Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
330/17.2T8BRG.G1
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
II) - O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
III) - A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas físicas, deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
IV) - A indemnização pelo dano biológico deve ser fixada com recurso à equidade nos termos do artº. 566º, nº. 3 do Código Civil, em função dos seguintes factores: idade do lesado e expectativa de vida, grau de incapacidade geral permanente, potencialidades de aumento de ganho na sua profissão ou em profissão alternativa aferidas em regra pelas suas qualificações, devendo o julgador ter igualmente em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares com vista a uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
V) - No que diz respeito ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, a justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida, devendo, por isso, ser calculada com referência ao tempo provável de vida do lesado (normalmente através da referência à esperança média de vida), e não com base na idade da reforma, posto que só assim se logrará reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
VI) - Tendo o lesado, à data do acidente, 34 anos de idade, ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na actividade profissional compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares e que, no futuro, necessitará de medicação analgésica a prescrever por médico assistente e de sessões de fisioterapia a prescrever por médico fisiatra, em duas consultas anuais, considera-se justa e equitativa a quantia de € 38.000,00 a título de dano biológico.
VII) - A indemnização por danos não patrimoniais, mais que ressarcir um dano, visa compensar o lesado com uma quantia pecuniária que represente um lenitivo que contrabalance as dores físicas e morais sofridas, insusceptíveis de avaliação pecuniária; ou seja, não podendo a indemnização anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.
VIII) – Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos, sendo de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.
IX) - No que se refere ao juízo de equidade, não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
X) - No caso da indemnização por danos não patrimoniais, para além de se atender à equidade, não se deverá, ainda, desconsiderar, que a fixação do quantum indemnizatório deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso.
XI) - Mostra-se adequada a indemnização atribuída ao lesado que sofreu acidente de viação para o qual não contribuiu, a título de danos não patrimoniais, no montante de 10.000,00, que na sequência do embate sofreu lombalgia pós-traumática, consultou um médico ortopedista, submeteu-se a uma ressonância magnética da coluna lombo-sagrada, sofreu os períodos de défice funcional temporário total de 1 dia, de défice funcional temporário parcial de 31 dias e de repercussão temporária na actividade profissional total de 32 dias, ficou com sequelas decorrentes da lesão causada pelo embate que determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, compatível com o exercício da sua actividade profissional, mas que implica esforços suplementares, com um quantum doloris de grau 3 numa escala de 1 a 7, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada no grau 3 e uma repercussão permanente na actividade sexual fixada no grau 2, que no futuro necessitará de medicação analgésica a prescrever por médico assistente e de sessões de fisioterapia a prescrever por médico fisiatra, em duas consultas anuais e que após o embate se tornou uma pessoa mais triste, irritando-se facilmente com os seus familiares em virtude das dores de que padece.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A. C. intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra X Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:

a) a quantia de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) a quantia de € 78.700,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros desde a data do acidente até efectivo e integral pagamento;
c) a assegurar os tratamentos futuros que o Autor haja necessidade de sujeitar-se em virtude da lesão sofrida.

Para tanto, alega, em síntese, que no dia 17/12/2013, cerca das 19h15, ocorreu um acidente de viação no cruzamento da Avenida ... com as Ruas ... e dos Bombeiros, na localidade de Vila Verde, no qual foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros com as matrículas NX, propriedade do Autor e por ele conduzido, e UT, conduzido pela sua proprietária M. O., estando este veículo seguro na Ré.
Após descrever o acidente, que consistiu no embate entre os dois veículos, alega que o mesmo ficou a dever-se à culpa exclusiva da condutora do veículo UT, que entrou no cruzamento, pretendendo mudar de direcção para a esquerda atento o sentido em que seguia, sem cuidar do tráfego que ali circulava, efectuando aquela manobra com total falta de cuidado, atenção e diligência, sem respeitar o sinal de STOP existente na saída da rua por onde circulava e que a obrigava a parar para dar prioridade a outros veículos.
Acrescenta que, em consequência do acidente, o veículo do Autor sofreu vários danos, tendo o custo da reparação dos mesmos sido assumida pela Ré.
Após o acidente, o Autor sentiu dores na coluna vertebral que julgou temporárias, consequência do embate. No entanto, porque as dores foram-se agravando, o Autor dirigiu-se ao seu médico assistente no Hospital Misericórdia de … em Fevereiro de 2014, que lhe solicitou a realização de ressonância magnética, que veio a demonstrar as sequelas resultantes do acidente para o Autor, nomeadamente as descritas no artº. 15º da petição inicial.
Refere, ainda, que em consequência do acidente, sofreu os danos corporais, patrimoniais e não patrimoniais que descrimina na petição inicial e cujo ressarcimento peticiona naquele articulado.

A Ré contestou, reconhecendo a culpa do condutor do veículo automóvel por si segurado na produção do acidente em causa. No entanto, invocou a excepção da prescrição do direito de indemnização do Autor por terem decorrido mais de 3 anos entre a data do acidente e a data em que a presente acção entrou em juízo.
Por outro lado, impugnou os danos invocados pelo Autor, alegando desconhecer as lesões e sequelas resultantes do sinistro, para além de considerar excessivos os montantes indemnizatórios por ele peticionados.
Conclui, pugnando pela procedência da excepção invocada ou, caso assim não se entenda, pelo julgamento da acção em conformidade com a prova produzida.

