Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
900/2004.9TCGMR-A.G1.
Relator: ANTÓNIO RIBEIRO
Descritores: ABERTURA DE CRÉDITO
INCUMPRIMENTO
LIVRANÇA
PACTO DE PREENCHIMENTO
OPOSIÇÃO
EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Ainda que o Opoente/recorrido não ponha em crise o valor aposto pelo Banco na livrança dada à execução, nem a situação de incumprimento contratual em que se colocara, é ilegítima e intempestiva a resolução do contrato de abertura de crédito, operada por iniciativa do mesmo Banco, por não ter ele agido de acordo com o convencionado no respectivo ponto 4 da cláusula 13ª, ao não lhe ter concedido o prazo de cinco dias ali previsto para a sanação do incumprimento, sob pena de se fazer letra morta de estipulação a que as partes se quiseram submeter.
II – Só depois de cumprido esse procedimento e decorrido o prazo de cinco dias sem que a situação de incumprimento (mora) fosse sanada, é que emergiria para o Banco o direito à resolução, por se considerar definitivamente incumprido o contrato pelo mutuário.
III – Tratando-se duma execução baseada em título extra-judicial, a oposição pode ter como fundamento, além da inexequibilidade do título e das outras causas previstas no artigo 814º do CPC, qualquer outro que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração (art. 816º).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente(s): “I... B.V.” (Exequente);
Recorrido(s): José M... (Executado);
Juízo de Execução da Comarca de Guimarães; Oposição à Execução.

*****

O Executado deduziu oposição à execução para pagamento da quantia de € 82.181,89, acrescida de juros contados desde 6 de Janeiro de 2004 sobre o capital de € 81.310,77, baseada na livrança, junta a fls. 22 dos autos principais, que o então exequente Banco P... , S.A. veio dar à execução.

O Embargante contesta a exequibilidade do título, dizendo que não se mostra constituída a obrigação exequenda por não estarem preenchidos os pressupostos exigidos pela cláusula 10ª, nº1 do contrato de abertura de crédito celebrado entre o Exequente, o Executado e a “DIF B...”, para o preenchimento pelo primeiro da referida livrança, que tinha sido entregue em branco, como caução de bom cumprimento das obrigações emergentes desse contrato.

Acrescenta que, para além de ser inadmissível a constituição de penhor sobre coisa futura, como é o caso duma carteira de títulos onde «entram e saem» constantemente valores mobiliários, em consequência da compra e venda de títulos, não foi efectuado o registo do penhor, que tem natureza constitutiva nos termos do art. 81º do CVM, pelo que não podia o Banco exequente proceder à venda dos valores mobiliários que compunham a carteira de títulos, como fez, sem prévia autorização ou ordem de venda do embargante, incumprindo ainda as obrigações de notificação estabelecidas na cláusula 10ª, nº 2.6 e na cláusula 12ª nº 3 do aludido contrato.

Contestando os embargos, veio o Exequente dizer que cumpriu os termos do contrato que está na base do preenchimento da livrança, nomeadamente no que se refere aos procedimentos previstos na cláusula 13ª, nºs 1 e 4, ao ter enviado ao Executado a carta datada de 8 de Julho de 2003, em que remete para tal cláusula, dessa forma tendo procedido à notificação deste, concedendo-lhe um prazo até 15 de Julho de 2003 para sanar a situação de incumprimento.

O Embargante respondeu às excepções deduzidas pelo Banco, invocando o princípio da adequação formal.

Saneado o processo, organizada a base instrutória e apresentadas as provas, realizou-se a audiência de julgamento, que foi objecto de gravação áudio, decidindo-se, a final, sobre os factos provados e não provados.

Seguidamente foi proferida sentença em que se julgou totalmente procedente a Oposição (Embargos) à Execução e extinta a execução, determinando-se o levantamento das penhoras efectuadas e o cancelamento dos respectivos registos quanto aos bens imóveis e veículos.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso a Exequente Habilitada, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

