Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4353/17.3T8BRG-A.G1
Relator: RAQUEL TAVARES
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
FALTA DE CITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - São requisitos cumulativos do justo impedimento a não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes ou mandatários e a consequente impossibilidade de praticar o acto em tempo.

II – A falta de citação a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil ocorre quando a pessoa que devia ser citada não o é, verificando-se quanto a esta a falta de citação, por o citado não ser a pessoa que o autor indicou na petição inicial, não se confundindo o erro de identidade do citado com a citação em pessoa diversa do réu (cfr. artigo 228º n.º 2) e nem com a incorrecta identificação do réu na petição inicial.

III – Para que ocorra a falta de citação a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil é necessário que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto e que essa falta de conhecimento não lhe é imputável, permitindo-se ao citando demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação antes do termo do prazo da defesa”.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. RELATÓRIO

CAROLINA, residente no Lugar …, União das Freguesias do Vade, Vila Verde, na qualidade de legal representante da herança aberta por óbito de seu marido, José instaurou a acção de processo comum n.º 4353/17.3T8BRG, contra MARIA, residente na Travessa …, União das Freguesias do Vade, Vila Verde, na qualidade de legal e única representante da herança aberta por óbito de R. P., sua tia pré-falecida.
Em 11 de Setembro de 2017 foi enviada à Ré carta registada com aviso de recepção para citação.
O aviso de recepção foi assinado em 12/09/2017 por Manuel.

Em 15 de Setembro de 2017 foi ainda enviada à Ré carta advertindo que a citação não foi efectuada na sua pessoa, com cópia do referido aviso de recepção.

Em 23 de Outubro de 2017 a Ré apresentou no processo o requerimento comprovativo do pedido de concessão do benefício de apoio judiciário o qual se mostra datado de 10/10/2017.

Em 16 de Janeiro de 2018 a Autora veio requerer que fosse reconhecido que o prazo para deduzir contestação pela Ré fora ultrapassado, considerando-se os factos confessados, e em 24 de Janeiro de 2018 a Ré apresentou articulado de contestação, suscitando o justo impedimento.

Inconformada com o despacho proferido em 04 de Abril de 2018 que julgou não verificados os pressupostos para o invocado justo impedimento e indeferiu o requerido pela Ré, não a admitindo a praticar o acto em questão (apresentação do articulado de contestação) fora do prazo, veio a Ré interpor o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

