente reproduzidas.
5 - Depoimento da testemunha A. P., gravado no sistema habilus do tribunal judicial da comarca de Braga, Juízo Central Cível de Braga, Juiz 1, a 24/03/2017, com inicio as 10:35:59 e termo às 10:41:50, com a duração 00:05:49 horas, constante do Ficheiro Áudio 20170324103559_5153478_2870506 com inicio ao Minuto 1:00 e Termo minuto 5:40, depoimento cuja transcrição encontra-se no corpo das alegações e que aqui se dá por totalmente reproduzidas.
6 – Depoimento da Testemunha Eng.º N. L., gravado no sistema habilus do tribunal judicial da comarca de Braga, Juízo Central Cível de Braga, Juiz 1, a 24/03/2017, com início as 10:42:23 e termo às 10:52:41, com a duração de 00:10m:18s, constante do ficheiro áudio 20170324104222_5153478_2870506 com início minuto 1:02 - Termo minuto 6:18; Inicio Minuto 8:44 - Termo minuto 9:52.
19º - Os depoimentos cujas transcrições constam do corpo de alegações, evidenciam que o vidro colocado era conforme o projecto de licenciamento, inexistindo desconformidades, que apesar de ser vidro simples, tinha uma espessura superior à exigível e prevista no projecto – 6 mm, logo, mais seguro para os condóminos; que à data da construção inexistia legislação especifica para as características dos vidros a aplicar, sendo que os mesmos são resistentes ao vento e as vibrações a que qualquer obra seja submetida; e por último, o imóvel estava sujeito a um duplo controlo por parte da autarquia – emissão de licença administrativa e vistoria final, por força do decreto lei 559/99 de 16/12, sucessivamente alterado pela Declaração n.º 5-B/2000 de 29/02 e do DL 177/2001 de 04/06.
20º - É preciso ainda complementar tais depoimentos, com a prova documental existente nos autos, nomeadamente, os alvarás de licença de utilização, de fls. 85 a 87 dos autos; os alvarás de licença de construção de fls. 142 a 143; os Projectos de arquitectura e de especialidades, de fls. 144 a 165, 177 a 245, para além de que, ao longo de todos estes anos, o prédio resistiu às forças dos ventos, às condições meteorológicas mais adversas sem queixas da fragilidade dos vidros, pelo que, não se pode dar como provados os pontos 21 e 24 da matéria de facto, principalmente com base no relatório de fls. e ss. do LNEC, o qual introduz de forma inovatória, questões que não eram aguardadas pelas partes.
21º - Além de que, a argumentação do LNEC é passível de crítica perante as suas afirmações pouco rigorosas e erróneas, constituindo um óbice a uma decisão justa e fundamentada, sendo certo que a junção de pareceres é possível até à elaboração do projecto de acórdão, nos termos do artigo 651º, n.º 2 do C.P.C, e perante a nossa ausência de conhecimentos técnicos sobre esta matéria, e uma vez que o julgamento proferido em primeira instância introduziu inovações que a Apelante necessita de responder, requer-se a junção de dois pareceres, cuja junção aos autos é essencial e necessária para evidenciar a inexistência de qualquer responsabilidade da Apelante nos presentes autos e comprovar infra a inexistência cumulativa dos pressupostos da responsabilidade extra-contratual. Por isso, ao abrigo do artigo 651º do C.P.C. a Apelante requer aos Exmos. Senhores Juízes de Desembargadores a junção dos relatórios periciais que seguem em anexo com o presente recurso. - docs. n.º 1 e 2 que aqui se juntam e se dão por totalmente reproduzidos.
22º - Recorrendo ao relatório pericial elaborado pelo Eng. R. C., em primeiro lugar, invoca-se a inexistência legal de especificações técnicas para a qualificação de janelas, pois só possuímos no relatório do LNEC traduções adoptadas de documentos estrangeiros e por isso, são informações técnicas.– cfr. página 11 do relatório que aqui se dá por transcrito (doc. 1); em segundo lugar, o referido relatório demonstra que a Recorrente aplicou um vidro de 6 mm, adequado a resistir às forças do vento e cumprindo a legislação sobre os estados últimos das estruturas de construção, previstas no Artigo 4º do Decreto-Lei 235/83 que aprova o Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e Pontes (RSAEP) - tudo cfr. páginas 13 e 14 do relatório que aqui se junta e se dá por totalmente reproduzido (doc. 1). Por último, a referência do relatório do LNEC de que uma criança a correr pode desenvolver uma energia de impacto de 1000 J é exagerada e desproporcional à verdadeira energia que uma criança pode desenvolver em condições reais, pelo que, é incompreensível a referência pelo LNEC da necessidade da colocação de um vidro com uma espessura de 10 mm, sendo por isso, este relatório impreciso, pouco rigoroso e induzindo em erro os intervenientes.
23º - Mais grave ainda, é a sentença recorrida inferir que não tendo o vidro resistido à força do impacto de uma criança, está colocada em risco a segurança e a integridade dos utilizadores do imóvel, num raciocínio por dedução, sem sustentação na prova produzida, razão pela qual, mantemos o pedido de alteração dos factos indicados como provados mereçam a classificação de não provados e por isso, a absolvição da Apelante nos presentes autos.

3 – DA FUNDAMENTAÇÃO DO DIREITO

3.1 – DA RESPONSABILIDADE EXTRA-CONTRATUAL DA APELANTE

24º - Nos presentes autos, não podemos lançar mão do instituto da responsabilidade civil do construtor, prevista no artigo 100º-A do RJU, pois à data da construção do condomínio Edifício Jardins de ..., o RJUE não dispunha de qualquer norma sobre a responsabilidade civil do construtor, uma vez que o citado artigo apenas foi aditado ao referido diploma através Decreto-Lei n.º 136/2014, de 09 de Setembro. Assim, e por força do artigo 12º do C.C., a responsabilidade civil do construtor prevista no artigo 100-A do RJUE não tem efeitos retroactivos e por isso não é aplicável ao nosso caso concreto.
25º - No que concerne à responsabilidade da Apelante com base no artigo 483º n.º 1 do C.C., que prevê o instituto da responsabilidade extra-contratual, é nossa humilde opinião que, com a alteração da matéria de facto evidenciada, dois pressupostos da responsabilidade aquiliana – que têm que ser cumulativos - ficam esvaziados (o facto ilícito e a culpa da Apelante), pelo que, não é possível a aplicação do instituto nos presentes autos.
26º - Mais, é nosso humilde entendimento que a Apelante erigiu o condomínio de acordo com o constante no projecto e obedecendo às boas regras da arte da construção, com materiais de qualidade, à data da construção, isto é, em 2003, onde inexistia qualquer regulamentação específica – regulamentos, decretos leis, directivas comunitárias, especificações técnicas – que determinavam as características dos vidros a aplicar em obra nas partes comuns, conforme foi evidenciado pelos depoimentos supra transcritos e nas conclusões do relatório pericial elaborado pelo Eng. R. C., que evidencia que era adequado, face às regras da arte de engenharia civil, atender no ano de 2003, à aplicação dum vidro incolor, com a espessura de 6 mm.- cfr página 29 e 30 do relatório supracitado. (doc. 1)
27º - Mais, é nosso humilde entendimento que nos presentes autos não podemos lançar mão do artigo 20º/1 do RJUE, mas sim o constante do artigo 21º do RJUE, o qual dispõe que “A apreciação dos projetos de loteamento, obras de urbanização e dos trabalhos de remodelação de terrenos pela câmara municipal incide sobre a sua conformidade com planos municipais ou intermunicipais de ordenamento do território, planos especiais de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidões administrativas, restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como sobre o uso e a integração urbana e paisagística.” Por força deste artigo, a Câmara Municipal está obrigada a observar se as regras do RGEU e de outros regulamentos estão a ser devidamente cumpridas e observadas pelos técnicos responsáveis, pelas entidades promotoras e empreiteiros, devendo ser esta entidade, por força do artigo 26º do RGEU a observar da segurança dos utilizadores das obras de construção e a dar a autorização devida. – cfr. página 6 do citado relatório do Eng. R. C..
28º - O que decorre dos autos, é que o projeto foi devidamente licenciado, por não existir qualquer medida cautelar que exigisse da câmara estudos ou necessidade de autorização para aplicação do vidro simples, incolor, com espessura mínima de 4 mm., sendo certo ainda que, após a conclusão da obra novamente a câmara foi chamada a efectuar a vistoria necessária para emissão da licença de utilização, pelo que, não há qualquer responsabilidade da Recorrente, ou dos seus técnicos nos presentes autos, ao abrigo dos números 1 e 2 artigo 64.º do D.L. 555/99, alterado pelo D.L. 177/2001 de 04/06.
29º - Assim, não existe qualquer culpa na actuação da Apelante, pois a mesma agiu de forma conscienciosa, com boa fé, cumprindo com brio, excelência e rigor as boas regras da arte da construção na edificação do edifício Jardins de ....
30º - Por último, a douta sentença recorrida não demonstra o competente nexo de causalidade entre o facto e o dano, sendo totalmente omissa quanto a este requisito, para além de que, esta prova, cabe ao credor da obrigação, isto é, compete ao Apelado, independentemente da sua fonte, sendo que o presente entendimento encontra-se no acórdão do STJ, datado de 01-07-2010, processo 398/1999.E1.S1, in www.dgsi.pt/. Nesse sentido, teria o Apelado que provar que se o vidro tivesse uma espessura de 10 mm, ou que fosse laminado, os danos sofridos pelo Apelado não teriam sucedido, mas isso não sucedeu nos presentes autos, pois mesmo com recurso ao relatório do LNEC, verifica-se que esta entidade não procedeu a qualquer teste para testar a resistência do vidro e por isso, não temos a evidência clara e precisa de que era adequado ao vão um vidro de 10mm, por forma a evitar o acidente descrito nos autos.
31º - Mas para esclarecer e compor adequadamente a composição do presente pleito, o segundo parecer que a Recorrente junta demonstra com clareza que o vidro de 10 mm não era adequado. - doc. n.º 2 que aqui se junta e se dá por totalmente reproduzido. – onde, nas considerações finais, página 3, conclui-se que a espessura da lâmina de vidro, do tipo recozido, fosse de 10 mm, este não teria resistência ao impacto.
32º - Por isso, mesmo com um vidro com 10 mm., sendo este mais pesado até do que um vidro com 6 mm, este quebraria e as lesões seriam as mesmas ou até poderiam ser mais graves, face ao peso do vidro que iria esmagar o Apelado e terminar com um desfecho fatal, incluindo a morte. E mesmo aceitando a formulação da douta sentença, o douto tribunal recorrido não fez prova que com a existência de um vidro laminado ou temperado as lesões sofridas poderiam ter sido evitadas.
33º - É que nos presentes autos, ficamos sem saber se, o vidro mesmo não quebrando, sendo de 10 mm, com a força do embate, o Apelado poderia ficar com lesões irreparáveis, nomeadamente, a morte, e por isso, reitera-se que pressuposto do nexo causal não está preenchido, restando ao tribunal a absolvição da Apelante nos presentes autos, nos termos supra expostos.