O Autor apresentou resposta, na qual pugnou pela improcedência da excepção de prescrição deduzida pela Ré, mantendo o alegado na petição inicial.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi fixado o valor da causa, procedeu-se ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, e foi relegado o conhecimento da excepção de prescrição deduzida pela Ré para a fase da prolação da sentença, tendo sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Foi realizada perícia médico-legal para avaliação do dano corporal do Autor, pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, cujo relatório se encontra junto a fls. 137 a 140, tendo sido prestados esclarecimentos pelo Sr. Perito, após notificação do Tribunal “a quo” nesse sentido, os quais constam de fls. 146 e 147 dos autos.
O Autor veio a fls. 142 a 144 manifestar a sua discordância com o resultado da perícia médico-legal realizada e requerer a realização de segunda perícia ao abrigo do disposto no artº. 487, nº. 1 do CPC.
Por despacho proferido em 12/02/2019 foi determinada a realização de segunda perícia por um único perito do Gabinete Médico-Legal diferente daquele que subscreveu o primeiro relatório pericial (cfr. fls. 153).
Foi realizada a segunda perícia pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, cujo relatório consta de fls. 306 a 312.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e condenou a Ré X Seguros – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA a pagar ao A. A. C. as seguintes quantias:

A) € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais (ponto 3.3.1), acrescida de juros de mora desde a data da sentença até integral pagamento, à taxa legal de 4%;
B) € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos patrimoniais [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “danos não patrimoniais” em face do que consta no texto da sentença – fls. 360 a 364] (ponto 3.3.2), acrescida de juros de mora desde a data da sentença até integral pagamento, à taxa legal de 4%.
Condenou, ainda, a Ré a assegurar ao Autor os tratamentos futuros prescritos anualmente por médico fisiatra decorrentes da lesão e sequelas sofridas no acidente de viação ocorrido no dia 17 de Dezembro de 2013.
No mais, absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1.ª - Vem o presente recurso impugnar a decisão proferida quanto à atribuição das indemnizações a título do Dano Biológico e danos não patrimoniais, com as quais não se conforma.

2.ª - Assim, no caso concreto, para efeito da aplicação dos critérios que se vêm de referir, importa ponderar que:
- O lesado passou a padecer de um défice funcional de 5 pontos, sendo que carece de esforços acrescidos e enfrenta dificuldades na sua atividade de Cabo da GNR.
- O Autor auferia mensalmente a quantia de € 1.545,00, acrescida de subsídio de alimentação de € 4,27;
- A idade do Autor à data do acidente – 34 anos;
- O limite de vida ativa que se pode situar nos 66 anos;
3.º - Afigura-se-nos, pois, ajustada a compensação do dito dano biológico, no valor de € 35.000,00 e não os € 42.500,00, fixados na sentença recorrida, por manifestamente exagerado.
4ª - O tribunal a quo valorou de forma exagerada os danos não patrimoniais provados.
5.ª - Deste modo, pensamos que se justificará, com o devido respeito, a atribuição de uma indemnização de € 5.000,00 por esta refletir melhor (de forma equitativa) a importância dos valores não patrimoniais afetados com as lesões que o Autor contraiu e a que melhor se coaduna com a prática jurisprudencial em casos semelhantes;
6.ª - Ao assim não decidir, violou a sentença recorrida, entre outras disposições legais, o disposto nos artºs. 483º, 562º e 566º, todos do Código Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 373.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante designado NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela Ré, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à reapreciação do montante da indemnização fixada ao Autor:
I) - pelo dano biológico decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer em consequência do acidente;
II) - pelos danos não patrimoniais por ele sofridos.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:
1. No dia - de dezembro de 2013, cerca das 19h15, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula NX, conduzido pelo autor, seu proprietário, circulava na avenida ..., em Vila Verde, no sentido de Braga.
2. E ao mudar de direção à esquerda, para passar a circular na rua ...,
3. Seguindo a uma velocidade inferior a 10 km/h.
4. Foi embatido na lateral traseira esquerda.
5. Pela frente lado direito do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula UT, conduzido pela sua proprietária, M. O..
6. No momento do embate, o veículo UT invadiu a faixa de rodagem da avenida ..., com vista a mudar de direção à esquerda, sentido Braga, sem respeitar o sinal vertical de Stop existente à saída da rua ... por onde vinha a circular.
7. O embate ocorreu no cruzamento da avenida ... com as ruas ... e dos Bombeiros.
8. À data do embate, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo UT, encontrava-se transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice nº …….
9. Após o embate, o autor sentiu dores na coluna vertebral.
10. E consultou um médico ortopedista.
11. E submeteu-se a uma ressonância magnética da coluna lombo-sagrada em 23 de março de 2014
12. Na sequência do embate, o autor sofreu lombalgia pós-traumática.
13. E sofreu um período de défice funcional temporário total de 1 dia.
14. E um período de défice funcional temporário parcial de 31 dias.
15. E um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 32 dias.
16. A data da consolidação médico legal da lesão sofrida pelo autor foi fixada em 16 de janeiro de 2014.
17. O autor ficou com as seguintes sequelas decorrentes da lesão causada pelo embate:
Ráquis: dificuldade ao realizar flexão anterior do tronco; lentificação nas transferências em decúbito e novamente em posição sentado; palpação lombar vertebral e paravertebral direita dolorosas, assim como com movimentos de rotação e inclinação lateral; Índice de Schober 10-14,5cm; diminuição generalizada da força muscular nos movimentos contra resistência de todo o membro inferior esquerdo por dor lombar (4/5); Reflexos osteotendendinosos presentes e simétricos; laségue positivo à esquerda (dor lombar com irradiação) a 45º.
18. As quais determinaram um défice funcional permanente da integridade física psíquica de 5 pontos, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares.
19. O autor sofreu um quantum doloris de grau 3/7.
20. E uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3/7.
21. E uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2/7.
22. De futuro, o autor necessitará de medicação analgésica a prescrever por médico assistente e de sessões de fisioterapia a prescrever por médico fisiatra, em duas consultas anuais.
23. Antes do embate, o autor não registava historial de antecedentes de patologia ou queixas relacionadas com a coluna vertebral.
24. À data do embate, o autor exercia as funções de cabo da Guarda Nacional Republicana.
25. E auferia a quantia média mensal liquida de € 1.545,00, acrescida de um subsídio de alimentação de € 4,27 por cada dia útil.
26. Presentemente, o autor continua a exercer as funções de cabo da Guarda Nacional Republicana no posto territorial de Vila Verde.
27. Após o embate, o autor tornou-se uma pessoa mais triste, irritando-se facilmente com os seus familiares em virtude das dores de que padece.
28. O autor nasceu no dia 10 de outubro de 1979.