1ª Considerou a douta sentença que «o Opoente logrou provar a existência do acordo de preenchimento da livrança dada em execução e a sua inobservância por parte do exequente e, consequentemente, a falta de força executiva da livrança dada em execução, com a consequente inexigibilidade da obrigação exequenda com fundamento em tal título»;
2ª Ora a livrança em análise foi entregue em branco ao Banco P... , S.A. e destina-se a garantir o bom cumprimento das obrigações emergentes do contrato de abertura de crédito celebrado entre o Banco e o Recorrido;
3ª Por carta datada de 8 de Julho de 2003, o Banco comunicou ao Recorrido a resolução do referido contrato por incumprimento deste, atribuindo-lhe o prazo até ao dia 15 de Julho para regularizar a situação em incumprimento e remetendo expressamente para a cláusula 13ª do contrato quanto aos efeitos daquela comunicação;
4ª Em data posterior à estabelecida para a regularização, o Banco accionou as garantias contratualmente acordadas e estabelecidas, procedendo à venda dos títulos em carteira, objecto do penhor constituído a seu favor;
5ª O valor do produto da venda foi contabilizado e subtraído ao valor em dívida, não se apropriando o Banco de qualquer valor ilegitimamente;
6ª Preencheu a livrança garantia, de acordo com o que tinha sido previamente acordado, cumprindo os termos do contrato e designadamente o que nele se estabelece quanto às consequências do incumprimento do Recorrido que nunca questionou em qualquer momento o seu próprio incumprimento;
7ª Os direitos que o apelado ora pretende fazer valer não podem ser atendidos em sede de oposição à execução;
8ª Deverá ser revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a oposição à execução.

O Embargante/Apelado não apresentou contra-alegação,


II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).

As questões suscitadas pela Recorrente radicam apenas em saber se com a carta de 8 de Julho de 2003, que remeteu ao Recorrido, se mostram por ela observados os procedimentos a que estava vinculada nos termos contratuais, designadamente quanto à verificação das condições para o preenchimento da livrança dada à execução.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida – e não impugnada – é a seguinte:

a) Nos autos de execução em apenso foi apresentada livrança, emitida em 16 de Março de 2001, no valor de € 81.310,77, subscrita pelo oponente;

b) A livrança supra referida foi entregue em branco ao exequente e destinava-se a garantir o bom cumprimento das obrigações emergentes do contrato de abertura de crédito celebrado entre o exequente, o executado e “DIF B...”, em 16 de Março de 2001, contrato com o número 266785988 e cujos termos constam da cópia de fls.46 a 57, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

c) Por carta datada de 8 de Julho de 2003, o exequente comunicou ao executado a resolução do contrato referido em b), por incumprimento deste, considerando que tal declaração produzia efeitos de imediato;

d) Mais se disse que o executado deveria liquidar todas as responsabilidades emergentes daquele contrato até ao dia 15 de Julho de 2003;

e) Em 21/07/2003, a exequente procedeu à venda dos valores mobiliários que integravam a carteira de títulos associada à conta à ordem nº266 785 988;

f) Com data de 21/07/2003, foi creditada a conta do opoente pelo produto da venda das acções da PTMultimédia e S... COM SGPS, apurando-se, nessa data, um saldo devedor final de €78.976,18, conforme o teor do documento junto a fls.59.

g) A Exequente constituiu penhor dos valores mobiliários referidos em e) no âmbito do contrato referido em b).

h) Foi na sequência da declaração constante do documento referido na alínea c) que a Exequente procedeu em conformidade com o disposto na alínea e).

i) Por fax, enviado às 13 horas e 42 minutos do dia 08.07.2003, o executado propôs ao exequente um plano de regularização da dívida, o qual foi recusado pelo exequente.

j) O preço de fecho das acções S... COM no dia 14/01/2005 foi de 3,89 e o preço de fecho das acções P... Multimédia no dia 14/01/2005 foi de 19,01, tendo a carteira referida em E), à cotação desse dia 14/01/2005, o valor global de €226.211,50.

l) O fax, a que se refere a carta de 11/07/2003, foi remetido pelo executado em 08/07/2003.

m) E na sequência da reunião entre executado e exequente, realizada em 07/07/2003.

*****

2. De direito;

Com data de 16 de Março de 2001, o Banco P... (Banco), o aqui Embargante (Cliente/Opoente) e a sociedade “DIF B...” (Corretora), celebraram um contrato denominado de “Abertura de Crédito”, nos termos e com as cláusulas constantes do documento de fls. 46-57 destes autos, que aqui se dão por reproduzidos, mediante o qual e em suma a Corretora transferiu para o Banco os valores mobiliários de cuja Carteira o Opoente era titular e que eram objecto do contrato de registo e depósito com ela firmado e, outrossim, os valores mobiliários que viesse a adquirir em substituição ou reforço daqueloutros.

Em contrapartida, o Banco abriu um crédito ao Opoente com a finalidade exclusiva de este, através da Corretora, na qualidade de sua procuradora, aplicar os respectivos fundos na aquisição de valores mobiliários.