CONCLUSÕES

A- A Recorrente, na sua 1ª intervenção processual, ou seja, no momento em que cessou o justo impedimento, invocou, na expressão legal esse impedimento e presentou o seu articulado de Contestação nestes autos.
B- Justificou o seu justo impedimento para apresentação em juízo daquela Contestação na data de 24-01-2018, enumerando os factos que não sendo imputáveis a si, nem à aqui Mandatária, designadamente aqueles que justificam o facto de a Recorrente não ter rececionado, nem ter tido conhecimento da Citação dos autos, nem na data que consta do aviso de receção, nem nos dias seguintes,
C- Mais alegou que a receção daquela Citação, foi feita na pessoa do seu filho, Manuel, que padece, segundo relatório de avaliação psiquiátrica de “quociente cognitivo inferior (QI escala completa 78) conducente ao diagnóstico de défice cognitivo, revelador de elevada limitação no raciocínio abstrato e fluência verbal, reduzida atenção aos materiais verbais e elevado comprometimento da função da memória e compreensão.”
D- Na tarefa de fundamentação e prova do incidente de justo impedimento, a Recorrente alegou que apenas se apercebeu da existência da Citação preconizada no dia 23-10-2017, quando reparou que uma carta já aberta se encontrava caída junto de um móvel da sua habitação.
E- Questionou o seu filho sobre a existência daquela carta e este respondeu, enganando-a, que a tinha recebido na passada sexta-feira do dia 20-10-2017.
F- No dia 23-10-2017, a Recorrente, aflita, requereu apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de patrono, e deu conhecimento aos autos, com a entrega do comprovativo no processo, nesse mesmo dia.
G- A Recorrente aguardou lhe fosse atribuído advogado, através do pedido de apoio judiciário deduzido, para assegurar a sua defesa nos presentes autos, contudo desde a data da entrega do requerimento de proteção jurídica – 23-10-2017 e a data em que procurou a Signatária para lhe assegurar o direito de Contestação na ação – dia 24-01-2018, nenhuma decisão sobre a concessão do apoio judiciário foi promanada, estando assim, entre aquelas datas, a Recorrente impedida de assegurar a sua defesa.
H- A Contestação deu entrada nos autos, via Citius, no dia 24-1-2018, concomitantemente à invocação do justo impedimento nos termos do disposto no art. 140º, nº1 e 3 do CPC.
I- Por decisão proferida pelo Exmo. Senhor Juiz do Tribunal a quo, o mesmo tendo apreciado os fundamentos do justo impedimento invocado, julgou o incidente indeferido, e consequentemente, julgou ser a apresentação da Contestação, extemporânea, não a recebendo.
J- Não se conformando com a decisão proferida a Recorrente assenta a sua argumentação no facto de a assinatura aposta no AR junto aos autos a fls…, ter sido feita pelo seu filho, Manuel.
K- Desse Aviso de Receção consta que essa citação foi feita na pessoa do seu filho em 12-09-2017, e uma vez que a citação não foi assinada na própria pessoa, àquele prazo acresceu uma dilação de 5 dias, terminando o prazo de contestação em 17-10-2017.
L- A Recorrente apenas tomou conhecimento da referida Citação em sua casa apenas no dia 23 de outubro de 2017, quando verificou que uma carta, já violada e aberta se encontrava caída perto de um móvel.
M- O seu filho Manuel, como redito, padece de doença psiquiátrica – quociente cognitivo inferior (QI escala completa 78) conducente ao diagnóstico de défice cognitivo, revelador de elevada limitação no raciocínio abstrato e fluência verbal, reduzida atenção aos materiais verbais e elevado comprometimento da função da memória e compreensão.
N- Doença, que lhe retirou a razão, a memória e o entendimento e alcance da realidade.
O- A Citação remetida à aqui Recorrente, foi pelo distribuidor postal entregue a terceiro – seu filho Manuel, que padece da doença supramencionada e melhor explicitada no relatório clínico junto.
P- É entendimento da Recorrente que o distribuidor postal, pese embora lhe tenha confiado essa entrega postal, não aferiu, como lhe é exigido, se o filho da Recorrente possuía a razão necessária para entender e perceber a importância do desiderato de entrega da Citação ora em crise.
Q- A Recorrente aponta por isso uma falha imputável ao distribuidor postal que deveria ter aferido com, pelo menos, a diligência da capacidade do homem médio - no momento da entrega do correio que anunciava a instauração da presente ação – da capacidade de entender e a razão do recetor do correio,
R- Recusando-se à entrega da Citação, lavrando o acontecimento.
S- A Recorrente, no dia 23-10-2017, altura em que soube da existência da citação, prontamente requereu apoio judiciário para a nomeação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
T- Processo administrativo de concessão de apoio judiciário até ao dia 31-1-2018 não tinha promanado qualquer decisão de atribuição de advogado.
U- Em face da falta de resposta também da Segurança Social quanto à atribuição de advogado, a Recorrente contactou o escritório da Signatária, e esta, oferecendo a Contestação, invocou o justo impedimento, oferendo prova documental e testemunhal, quanto a esse incidente, no dia 24-1-2018.
V- Não foi produzida a prova requerida testemunhal, nem fundamentado qualquer motivo para que a mesma fosse preterida.
W- Sendo que, salvo melhor opinião, a decisão proferida deve ser revogada e substituída por outra que determine a produção de prova requerida.
X- Na senda do vindo de referir, é nítido que a Recorrente se manteve sem culpa, no desconhecimento da propositura da presente ação, porque o ato de Citação foi praticado na pessoa de terceiro, seu filho, que não reúne as capacidades nem razão para alcançar a advertência que há-de ter-lhe sido feita pelo distribuidor postal – art. 225º,nº4, 228º,nº1, 2 e 4 e do CPC.
Y- A Ré ainda invocou a falta de citação, prevista e sancionada nos termos do art. 188º, nº 1, alíneas b) e e) do CPC, porquanto, em primeiro lugar, na identificação da Ré, a Autora chama-lhe Maria S., quando na verdade o seu nome é MARIA, como bem sabe, por se tratar da sua Mãe, motivo pelo qual, se a Ré se tivesse apercebido desse facto, não teria recebido tal citação,
Z- Que não foi valorada no douto Despacho de que se recorre, incorrendo no vício da nulidade, por omissão de pronúncia, gerando a nulidade nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC.
AA- Esta situação, concatenada com o facto de ter sido recebida por terceiro sem capacidade ou razão para a receber, demonstra que da Citação a Ré não chegou a ter conhecimento do ato, sem que esse facto lhe seja imputável, porquanto, o recetor do seu correio, não detinha as capacidades ou faculdades necessárias para discernir da importância do ato processual que recebeu.
BB- Como sobredito, desde a data que a citação foi assinada pelo seu filho, no dia 12-09-2017, a Ré, sem culpa, desconhecia essa citação.
CC- Analisando o ato de citação, citação de pessoa singular é feita, assim, por meio de carta registada com aviso de receção para o endereço do citando e ainda deve integrar a advertência, quando entregue a terceiro que a receba, que a não entrega ao citando logo que possível, fá-lo incorrer em responsabilidade, nos termos equiparados aos de litigância de má fé, atento o disposto no nº 1 in finne do art. 228º do CPC.
DD- Na ausência do citando, a carta pode ser entregue ao terceiro que a receba e que declare mostrar-se em condições de efetivar a entrega ao citando – Cf. Art. 228º,nº 2 do CPC.
EE- A citação quase pessoal, que é a que nos ocupa no caso sub judice, foi feita na pessoa de terceiro, seu filho, maior, que se encontrava do domicílio da Ré, que deveria ser dotado de razão, mas que infelizmente não a tem.
FF- A Ré não tomou conhecimento dentro do prazo de que correria contra si uma ação judicial, pois que obviamente a contestaria, atentos os pedidos nela avocados.
GG- Mal terminou o impedimento, ou seja, a ausência do conhecimento de que foi citada da instauração de ação judicial instaurada contra si, através da descoberta da citação no dia 23-10-2017, a Recorrente diligenciou prontamente no sentido de recuperar esse seu direito.
HH- A decisão de que se decorre, apesar de se debruçar sobre a matéria de facto carreada aos autos, não diligenciou sobre a necessária produção de prova quanto ao incidente de justo impedimento.
II- Apesar de a Recorrente ter junto aos autos um relatório da especialidade de psiquiatria onde atesta que o filho da Ré – recetor de um ato de citação – padece do diagnóstico de quociente cognitivo inferior (QI escala completa 78) conducente ao diagnóstico de défice cognitivo, revelador de elevada limitação no raciocínio abstrato e fluência verbal, reduzida atenção aos materiais verbais e elevado comprometimento da função da memória e compreensão.”
JJ- Podia e deveria ter requisitado a demais produção de prova testemunhal, de que a Recorrente lançou mão para sustentar e fundamentar o invocado justo impedimento, como se segue:

Testemunhal:

2. No que se reporta à invocação do Justo Impedimento:

MANUEL, residente na Travessa … Vila Verde;
ROSA, residente na Travessa … Vila Verde
KK- De facto, apesar de o Tribunal a quo, apenas se ter debruçado sobre a responsabilidade parental atribuída à Mãe, aqui Recorrente, no seu cargo de vigilância sobre o seu filho, atento o seu problema de saúde, na verdade, tudo seria mais fácil se as respostas sociais ao problema do filho fossem contempladas pelo sistema de previdência social, que em nada tem colaborado com esta Família, que convive com este problema há anos, sem qualquer apoio social, a não ser uma pensão de invalidez – Cf. Doc. nº 1, que se junta, nos termos do disposto no art. 651º CPC.
LL- Contudo essa responsabilidade não pode ser apenas e tão só assacada à Recorrente no ato de citação de que tratamos neste recurso.
MM- Acontece que também sobre o distribuidor postal impendem deveres decorrentes também do princípio da segurança jurídica, que não foram diligenciados.
NN- A citação constitui um ato de crucial importância no processo, pois é, conforme dispõe o artigo 228º, nº 1, CPC, o ato através do qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender, estando-lhe ainda associados inúmeros outros importantes efeitos.
OO- No caso vertente, está em causa o direito de defesa da R., consistente na faculdade de impugnar o direito de que o A. se arroga titular e contra ele deduzir exceções; trata-se de uma manifestação do princípio do contraditório, um dos princípios basilares do processo civil.
PP- Consciente da importância do ato de citação, o legislador rodeou a citação postal de grandes cautelas, a fim de lhe conferir a necessária fiabilidade.
QQ- O valor da citação postal está previsto no artigo 230º, nº 1, CPC, «a citação postal efetuada ao abrigo do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário» (não sublinhado no original).
RR- É neste quadro normativo que deve ser equacionada a problemática da validade da citação na pessoa de um filho da Recorrente, uma vez que o aviso de receção foi assinado por esse filho que padece de doença do foro psiquiátrico que lhe retirou a capacidade de entender e de memória.
SS- Com efeito, apenas se se considerar válida esta citação é que poderá funcionar a presunção consagrada no artigo 230º, nº 1, CPC, de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, caso em que caberá ao apelante ilidir essa presunção.
TT- Discordamos deste entendimento, desde logo pela insegurança que é suscetível de gerar, para além de contrariar o regime legal da incapacidade e da própria citação.
UU- Com efeito, no que ao ato de citação concerne, estabelece o artigo 223º, nº 1, CPC, que os incapazes são citados ou notificados na pessoa do seu representante legal.
VV- Por outro lado, o incapaz não pode ser responsabilizado como litigante de má fé em caso de não entregar prontamente a carta de citação ao destinatário (cfr. 228º, nº 1, CPC), atenta a sua incapacidade.
WW- Assim, tendo a carta sido entregue a um incapaz, não é possível fazer funcionar a presunção de que a carta foi entregue ao seu destinatário (artigo 230º CPC), não se podendo considerar a citação efetuada.
XX- E não havendo presunção legal de recebimento, o destinatário da citação pessoal não tem que demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação (cfr. artigo 195º, nº 1 e 2, CPC).
YY- Assim, estamos em crer, salvo o devido respeito que o tribunal recorrido não valorou como devido a factualidade vertida na invocação do justo impedimento.
ZZ- Alias como sobredito, o tribunal recorrido, tendo tomado conhecimento da fundamentação elencada ao justo impedimento invocado, deveria proceder à necessária produção de prova, como foi requerido, por quem incumbia a prova do facto impeditivo do direito de contestar a ação dos autos.
AAA- Atenta a decisão vertida, e de que se recorre, o tribunal ancorou-se no critério estabelecido no art. 487º,nº 2 do Código Civil, que estabelece que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência do bom pai de família.
BBB- Pese embora a escolha judicial por tal aplicação, é do nosso entender, salvo melhor opinião, que o Tribunal recorrido deveria ter investigado e promovido as diligências necessárias para que, estando dotado delas, pudesse decidir sem o recurso ao critério geral da apreciação da culpa através do comando da diligência do bom pai de família,
CCC- Até porque, em concreto se demonstra, que não existe qualquer culpa que se possa atribuir à Recorrente, em face de o distribuidor postal, ter tido por assente que o terceiro que estava a receber a Citação, detinha as capacidades necessárias para promover o cumprimento da entrega ao real destinatário.
DDD- Assim, incumbia ao Tribunal ter em consideração todas as provas que foram indicadas para o conhecimento e prova do justo impedimento invocado pela Recorrente.
EEE- Como se alegou e comprovou, o filho da Ré não possui essas capacidades, aliás notoriamente, e percetível até pelo discurso desordenado que emanada, e em resultado dessa falta de capacidade de entender, manteve a Recorrente no desconhecimento sobre o recebimento da Citação, desde a data em que assinou o aviso de receção e a data em que a Ré descobriu essa carta na sua habitação.
FFF- A Recorrente é uma pessoa diligente nas suas tarefas de cuidadora e de assistência ao seu filho, promovendo como pode, todas as diligências para minorar quaisquer prejuízos que este possa causar.
GGG- O justo impedimento invocado pela Recorrente, constitui o fundamento para que possa invocar que ultrapassou o prazo perentório, atenta a existência de uma circunstância justificativa que a impediu de praticar o ato dentro do prazo estabelecido.
HHH- A decisão proferida, deve por isso merecer reparo, salvo melhor opinião, porquanto não foi cumprida a produção de prova requerida pela Recorrente, designadamente a audição de testemunhas identificadas para fazer prova do incidente de justo impedimento invocado, estando por isso ferida de nulidade, o que expressamente se invoca.
III- Além disso a Recorrente arguiu a falta de citação, nos termos do disposto no disposto no art. 188º, nº 1 alíneas b) e e) do CPC, com a cominação da sua nulidade, e a consequente nulidade de todo o processado depois da petição inicial, o que se requer.
JJJ- De acordo com o acórdão da Relação de Guimarães, de 26.3.2015, disponível em www. Dgsi. Pt “ “ A nulidade da falta de citação tem de ser imediatamente arguida quando suscitada pelo citando logo que este tenha a 1ª intervenção, sob pena de se considerar sanada.”
KKK- Nos casos de citação realizada em pessoa diversa do citando, nos termos do art. 228º,nº2 do CPC, a circunstancia de a lei determinar que esta citação, se considera efetuada no dia em que se encontra assinado o aviso de receção e na própria pessoa citando, determina que o prazo da contestação se inicie nesse momento.
LLL- A Recorrente justificou nos autos, aquando da sua 1ª intervenção que não teve conhecimento de tal citação, por facto que não lhe é imputável, nos termos do predito art. 188º,nº1, e) do CPC.
MMM- A Recorrente ilidiu assim a presunção fixada na parte final do art. 230º, nº 1, certificando que não teve conhecimento dessa citação, pelos motivos que acima se elencaram.
NNN- Consequentemente, deveria a decisão recorrida ter verificado julgado e deferido o justo impedimento invocado, nos termos dos art. 140º, nº 1 e 3 do CPC,
OOO- E consequentemente ter admitido o articulado de Contestação.
PPP- Ao decidir contrariamente ao pronto procedente, o tribunal violou o disposto nos art. 140,º 1 e 3 do CPC.
QQQ- Quanto á invocada nulidade da citação, por erro na identificação da pessoa da Ré, arguida nos termos do disposto na alínea b) do art. 188º do CPC, incorreu a decisão proferida em omissão de pronúncia, sancionável com a correspetiva nulidade.
RRR- Ao não produzir prova do incidente de justo impedimento, talqualmente aquela aventada pela Recorrente, o Tribunal recorrido, absteve-se de conhecer outros elementos probatórios que lhe permitam decidir para além do comando legal do critério de diligência do bom pai de família, ferindo a redita sentença de nulidade, que deve ser decretada, o que se requer”.

Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso e consequentemente pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que admita o justo impedimento invocado ou se proceda a produção de prova em audiência de discussão e julgamento para a aferição da existência do justo impedimento e em consequência, seja admitido o articulado de Contestação apresentado nos autos.
A Autora apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:

1 - Saber se o despacho recorrido é nulo nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615° do Código de Processo Civil, por omissão de pronuncia;
2 - Saber se os factos alegados pela Ré permitem julgar verificado o “justo impedimento” nos termos previstos no artigo 140º n.º 1 do Código de Processo Civil;
3 – Saber se existe falta de citação da Ré por erro de identidade do citado ou por não ter tido conhecimento da citação por facto que não lhe seja imputável, nos termos do disposto nas alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1 Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

A Recorrente vem arguir a nulidade da decisão recorrida com fundamento na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil por entender que a decisão recorrida não de pronunciou sobre todas as questões por si suscitadas, designadamente sobre a falta de citação por erro de identidade do citado e por não ter tido conhecimento da citação por facto que não lhe seja imputável, nos termos do disposto nas alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil.

O artigo 615º do Código de Processo Civil prevê de forma taxativa as causas de nulidade da sentença.

Assim, dispõe o n.º 1 deste preceito que:

“1- É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

A nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º prende-se com a omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou com o excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).

As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.

A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há de assim resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

Da análise do articulado de contestação onde começou por deduzir o incidente do justo impedimento constata-se que a Ré invocou a questão da falta de citação requerendo a final que seja verificado e provado o justo impedimento por si invocado, bem como a falta de citação nos termos do artigo 188º n.º 1 alínea b) e e) do Código de Processo Civil.

Analisado o despacho proferido pelo tribunal a quo verificamos que o mesmo aborda a questão do justo impedimento, cujos pressupostos julgou não verificados, mas não se pronunciou sobre a invocada falta de citação.