Por outro lado, na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos [transcrição]:
29. As limitações físicas de que o autor ficou a padecer impedem o progresso na sua carreira profissional.
30. E consequentemente obstam a um aumento do vencimento e dos subsídios que variam consoante o vencimento base.
*
A restante matéria vertida nos articulados é conclusiva ou de direito e os demais factos não assumem relevância considerando o objeto do litígio e os temas da prova enunciados na audiência prévia.
*
Apreciando e decidindo.
O presente recurso prende-se unicamente com a questão do montante da indemnização devida ao Autor pelo dano biológico decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer em consequência do acidente e pelos danos não patrimoniais por ele sofridos.

I) – Quanto à indemnização pelo dano biológico:
Na presente acção, o Autor peticionou a quantia de € 78.700,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, relativo à repercussão do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica na sua capacidade de trabalho, também designado “dano biológico”.
Após tecer amplas considerações sobre o dano biológico e enunciar, de forma clara e detalhada, as teses fundamentalmente defendidas pela jurisprudência do STJ relativamente a este tipo de dano, considerações para as quais remetemos por merecerem a nossa concordância, o Tribunal “a quo” atribuiu ao Autor, na sentença recorrida, a indemnização de € 42.500,00 pelo dano biológico, com base na factualidade dada como provada nos pontos 18, 25 e 38 dos factos provados e no critério que tem vindo a ser seguido pelo STJ, “com vista a promover uma maior aproximação das decisões e fomentar a segurança: o entendimento – com o qual se concorda - de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim previsível do período de vida do lesado e que garanta prestações periódicas correspondentes à respetiva perda, sendo, no entanto, este critério temperado pelo papel corretor da equidade”.

No caso em análise, o Tribunal de 1ª instância ponderou os seguintes factores:
- O autor nasceu no dia - de Outubro de 1979;
- A esperança média de vida dos homens em Portugal é de 78 anos (citando os acórdãos da RP de 23.10.2014, proc. nº. 148/12.9TBVLP, da RC de 1.03.2016, proc. nº. 71/12.7TBMBR, da RE de 25.05.2017, proc. nº. 8430/05.5TBSTB, do STJ de 19.02.2014, proc. nº. 1229/10.9TAPDL e de 19.10.2016, proc. nº. 1893/14.0TBVNG, todos disponíveis em www.dgsi.pt);
- A idade da reforma situa-se presentemente por volta dos 66 anos, sendo certo que, no seguimento do que tem sido considerado na esmagadora maioria dos acórdãos proferidos pelo STJ é até mais razoável que o autor, em vez de trabalhar até aos 66 anos e 3 meses, o venha a fazer até mais próximo dos 70 anos, o que representaria uma vida ativa de 36 anos;
- O défice funcional permanente da integridade física psíquica de 5 pontos implica, no desempenho da sua ocupação laboral, esforços suplementares;
- À data do acidente, o autor auferia um rendimento médio mensal líquido de € 1.545,00, acrescido de um subsídio de alimentação de € 4,27 por cada dia útil.