Assim, o Banco concedeu um crédito ao Opoente até ao montante máximo que diariamente viesse a corresponder a 75% do valor da carteira e que nessa data foi contabilizado em PTE 34.323.096$00, sendo constituída uma conta vinculada para suportar os pagamentos ao Banco e a execução das operações sobre a Carteira, quer a débito quer a crédito.

Nos termos do nº 1 da cláusula 10ª do aludido contrato de abertura de crédito, «em garantia do bom e pontual cumprimento de todas as obrigações e responsabilidades assumidas e a assumir pelo CLIENTE perante o BANCO emergentes do presente contrato, o CLIENTE entrega nesta data uma livrança em branco por si subscrita, e, pelo presente documento, autorizam irrevogavelmente, o BANCO a proceder, livre e integralmente, ao preenchimento do referido título de crédito, designadamente quanto à data de emissão, montante em dívida, data de vencimento e ao local de pagamento, pelo valor correspondente à totalidade dos créditos e encargos emergentes do presente contrato e que a cada momento o BANCO seja credor. O BANCO poderá descontar essa livrança e utilizar o seu produto para pagamento dos créditos emergentes do presente contrato».

O Opoente obrigou-se ainda a constituir primeiro penhor a favor do Banco sobre a totalidade dos valores mobiliários que na data do contrato integravam a Carteira, incidindo ele também sobre o produto da venda desses valores, do seu resgate ou reembolso, garantindo o bom cumprimento das obrigações e responsabilidades assumidas pelo Opoente perante o Banco, até ao limite de PTE 200.000.000$00 (cláusula 10ª, nºs 2., 2.1 e 2.2).

De harmonia com os nº 2.4 e 2.6 da cláusula 10ª, o penhor tornar-se-ia imediatamente exigível logo que se verificasse uma qualquer causa de exigibilidade antecipada, previstas na 13ª, obrigando-se o Banco a só proceder à execução judicial ou extrajudicial do penhor depois de notificar o Opoente e a Corretora, com a vista a, no prazo de três dias contados da recepção da notificação, se alcançar uma solução amigável para a satisfação dos seus créditos, findo o qual o Banco seria livre de proceder à imediata execução do penhor sem necessidade de mais interpelações.

Por outro lado, de acordo com os nºs 1 e 4 da cláusula 13ª, «no caso de incumprimento definitivo pelo CLIENTE ou pela procuradora DIF B... de qualquer das obrigações por cada um assumidas no presente contrato, bem como de desrespeito de alguma das suas cláusulas, o BANCO, entendendo relevante tal incumprimento, o que só a si e segundo os critérios de razoabilidade a que normalmente adopta cabe apreciar, goza da faculdade de não permitir mais utilizações e de considerar vencida toda a dívida, exigindo total ou parcialmente o imediato pagamento de tudo o que for devido, podendo a partir de então serem accionadas as respectivas garantias».

No entanto, para esse e demais efeitos, «o BANCO notificará o CLIENTE e a DIF B..., concedendo, para a sanação do incumprimento, um prazo peremptório, respectivamente de 5 ou 10 dias, consoante a obrigação seja de carácter pecuniário ou não, findo o qual o incumprimento se tornará definitivo».

O Opoente alegou que, na carta junta a fls.29 e datada de 8.7.3002, o Exequente declarou a resolução com efeitos imediatos do aludido contrato de abertura de crédito, sem que lhe tenha concedido o prazo de cinco dias para sanar o incumprimento, nos termos convencionados na aludida cláusula 13ª, nº4, do aludido contrato de abertura de crédito.

Contrapõe o Exequente que actuou «por forma a colocar o executado em situação de incumprimento definitivo, em conformidade com o que lhe era exigido pelo contrato» “através da carta que enviou ao executado, e que este recebeu, datada de 8 de Julho de 2003 – Cfr. doc. 2 junto com o articulado de oposição”, considerando que “como resulta dessa carta, o seu texto remete directamente para a referida cláusula 13ª do contrato”; “admitindo que a redacção da carta não seja a mais feliz, designadamente, ao utilizar a expressão resolução, o certo é que, ao remeter para a referida cláusula, é óbvio que o exequente pretendeu que, através dela, se procedesse à notificação que aí se faz referência.