3.2 – DA RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO

34º - Noutro ponto, é nosso humilde entendimento que para a produção do acidente contribuiu e muito a violação do dever de cuidado e preservação das partes comuns pelo condomínio, ao contrário do que está expresso na sentença recorrida, pois foi dado como provado no ponto 43 dos factos provados que era detetável ao condomínio a desconformidade aludida em 21, pelo que, por força dos arts. 492º n.º 1 do C.C., 1420º n.º 1 do C.C., 1424 n.º 1 do C.C., nos presentes autos há uma presunção de culpa dos condóminos, sendo estes os responsáveis pelos prejuízos causados pela violação do seu dever de cuidado e conservação, principalmente quando, tendo conhecimento da desconformidade, não tomaram as devidas medidas para substituir o vidro, por um laminado por exemplo, colocar travessa de segurança, colar no vidro sinais informativos e coloridos a indicar a existência de um vidro, desde a sua construção até à presente data. Presunção que beneficia a Apelante, tendo que ser o condomínio a fazer prova do cumprimento dos seus deveres, ao contrário do oposto na douta sentença recorrida.
35º - Assim sendo, salvo melhor opinião, é a Apelante parte ilegítima nos presentes autos, que é de conhecimento oficioso e que aqui expressamente deixa-se arguida, pois quem violou de forma grosseira e atroz, para não invocar o termo doloso, os seus deveres de cuidado, ao não tomarem as medidas necessárias para evitar ou acautelar a resistência ao impacto perante o risco de choques acidentais foi do condomínio, devendo ser este a responder pelos danos sofridos pelo Apelado.

3.4 DA VIOLAÇÃO DO DEVER DE VIGILÂNCIA.

36º - Outra causa que concorreu para a produção do acidente reside na omissão do dever de vigilância dos progenitores, ao abrigo do artigo 491 do C.C., e neste ponto é necessário evidenciar a nossa jurisprudência, a qual estabelece uma presunção de culpa das pessoas obrigadas à vigilância, conforme podemos constatar no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 17-09-2013, processo 2654/03.7TBPBL.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/ 8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/556a88ae96d432d88025 7bfe00484cfb.
37º - A tese do relaxamento natural do dever de vigilância por o Apelado estar dentro do edifício que conhece, não pode ser sufragada, pois o artigo 1422º n.º 1 e 2 do C.C. indica que os condóminos estão sujeitos nas partes comuns às limitações impostas aos proprietários e comproprietários de coisas imóveis e tais limites são reclamados pela necessidade conciliar os interesses de todos ou de proteger interesses de outra ordem, que muitas vezes são concretizados num regulamento interno, no qual são inscritas regras de utilização, preservação e uso das partes comuns, que todos os condóminos têm que respeitar, sob pena de sofrerem sanções.
38º - Regras que se aplicam a todos os condóminos, incluindo o Apelado e progenitores, o que conduz a que os pais deste têm que ter um critério mais apertado para que aquele cumpra todas as regras, pois dada a idade que possuía aquando do acidente, não tinha capacidade de compreender e cumprir, independentemente de conhecer ou não o edifício! O que é certo, é que a rampa e as partes comuns dos prédios não são destinadas a corridas, pelo que, a progenitora devia e tinha que ter um controlo mais apertado, proibindo corridas, pois qualquer ser humano, no seu lugar e de acordo com as regras da experiência, sabe que não se deve correr nas partes comuns de um prédio sob pena de provocar acidentes, como o descrito nos presentes autos. Este entendimento encontra-se na dissertação de G. B., apresentada à faculdade de direito da Universidade de Coimbra, com o título Responsabilidade civil dos pais em face dos atos ilícitos cometidos pelos filhos menores, Coimbra, 2014, página 72.
39º - Por último, a verdade é que a inobservância do dever de vigilância concorreu para a produção do acidente, inobservância grave e censurável, e por isso, existindo um facto culposo provocado pelo lesado, que determinou o agravamento dos danos, deve qualquer indemnização a arbitrar ser reduzida ou excluída, nos termos do artigo 570º do C.C.
40º - Face a tudo o supra exposto, impõe-se uma decisão diversa da recorrida, e em jeito de conclusão, reiteramos novamente quais os seguintes pontos de facto que considera-se incorretamente julgados, havendo violação do principio de liberdade do julgamento nos termos do disposto nos artigos 640, n.º 1 al. a) do CPC:

- Pontos 21, 24, 44, 45, 46, 47 e 48 dos factos provados, que devem ser considerados como não provados. (Os pontos 44 a 48 devem ser dados como não provados por causa dos motivos supra expostos)
41º - E em consequência do supra exposto, deve a sentença colocada em crise ser revogada e alterada nos termos supra exposto, com a consequente absolvição da Apelante.
42º - Foram violadas as disposições legais constantes dos artigos 3º n.º 3, 5º, n.º 1 e 2, 260º, 264º, 265º, 415, 552º, n.º 1 al. d), 581º, 609º n.º 1, 607º n.º 3 e 4, 615º, n.º 1 als. c), d) e e), todos do C.P.C.; artigos 12º, 483º, 491º, 492º, n.º 1, 563º, 565º, 1420º n.º 1, 1422º n.º 1 e 2, 1424º, n.º 1, todos do C.C.; artigos 4º n.º 2 als. c) a f), 21º, 64º n.º 1 do Regime Juridico da Edificação e Urbanização, decreto lei 555/99 de 16/12, sucessivamente alterado pelos seguintes diplomas e que nos interessam face à data da construção do condomínio: Declaração n.º 5-B/2000, de 29/02; DL n.º 177/2001, de 4/06; Declaração n.º 13-T/2001, de 30/06; Lei n.º 15/2002, de 22/02; Lei n.º 4-A/2003, de 19/02 ; DL n.º 157/2006, de 08/08; artigo 26º do RGEU e Artigo 4º do D.L. 235/83.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas, pois, as conclusões acima transcritas, cumpre:

- conhecer das nulidades arguidas à sentença;
- decidir da admissibilidade da junção aos autos dos relatórios periciais ou “pareceres técnicos” juntos com as alegações;
- reapreciar a decisão de facto; e
- reapreciar a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- DAS NULIDADES ARGUIDAS À SENTENÇA

A Apelante, nas conclusões 1ª a 12ª, argui diversas nulidades de que, afirma, padece a sentença.
O Tribunal a quo conheceu da arguição e considerou-a, na totalidade, improcedente.
Como refere LEBRE DE FREITAS, a sentença, no que é extensível aos despachos, “pode apresentar vícios que geram nulidade, tornando-a totalmente inaproveitável para a realização da função que lhe compete, e vícios de conteúdo, que podem afectá-la total ou apenas parcialmente”. Estes, os vícios de conteúdo, podem ainda respeitar “à estrutura, aos limites ou à inteligibilidade da decisão”, dando origem à anulabilidade da sentença. Mas também podem respeitar a “um erro material”, que, unicamente, compete rectificar” (in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª ed., págs. 328 e sgs.).
Geram a nulidade da sentença, para além da falta absoluta do poder jurisdicional de quem a proferiu, e da falta de assinatura do juiz, ainda a falta ou a ininteligibilidade da parte decisória “como conteúdo mínimo essencial da sentença”.
Geram a anulabilidade da sentença os vícios formais taxativamente enumerados no n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., os quais afectam a sua estrutura (alíneas b) e c)), a inteligibilidade (2.ª parte da alínea b)), ou os seus limites (alíneas d) e e)).