Sendo que para o cálculo da indemnização seguiu o seguinte raciocínio:
«Assim, multiplicando o rendimento anual líquido de € 22.706,04 (€1.545,00x14 (salário) + € 89,67 - € 4,27x 21 dias úteis – x 12 (subsídio de alimentação) pelo défice funcional (0,05) e o valor assim obtido pelo número de anos de vida ativa (36), obtém-se o valor de € 40.870,87 (quarenta mil oitocentos e setenta euros e oitenta e sete cêntimos).
Uma vez que o autor vai receber de uma só vez aquilo que, em princípio, deveria receber em frações anuais - podendo deste modo rentabilizar o capital recebido-, e para evitar uma situação de enriquecimento injustificado à custa alheia, há que proceder a um desconto sobre aquele montante que garanta que o capital em causa se encontra esgotado no final do prazo considerado.
A este propósito, o Juiz Conselheiro Joaquim de Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidente de Viação, CJ, Acórdãos do STJ, ano IX, T I – 2001, pg. 5/12, refere que “O desconto vai depender do nível de vida no país, do custo de vida e até da sensibilidade do próprio juiz que, genericamente, terá de calcular, quando é que o capital estará totalmente amortizado”. Nesse estudo, o Conselheiro Sousa Dinis acaba por propor um desconto de ¼ na capitalização do rendimento, o que revelar-se-ia altamente penalizador para os lesados e desfasado do contexto atualmente vivido se se atender às taxas de juros remuneratórios presentemente praticadas.
Na verdade, constitui um facto do domínio público e, por conseguinte, facto notório (art. 412º, nº 1 do C.P.C) que na atualidade são baixos os valores das remunerações resultantes da aplicação do capital. Esta realidade, que não pode deixar de ser considerada, determina que se considere equitativa e ajustada a redução ao montante do capital a atribuir a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho de um valor correspondente à aplicação de uma taxa de 2% àquele», referindo em nota de rodapé que “Inicialmente, a jurisprudência utilizava uma taxa de juro anual de 9%. Atendendo, porém, à tendência de descida das taxas de juros de remuneração praticadas por instituições bancárias e financeiras que se foi assistindo nos últimos anos, a jurisprudência portuguesa foi diminuindo a taxa de referência, surgindo presentemente a aplicação da taxa de 2% - v.g entre outros Ac. RP de 27.09.2016 (processo nº 2007/13.9TBFLG.P1), Ac. RC de 27.09.2016 (processo nº 2206/11.8TBPBLC1) e Ac. RG de 14.09.2017 (processo nº 354/14.1TBEPS.G1) - ou mesmo a taxa de 1,5% - Ac. RC de 06.06.2017 (processo nº 3930/06.2TBLRA.C1) e Ac. do STJ de 19.10.2016 (processo nº 1893/14.0TBVNG.P1.S1), todos in http://www.dgsi.pt.»
Nesta conformidade, ao valor anteriormente alcançado - € 40.870,87-, aplica-se a redução correspondente a 2%, ou seja, € 817,41 (€ 40.870,87 x 2% = € 817,41), fixando-se o remanescente em € 40.053,46 (quarenta mil e cinquenta e três euros e quarenta e seis cêntimos) - € 40.870,87 - € 817,41 = € 40.053,46.
Citando novamente o Conselheiro Sousa Dinis dir-se-á que “Aqui chegado, o juiz já tem a sintonia aproximada da indemnização. Sobre ela vai cair um juízo de equidade de modo a encontrar a indemnização que melhor se adeque ao caso concreto, tendo em conta a idade do lesado, a progressão na carreira e outros fatores subjetivos que eventualmente se provem”.
Com efeito, há que recorrer, em último grau, à equidade, pois na determinação da indemnização compensatória por danos patrimoniais futuros, as fórmulas financeiras ou tabelas de cálculo habitualmente utilizadas para a determinação do capital necessário que, diluído ao longo de tempo da vida ativa e juntamente com o respetivo rendimento proporcione à vítima o rendimento perdido, não satisfazem o objetivo de indemnização reparadora, por levarem a resultados insuficientes e que a realidade desmente.
Na verdade, tais fórmulas ou tabelas não contemplam a tendência de melhoria do nível de vida, a ascensão da produtividade, o aumento progressivo dos salários, não conta com a inflação nem com o aumento da longevidade, e parte do pressuposto que a situação profissional do lesado se manteria definitivamente estática, sem progressões na carreira, e não contempla também os danos que se projetam para além da idade de reforma, designadamente aqueles em que o lesado ainda poderia continuar a trabalhar se assim o desejasse.
Recaindo, assim, sobre o montante atrás alcançado - € 40.053,46 - um juízo de equidade de modo a encontrar a indemnização que melhor se adeque ao caso concreto, tendo em conta que o autor tinha 34 anos à data do sinistro, não teve qualquer culpa na sua produção, que o défice funcional permanente implica esforços suplementares no exercício da sua atividade profissional – as sequelas terão reflexo na utilização do corpo em geral, com diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e/ou necessidade de esforços suplementares para obtenção dos mesmos resultados -, considerando as possibilidades de progressão na carreira profissional, o aumento progressivo do salário que venha a auferir, o aumento da longevidade, a taxa de inflação e o facto de o autor poder viver mais 08 anos para lá da idade dos 70 anos que representam a vida ativa e tomando sempre em consideração o disposto no art. 8º, nº 3 do Código Civil, não se afigura excessivo fixar nesta linha de raciocínio uma indemnização de € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros).»
Entende a Ré/recorrente que a indemnização fixada na sentença recorrida pelo dano biológico (€ 42.500,00) é manifestamente exagerada, considerando ajustada a quantia de € 35.000,00 como compensação pelo referido dano.
Vejamos se é de atender à pretensão da Ré.
Como se refere no acórdão do STJ de 14/01/2021 (proc. nº. 2545/18.7T8VNG, relatora Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt), “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.”
Ora, no caso do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (anteriormente designado por incapacidade permanente geral – IPG) ter reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o artº. 564º, nº. 2 do Código Civil.
Pode, no entanto, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua actividade profissional não é especificamente afectada pela incapacidade, quer porque, embora afectado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua actividade habitual com um esforço suplementar.
Em todos estes casos pode discutir-se se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.
É entendimento pacífico na nossa jurisprudência que o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido (cfr. acórdãos do STJ de 10/10/2012, proc. nº. 632/2001, de 11/11/2010, proc. nº. 270/04.5TBOFR e de 20/05/2010, proc. nº. 103/2002, relator Lopes do Rego; acórdão da RG de 3/07/2014, proc. nº. 333/12.3TCGMR, relator Manuel Bargado, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso em apreço, o Tribunal “a quo” fixou ao Autor uma indemnização pelo dano biológico, no montante de € 42.500,00, discordando a recorrente deste valor por o considerar exagerado, defendendo que lhe deve ser fixada uma indemnização por aquele dano, no valor de € 35.000,00.
Antes de se proceder à apreciação, em concreto, da indemnização pelo dano biológico, recordam-se os critérios gerais de reparabilidade desta categoria de dano explanados no acórdão do STJ de 25/05/2017 (proc. nº. 2028/12.9TBVCT, relatora Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt), nos termos que passamos a transcrever:
«Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 28/01/2016 (proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1), in www.dgsi.pt, retomadas nos acórdãos de 07/04/2016 (proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1) e de 14/12/2016 (proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1), in www.dgsi.pt, “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1) e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”.

Afirma-se, mais à frente, no acórdão de 28/01/2016, que vimos citando:
“Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.”
Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.
“A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.).”
Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual.
Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º, nº 3 do Código Civil). Ora, como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 4 de Junho de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1 e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt), em princípio, “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub judicio»”. Para além disso, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto.»
Assim, na quantificação da indemnização devida pelo dano biológico, a jurisprudência maioritária tem defendido tão-só o recurso à equidade nos termos do artº. 566º, nº. 3 do Código Civil, devendo ser considerados os seguintes factores: idade do lesado e expectativa de vida, grau de incapacidade permanente, potencialidades de aumento de ganho na sua profissão ou em profissão alternativa aferidas em regra pelas suas qualificações, e outros factores relevantes casuisticamente (neste sentido vide, entre outros, acórdão do STJ de 14/12/2016, proc. nº. 37/13.0TBMTR, relatora Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt). No que concerne ao dano biológico, mais do que a consideração abstracta dos pontos atribuídos ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o lesado passou a padecer, importam essencialmente as consequências das lesões na sua vida em todas as suas dimensões (cfr. acórdão da RG de 27/05/2021 acima referido).
Tendo presentes estes critérios gerais, passemos a apreciar o caso dos autos.