Tal omissão determina a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Processo Civil, mas tal não impede que se conheça do objecto da apelação conforme decorre do n.º 1 do artigo 665º, que consagra a regra da substituição ao tribunal recorrido, procedendo-se ao conhecimento da referida questão, a qual é também questão suscitada na presente apelação, o que se fará adiante.
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3.2. Da verificação do “justo impedimento”

Face à questão a decidir importa indagar se os factos alegados pela Ré são susceptíveis de integrarem o conceito legal de “justo impedimento”, tal como definido no artigo 140º n.º do Código de Processo Civil.
Relembra-se aqui o teor do despacho recorrido:

Incidente de justo impedimento requerido pela Ré na sua contestação:

Com vista a fundamentar uma alegada situação de justo impedimento veio a Ré invocar que a carta de citação para a presente acção foi recebida pelo seu filho Manuel, que padece de doença psiquiátrica que lhe retirou a razão, a memória e o entendimento da obrigação de lhe entregar a respectiva carta.
Uma vez que apenas teve conhecimento da citação em 23-10-2017, só nesse dia pôde requerer apoio judiciário com vista à nomeação de patrono, tendo-o comprovado nos autos no dia seguinte.
Juntou para o efeito um relatório de avaliação psicológica do seu filho (fls. 112).
Notificada, a Ré pronunciou-se pelo indeferimento do justo impedimento, nos termos constantes do requerimento de 15-03-2018.
Cumpre decidir.

É considerado justo impedimento o evento não imputável à parte que obste à prática atempada do acto (art. 140º nº 1 do C.P.C.).
O instituto do justo impedimento centra-se, assim, “na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes ou mandatários” (António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, Almedina, Lisboa, 1998, p. 87), relevando-se para a sua verificação a inexistência de culpa no incumprimento do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no n.º 2 do art.º 487.º do C. Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência (neste sentido, cfr. o Ac. da RG, de 12.11.2015, Proc. nº 56/04.7TCGMR-A.G1,in www.dgsi.pt/jtrg).
No caso em apreço, desde já se adianta que os factos alegados pela Ré não podem considerar-se não imputáveis à sua pessoa, mas antes que são resultantes de negligência sua.

Na verdade, se de facto a carta para citação foi recebida pelo seu filho (que, segundo o relatório de avaliação psicológica junto a fls. 112, apresenta um nível de funcionamento cognitivo global inferior e um défice cognitivo) que viverá consigo na mesma residência, caber-lhe-ia diligenciar no sentido de obstar a que o mesmo pudesse receber correspondência, alertando-o para o não fazer ou impedindo-o por qualquer forma de assumir a prática de um acto com tais responsabilidades.

A Ré, conhecedora das alegadas limitações e menores competências do seu filho, deveria assim ter antecipado as consequências de ter possibilitado que o mesmo recebesse a carta de citação, diligenciando nesse sentido. Mesmo que o não conseguisse, deveria verificar diariamente junto do seu filho das cartas pelo mesmo recepcionadas a fim de evitar consequências derivadas, nomeadamente, no não cumprimento de prazos (o que poderia suceder frequentemente não só com correspondência do tribunal, como também com o pagamento de contas, etc.).
Não tendo agido dessa forma, não assumiu uma conduta com a diligência que era devida, sendo-lhe por isso imputável a não entrega atempada da carta que lhe era destinada e dirigida.
A não se entender assim, então estaria encontrado o meio de evitar o cumprimento de obrigações e defraudar o objectivo, em concreto, dos prazos peremptórios, cujo decurso preclude o direito de praticar o acto, por inércia ou negligência da parte. Tal constituiria um entrave à realização da justiça, ao célere andamento dos processos e ao acesso ao direito.

Defende, ainda, a Ré que era exigido ao distribuidor postal que aferisse da alegada deficiência psíquica do seu filho. Porém, é manifesto que estas competências não podem ser atribuídas a um simples distribuidor postal, podendo quanto muito admitir-se que (tal como sucede com os funcionários judiciais e os agentes de execução nas situações previstas no art. 234º nº 1 do C.P.C.) aquele concluísse pela impossibilidade de recepção da correspondência mas apenas em situações de notória anomalia psíquica, situação que não é compaginável com a descrita no requerimento em apreço.

Por fim, refira-se que o documento junto pela Ré a que já fizemos referência não constitui um atestado médico da especialidade de psiquiatria, mas apenas um relatório de avaliação psicológica. Não demonstra, assim, a existência de uma qualquer doença de que padeça o seu filho, nem muito menos a doença psiquiátrica alegada pela Ré, não podendo assim sustentar a descrita falta de capacidade para entender a alcançar a importância da entrega da correspondência à sua destinatária.

Nesta conformidade, não se encontram verificados os pressupostos para o invocado justo impedimento (no mesmo sentido, versando sobre uma situação de facto similar, cfr. o recentíssimo Ac. da RG, de 18-01-2018, Proc. nº 6018/16.4T8GMR-B.G1, in www.dgsi.pt/jtrg).
Pelo exposto, decide-se indeferir o requerido, não se admitindo a Ré a praticar o acto em questão fora do prazo.
Notifique”.

Apreciemos então a questão, sendo que as incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório.
O justo impedimento vem regulado actualmente no artigo 140º do Código de Processo Civil, que prevê no seu n.º 1 que se considera “justo impedimento” o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
Conforme preceitua o artigo 139º do mesmo diploma os prazos são dilatórios ou peremptórios, sendo que estes fazem extinguir o direito de praticar o acto, podendo ainda o acto ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento (n.º 4).
A lei veio assim consagrar mecanismos excepcionais que permitem “atenuar a rigidez dos prazos, bem como o efeito preclusivo inevitavelmente associado ao seu esgotamento”, possibilitando a salvaguarda de direitos que de outro modo ficariam irremediavelmente afectados (cfr. o Acórdão desta Relação de Guimarães de 18/01/2018, disponível em www.dgsi.pt, citado no despacho recorrido).