1.- Alegando que, tendo sido condenada a pagar ao Apelado/Autor a indemnização por danos não patrimoniais e por dano biológico, e não tendo este peticionado “qualquer pedido por danos patrimoniais atinentes ao dano biológico”, o Tribunal a quo condenou “em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”, enfermando, por isso, a sentença do vício referido na alínea e) do supramencionado preceito legal.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 609.º do C.P.C. a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Muito embora o actual C.P.C. haja concedido o primado à substância em detrimento da forma, com vista à prolação de decisões materiais, o princípio do dispositivo continua a ser um dos princípios enformantes do processo, como decorre do estabelecido no n.º 1 do art.º 3.º do C.P.C..
Continuam, pois, a ser as partes a disporem do processo, sendo elas que, pelo pedido e pela defesa, circunscrevem o thema decidendum, não cabendo ao juiz “saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi”, como expressivamente escreveu MANUEL DE ANDRADE (in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 373-378).
Uma das manifestações do princípio do dispositivo, na vertente do designado “princípio do pedido”, é a proibição de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do que tiver sido pedido – cfr. art.º 609.º, n.º 1 do C.P.C. – o objecto da sentença tem de coincidir com o objecto do processo, não podendo o juiz ir além do que lhe foi pedido, nem decidir em termos manifestamente diversos do pedido.
Na presente acção, o Apelado/Autor formula um pedido de “indemnização pelos danos não patrimoniais” em quantia que é superior à da condenação.
A Apelante funda a arguição da nulidade alegando que o dano biológico é um dano de natureza patrimonial e, como tal, não foi alegado.
Ainda que a maioria da jurisprudência e da doutrina entenda que o referido dano é de natureza patrimonial, não pode ignorar-se haver quem defenda que é de natureza não patrimonial e mesmo quem afirme tratar-se de um tertium genus ou mesmo de uma figura híbrida.
Há, porém, inequívoca unanimidade de que se trata de um dano que deve ser ressarcido como dano autónomo.
Com efeito, como refere o Acórdão do S.T.J. de 3/11/2016, “O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.” (ut proc.º 1971/12.0TBLLE.E1.S1 (Lopes do Rego), in https://www.direitoemdia.pt/document/s/bc44a1). No mesmo sentido decidiram, dentre muitos outros, os Acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de 18/10/2018 (ut proc.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1 (Helder Almeida) in https://www. direitoemdia.pt/document/s/4eea65); de 10/11/2016 (ut proc.º 505/15.9T8AVR. P1.S1 (Ana Paula Boularot)), in https://www.direitoemdia.pt/document/s/77ed81); de 26-01-2016 (ut 2185/04.8TBOER.L1.S1 (Fonseca Ramos), in https://www.direitoemdia.pt/ document/ s/ ce156c); de 20/01/2010 (ut proc.º 203/99.9TBVRL.P1.S1 (Isabel Pais Martins), in https://www.direitoemdia.pt/document/s/99a2ab); e 27/10/2009 (ut proc.º 560/09.0YFLSB (Sebastião Póvoas), in https://www.direitoemdia.pt/document/s/db6487).
Por outro lado, como dispõe o n.º 3 do art.º 5.º do C.P.C., o juíz não está sujeito às alegações das partes no que se refere à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, e por isso é que, como refere o Acórdão de 3/11/ 2016, acima mencionado, a circunstância de o Autor, “na petição inicial, não ter configurado juridicamente a sua pretensão indemnizatória no âmbito desta peculiar categoria normativa do dano biológico (como dano de natureza patrimonial) não obsta a que o Tribunal, no exercício dos seus poderes de livre qualificação jurídica da factualidade invocada como causa de pedir, possa proceder a uma correcção da configuração jurídico normativa da pretensão, reconduzindo a matéria de facto alegada ao quadro normativo que tenha por adequado.”.
Não consubstancia, pois, a invocada nulidade a fixação de uma indemnização pelo dano biológico, como dano autónomo, ainda que de natureza patrimonial, apesar de assim não o ter considerado o Apelado/Autor.

2.- Alegando que o Tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos n.os 44 a 48 “sem que as partes fossem confrontadas” com eles, “através de anúncio pelo tribunal, antes do encerramento da audiência”, argui a Apelante a nulidade de excesso de pronúncia, constante da alínea d).
Como acima se referiu, o princípio do dispositivo impõe que sejam as partes a circunscrever o thema decidendum e a nulidade de excesso de pronúncia traduz o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no n.º 2 do art.º 608.º do C.P.C. – sem prejuízo das questões de que possa conhecer oficiosamente, o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”, não podendo, assim, conhecer “de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes”, como refere JOSÉ LEBRE DE FREITAS (in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª ed., pág. 334).
Sem embargo, e como resulta do disposto no art.º 5.º do C.P.C., o ónus da alegação respeita apenas aos factos essenciais, que são os factos constitutivos do direito invocado pelo autor e, relativamente ao demandado, os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.
O Tribunal poderá ainda conhecer dos factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que, previamente à sentença, o dê a conhecer às partes, facultando-lhes a possibilidade de sobre eles se pronunciar - cfr. alínea b) do n.º 2 do referido art.º 5.º.
Os factos complementares ou concretizadores são factos que, embora necessários para a procedência da pretensão formulada ou da excepção invocada, não têm uma função individualizadora do tipo legal, apenas densificam e especificam os elementos da previsão normativa.
Já, porém, relativamente aos factos instrumentais – cfr. alínea a) -, que são os que servem de apoio à formação da convicção do julgador sobre a demais factualidade, designadamente quando a partir deles se possa inferir outros factos mediante presunções judiciais, basta que eles sejam enunciados na motivação da sentença.
A própria Apelante – e bem -, classifica os factos apontados como factos instrumentais (trata-se do défice funcional resultante das sequelas das lesões sofridas pelo Apelado/Autor; o dano estético; e a repercussão nas actividades desportivas e de lazer; o período de incapacidade total; o quantum doloris; os tratamentos e consultas de que, no futuro, irá necessitar aquele, todos retirados do relatório médico-legal, e ainda que “A mãe do Autor, no momento em que este embateu no vidro, encontrava-se a descer as escadas que se situavam logo atrás” (n.º 48), pelo que, como se disse, o Tribunal pode e deve deles conhecer e tê-los em consideração, sem necessidade de dar conhecimento prévio às partes desta sua intenção.
Sem embargo, a afirmação da Apelante de não ter sido “permitido às partes a possibilidade de produção de prova” sobre tais factos não é, com o devido respeito, correcta.
Com efeito, e como se colhe do processo em formato informático, por despacho proferido nos autos em 20/03/2018, foi determinada pelo Tribunal a quo “a realização de perícia médico-legal”, tendo as Partes sido notificadas deste despacho, e em 23/11/2019 foram notificadas do relatório respectivo e nada requereram, sendo certo que a última sessão da audiência de julgamento ocorreu em 08/02/2019, ou seja, com um intervalo de tempo que ultrapassou em muito o prazo para as partes se pronunciarem, o que faz crer que se o não fizeram foi porque nisso não viram utilidade ou interesse.
Relativamente ao facto n.º 48, ele resultou do depoimento prestado pela testemunha F. B., em audiência de julgamento (cfr. fls. 379v.º dos autos, fla. 18, da sentença) tendo, por isso, a ora Apelante tido a oportunidade de a contraditar. Acresce que é ela própria a afirmar que o prédio “não tem elevador” e que o menor/Autor “corria pelas escadas abaixo”, o que se coaduna com o depoimento daquela testemunha e com o facto julgado provado, com a formulação que consta do n.º 48.
Improcede, pois, a arguição da invocada nulidade.

3.- Alegando que, tendo sido julgado provado que a desconformidade referida em 21 (que respeita à “reduzida espessura” do vidro) “era detectável ao Condomínio”, verifica-se uma oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, “ou até tornam esta ininteligível ou até ambígua”, o que determina a nulidade da sentença, nos termos referidos na alínea c).
Quando lhe foram presentes os autos, para apreciar o requerimento de interposição do recurso, nos termos do art.º 641.º do C.P.C., a Meritíssima Juiz iniciou o seu despacho com a “retificação da sentença”.
E, havendo considerado ter incorrido em lapso de escrita quando incluiu nos factos provados o acima referido, e que tal lapso se manifesta pela fundamentação da decisão, determinou a rectificação da sentença “no sentido de: 1.º Se eliminar o item 43., dos factos provados; 2.º Se aditar aos factos não provados uma alínea com o n.º 56 correspondente ao teor do referido item 43.
Notificadas as partes, nos termos e para os fins referidos no art.º 614.º, n.º 2 do C.P.C., a ora Apelante opô-se à correcção alegando que “não estamos na presença de um mero erro de escrita”, mas sim “de uma nulidade da sentença” alegada no recurso que interpôs.
Alegando ainda que “se o juiz, após a interposição do recurso … se apercebe que julgou erradamente, não pode rectificar o erro, que é um erro de julgamento”, pois “essa rectificação, não autorizada, altera a matéria de facto, a qual terá influência no exame da causa”, defende a Apelante que a mencionada rectificação constitui a nulidade prevista no art.º 195.º, n.º 1 do C.P.C..
Finalmente, alegando não vislumbrar “a existência de erro material”, defende não ser lícito ao Tribunal a quo proceder à rectificação por se ter esgotado o seu poder jurisdicional, nos termos do art.º 613.º, n.º 1 do C.P.C..
Nos termos do disposto no n.º 2 do referido art.º 613.º, ficando, embora, esgotado o poder jurisdicional do juiz “quanto à matéria da causa” com a prolacção da sentença, é-lhe lícito “rectificar erros materiais, suprir nulidades, e reformar a sentença”.
No que se refere à rectificação de erros materiais, dispõe o art.º 614.º do C.P.C. que podem ser corrigidos, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, (designadamente) “erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”.
Debruçando-se sobre a possibilidade de correcção de erros de escrita ou de cálculo, referiu o S.T.J. no Acórdão de 26/11/2015 que “se trata de alterações materiais que não alteram o que ficou decidido, e que transitou em julgado (cfr. acórdão de 12 de Fevereiro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08A2680: o erro material “nunca interfere, decisivamente, com o mérito da decisão, tanto mais que terá de ser evidenciado pelo seu contexto cuja leitura atenta o torna perceptível face às premissas do silogismo judiciário”)”, não estando abrangidos “nem erros de julgamento, de facto ou de direito, nomeadamente erros manifestos, susceptíveis de correcção por meio de um pedido de reforma, nem tão pouco vícios que sejam qualificados como nulidades”, e acrescenta que “Como se escreveu, por ex., no acórdão de 7 de Maio de 2015, 18-A/2001.E1.S1, «Não se confunde o erro de julgamento, cuja correcção só por via de recurso pode ser obtida (ou, nos termos fortemente restritivos em que a lei admite a reforma de uma decisão judicial, através de um pedido de reforma – artigo 616º do Código de Processo Civil), com o erro material cuja rectificação pode ser conseguida nos termos previstos no artigo 614º do Código de Processo Civil, e que abrange, por exemplo, “erros de escrita ou de cálculo” detectáveis no contexto da decisão»”.
Assim, prossegue ainda, “Se da análise da fundamentação de uma decisão judicial se conclui que ela não poderia conduzir à decisão que dela formalmente consta, haverá nulidade, susceptível de correcção nos limites estritos da incongruência entre uma e outra; se do confronto entre a decisão e elementos com prova plena, constantes do processo, ressaltar um erro de julgamento ostensivo, poderá o mesmo ser corrigido requerendo a reforma da decisão”.
Restam, pois, “para a admissibilidade de correcção por mera rectificação os lapsos materiais consistentes em omissões e discrepâncias de escrita ou de cálculo que se revelam da mera leitura do texto da decisão, equivalentes aos erros de cálculo ou de escrita revelados no contexto das declarações negociais, a que se refere o artigo 249º do Código Civil, como uniformemente tem sido recordado por este Supremo Tribunal – cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 23 de Setembro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07B2469, de 18 de Dezembro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 08B2459, de 12 de Fevereiro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08A2680, de 10 de Dezembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 52555/06.OYYLSB-E.L1.S1, ou de 23 de Novembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 4014/07.1TVLSB.L1.S1” (ut proc.º n.º 706/05.6TBOER.L1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza), in https://www.direitoemdia.pt/document/s/ 565be8).
Referiu a Meritíssima Juiz que o erro se manifesta pela seguinte passagem da fundamentação: “No que concerne à falta de reclamações quanto às partes comuns ou frações próprias, é certo que defluiu da inquirição dos funcionários da Ré de que, desde a entrega, não existiu a participação de quaisquer defeitos, o que não foi infirmado por outra via. No entanto, tal não quer dizer que o vício quanto à espessura do vidro não existisse; o que acontece que, recorrendo a regras da experiência comum, não era detetável, à vista desarmada, por parte dos condóminos, que não se provou que fossem especialistas da engenharia civil, as características daquele, nem do vão onde foi aplicado (não podendo daí realizar a necessidade de […] manutenção sobre elementos que tinham natureza duradoura e faziam parte da estrutura do prédio)” (itálico nosso).
Ora, resulta claramente do trecho salientado que a inclusão do referido facto no elenco dos “provados” resultou de um erro material, sendo manifesto que a “vontade declarada” não coincide com a “vontade real” (de resto, este lapso verificava-se não raras vezes no domínio do Código anterior, nas respostas aos artigos da base instrutória (que sucederam aos “quesitos”), que se “davam” como provados, querendo escrever-se “não provados”).
Mostra-se, pois, legitimada a correcção introduzida pelo Tribunal a quo, sendo por virtude dela eliminada a invocada contradição.
Não deixa porém de referir-se que, se se considerasse haver erro de julgamento, a Relação tem o poder, que é vinculado, de o corrigir, nos termos do art.º 640.º, n.º 1 do C.P.C..