Tanto assim que, ainda em referência àquele clausulado, concedeu um prazo até dia 15 de Julho de 2003 ao Executado – desde logo um prazo superior aos 5 dias que o contrato estabelece – dentro do qual lhe teria sido legítimo proceder à sanação do incumprimento”, referindo ainda o Exequente em abono da sua tese que “na altura o executado não entendeu essa carta como um meio de operar definitivamente a resolução do contrato”, “tanto assim que, após o seu recebimento, enviou ao exequente um fax, através do qual, fazendo uso da prorrogativa que lhe era concedida pelo nº4 da citada cláusula, reconheceu a sua responsabilidade e propôs um plano de regularização da mesma”, (sic – fls.99 e 100).

É o seguinte o teor da dita carta do Banco de 8 de Julho de 2003, a fls. 29, para o que aqui releva:

«O Banco P... , S.A. (…) vem por este meio, formalizar a resolução daquele contrato atenta a situação de incumprimento em que o mesmo se encontra, designadamente a falta de pagamento de juros – aliás do perfeito conhecimento de V.Exª – o que faz nos termos da cláusula 13ª das respectivas condições específicas.
Esta resolução produz os seus efeitos de imediato e assim consideram-se antecipadamente vencidas todas as obrigações pecuniárias assumidas por V.Exª no âmbito daquele contrato.
Em conformidade deverá V.Exª até 15 de Julho corrente, proceder à liquidação de todas as responsabilidades emergentes daquele contrato de crédito.
Decorrido aquele prazo, no caso de persistirem em dívida quaisquer montantes, sem qualquer outro aviso, adoptaremos os procedimentos considerados adequados, designadamente judiciais, tendo em vista a cobrança daquele crédito.

Considerou-se na sentença recorrida que, à luz dos princípios que regem a interpretação da declaração negocial (art. 236º do Código Civil – CC), o sentido a retirar daquela carta seria o de que a intenção do Exequente foi a de considerar verificada a situação de incumprimento definitivo imputável ao Opoente e, consequentemente, a de declarar a resolução imediata do contrato, exigindo o pagamento de tudo o considerado devido até ao referido dia 15 de Julho de 2003, data a partir da qual seriam accionadas as respectivas garantias, tudo ao abrigo do nº1 da cláusula 13ª do aludido contrato.

Tanto mais, afirma-se, que logo em 21.07.2003 a exequente procedeu à venda dos valores mobiliários que integravam a carteira de títulos associada à conta à ordem nº266 785 988, (facto provado e), tendo nessa mesma data sido creditada a conta do opoente pelo produto da venda das acções da P... Multimédia e S... COM SGPS, apurando-se, nessa data, um saldo devedor final de €78.976,18, conforme o teor do documento junto a fls.59, (facto provado f), tendo sido na sequência da declaração constante da referida carta enviada em 8/7/2003 que a Exequente procedeu à aludida venda dos valores mobiliários que integravam a carteira de títulos, (facto provado h).
Sustenta o Mmº Juiz a quo que não pode dizer-se, como pretende a Exequente, «que o Opoente entendeu a aludida carta de 8/7/2003 como consubstanciando a notificação exigida pelo nº4 da cláusula 13ª, ao ter enviado um fax datado de 08.07.2008 propondo um plano de regularização da sua responsabilidade para com o exequente.
Desde logo, porque resultou provado que o fax, enviado às 13 horas e 42 minutos do dia 08.07.2003, em que o executado propôs ao exequente um plano de regularização da dívida, plano recusado pelo exequente, foi remetido pelo executado na sequência da reunião entre executado e exequente, realizada em 07/07/2003, (factos provados i), l) e m), ou seja, realizada na véspera do envio da carta em apreciação.
O que permite concluir tão-somente que o envio de tal fax apenas é justificado pela aludida reunião, não podendo ser extraído do envio de tal fax e respectivo teor qualquer arrimo interpretativo para a carta em apreciação, junta a fls.29».

Neste recurso, como resulta das respectivas alegações, defende a Apelante/Exequente que, na carta de 8 de Julho de 2003, concedeu ao Opoente um prazo até 15 de Julho para regularizar a situação em incumprimento, remetendo expressamente para a cláusula 13ª do contrato, quanto aos efeitos daquela comunicação, só accionando as garantias contratualmente acordadas em data posterior, subtraindo ao valor da dívida o produto da venda do penhor e preenchendo a livrança de acordo com o que ficara clausulado no contrato.

O Opoente/Recorrido não põe em crise o valor aposto pelo Banco/Recorrente na livrança por este dada à execução, nem a situação de incumprimento contratual em que se colocara.