No caso em apreço, o Autor, em consequência do acidente sofrido, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, com sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual de cabo da GNR, mas que implicam esforços suplementares, centrando-se a repercussão negativa na diminuição da condição física do A. e numa penosidade e dispêndio físico acrescidos na execução de tarefas antes desempenhadas, sem o mesmo esforço, no seu dia-a-dia (como, por ex., tem dificuldade na flexão anterior do tronco, está mais lento na mudança de determinadas posições do corpo e tem uma diminuição generalizada da força muscular na perna esquerda devido a dor lombar), bem como uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada no grau 3, numa escala crescente de 7, e uma repercussão permanente na actividade sexual fixada no grau 2/7, devendo esta realidade incontornável ser vertida no montante da indemnização a atribuir.
Ora, como vimos, a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas físicas e psíquicas, deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
Isso porque, como já se referiu, “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais” (cfr. acórdão do STJ de 10/10/2012, relator Lopes do Rego, proc. nº. 632/2001, citado nos acórdãos do STJ de 25/05/2017 e da RG de 3/07/3014 supra referidos, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Afigura-se-nos que a incapacidade funcional em causa constitui uma desvalorização efectiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos, com a consequente necessidade de recurso à equidade e dentro da factualidade que resultou provada, para fixar a correspondente indemnização.
No que concerne ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, constitui entendimento jurisprudencial reiterado que uma justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, isto é, o tempo provável de vida do lesado (e não na vida profissional activa do lesado, já que não é razoável ficcionar-se que a vida física desaparece no momento da reforma e com ela todas as suas necessidades), posto que só assim se logrará, na verdade, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 19/02/2004, proc. nº. 03A4282, de 25/09/2007, proc. nº. 07A2727, de 10/10/2012, proc. nº. 632/2001 supra referido e de 7/02/2013, proc. nº. 3557/07.1TVLSB, relatora Maria dos Prazeres Beleza, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do A. não terminam no dia em que ele deixar de trabalhar e a sua incapacidade funcional perdurará para além da idade da reforma e até ao fim da sua vida, embora progressivamente mitigada e limitada geralmente às tarefas do seu quotidiano, pelo que já não é apenas a vida activa que deverá ser considerada para efeitos do cálculo da indemnização, mas sim o tempo de vida que previsivelmente (isto é, seguindo as estatísticas da esperança média de vida) o lesado tinha ainda pela sua frente.
Naturalmente, cabe ao lesado trazer aos autos factos que permitam valorizar e exprimir o grau da sua lesão (se auferia proventos do seu trabalho e o respectivo quantitativo, se deixou de realizar determinadas tarefas ou movimentos, se as sequelas com que ficou em consequência do acidente tiveram repercussão no desempenho da sua actividade profissional e em outras tarefas e actividades do seu dia-a-dia, etc.).
Para atribuir uma justa compensação pelo dano biológico, o Tribunal deverá considerar o padrão médio de um homem de 34 anos de idade à data do acidente (actualmente com 42 anos de idade), que não teve qualquer culpa na sua produção, que exerce a profissão de cabo da GNR e sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos percentuais, que implica esforços suplementares no exercício da sua actividade profissional e que padece das várias limitações físicas que resultam dos factos provados acima referidos.
Conforme já foi referido, importa ter presente, neste caso, a esperança média de vida, isto é, durante quanto tempo é que o A. previsivelmente sofrerá com esta incapacidade funcional. Ora, tendo em consideração os dados estatísticos obtidos na Base de Dados Portugal Contemporâneo (PORDATA), no ano de 2019 (últimos dados conhecidos) a esperança média de vida, para a população masculina, é de 78,1 anos, ao passo que os dados obtidos no site do INE, para o triénio de 2018-2020 (últimos dados conhecidos), apontam para uma esperança média de vida, para a mesma população, de 78,07 anos, pelo que será levada em consideração por este Tribunal de recurso a esperança média de vida de 78 anos.
Assim, considerando que o A. tem uma esperança de vida até aos 78 anos, daqui decorre que, em termos meramente estatísticos, as lesões previsivelmente o afectarão durante pelo menos 44 anos, contados desde a data do acidente, altura em que tinha 34 anos de idade (sendo também esta a idade que tinha à data da consolidação médico-legal das lesões sofridas) até ao termo da esperança média de vida.