4.- Invoca ainda a Apelante a nulidade de excesso de pronúncia e “não cumprimento” do art.º 607.º, n.º 4 do C.P.C., quanto aos pontos de facto n.º 21, no segmento que refere “espessura reduzida”, e n.º 24, que afirma serem “unicamente e meramente matéria conclusiva, que se traduzem em conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos”, extraindo daqui que o Tribunal a quo se “pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento”.
Concordando, embora, que, mau grado o Código vigente não contenha uma norma correspondente à inserida no art.º 646.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código anterior, se extrai do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do C.P.C., que o juiz só deve incluir na decisão os factos, ou seja, as ocorrências concretas da vida real, que julga provados e não provados, já se não pode concordar que a inclusão de pontos que contenham matéria conclusiva, sem relevância, ou matéria de direito, consubstancie a nulidade que vem invocada, de excesso de pronúncia, prevista na alínea d).
Como assertivamente refere o Tribunal a quo, a consideração de tais factos como conclusivos “levará à eliminação dos mesmos” que não à anulabilidade da sentença.
Do que vem de ser decidido se conclui improcederem todas as arguições de nulidades invocadas pela Apelante.
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V.- DA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO AOS AUTOS DE DOIS RELATÓRIOS PERICIAIS COM AS ALEGAÇÕES

Por iniciativa do Tribunal foi determinada a realização de uma perícia ao vidro partido com vista a apurar a sua adequação ao local onde foi aplicado; se, atendendo à sua espessura, ele estava em conformidade com o projecto de construção e, na negativa, qual o tipo de vidro e a respectiva espessura que devia ter sido aplicado.
As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre o objecto da perícia, assim como sobre a entidade que a devia realizar, sugerindo o Tribunal o Laboratório Nacional de Engenharia Civil “pela idoneidade que lhe é reconhecida e pelo âmbito de competências que possui”.
Nem a ora Apelante nem o Apelado/Autor requereram, sugeriram ou alegaram o que quer que fosse.
Junto aos autos o relatório pericial, a Apelante solicitou que fossem prestados esclarecimentos, o que foi satisfeito.
Notificada dos esclarecimentos, a Apelante requereu que os Senhores Peritos comparecessem na audiência de julgamento, o que foi deferido.
Na sessão do julgamento, que foi a última, a Apelante prescindiu da tomada de declarações aos Senhores Peritos, prosseguindo a audiência para as alegações finais.
Notificada da sentença, e não se conformando com ela, interpôs o presente recurso e fez acompanhar as suas alegações de dois “relatórios periciais”, justificando a sua junção com a alegação de que “a argumentação do LNEC é passível de crítica perante as suas afirmações pouco rigorosas e erróneas, constituindo um óbice a uma decisão justa e fundamentada”, e perante a sua ausência de “conhecimentos técnicos sobre esta matéria, e uma vez que o julgamento proferido em primeira instância introduziu inovações” que ela, Apelante, “necessita de responder”.
Considera que a junção dos referidos relatórios “é essencial e necessária para evidenciar a inexistência de qualquer responsabilidade” sua “nos presentes autos e comprovar infra a inexistência cumulativa dos pressupostos da responsabilidade extra-contratual” (cfr. conclusão 21ª).
Rotula ainda o relatório do LENEC de “impreciso, pouco rigoroso e induzindo em erro os intervenientes” (cfr. conclusão 22ª).
O Apelado/Autor, fundamentando que os “aludidos pareceres” deveriam ter sido juntos “antes de proferida a sentença”, invoca a sua extemporaneidade, e afirma que os mesmos não devem ser atendidos.
Por despacho do Relator foi determinado o desentranhamento dos referidos relatórios e a sua devolução à Apresentante, por se considerar inadmissível a sua junção nesta fase do recurso.
A Apelante requereu que a questão fosse submetida à conferência, propugnando pela substituição daquele despacho por outro que admita a junção dos “pareceres”.
Fundamenta alegando que, enquanto “documentos” os (agora designados) “pareceres” são admissíveis ao abrigo do disposto no art.º 651.º, n.º 1 do C.P.C., e enquanto tais a sua admissibilidade funda-se no n.º 2 do mesmo artigo, que “admite a junção de pareceres jurídicos ou técnicos”.
Por último, defende que a decisão visada viola o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional, plasmado no art.º 20.º da Constituição.
Como se referiu no despacho visado, de acordo com o disposto nos art.os 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do C.P.C., só excepcionalmente é admissível a junção de documentos nesta fase processual de recurso, sendo duas as situações que a podem justificar: i) impossibilidade da sua apresentação em tempo oportuno, nos termos definidos pelo art.º 423.º do C.P.C.; e ii) a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância.
Na primeira situação a impossibilidade reconduz-se à superveniência do documento, tendo como referência o momento do julgamento em 1.ª Instância, superveniência que poderá ser objectiva se o documento foi produzido em data posterior àquela em que ele devia ter sido apresentado, ou poderá ser subjectiva se o conhecimento da sua existência só foi adquirido por quem o apresenta posteriormente ao referido momento.
Quanto à necessidade motivada no julgamento da 1.ª Instância, no seguimento do que vinha sendo entendimento consolidado face ao artº. 706º., nº. 1 do C.P.C. velho, (na redacção anterior ao Dec.-Lei 303/2007, de 24 de Agosto), é pacífico que só uma decisão surpresa, imprevista, da 1ª. Instância justifica a junção de documentos nesta fase de recurso, não servindo de pretexto a surpresa quanto ao resultado” (cfr. ABRANTES GERALDES in “Recursos em Processo Civil” , 3ª. edição, pág. 254 e Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª. edição, pág.215/216).