Defende, porém, que foi ilegítima e intempestiva a resolução do contrato operada por iniciativa do Banco, por não ter ele agido de acordo com o convencionado no ponto 4 da cláusula 13ª, ao não lhe ter concedido o prazo de 5 dias ali previsto para sanação do incumprimento.

Como decorre dos factos provados das alíneas i), l) e m), na sequência de reunião havida entre exequente e executado, realizada em 07.07.2003, o segundo propôs ao primeiro um plano de regularização da dívida, através de fax de 08.07.2003, confirmado por carta de 11.07.2003, que este porém recusou.

Daí resulta que o Executado tinha plena consciência da situação de incumprimento (mora) em que se encontrava, tendo resultado infrutífera a sua tentativa de convencer o Banco a aceitar o seu plano para a sanar.

Não fora o teor do nº 4 da cláusula 13ª do contrato firmado entre as partes e dúvidas não restariam quanto à legitimidade do Banco para preencher a livrança pelo valor total da dívida (a que deduziu o produto da venda dos títulos), desde logo em face do nº 1 da mesma cláusula. Porém, a sufragar-se a tese da Recorrente, estaríamos a fazer letra morta do mencionado nº 4 daquela cláusula contratual, a que as partes se quiseram submeter.

Nos termos dos arts. 432º, nº 1, 433º, 434º e 436º do Código Civil (CC), é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção, a qual é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, tendo portanto, em princípio, efeito retroactivo, embora nos contratos de execução continuada ou periódica não abranja, em regra, as prestações já efectuadas. A resolução pode fazer-se mediante declaração à outra parte, tratando-se, pois, duma declaração unilateral receptícia, que se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (art. 224º, nº 1 do CC).

O contrato entre o Banco e o Opoente tem-se assim por resolvido a partir da data em que a declaração daquele chegou ao destinatário.

Não tendo sido alegada pela Exequente/Opoída a impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor (Opoente), a perda do interesse nessa prestação por parte do credor (Banco), nem tendo este fixado àquele um prazo razoável para a realizar (arts. 801º e 808º do CC), o direito à resolução pelo Banco, contratualmente previsto, dependeria da observância da comunicação a que se refere o nº 4 da cláusula 13ª, não só ao Cliente mas também à Corretora, com a consequente concessão de um prazo de 5 dias «para a sanação do incumprimento».

Só depois de cumprido esse procedimento e decorrido o prazo de 5 dias sem que a situação de incumprimento (mora) fosse sanada, é que emergiria para o Banco o direito à resolução, por se considerar definitivamente incumprido o contrato pelo Cliente.

Ora não foi isso que aconteceu, tendo o Banco, intempestivamente, resolvido o contrato. E não se diga, como faz a Recorrente, que o prazo que deu ao Cliente até 15 de Julho, para proceder à liquidação de todas as responsabilidades emergentes daquele contrato de crédito, supre a ausência daquela prévia comunicação. Desde logo porque, para os efeitos desta, a «sanação do incumprimento» corresponderia ao pagamento pelo devedor das prestações em mora (nomeadamente os juros devidos), enquanto face à resolução do contrato, como o próprio Banco refere na sua carta, o Cliente teria de liquidar «todas as responsabilidades emergentes» do mesmo.

A Exequente só se pode queixar do Banco e este de si mesmo. Todos os contratos devem ser pontualmente cumpridos (ou seja, ponto por ponto) e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º, nº 1 do CC).

Tratando-se esta duma execução baseada num título extra-judicial, a oposição pode ter como motivo, além da inexequibilidade do título e das outras causas previstas no art. 814º do Código de Processo Civil (CPC) para a execução fundada em sentença, qualquer fundamento que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração (art. 816º do CPC).

Sendo a execução instaurada pelo beneficiário da livrança, que lhe foi entregue em branco pelo subscritor – o que nos coloca no domínio das relações imediatas – é lícito a este opor-lhe a excepção material de preenchimento abusivo do título, ainda que sobre ele recaia o ónus da prova dos factos constitutivos dessa excepção (nº 2 do art. 342º do CC).

Valha a verdade, como decidido pelo Tribunal a quo, que o Opoente fez a prova do pacto de preenchimento da livrança e da sua inobservância pelo Banco, o que acarreta a inexequibilidade do título dado à execução.

*****

IV – Decisão;

Em face do exposto, na improcedência da apelação, acordam os Juízes desta secção cível em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Apelante.

Guimarães, 2009.03.12