O actual do artigo 140º reproduz o anterior artigo 146º na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.
Mas na redacção inicial do artigo 146º do Código de Processo Civil de 1961 constava que se considerava “justo impedimento” o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário.

Já Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 2º, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1945, página 71 e seguintes) referia que os requisitos do justo impedimento seriam que o evento fosse imprevisto, estranho à vontade da parte e que determinasse a impossibilidade desta praticar o acto por si ou por mandatário e que na base do conceito legal estava ideia de que o interessado não podia colocar-se ao abrigo do justo impedimento quando tenha havido da sua parte negligência ou imprevidência (“se o evento era susceptível de previsão e a parte não se acautelou contra ele, sibi imputet”), o que deveria ser exigido às partes é que “procedam com diligência normal; não é razoável exigir-se que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais. Tudo aquilo que excede os limites das previsões normais, tudo aquilo com que não pode razoavelmente contar-se, deve considerar-se “evento imprevisto”.

O Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro veio alterar a redacção do artigo 146º e no seu preâmbulo consta que com a nova redacção o legislador visou flexibilizar a definição conceitual do “justo impedimento” possibilitando à jurisprudência uma “elaboração, densificação e concretização centradas essencialmente na ideia da culpa”, exigindo-se às partes que procedam com a diligência normal e não sendo de exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais; procurou-se, segundo Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, Almedina, Lisboa, 1998, página 87) atenuar “a rigidez do anterior sistema de invocação e aceitação do justo impedimento, assente no princípio da imprevisibilidade e da impossibilidade de prática dos actos, centrando agora o instituto na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes ou mandatários”.

Segundo José Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, Coimbra Editora, 1999, página 2257) à “luz do novo conceito basta para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção (…) Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: cfr. art. 800-1 CC) (…) cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa”.

Em comentário ao preceito escreve a este propósito Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2004, página 154) que o legislador passou a colocar no cerne da figura, a existência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu representante, do facto que causa a ultrapassagem do prazo peremptório, o que deverá ser apreciado segundo o critério definido no artigo 487º, n.º 2, do Código Civil, “sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas”.

Como se pode ler no recente Acórdão da Relação do Porto de 05/03/2018 (disponível em www.dgsi.pt) “a aferição dos pressupostos do “justo impedimento” envolve um ‘juízo de censura’ em cuja avaliação não podemos prescindir do critério enunciado no n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil, de acordo com o qual a culpa é o não cumprimento de um dever jurídico: o dever de diligência, de conteúdo indeterminado, mas determinável em cada situação concreta: «a diligência juridicamente devida é a que teria um bom pai de família colocado nas circunstâncias concretas em que se encontrava o agente” (neste sentido também o citado Acórdão desta Relação de 18/01/2018, em cujo sumário consta que: “No juízo de «não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes» a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal teria em face do condicionalismo próprio do caso concreto (art. 487º, nº 2 do C.C.)”.

Pensamos que os considerandos tecidos para o artigo 146º, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, e a densificação e aplicação do conceito que foram sendo efectuadas mantêm actualidade à luz do artigo 140º do actual Código de Processo Civil.

São, assim, requisitos cumulativos do justo impedimento a não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes ou mandatários e a consequente impossibilidade de praticar o ato em tempo (cfr. entre outros os Acórdãos da Relação do Porto de 22/11/2016, 08/11/2017, da Relação de Coimbra de 30/06/2015 e desta Relação de 18/01/2018, todos disponíveis em www.dgsi.pt), permanecendo fora do conceito do justo impedimento os “atrasos, omissões, ou quaisquer outros factos decorrentes de negligência da parte, do mandatário ou dos seus auxiliares ou subordinados”.

Ora, no caso concreto a Ré veio alegar como fundamento do invocado justo impedimento que a carta de citação foi recebida pelo seu filho Manuel, que padece de doença psiquiátrica que lhe retirou a razão, a memória e o entendimento da obrigação de lhe entregar a respectiva carta e que apenas teve conhecimento da citação em 23/10/2017; que nessa data requereu apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de patrono, e deu conhecimento aos autos, com a entrega do comprovativo no processo, nesse mesmo dia, aguardando que lhe fosse atribuído advogado, o que não aconteceu até 24/01/2018, data em que apresentou a sua contestação invocando o justo impedimento.

É incontroverso nos autos que a carta de citação foi recebida por Manuel conforme ressalta do aviso de recepção junto aos autos, que a Ré requereu apoio judiciário em 23/10/2017, dando conhecimento nesse dia aos autos e que a contestação foi apresentada em 24/01/2018 com invocação do justo impedimento; também é inquestionável que, a não ser que se possa julgar verificado o justo impedimento, a junção aos autos a do requerimento do apoio judiciário é já posterior ao decurso do prazo de que a Ré dispunha para apresentar a contestação.

Para prova dos factos por si alegados como fundamento do justo impedimento a Recorrente juntou um relatório de avaliação psicológica do seu filho e indicou prova testemunhal (o filho Manuel e ROSA) a cuja audição, em seu entender, o tribunal a quo deveria ter procedido antes de proferir decisão (sendo certo que a Recorrente apenas estas indicou para o incidente do justo impedimento, separando aliás de forma expressa a indicação da prova testemunhal).

Do referido relatório consta que o filho Manuel foi encaminhado para uma avaliação de Quociente de Inteligência (QI) e, nas conclusões gerais, que “o Sr. Manuel apresenta um funcionamento cognitivo global inferior (QI escala completa 78) comparativamente aos indivíduos da sua idade” e que os baixos resultados apresentados num vasto leque de provas do funcionamento verbal e não verbal traduzem um défice cognitivo.

Refere a Recorrente que “pelos motivos óbvios” o depoimento do seu filho Manuel estaria afastado, mas o da referida Rosa, que alega ser sua filha e residir também consigo (ainda que analisado o requerimento apresentado para concessão do apoio judiciário sejam aí identificados como filhos apenas Manuel e Sílvia), seria fundamental para a anomalia de que padece o irmão e das dificuldades que a família encontra ao nível das respostas sociais.
Não cremos contudo que lhe assista razão, não se revelando a audição da testemunha essencial à decisão a proferir considerando que o défice cognitivo se mostra atestado no referido relatório e que as dificuldades de resposta que a família encontra ao nível das respostas sociais extravasam o âmbito do incidente do justo impedimento.

É que, o que está em causa apurar é se a Ré agiu com a diligência que era devida, e se lhe é ou não imputável a não entrega atempada da carta que lhe era destinada e dirigida.
E, salvo o devido respeito por opinião contrária, temos de concordar com o tribunal a quo quando refere que caberia à Ré “diligenciar no sentido de obstar a que o mesmo pudesse receber correspondência, alertando-o para o não fazer ou impedindo-o por qualquer forma de assumir a prática de um acto com tais responsabilidades”.

De facto, A Ré, conhecedora da situação do filho e do défice cognitivo de que padece sempre deveria assim ter antecipado a possibilidade que o mesmo recebesse a correspondência e ter diligenciado no sentido de a tal obstar ou, considerando que o filho apresenta um funcionamento cognitivo global inferior, mas um “QI escala completa 78” segundo a WAIS (Escala de Inteligência de Wechsler para adultos) pelo menos ter o cuidado de verificar diariamente e junto daquele se recepcionou alguma carta, para o que, além do mais, pode contar ainda com sua filha Rosa que consigo também habita, e que será também interessada em assegurar a recepção das cartas que lhe são dirigidas.

Mas na verdade a Ré limitou-se a alegar o problema do seu filho sem que tenha mencionado qualquer atitude da sua parte que permitisse obstar à recepção da correspondência por parte daquele ou à falta de entrega da correspondência recepcionada, designadamente que tivesse diariamente sindicado junto do mesmo se recebera correspondência e lembrando-lhe, em caso afirmativo, a sua entrega.

Não tendo agido dessa forma, ou pelo menos nada tendo alegado nesse sentido, que permitisse concluir por uma conduta diligente da sua parte temos de concluir da mesma forma que em 1ª Instância que lhe é imputável a não entrega atempada da carta que lhe era destinada e dirigida.

A isto acresce que o tribunal não enviou apenas uma carta à Recorrente: em 11 de Setembro de 2017 foi enviada à Ré carta registada com aviso de recepção para citação, o aviso de recepção foi assinado em 12/09/2017 e em 15 de Setembro de 2017 foi ainda enviada à Ré uma outra carta advertindo que a citação não foi efectuada na sua pessoa, com cópia do referido aviso de recepção.
Ora, quanto a esta última carta a Ré nada refere, sendo certo que a mesma foi também enviada para a sua residência e que na mesma se fazia referência à citação efectuada com cópia do aviso de recepção.

Para afastar a sua responsabilidade a Recorrente aponta a falha do distribuidor postal que deveria ter aferido com a diligência da capacidade do homem médio a capacidade do receptor do correio recusando a entrega da carta de citação, lavrando nota do acontecimento.

Conforme bem se refere no despacho recorrido não será de atribuir a um simples distribuidor postal a competência para aferir da incapacidade ou deficiência mental, sendo certo que segundo a diligência de um homem médio poderá admitir-se que não devesse proceder à entrega, concluindo pela impossibilidade de receber a correspondência, na hipótese de notória anomalia psíquica, como determina aliás o artigo 234º n.º 1 do Código de Processo Civil para os funcionários judiciais e os agentes de execução; ora, não é essa a situação descrita pela Ré quanto ao seu filho que, em conformidade com o relatório que juntou apresenta um funcionamento cognitivo global inferior, com um “QI” de 78 segundo a WAIS (Escala de Inteligência de Wechsler para adultos).

Em conclusão, e como supra referimos são requisitos cumulativos do justo impedimento a não imputabilidade do evento à Ré e a consequente impossibilidade de praticar o ato em tempo, não contemplando o justo impedimento os casos em que o atraso decorra de falta de diligência da parte.

No caso concreto não se mostraria assim verificado o requisito da não imputabilidade do evento à Ré pelo que, nunca seria de julgar verificado o justo impedimento.
De todo o modo, não pode corresponder à verdade, conforme bem aponta a Recorrida, que a Ré apenas tenha tomado conhecimento da existência da citação no dia 23/10/2017 nos termos por si alegados, quando reparou que uma carta já aberta se encontrava caída junto de um móvel da sua habitação, e nem que “aflita” tenha requerido o apoio judiciário também no dia 23/10/2017; é que o requerimento de apoio judiciário que apresentou tem a data de 10/10/2017 e nele se mostra devidamente identificado o número da acção a contestar e o tribunal onde a mesma se encontrava a correr, pelo que nessa data (10/10) tinha já a Recorrente necessariamente conhecimento da acção que pretendia contestar.

Ora, o prazo para a Ré contestar terminou a 17/10/2017 e a mesma juntou aos autos o requerimento de protecção jurídica em 23/10/2017; considerando que em 10/10/2017 já tinha afinal conhecimento da acção também nem sequer se poderia falar em justo impedimento uma vez que bastava à Ré apresentar nos autos o requerimento comprovativo de ter pedido apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, o que interromperia o prazo da contestação ainda em curso, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004, de 29/7 (com a redacção introduzida pela Lei nº 47/2007, de 28/8).
Improcede pois nesta parte o recurso.
***
3.3. Da falta de citação

A Recorrente invoca ainda a falta da sua citação por erro de identidade do citado ou por não ter tido conhecimento da citação por facto que não lhe seja imputável, nos termos do disposto nas alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil.

Conforme decorre do disposto no artigo 219º n.º 1 do Código de Processo Civil a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender ou, ainda, para fazer intervir no processo, pela primeira vez, alguma pessoa interessada na causa.

Por outro lado, a citação de pessoas singulares é pessoal ou edital (artigo 225º, n.º 1 do Código de Processo Civil) sendo que a citação pessoal pode ser feita, no que aqui nos interessa, mediante a entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

Quanto à citação pessoal por via postal, preceitua o n.º 1 do artigo 228º do mesmo Código que a citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados à litigância de má-fé; e a citação efectuada ao abrigo do artigo 228º, considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (artigo 230º n.º 1). O artigo 188º n.º 1 do Código de Processo Civil esclarece os casos em que se verifica falta de citação e que são, no que aqui agora releva, o erro de identidade do citado e quando se demonstre que o destinatário não chegou a ter conhecimento do acto por facto que não lhe seja imputável.

A Recorrente invoca efectivamente o erro de identidade dizendo que a acção mostra-se instaurada contra Maria S. e que o seu nome é MARIA.

Mas, não lhe assiste razão ao pretender que se verifica falta de citação pois que não está em causa qualquer equívoco ou erro de identidade da Ré: esta é a pessoa contra quem a Autora instaurou a acção e a pessoa que havia que ser citada, sendo que a carta foi dirigida para a residência da Ré.
O que a Ré alega consubstancia uma incorrecta identificação e não erro de identidade.
O erro de identidade do citado só ocorre quando a pessoa que devia ser citada não o é, verificando-se quanto a ela a falta de citação, sendo que o citado não é a pessoa que o autor indicou na petição inicial. Este erro não se confunde com a citação em pessoa diversa do réu (cfr. artigo 228º n.º 2) e nem com a incorrecta identificação do réu na petição inicial.
Não se verifica por isso o alegado erro de identidade.

A Ré invoca ainda a situação prevista na alínea e) do n.º 1 do referido artigo 188º, que estabelece que há falta de citação “quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável”.
Está em causa, para que se verifique a falta de citação, que seja demonstrado que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto e que essa falta de conhecimento não lhe é imputável.

No caso concreto, a Recorrente, acaba por suportar na mesma argumentação do “justo impedimento”, a falta de citação que por esta via invoca: a carta foi recebida por terceiro, seu filho, que não tinha as capacidades ou faculdades necessárias para discernir da importância do acto que recebeu, desconhecendo a Ré a citação.

Que a carta de citação foi recebida pelo filho da Ré que assinou o aviso de recepção resulta incontroverso nos autos.

Competia então à Ré a alegação e a prova de que não chegou a ter conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável, para que possa dizer-se que falta a citação.

Tal alegação consubstanciará a ilisão da presunção estabelecida no artigo 230º do Código de Processo Civil de que foi efectiva e tempestivamente transmitida a citação, permitindo-se assim ao citando demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação antes do termo do prazo da defesa.

Ora, no caso concreto, e como já vimos a propósito do justo impedimento, a Ré teve conhecimento de que foi efectuada a citação, posto que em 10/10/2017 já conhecia o número do processo e o tribunal onde a acção corria, conforme melhor consta do requerimento de apoio judiciário que fez juntar aos autos, ainda antes do termo do prazo da defesa que terminou a 17/10/2017.

Impõe-se pois concluir que não se verifica também a falta de citação nos termos da e) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil por não resultar demonstrado que a Ré não teve conhecimento do acto antes do termo do prazo de que dispunha para apresentar a contestação, improcedendo por isso, também nesta parte o recurso.
As custas do recurso são integralmente da responsabilidade da Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil):

I - São requisitos cumulativos do justo impedimento a não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes ou mandatários e a consequente impossibilidade de praticar o acto em tempo.
II – A falta de citação a que alude a alínea a) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil ocorre quando a pessoa que devia ser citada não o é, verificando-se quanto a esta a falta de citação, por o citado não ser a pessoa que o autor indicou na petição inicial, não se confundindo o erro de identidade do citado com a citação em pessoa diversa do réu (cfr. artigo 228º n.º 2) e nem com a incorrecta identificação do réu na petição inicial.
III – Para que ocorra a falta de citação a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 188º do Código de Processo Civil é necessário que se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto e que essa falta de conhecimento não lhe é imputável, permitindo-se ao citando demonstrar que não chegou a ter conhecimento da citação antes do termo do prazo da defesa.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Guimarães, 10 de Julho de 2018
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária


(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)