Como referem ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA “É evidente que a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª. instância”, cabendo na intenção legislativa apenas os casos em que “pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida” (in “Manual de Processo Civil”, 1984, pág. 517).
A jurisprudência tem sido unânime neste sentido - cfr., por todos, o Acórdão do S.T.J. de 30/04/2019, cujo sumário é esclarecedor: “I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador. IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento (ut proc.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2 (Catarina Serra), in https://www.direitoemdia.pt/document/s/69434c), e o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 07/03/2011, no qual se refere que “Fora do condicionalismo previsto no art. 651º do CPC, a fase de recurso de apelação não é adequada à junção de documentos, sem embargo de a Relação, mesmo oficiosamente, ordenar a produção de novos meios de prova perante fundada dúvida sobre a prova produzida (art. 662º, nº 2, al. b))” (ut proc.º 32063/15.9T8LSB.L1.S1 (Abrantes Geraldes), in https://www.direitoemdia.pt/document/s/ 59b982).
Na situação sub judicio a Apelante funda a junção dos relatórios periciais em alegadas “inovações” introduzidas pelo “julgamento em primeira instância”, que não concretiza nem se divisa quais sejam, posto que as características do vidro que colocou na obra, a sua adequação àquele local, e a obediência ao projecto foram por si próprias alegadas logo na contestação, não se lhe podendo suscitar dúvidas sobre o seu ónus de as provar.
Não se mostra, pois, verificado nenhum dos pressupostos legitimadores da junção dos aludidos relatórios.
Relativamente aos pareceres, o n.º 2 do art.º 651.º do C.P.C. é inequívoco quanto à admissibilidade só estar aberta aos de jurisconsultos, ou seja, referentes a uma questão de direito.
Os “pareceres” que a Apelante junta aos autos foram emitidos por técnicos de engenharia, versam uma realidade fáctica, e a sua junção visa infirmar conclusões periciais constantes de um relatório há muito apresentado nos autos.
Não é, pois, admissível a junção dos ditos “pareceres”, à luz do n.º 2 do referido art.º 651.º (quiçá seduzida pelo sumário, a Apelante não terá reparado que o Acórdão desta Relação de 22/05/2017, ao qual se arrima, foi proferido na jurisdição penal, em processo (n.º 47/13.7TAGMR-B.G1) que se rege por normas próprias, que não têm aplicação no processo civil).
De resto, a sua admissão nos autos configuraria uma clara violação do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, consagrados, respectivamente, nos art.os 3.º e 4.º do C.P.C.
Tendo a Apelante sido notificada do relatório pericial que pretende infirmar, tendo exercido o contraditório, havendo-lhe sido prestados os esclarecimentos que solicitara, e tendo ela mesmo prescindido de esclarecimentos presenciais dos Peritos, tampouco havendo usado do direito de requerer uma 2.ª perícia, a invocação da violação do direito constitucional de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional é manifestamente insubsistente, não servindo este direito para fundamentar a postergação injustificada de regras e princípios processuais estruturantes.
A junção dos ditos pareceres não é, pois, legalmente admissível, e neles também não se encontra utilidade para a decisão da causa, já que o relatório do LNEC se revela preciso, rigoroso, e claro nas suas conclusões, não havendo motivo para sobrepor às suas considerações técnicas as considerações que foram apresentadas pelos autores dos ditos pareceres.
Posto que na versão do processo em papel os aludidos pareceres não estão imprimidos em separado das conclusões, por simples questão de economia processual e de meios não se ordena agora o seu desentranhamento e devolução, deixando-se aqui exarado que tais pareceres não serão considerados na reapreciação da matéria de facto.
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VI.- Como se referiu, a Apelante impugna a decisão de facto, pretendendo que seja julgada não provada a facticidade constante dos n.os 21 e 24, e ainda 44 a 48 dos “factos provados”.

a) O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
A Apelante cumpriu com todos os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do n.º 1, quer o da alínea a) do n.º 2, na medida em que, de modo inequívoco, indicou os pontos da decisão de facto que tem por incorrectamente julgados, e apresentou o seu projecto de decisão, enunciando os meios de prova em que fundamenta o seu dissenso.
Além disso, situa no tempo da gravação as passagens dos depoimentos em que alicerça o projecto de decisão que propõe.
Não há, assim, obstáculo legal a que se reaprecie a decisão de facto, nos segmentos fácticos impugnados.

b) Na reapreciação da decisão da matéria de facto impõe-se observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., que, como ficou a constar da “Exposição de Motivos”, tem subjacente a intenção de reforçar os poderes da Relação enquanto instância de recurso também da matéria de facto, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, baseado apenas no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
Assim, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, de modo a formar a sua própria convicção.

Como refere o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem ANTUNES VARELA et AL. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
Ainda de acordo com o que dispõe o art.º 349.º do C.C., desde que seja admitida a prova testemunhal, é igualmente admissível o recurso às presunções judiciais, que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
Como referem ANTUNES VARELA et AL., “as presunções naturais, judiciais ou de facto são aquelas que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos havidos através da observação (empírica) dos factos” e, prosseguem defendendo que, admitindo prova em contrário, a prova “dirige-se contra o facto presumido, visando convencer o juiz de que, não obstante a realidade do facto que serve de base à presunção, o facto presumido não se verificou …” (ob. cit., págs. 486 e 488).
Se, depois de reapreciadas as provas, subsistir a dúvida quanto à realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, decide-se contra a parte a quem o facto aproveita, segundo o princípio consagrado no art.º 414.º do C.P.C..
É no enquadramento destes princípios que se vai proceder à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
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VII.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provados os seguintes factos:

1. A Ré dedica-se a atividade de indústria de construção civil, construção de casas para venda, urbanizações, compra e venda de propriedades e viticultura, o que faz com intuito e carácter lucrativo (artigo 1º).
2. A Ré, no âmbito da sua atividade comercial, construiu e promoveu a venda do prédio em regime de propriedade horizontal sito na rua ..., nº …, ... - ... (artigo 2º).
3. Por escritura celebrada a 20.07.2004, lavrada a fls. 41 a 43, do Livro de Escrituras Diversas n.º 310-B, no Primeiro Cartório Notarial de Barcelos, os Autores declararam adquirir, pelo preço de € 88.100,00 (oitenta e oito mil e cem euros), à Ré a fração autónoma designada pelas letras «AE», correspondente a habitação, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …-AE (artigo 3º).
4. Passando o Autor e os pais a residir naquela habitação (artigo 4º).
5. No dia 16.04.2013, por volta das 17h30m, o Autor, quando se encontrava em casa na sequência de uma intervenção cirúrgica às anginas, recebeu a visita de uma colega do infantário (artigo 5º).
6. O Autor, àquela data, era uma criança com 4 (quatro) anos de idade, alegre, sem qualquer tipo de deficiência e que frequentava o ensino pré-primário (artigo 6º).
7. Naquele dia 16.04.2013, em face da alegria que sentiu ao receber a visita de um seu colega de infantário, que se encontrava no átrio do prédio onde habita, correu pela rampa de acesso para pessoas com dificuldade de locomoção, para o abraçar (parte do artigo 7º).
8. Embatendo na janela de vidro incolor que ladeia a porta de saída do prédio e onde termina a dita rampa de acesso (artigo 8º).
9. Ao embater no dito vidro, o mesmo quebrou e causou um corte no pescoço do Autor (artigo 9º).
10. Corte este que se consubstanciou numa laceração traumática dos grandes vasos do pescoço que fazem chegar o sangue do coração ao cérebro (artigo 10º).
11. De imediato, o Autor foi assistido pela sua mãe que o acompanhava e pela mãe do colega de infantário que o visitava, que tentaram parar o sangue abundante que saia do corte no pescoço (artigo 11º).
12. Sendo chamados os bombeiros ao local, bem como uma equipa médica do INEM, que prestaram os primeiros socorros ao Autor que se esvaía em sangue (artigo 12º).
13. O Autor de imediato sentiu fortes dores no pescoço e começou a desfalecer atenta a falta de irrigação do cérebro (artigo 13º).
14. Após lhe terem sido prestados os primeiros socorros no local, o Autor foi transportado para o serviço de urgência do Hospital de Braga, onde foi submetido a uma cirurgia de urgência para laqueação da artéria carótida interna e veia jugular (parte do artigo 14º).
15. O Autor foi transferido para o Hospital de S. João no Porto onde, por causa do aumento da pressão intracraniana, foi sujeito a uma craniectomia descompressiva (parte do artigo 15º).
16. Esteve internado na SCIP durante 14 dias e esteve sob ventilação mecânica durante 13 dias (parte do artigo 17º).
17. O Autor foi, ainda, sujeito a nova intervenção cirúrgica – cranioplastia de retalho ósseo frontotemporoparietal direito – para recolocação do seu osso temporal (artigo 16º).
18. O Autor apresenta sequelas de enfarte de hemisfério cerebral direito, mantendo hemiparesia esquerda (em recuperação) e paresia facial direita (parte do artigo 18º).
19. No projeto de arquitetura aprovado pela Câmara Municipal ... para a construção do imóvel sito na rua das …, nº …, ... - ... – Processo de Obras nº 397/00-R, prevê para o local onde se encontra situado o vidro envolto em caixilharia de alumínio que cortou o Autor, uma grelha de arejamento em alumínio (artigo 19º).
20. O que se não verifica na realidade (artigo 20º).
21. No dito local, foi colocado pela Ré um vidro simples e incolor, com 2 metros de altura, de espessura reduzida, encaixilhado numa estrutura de alumínio (parte do artigo 21º).
22. O projeto de comportamento térmico foi alvo de alteração, apresentada em 30.07.2003 junto dos Serviços da Câmara Municipal ..., prevendo o seguinte:
«Envidraçados: vidro DUPLO com 5 + 5 mm de espessura de lâmina, e caixilho de alumínio, com dispositivo de oclusão sem boa estantiquicidade ao ar» (artigo 24º).
23. A Ré colocou, ou mandou colocar, no átrio do edifício sito na rua ..., nº …, um vidro simples em caixilharia de alumínio (artigo 25º).
24. A Ré colocou em risco a integridade física dos moradores e demais utilizadores do citado imóvel (parte do artigo 26º).
25. Em resultado das lesões, o Autor teve que tomar medicamentos durante vários meses e ser alvo de tratamento fisiátrico e de terapia da fala (artigo 82º).
26. Os pais do Autor acompanharam-no nos tratamentos e prestaram cuidados diários (artigo 83º).
27. O Autor frequentou e ainda frequenta sessões de fisioterapia para recuperar os movimentos da face, bem como terapia da fala (artigo 88º).
28. Toda esta situação causou ao Autor incómodo, desgosto e desilusão (artigo 89º).
29. Estes incómodos e aborrecimentos, com uma duração de cerca de dois anos, causaram perturbação psicológica, cujas sequelas irão acompanhar para toda a vida o Autor (parte do artigo 90º).
30. Em virtude das lesões sofridas e tratamentos a que foi submetido e demais cuidados clínicos que teve que suportar, sofreu o Autor dores e sofrimento (parte do artigo 92º).
31. Durante o tempo de convalescença, o Autor foi privado da sua vida familiar e social, em toda a sua plenitude (artigo 93º).
32. Não pôde mais brincar como o fazia, tem dificuldade em se relacionar com as crianças da mesma idade, pois não consegue mastigar e falar corretamente (artigo 94º).
33. O Autor R. M. anda agitado e ansioso (parte do artigo 95º).
34. Tornou-se uma criança pouco ativa e mal-humorada, quando, antes do acidente, era uma criança enérgica, divertida, dócil, muito ativa (artigo 96º).
35. À data do acidente, o Autor tinha 4 (quatro) anos, sendo uma criança ativa, que gostava de brincar, correr e saltar, o que deixou de fazer da mesma forma (parte dos artigos 98º a 100º).
36. Se não tivesse sofrido o acidente supra descrito, o Autor poderia continuar a levar uma vida normal e fazer aquilo que sempre fez (artigo 101º, tal como os antecedentes, da P.I.).
37. A utilização do edifício indicado em 1. foi licenciada pela Câmara Municipal ... através dos alvarás de licença de utilização com os n.ºs …, … e …, datados de 05.12.2003, 26.03.2004 e 14.05.2004, respetivamente (artigo 11º).
38. Na memória descritiva e justificativa relativa ao edifício mencionado em 1., datada de 30.05.2000, consta o seguinte:
«2.9 – VIDRAÇAS – As vidraças a aplicar em obra, serão incolores, com a espessura adequada ao vão de aplicação, com o mínimo de 0,04 m» (artigo 14º).
39. A alteração do projeto térmico aludida em 22. respeitou aos envidraçados das frações próprias (parte do artigo 19º).
40. Nos envidraçados das partes comuns, onde estavam previstas as grelhas de ventilação, foram colocadas as caixas de correio (artigo 23º).
41. O vidro colocado nas portas de entrada das partes comuns era de 6 mm (parte do artigo 24º).
42. Desde a entrega das frações, não existiu qualquer reclamação sobre defeitos ou desconformidades do prédio quer no que respeita às frações próprias, quer no que se refere às partes comuns (artigo 26º).