No caso em apreço, e com relevante interesse nesta matéria, há que ter em atenção a seguinte factualidade que resultou provada:
- À data do acidente, o A. tinha 34 anos de idade (actualmente tem 42 anos) – cfr. ponto 28 dos factos provados);
12. Na sequência do embate, o autor sofreu lombalgia pós-traumática.
13. E sofreu um período de défice funcional temporário total de 1 dia.
14. E um período de défice funcional temporário parcial de 31 dias.
15. E um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 32 dias.
16. A data da consolidação médico legal da lesão sofrida pelo autor foi fixada em 16 de Janeiro de 2014.
17. O autor ficou com as seguintes sequelas decorrentes da lesão causada pelo embate:
. Ráquis: dificuldade ao realizar flexão anterior do tronco; lentificação nas transferências em decúbito e novamente em posição sentado; palpação lombar vertebral e paravertebral direita dolorosas, assim como com movimentos de rotação e inclinação lateral; Índice de Schober 10-14,5cm; diminuição generalizada da força muscular nos movimentos contra resistência de todo o membro inferior esquerdo por dor lombar (4/5); Reflexos osteotendendinosos presentes e simétricos; laségue positivo à esquerda (dor lombar com irradiação) a 45º.
18. As quais determinaram um défice funcional permanente da integridade física psíquica de 5 pontos, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares.
19. O autor sofreu um quantum doloris de grau 3/7.
20. E uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3/7.
21. E uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2/7.
22. De futuro, o autor necessitará de medicação analgésica a prescrever por médico assistente e de sessões de fisioterapia a prescrever por médico fisiatra, em duas consultas anuais.
23. Antes do embate, o autor não registava historial de antecedentes de patologia ou queixas relacionadas com a coluna vertebral.
24. À data do embate, o autor exercia as funções de cabo da Guarda Nacional Republicana.
25. E auferia a quantia média mensal liquida de € 1.545,00, acrescida de um subsídio de alimentação de € 4,27 por cada dia útil.
26. Presentemente, o autor continua a exercer as funções de cabo da Guarda Nacional Republicana no posto territorial de Vila Verde.
Por outro lado, importa ter presente o que é referido no acórdão do STJ de 26/01/2021 (proc. nº. 688/18.6T8PVZ, relator Fernando Samões, disponível em www.dgsi.pt), segundo o qual “O juízo de equidade de que se socorreu as instâncias, porque assente na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade, como tem vindo a sublinhar reiteradamente este STJ (cfr., entre outros, os acórdãos de 17/05/2018, revista n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1 - 7.ª Secção, de 23/05/2019, revista n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2 - 7.ª Secção e de 30/05/2019, revista n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1 - 2.ª Secção, todos disponíveis em www.dgsi.pt).”
No acórdão do STJ de 26/01/2021 supra referido, foi fixada um indemnização pelo dano biológico no valor de € 9.000,00 a uma lesada com 55 anos de idade à data do acidente e um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, sendo ali enunciados, a título exemplificativo, alguns acórdãos proferidos por aquele tribunal superior em casos em que foram atribuídas indemnizações a título de dano biológico decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de baixo índice, todos disponíveis em www.dgsi.pt, dos quais citamos apenas alguns:
- Incapacidade de 3 pontos, compatível com a actividade habitual, embora implicando esforços suplementares para o exercício da actividade profissional à data do embate, mas não já para o exercício da actual actividade, 19 anos de idade, indemnização de € 8 500,00 (Acórdão de 20-12-2017, Revista n.º 871/12.8TBPTL.G1.S1- 1.ª Secção, relator Roque Nogueira);
- Incapacidade de 5 pontos, com dificuldades acrescidas na realização de tarefas que impliquem esforço e força, 56 anos de idade, indemnização de € 10 000,00 (Acórdão de 27-04-2017 - Revista n.º 1343/13.9TJVNF.G1.S1 - 2.ª Secção, relator Tomé Gomes);
- Incapacidade de 5 pontos, compatível com o exercício da actividade profissional, 32 anos de idade, indemnização de € 10.000,00 (Acórdão de 02-06-2016, Revista n.º 959/11.2TBSJM.P1.S1 - 7.ª Secção, relator António Joaquim Piçarra);
- Incapacidade de 3 pontos, compatível com actividade habitual, com esforços suplementares, 42 anos de idade, indemnização de € 15.000,00 (Acórdão de 07-04-2016 - Revista n.º 121/12.7T2AND.P1.S1 - 2.ª Secção, relator Oliveira Vasconcelos);
- Incapacidade de 3 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares, 28 anos de idade, indemnização de € 20.000,00 (Acórdão de 17-12-2015, Revista n.º 3558/04.1TBSTB.E1.S1 - 7.ª Secção, relatora Maria dos Prazeres Beleza).

Ademais, indicam-se a título exemplificativo as seguintes decisões jurisprudenciais mais recentes, todas disponíveis em www.dgsi.pt:
- no acórdão do STJ de 14/01/2021 (proc. nº. 2545/18.7T8VNG, relatora Rosa Tching), foi fixada uma indemnização de € 20.000,00 a um homem de 32 anos de idade, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos compatível com o exercício da actividade habitual, mas que implica ligeiros esforços suplementares, e um quantum doloris de grau 4 numa escala crescente de 7 graus;
- no acórdão do STJ de 11/11/2020 (proc. nº. 16576/17.0T8PRT, relator Abrantes Geraldes), foi fixada uma indemnização de € 15.000,00 a um jovem de 19 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, um quantum doloris de grau 3 numa escala crescente de 7 graus, um dano estético de grau 3 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1, que ainda não exercia qualquer profissão.
Assim, ponderando as circunstâncias concretas do caso em apreço supra enunciadas e as referidas decisões jurisprudenciais - que se reportam a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica igual ou inferior àquele que é objecto da presente apelação, em que alguns lesados tinham idade inferior ou próxima da idade do Autor e em que algumas das repercussões permanentes na vida dos lesados eram idênticas às sofridas pelo Autor – e considerando, ainda, o critério e a linha de raciocínio seguida pelo Tribunal de 1ª instância para o cálculo da indemnização, afigura-se-nos que o valor indemnizatório fixado por aquele é ligeiramente excessivo e desajustado em relação aos elementos fácticos provados e carreados para os autos, considerando adequada, segundo as regras da equidade, a indemnização de € 38.000,00 a título de dano biológico, revogando-se nesta parte a sentença recorrida.
*
II) – Relativamente à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo Autor:

Resulta do disposto no artº. 496º, nºs 1 e 4 do Código Civil que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo Tribunal.
A indemnização por danos não patrimoniais, mais que ressarcir um dano, visa compensar o lesado com uma quantia pecuniária que represente um lenitivo que contrabalance as dores físicas e morais sofridas, insusceptíveis de avaliação pecuniária; ou seja, não podendo a indemnização anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.
Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos.
Será de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.
«Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, assumem particular significado e importância o chamado “quantum doloris”, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformações e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima, o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade”, aqui avultando o dano da dor e o défice do bem-estar, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e corte na expectativa de vida (...)» - vide acórdão da Relação de Lisboa de 26/04/2005, proc. nº. 4849/2004-5, disponível em www.dgsi.pt.
Como se refere no acórdão do STJ de 17/11/2021 (proc. nº. 3496/16.5T8FAR, relator Ferreira Lopes, disponível em www.dgsi.pt), «a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios. São de ponderar as circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e seu grau de risco, internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, a situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas de futuro» (vide também acórdão do STJ de 7/09/2020, proc. nº. 5466/15.1T8GMR, relator José Raínho, disponível em www.dgsi.pt).
No que se refere ao juízo de equidade, tem a jurisprudência entendido de modo uniforme que não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…”.
Finalmente, entende-se que a indemnização a fixar deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro (cfr. acórdãos do STJ de 6/07/2017, proc. nº. 344/12.9TBBAO, de 12/12/2013, proc. nº. 105/08.0TBRSD, de 16/02/2012, proc. nº. 1043/03.8TBMCN e de 7/06/2011, proc. nº. 160/2002, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso em apreço, os factos provados descritos nos pontos 9 a 23 e 27 que aqui damos por reproduzidos, importam para o Autor danos de natureza não patrimonial que merecem tutela jurídica.
O Autor peticionou a quantia de € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais.
No âmbito da factualidade apurada supra referida, basta atentarmos na natureza e gravidade das lesões sofridas pelo A., o facto deste ter 34 anos à data do acidente, as dores e o sofrimento sentidos aquando do acidente e nos períodos de tratamento e convalescença (e que ainda continua a sentir), o período de doença e de recuperação funcional no qual esteve incapacitado para o trabalho, as consultas e os exames médicos que teve de realizar, as sequelas de que ficou a padecer e a repercussão que tiveram (e continuam a ter) a nível pessoal, profissional, familiar e social, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos de que ficou a padecer, compatível com o exercício da sua actividade profissional de militar da GNR, mas que implica esforços suplementares, o quantum doloris de grau 3 numa escala de 1 a 7, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada no grau 3 e a repercussão permanente na actividade sexual fixada no grau 2, bem como o facto de, no futuro, necessitar de medicação analgésica a prescrever por médico assistente e de sessões de fisioterapia a prescrever por médico fisiatra, em duas consultas anuais e ainda de se ter tornado uma pessoa mais triste, irritando-se facilmente com os seus familiares em virtude das dores de que padece.
Sem questionar a gravidade das lesões e do sofrimento do Autor e ponderando todos os elementos apurados, o Tribunal “a quo” entendeu ser de arbitrar-lhe uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de € 10.000,00.
Pretende a recorrente, em função da matéria dada como provada e atendendo nomeadamente à gravidade do dano, sob o critério da equidade, que seja fixada uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor no montante de € 5.000,00, considerando a indemnização atribuída pelo Tribunal “a quo” exagerada, face aos danos sofridos.
No caso da indemnização por danos não patrimoniais, para além de se atender à equidade, não se deverá, ainda, desconsiderar, como é mencionado no acórdão do STJ de 17/11/2021 acima referido, que a fixação do quantum indemnizatório deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso.

Com efeito, a título exemplificativo, mencionamos as seguintes decisões jurisprudenciais a que já fizemos referência, aquando da fixação de indemnização pelo dano biológico, todas disponíveis em www.dgsi.pt:

- acórdão do STJ de 26/01/2021 (proc. nº. 688/18.6T8PVZ, relator Fernando Samões), que fixou em € 13.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a uma lesada com 55 anos de idade à data do acidente, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, sendo o quantum doloris fixável no grau 5;
- acórdão do STJ de 11/11/2020 (proc. nº. 16576/17.0T8PRT, relator Abrantes Geraldes), que fixou em € 17.500,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um jovem de 19 anos, que ainda não exercia qualquer profissão, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, um quantum doloris de grau 3 numa escala crescente de 7 graus, um dano estético de grau 3 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1;
- acórdão deste Tribunal da Relação de 28/10/2021 (proc. nº. 164/20.7T8PRG, relatora Margarida Almeida Fernandes), que fixou em € 10.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 35 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, um quantum doloris de grau 4 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1;
- acórdão deste Tribunal da Relação de 13/07/2021 (proc. nº. 1880/17.6T8VRL, relatora Ana Cristina Duarte), que fixou em € 20.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a uma lesada de 34 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, período de baixa médica de 9 meses, um quantum doloris de grau 4, sujeita a vários tratamentos e exames, com muitas sessões de fisioterapia e osteopatia e que ficou a padecer de cervicalgia crónica, que interfere com a sua vida profissional e social e com necessidade de medicação analgésica e/ou anti-inflamatória em momentos de crise.

Por outro lado, na sentença recorrida são mencionados vários arestos dos nossos tribunais superiores em que o Tribunal “a quo” se estribou para atribuir o montante indemnizatório supra referido, dos quais se destacam, a título exemplificativo, os seguintes, por terem alguma similitude com a situação dos presentes autos, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt:
Acórdão da RG de 04.05.2017 - processo n.º 1563/15.1T8GMR.G1) - refere que “Mostra-se adequada a indemnizar o A. que sofreu acidente de viação para o qual não contribuiu, a indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de 11.500,00, tendo em conta que o lesado esteve de baixa médica com incapacidade temporária absoluta durante 4 meses, tem dores quando está de pé ou quando permanece sentado durante muito tempo e quando faz esforços (ao levantar objetos pesados), sendo que, após algum esforço, as dores na coluna lombar e cervical tornam-se insuportáveis; é hoje uma pessoa agitada, nervosa, e insegura, que facilmente se irrita, o que não era antes do acidente, passou a exercer a atividade de forma dolorosa, apenas porque não tem outra forma de sustento, nos dias que se seguiram aos tratamentos, teve sempre muitas dores, tendo necessitado do auxílio dos familiares, até mesmo para se deslocar para a casa de banho e cuidar da sua higiene, vive angustiado e recorda frequentemente aquele dia fatídico, com desgosto de não poder exercer qualquer atividade como antes e de se ver limitado na sua mobilidade e nas suas capacidades motoras”, importando acrescentar que o autor tinha 27 anos à data do acidente, sofreu “como sequelas do acidente: Cervicalgias e Lombalgias; Hérnia discal mediana em L5-S1; Protusão discal circunferencial ocupando parcialmente o espaço epidural anterior; Limitação da mobilidade da coluna cervical pelas dores que provoca; Limitação da mobilidade da coluna lombar pelas dores que provoca; distância dedos – chão de 20 centímetros; dificuldades em permanecer sentado e principalmente quando faz esforços ou quando se mantém muito tempo de pé ou sentado”, e ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, com esforço suplementar para o exercício da atividade habitual;
Acórdão da RL de 09.01.2018 - processo n.º 1446/13.0TVLSB.L1-7 que, apurando que a autora “sofreu traumatismo da coluna cervical, traumatismo torácico anterior esquerdo provocado pelo cinto de segurança, traumatismo do membro superior esquerdo, altralgia do ombro esquerdo com irradiação ao membro superior, sem fraturas; sofreu dores cervicais e dores no ombro esquerdo; desde a alta hospitalar, a qual teve lugar no mesmo dia da colisão, a autora esteve retida na sua habitação e necessitou da ajuda de terceiros para a realização das tarefas domésticas durante 15 dias; desde a data da colisão e até 21/10/2009 a autora esteve numa situação de Incapacidade Total Absoluta para o trabalho; as lesões sofridas consideram-se consolidadas a partir de 13/11/2009; as dores são fixadas em grau 4 numa escala crescente entre 0 e 7; sofreu de Incapacidade Temporária Total durante 15 dias e o período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 146 dias; em consequência das lesões, a autora está afetada de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixado em 6 pontos, sendo tal incapacidade compatível com a atividade profissional habitualmente desenvolvida, mas implica a realização de esforços suplementares por parte da mesma; apresenta atualmente sintomatologia dolorosa na região cervical e no ombro esquerdo”, considerou que “todos os dados referidos – reflexos no bem-estar psíquico do défice funcional permanente, prejuízo de afirmação social da lesada que agora se vê impossibilitada de praticar várias atividade lúdicas e desportivas que antes ocupavam amplamente o seu tempo e de que tirava grande prazer, dores sofridas, grau de culpa, condição económica da lesada – julgamos que era adequada para o ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial, à data da propositura da ação, indemnização de € 12.000”.
Pelo exposto, ponderando a factualidade provada nos presentes autos, as circunstâncias concretas do caso em apreço supra enunciadas e as referidas decisões jurisprudenciais, recorrendo, ainda, ao juízo de equidade, consideramos justa e adequada a quantia de € 10.000,00 atribuída pelo Tribunal “a quo” ao Autor, como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, mantendo-se nesta parte a sentença recorrida.
Nestes termos, procede parcialmente o recurso interposto pela Ré.
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SUMÁRIO:

I) - A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
II) - O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
III) - A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas físicas, deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido.
IV) - A indemnização pelo dano biológico deve ser fixada com recurso à equidade nos termos do artº. 566º, nº. 3 do Código Civil, em função dos seguintes factores: idade do lesado e expectativa de vida, grau de incapacidade geral permanente, potencialidades de aumento de ganho na sua profissão ou em profissão alternativa aferidas em regra pelas suas qualificações, devendo o julgador ter igualmente em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares com vista a uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
V) - No que diz respeito ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, a justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida, devendo, por isso, ser calculada com referência ao tempo provável de vida do lesado (normalmente através da referência à esperança média de vida), e não com base na idade da reforma, posto que só assim se logrará reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
VI) - Tendo o lesado, à data do acidente, 34 anos de idade, ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na actividade profissional compatíveis com o exercício da sua actividade habitual, mas implicando esforços suplementares e que, no futuro, necessitará de medicação analgésica a prescrever por médico assistente e de sessões de fisioterapia a prescrever por médico fisiatra, em duas consultas anuais, considera-se justa e equitativa a quantia de € 38.000,00 a título de dano biológico.
VII) - A indemnização por danos não patrimoniais, mais que ressarcir um dano, visa compensar o lesado com uma quantia pecuniária que represente um lenitivo que contrabalance as dores físicas e morais sofridas, insusceptíveis de avaliação pecuniária; ou seja, não podendo a indemnização anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.
VIII) – Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos, sendo de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.
IX) - No que se refere ao juízo de equidade, não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
X) - No caso da indemnização por danos não patrimoniais, para além de se atender à equidade, não se deverá, ainda, desconsiderar, que a fixação do quantum indemnizatório deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adoptados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências de igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso.
XI) - Mostra-se adequada a indemnização atribuída ao lesado que sofreu acidente de viação para o qual não contribuiu, a título de danos não patrimoniais, no montante de 10.000,00, que na sequência do embate sofreu lombalgia pós-traumática, consultou um médico ortopedista, submeteu-se a uma ressonância magnética da coluna lombo-sagrada, sofreu os períodos de défice funcional temporário total de 1 dia, de défice funcional temporário parcial de 31 dias e de repercussão temporária na actividade profissional total de 32 dias, ficou com sequelas decorrentes da lesão causada pelo embate que determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, compatível com o exercício da sua actividade profissional, mas que implica esforços suplementares, com um quantum doloris de grau 3 numa escala de 1 a 7, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada no grau 3 e uma repercussão permanente na actividade sexual fixada no grau 2, que no futuro necessitará de medicação analgésica a prescrever por médico assistente e de sessões de fisioterapia a prescrever por médico fisiatra, em duas consultas anuais e que após o embate se tornou uma pessoa mais triste, irritando-se facilmente com os seus familiares em virtude das dores de que padece.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Ré X Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A. e, em consequência, revogam parcialmente a sentença recorrida, condenando a Ré Seguradora a pagar ao Autor A. C. a quantia de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico.
No mais, decide-se manter a sentença recorrida.

Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Guimarães, 28 de Abril de 2022
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

Maria Cristina Cerdeira (Relatora)
Raquel Baptista Tavares (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)