- § Considerados nos termos dos artigos 5º/2, a) e 607º/4, do CPCiv:

44. As sequelas aludidas em 18. determinam o défice funcional permanente correspondente a 59 (cinquenta e nove) pontos, bem como um dano estético fixável em 5 (cinco) graus numa escala até 7 (sete) graus [por alteração da mímica facial, da claudicação, das deformidades e das cicatrizes no crânio de 10 (dez) cm, com perda de cabelo, e no pescoço de 7 (sete) cm na região retroauricular direita e da qual sai uma ramificação de 3 (três) cm] e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 3 (três) numa escala de 7 (sete) graus de gravidade.
45. O Autor R. M. esteve totalmente incapacitado pelo período de 120 (cento e vinte) dias e parcialmente incapacitado durante o período de 430 dias.
46. O quantum doloris sofrido pelo Autor R. M. foi de 7 (sete) graus numa escala de 7 (sete) graus de gravidade.
47. O Autor R. M. precisará de tratamentos e consultas de medicina física e de reabilitação, ortopedia e neurocirurgia regulares até, pelo menos, a idade adulta.
48. A mãe do Autor, no momento em que este embateu no vidro, encontrava-se a descer as escadas que se situavam logo atrás.

ii) julgou não provados os seguintes factos:

- Oriundos da petição inicial:

49. O Autor saiu do elevador (parte do artigo 7º).
50. O vidro colocado pela Ré tinha altura superior à indicada em 21. (parte do artigo 21º).
51. Na versão inicial do projeto de comportamento térmico e subscrito pelo Eng.º Técnico B. P., apresentado em 18.04.2001, previa, para as zonas independentes, vidros simples com 6 mm de espessura de lâmina e caixilho de alumínio com dispositivo de oclusão noturna sem boa estanquicidade do ar (artigo 23º).
52. O Autor R. M. sofre pesadelos (parte do artigo 95º).
53. No atendimento, internamento e tratamentos a que o Autor foi sujeito em virtude do acidente supra descrito, os seus legais representantes gastaram em taxas moderadoras liquidadas aos referidos Centros Hospitalares a quantia global de € 150,00 (artigo 102º).

- Oriundos da contestação:

54. A espessura do vidro colocado nas portas de entrada das partes comuns era superior a 6 mm (parte do artigo 24º).
55. Autor vinha a correr pelas escadas (artigo 48º).
56. Era detetável ao Condomínio a desconformidade aludida em 21. (parte do artigo 38º, tal como os antecedentes, da Contest.) (tendo em consideração a correcção introduzida).
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VIII.- A Apelante funda a impugnação da decisão quanto aos pontos de facto n.os 44 a 48 na alegação de as Partes não terem sido confrontadas com tais factos, não lhes tendo sido possibilitada a produção de prova.
A improcedência desta alegação já acima se deixou referida sob o n.º 2 do ponto IV, na apreciação da segunda das nulidades da sentença arguidas pela Apelante, por brevidade aqui se dando por reproduzido o que aí ficou referido.
Assim, pelas razões que aí ficaram expostas e ainda porque, revisitado o depoimento da testemunha F. B., se constatou ter esta afirmado que quando o Apelado/Autor embateu no vidro «a mãe vinha a descer as escadas», que «fico ali perto», decide-se desatender a pretensão de alteração da decisão quanto aos pontos de facto acima referidos.
Relativamente aos pontos de facto n.os 21 e 24, alega a Apelante conterem “juízos de valor ou matéria conclusiva”, convocando os depoimentos das testemunhas M. M.; eng.º H. L.; J. G.; M. F.; A. P.; e eng.º N. L., os quais “permitem aferir das características do vidro colocado na porta das entradas do condomínio” por si, Apelante, “edificado”, as “prescrições do projecto e outras circunstâncias atinentes à conformidade da construção com o projecto”.
No ponto de facto n.º 21 ficou referido que: “No dito local, foi colocado pela Ré um vidro simples e incolor, com 2 metros de altura, de espessura reduzida, encaixilhado numa estrutura de alumínio”.
Transcreveu-se naquele ponto de facto o que o Apelado/Autor alegara no artigo 21.º da petição inicial.
Embora a expressão “espessura reduzida” transmita uma realidade fáctica cujo sentido é susceptível de ser percepcionado nas circunstâncias concretas do acontecido, admite-se que lhe possa ser oposto um ligeiro défice de densificação, podendo ser concretizada pela medida preconizada no relatório pericial, que, nas conclusões, refere: “Face às exigências aplicáveis no que diz respeito à resistência ao impacto de corpo mole e de corpo duro, não existem evidências que permitam assegurar a adequada resistência e segurança ao vão, dado o vidro não ser de segurança (temperado ou laminado) ou sendo vidro recozido não ter pelo menos 10 mm de espessura”.
De resto, também a testemunha J. G., que tem o saber adquirido ao longo de vinte e cinco anos de trabalho nesta área, e que substituiu o vidro partido, depois de explicar a diferença entre aquele que colocou e o que havia sido colocado pela ora Apelante, afirmou que a ter-se colocado um vidro como aquele, recozido, «o vidro devia ser mais grosso».
Ao mesmo juízo se chega pelas regras da experiência comum: se o vidro partiu com o simples impacto de uma criança de quatro anos, excluida a hipótese, que não foi alegada, de se tratar de um vidro com defeito, a quebra do mesmo só pode ser atribuída à pouca espessura dele, que lhe não permitiu opor resistência à, necessariamente, pequena força do embate.
As referidas afirmações, quer a vertida no relatório pericial, quer as proferidas pela testemunha, não foram, de modo algum, infirmadas pelas testemunhas referidas pela Apelante.
Com efeito, o eng.º H. L., chefe de Divisão da Câmara Municipal ..., o qual, reconhecendo não ser conhecedor de quaisquer normas que imponham características específicas para os vidros das partes comuns do edifício, afirmou que na apreciação dos projectos de construção, na Câmara Municipal, não têm em conta a adequação dos vidros ao local, apenas apreciando o aspecto estético, acrescentando que nas vistorias «não vamos ver se o vidro é laminado, como é óbvio», e concluiu que «fica ao critério de quem coloca e de quem projecta». Não deixou de afirmar que «é melhor o vidro laminado para os utilizadores que um vidro simples. Isso é uma questão de bom senso. Dá outras garantias». No entanto, posto perante as dimensões daquele vão e questionado se a espessura daquele vidro era suficiente para garantir a segurança das pessoas escusou-se a responder afirmando «não tenho elementos».
O eng.º N. L. só se referiu ao projecto de comportamento térmico, que é a sua área, afirmando desconhecer todo o resto.
A testemunha arq.º A. P. posto perante os dizeres do projecto de arquitectura, que estabelecia a adequação da espessura do vidro ao vão (onde ia ser aplicado), respondeu que «a espessura do vidro é calculada em função do vão», mas remeteu a responsabilidade por esse cálculo às «vidraceiras» que por conhecerem «as características técnicas do vidro têm a competência para definir a espessura».
A esta última afirmação opôs-se a explicação da testemunha J. G., seguno o qual, “quando vão colocar os vidros” se virem que eles não são adequados para aquele local, “falam com o arquitecto ou o engenheiro”, e «se ele disser para meter o que está no projecto, nós metemos. Se ele disser “mete o que tu quiseres”, nós metemos outro» (mais seguro para o local).
E por último a testemunha eng.º M. F., filho do sócio-gerente da Apelante, afirmando desconhecer as recomendações do LNEC quanto à resistência do vidro a aplicar em obra, igualmente reconheceu que «pelas boas práticas penso que tem que se ter cuidado».
Termos em que se altera o referido ponto de facto dando-se-lhe a seguinte redacção: “No dito local, foi colocado pela Ré um vidro simples e incolor, com 2 metros de altura, encaixilhado numa estrutura de alumínio, com a espessura de 6 (seis) milímetros, exigindo aquele vão um vidro com uma espessura de, pelo menos, 10 (dez) milímetros.”.
No ponto de facto n.º 24 ficou referido que “A Ré colocou em risco a integridade física dos moradores e demais utilizadores do citado imóvel”.
Como se deixou já referido, os factos abrangem as ocorrências concretas da vida real.
A facticidade vertida naquele ponto de facto traduz uma realidade concreta à qual se chega pela consideração de outras realidades (factos instrumentais) probatoriamente demonstradas, recusando-se que tenha natureza conclusiva.
Com efeito, a testemunha F. B. afirmou que o menor, Apelado/Autor, «desceu as escadas normalmente» e só «vinha a correr pela rampa».
Se o vidro partiu com o impacto de uma criança de 4 (quatro) anos que começa a correr embalado pela inclinação ligeira da rampa, é fácil de antever o resultado nefasto do embate de um adulto que, por se ter travado, ou ter escorregado, ou por a cadeira de rodas em que seguia se ter descontrolado, fosse chocar contra aquele vidro – tenha-se presente que o vidro está colocado no seguimento imediato ao termo da rampa que permite o acesso aos deficientes motores, e que fica no interior do edifício.
Como esclarecidamente explicou a testemunha J. G., tendo embora colocado um vidro com a mesma espessura, porque não podia alterar a caixilharia, o vidro que aplicou «é laminado, “33.1.2”, ou seja, é um vidro com uma película de segurança interior», que «é considerado o mínimo de vidro de segurança», acrescentando que o vidro «devia ser mais grosso, se a caixilharia assim o permitisse».
A diferença entre o vidro que aplicou e o aplicado pela Apelante é que este «parte e fica em lâminas» e aquele «parte e fica no sítio», a pessoa «passa a mão e não magoa», e «se cair até o pode enrolar».
Afirmou ainda que o vidro colocado pela Apelante «não é um vidro para colocar naquele sítio porque é um vidro muito perigoso, tem uma rampa, e é um vidro muito grande», acrescentando que «para aquela situação tinha que ser um vidro laminado ou temperado», e que o referido vidro «era mais fraco um bocadinho que o que se aplicava antigamente».
A estas afirmações, que são de sentido igual às que foram vertidas no relatório pericial do LNEC, acresce aquilo que pode ser um erro de execução detectado por estes Peritos, consistente na ausência de calços, os quais permitiam assegurar a adequada resistência da caixilharia e evitar o contacto entre o vidro e os elementos metálicos – como ficou referido a fls. 319v.º, primeiro parágrafo, “Para assegurar a adequada resistência da caixilharia e evitar o contacto entre o vidro e os elementos metálicos devem existir calços de apoio e calços laterais (ou perfis de vedação extrudidos), bem como deve existir uma folga lateral entre 3 a 5 mm. De cada um dos lados do vidro”.
É, assim, de concluir ter sido produzida prova inequívoca que com a opção por aquele vidro, sem descurar o modo de execução da sua aplicação, a Apelante, efectivamente, colocou em perigo a integridade física dos moradores e demais utilizadores do imóvel.
A invocada resistência do vidro às forças do vento não é elemento preponderante na avaliação da sua consistência já que Portugal, e mais propriamente a zona do País em causa não é assolada por ventos demasiado fortes.
Destarte, impõe-se manter a decisão também quanto a este ponto de facto.
No que concerne ao ponto de facto n.º 43, remetendo-se para o que acima se deixou referido no n.º 3 de IV, quando se apreciou e decidiu sobre a nulidade invocada pela Apelante, de oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, não deixa de acrescentar-se que, para além do decidido pelo Tribunal a quo, que fundamentou a sua convicção em presunção judicial, pertinentemente extraída do facto de a espessura do vidro não ser detectável à vista desarmada, e de se não haver provado que os condóminos “fossem especialistas em engenharia civil”, ou seja, fossem detentores de conhecimentos técnicos que lhes permitissem avaliar da adequação da consistência do vidro àquele local, a decisão sempre seria de igual sentido atenta a total ausência de prova sobre a realidade do facto em apreço, visto que nenhuma das testemunhas se lhe referiu, ou, tampouco, mencionou a ocorrência de um facto ou a verificação de uma qualquer circunstância que pudesse ter levado algum dos moradores à efectiva constatação da fragilidade daquele vidro para aquele local, que não fosse capaz de, sequer, suportar a pressão do corpo de uma criança de quatro anos. E uma vez que este facto foi alegado pela Apelante e lhe aproveita, a dúvida sempre teria de ser interpretada em seu desfavor, de acordo com o princípio estabelecido no art.º 414.º do C.PC..
De resto, a própria Apelante sempre afirmou a adequação daquele vidro, com aquela espessura, ao vão onde foi aplicado, recusando que tenha havido violação do projecto de arquitectura, o que permite mais uma vez presumir que, ainda que se tivessem suscitado dúvidas aos condóminos elas seriam disspadas pela própria Apelante ou, pelo menos, pela confiança que depositaram nela, já que foi a construtora.
Mantém-se, pois, a decisão, na versão corrigida, também quanto a este ponto de facto.
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IX.- Tendo em consideração o que vem de ser decidido, altera-se a decisão de facto, ficando com a seguinte redacção o ponto número:

21. No dito local, foi colocado pela Ré um vidro simples e incolor, com 2 metros de altura, encaixilhado numa estrutura de alumínio, com a espessura de 6 (seis) milímetros, exigindo aquele vão um vidro com uma espessura de, pelo menos, 10 (dez) milímetros.
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X.- O Apelado/Autor peticiona a condenação da Apelante a pagar-lhe uma indemnização que o compense dos danos que sofreu, decorrentes do evento acima descrito.
A obrigação de indemnizar que o primeiro pretende seja imposta à segunda radicará no instituto da responsabilidade civil extracontratual.
De acordo com o disposto no art.º 483.º do C. C., a referida obrigação depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto (voluntário do agente); a ilicitude desse facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; um nexo de causalidade entre aquele facto e este dano (cfr., dentre outros, P. Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, págs. 444 e sgs.).
O elemento básico da responsabilidade é o facto – “um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana” (Autores e ob. cit.).
Este comportamento tanto pode consistir numa acção como numa omissão. O que importa é que a vontade o domine.
Na situação sub judicio o facto gerador da responsabilidade de indemnizar consubstancia-se na decisão de aplicação de um vidro com as carcaterísticas acima descritas em 21 – “simples e incolor, com 2 metros de altura, e com a espessura de seis milímetros”.
O referido art.º 483.º consagra duas modalidades da ilicitude: i) violação de direitos subjectivos, isto é, violação do dever de respeito pelos diretos de outrem; e ii) violação de normas destinadas a proteger interesses alheios.
Como escreve ELSA VAZ DE SEQUEIRA, (citando Menezes Leitão) esta segunda modalidade “está pensada para aqueles casos em que as normas, embora dirigidas à tutela de interesses particulares – quer exclusivamente quer juntamente como interesse público – não atribuem aos titulares desses interesses um verdadeiro direito subjectivo, por não lhes atribuírem em exclusivo o aproveitamento de um bem”. As referidas normas “não concedem ao titular do interesse protegido um direito subjectivo, mas uma protecção indirecta” (in “Comentário ao Código Civil Português – Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Editora”, pág. 276).
O Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), consagra regras e princípios gerais de construção com vista à salvaguarda das condições de segurança na utilização dos edifícios.
Com efeito, dispõe no art.º 15.º, que “Todas as edificações, seja qual for a sua natureza, deverão ser construídas com perfeita observância das melhores normas da arte de construir e com todos os requisitos necessários para que lhes fiquem asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança, salubridade e estética mais adequadas à sua utilização e às funções educativas que devem exercer”.
No art.º 16.º impõe ainda que “A qualidade, a natureza e o modo de aplicação dos materiais utilizados na construção das edificações deverão ser de molde que satisfaçam as condições estabelecidas no artigo anterior e as especificações oficiais aplicáveis”.
E no art.º 17.º, estabelece que: “1. As edificações devem ser construídas e intervencionadas de modo a garantir a satisfação das exigências essenciais de resistência mecânica e estabilidade, de segurança na sua utilização e em caso de incêndio, de higiene, saúde e protecção do ambiente, de protecção contra o ruído, de economia de energia, de isolamento térmico e das demais exigências estabelecidas no presente Regulamento ou em legislação específica, nomeadamente de funcionalidade, de durabilidade e outras”.
Por sua vez, a Lei de Defesa do Consumidor, Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, dispõe no art.º 4.º que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”, sendo taxativo o n.º 1 do art.º 5.º ao dispor que “É proibido o fornecimento de bens ou a prestação de serviços que, em condições de uso normal ou previsível, incluindo a duração, impliquem riscos incompatíveis com a sua utilização, não aceitáveis de acordo com um nível elevado de proteção da saúde e da segurança física das pessoas.”.
Como ficou provado, os pais do ora Apelado/Autor (que intervêm nesta acção como seus representantes) compraram à Apelante uma fracção autónoma do prédio que esta construiu e onde ocorreu o acidente, na qual passaram a residir.
Tendo a Apelante sido a construtora (e também a promotora da venda das fracções autónomas), é sua a responsabilidade da elaboração de projectos e da escolha dos materiais de construção.
Sendo de presumir que é conhecedora das boas técnica da arte, impunha-se-lhe que fizesse um correcto juízo de avaliação da qualidade e da espessura do vidro a aplicar naquele espaço, consideradas as grandes dimensões do vão a preencher e a sua localização, de modo a conferir-lhe as condições adequadas a evitar acidentes quer para os moradores, quer para os demais utilizadores do prédio.
Havendo decidido mandar colocar um vidro simples com a espessura de apenas 6 mm, que anda próxima da espessura mínima prevista no projecto de construção, que era de 4 mm (e não 40 mm como, por lapso se escreveu) por suposto pensada para vãos de pequenas dipensões, já que mandava adequar a espessura “das vidraças” ao vão, a Apelante não satisfez aqueles comandos legais, não cumprindo com o dever de salvaguarda de um nível aceitável (muito menos elevado) de proteção da saúde e da segurança dos moradores e demais utilizadores do prédio.
Bem pelo contrário, como se provou, colocou em risco a integridade física das pessoas referidas.
A actuação da Apelante foi, assim, ilícita.
A culpa, como escreve ANTUNES VARELA, “exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor” (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª. Ed., págs. 566).

Como refere JOSÉ MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, “o juízo de culpa representa um desvalor atribuído pela ordem jurídica ao facto voluntário do agente, que é visto como axiologicamente reprovável” (in “Direito das Obrigações” vol. I, 2017-14.ª ed., pág. 305).
Podendo a culpa revestir a forma de dolo ou a forma de negligência (também dita mera culpa), cabem no primeiro os casos em que o agente quis a produção do facto ilícito (dolo directo); ou, não havendo actuado com vista à produção do facto, previu-o como uma consequência necessária da sua conduta mas, apesar disso, não a alterou, aceitando esse resultado (dolo necessário); ou ainda, previu a produção do facto como uma consequência possível da sua actuação, mas conformou-se com essa produção (dolo eventual).
A negligência caracteriza-se, essencialmente, por o agente não ter usado da diligência no grau que lhe é exigível, cabendo aqui os casos em que prevê a produção do facto ilícito como possível, mas, “por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar”– culpa consciente; assim como aqueles em que o agente, “por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão” não chega, sequer, a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação se usasse da diligência devida – negligência inconsciente - vide ANTUNES VARELA, (ob. cit., pág. 573).
Ainda segundo o mesmo Autor, a “mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) exprime, assim, uma ligação da pessoa com o facto”, sendo, por isso, um dos elementos do nexo de imputação do facto ao agente, e é reprovável ou censurável em grau que “será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo e mais forte ou intenso o dever de o ter feito”.

O C.C. consagrou o critério da culpa em abstracto - artº. 487.º, n.º 2.

A significação do conceito do “bom pai de família” não é, porém, a do puro homem médio, mas antes a do “bom cidadão”, como refere ainda ANTUNES VARELA, que acrescenta, “o que significa que o julgador não estará vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado no meio, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento” (ob. cit. pág. 575/576, nota 3).
Na situação sub judicio a Apelante, quiçá movida por uma intenção de poupança dos custos de construção, descurou a segurança das pessoas, não agindo com o cuidado que se impõe a todo o bom construtor civil.
Aceitando-se que tenha agido com mera culpa, a sua actuação é altamente censurável já que, conhecedora da arte, e ciente de que destinava a construção essencialmente para habitação, tinha uma obrigação acrescida de prever e prevenir o perigo que representava aquele vidro, naquele local.
Outro requisito necessário à constituição do direito de indemnização é a ocorrência de danos, ou seja, que o facto, ilícito e culposo, provoque danos na esfera jurídica do titular do direito ofendido.
O dano, ainda segundo os ensinamentos daquele Ilustre Civilista, é “a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”, ou seja é “a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea” (cfr. “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed., págs. 598-599).
É inequívoco que o Apelado/Autor sofreu danos na sua integridade física.
O último requisito é o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Dispõe o art.º 563.º do C.C. que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
A causalidade, que funciona como pressuposto de responsabilidade civil e como molde para a fixação da indemnização, comporta as duas formulações da teoria da causalidade adequada – a positiva e a negativa, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação.
Tendo presente que a causalidade adequada se refere ao “processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano”, entender-se-á existir a indiferença ou inadequação quando o evento, segundo o normal decurso das coisas e a experiência da vida, não eleva ou favorece, nem modifica o círculo de riscos de verificação do dano.
Ainda que sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, para a produção do dano podem intervir outros factos, do próprio lesado ou de terceiro, sendo que ocorrendo um concurso de causas adequadas e simultâneas ou subsequentes “qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano” (cfr. o Ac. do S.T.J. de 20/06/2006, in C.J., Acs. do S.T.J., ano XIV, tomo II, págs. 120-121).
A facticidade provada não suscita dúvidas quanto à verificação também deste requisito.
Com efeito, as lesões, os danos, sobrevieram do vidro que (ao que se provou), tão-somente devido à sua fragilidade, acrescida da inobservância de todas as regras exigidas para a sua boa colocação, não suportou a pressão do corpo de uma criança de quatro anos e partiu-se, ferindo gravemente o Apelado/ Autor.
Estão, assim, preenchidos todos os pressupostos legalmente estabelecidos, pelo que está a Apelante obrigada a ressarcir o Apelado/Autor dos danos que este, provadamente, sofreu.
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XI.- Como causas de exclusão da sua obrigação, invoca a Apelante a responsabilidade do condomínio e o não cumprimento do dever de vigilância da mãe do Apelado/Autor, seu filho.
A obrigação de indemnizar pode fundar-se no incumprimento de deveres destinados a prevenir determinados perigos, ou seja, numa terminologia mais moderna, no incumprimento de deveres do tráfego.
Observa MENEZES CORDEIRO que estes deveres do tráfego surgem quando alguém crie ou controle uma fonte de perigo: cabe-lhe então tomar as medidas adequadas a prevenir ou evitar os danos, referindo ainda, além de outras situações a daquele que tem a responsabilidade pelo espaço: “quem controle um espaço deve prevenir os perigos que lá ocorram ou possam ocorrer: quem tem a vantagem do lugar deve assumir os deveres que daí decorram”, dependendo o conteúdo destes deveres do caso concreto.
Relativamente aos deveres de tráfego que constam dos art.os 491.º, 492.º e 493.º do C.C., ainda segundo o mesmo Ilustre Civilista, subjazem-lhes a ideia de “incentivar a que no momento próprio sejam tomadas as devidas precauções e a de fazer correr, pelos beneficiários do perigo, o risco dos danos”, acrescentando que “numa larga margem e pelas dificuldades da prova, eles acabaram por suportar danos que, em rigor, não lhes respeitariam” havendo-se-lhes conferido, como contrapeso “a hipótese de se prevalecerem da relevância negativa de causas virtuais” (in “Tratado de Direito Civil” volume VIII, págs. 571-589).
O incumprimento dos referidos deveres impõe ao incumpridor a obrigação de reparar os danos causados a terceiros, obrigação que radica no instituto da responsabilidade civil extracontratual pelo que se exige estejam preenchidos os pressupostos referidos no art.º 483.º do C.C..
Como refere RUI PAULO COUTINHO DE MASCARENHAS ATAÍDE, “os deveres de tráfego desempenham um papel instrumental dentro da matriz delitual, ao veicularem o “cuidado necessário para impedir ofensas nos bens jurídicos defendidos por direitos subjetivos e normas de proteção”, e no que se refere ao conceito de “cuidado necessário”, advoga que a sua correcta interpretação “aponta para uma pauta objetiva pensada para prevenir ofensas a bens jurídicos e, por conseguinte, para a categoria dogmática que se ocupa da sua defesa (ilicitude), ao passo que a culpa se centra na aferição do cuidado possível para evitar aquelas ofensas” (in “Responsabilidade Civil por Violação dos Deveres no Tráfego” Almedina, Colecção Teses, págs. 1144 e 1145).
É a Apelante quem, na contestação, excepciona a responsabilidade do condomínio e a culpa in vigilandum da mãe do menor (Autor), pelo que tem o ónus da alegação e da prova dos factos que excepcionou, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 342.º do C.C., não beneficiando das presunções constantes dos art.ºs 491.º e 492.º do mesmo Código já que nem o condomínio nem a referida progenitora, a quem cabia a elisão das presunções, são partes no processo.
Na situação sub judicio, não tendo sido feita prova (tampouco tendo sido alegado) que o condomínio haja tido qualquer intervenção no vidro que se partiu ou mesmo nas zonas adjacentes, ou que se tenha manifestado qualquer sinal de deterioração ou diminuição das suas condições de segurança, fica afastado o incumprimento do dever imposto aos proprietários de prevenir os perigos e evitar danos para terceiros.
Muito embora o condomínio se tenha constituído em 04/09/2004, (a avaliar pela cópia da acta de fls. 262 e 263 dos autos), e o acidente tenha ocorrido em 16/04/2013, ou seja, oito anos e meio mais tarde, o certo é que o vidro, naquele local, é um elemento integrante da estrutura do prédio, e portanto, de longa duração, não havendo fundamento para responsabilizar o condomínio, desresponsabilizando o construtor, visto por ter sido exclusivamente deste a opção pela aplicação do referido elemento, naquele local e com aquelas características.
Relativamente à inobservância do dever de vigilância, resultou provado que a progenitora acompanhou o menor no percurso que poderia oferecer maior perigo – as escadas -, sendo perfeitamente compreensível que não lhe tivesse reprimido a exteriorização da ansiedade para ir ao encontro da amiga que, após o período de doença que sofrera, o ia visitar, uma vez que não havia obstáculos no hall interior de entrada do prédio, e nem a rampa, pela sua ligeira inclinação, constituía perigo.
Por outro lado, uma vez que o prédio era ainda recente, não era, de todo, previsível que o vidro não tivesse a resistência suficiente para suportar a pressão do corpo de uma criança de quatro anos.
Ainda que esta tivesse corrido na distância correspondente à rampa dos deficientes motores, uma vez que é curto o seu comprimento e ligeira a sua inclinação, a velocidade da corrida decerto não fez aumentar tão significativamente a força do impacto do seu corpo, para se poder atribuir exclusivamente a ela a quebra do vidro. Nesta circunstância concreta, também a ausência dos calços de apoio e dos calços laterais terá contribuído para a diminuição de resistência do vidro.
Não pode, pois, imputar-se o acidente ao incumprimento do dever de vigilância uma vez que ele ocorreu por circunstâncias imprevisíveis para a progenitora.
Improcede, assim, também esta excepção.
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De quanto vem de ser exposto cumpre concluir pelo desmerecimento total da pretensão recursiva da Apelante.
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C) DECISÃO

Nos termos que se deixam expostos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente, confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas da apelação pela Apelante.
Guimarães,

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho