Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1005/11.1GBGMR-A.G1
Relator: ANA TEIXEIRA
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) Não tendo o arguido observado as condicionantes cumulativas que lhe foram oferecidas, aquando da substituição da pena principal, não tem lugar o desconto da pena a que alude o artº 81, do Código Penal.
II) Assim, deverá o arguido passar a cumprir a totalidade da pena subsidiária que lhe foi imposta.
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES SECÇÃO CRIMINAL

Acórdão

I - RELATÓRIO

1. 1. No processo Comum (tribunal Singular n.º1005/11.1GBGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, o arguido Pedro M. foi condenado pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação na pena de 150 dias de multa calculados á taxa diária de 5 euros. Posteriormente, em virtude de o mesmo não ter pago o montante da multa a que foi condenado, veio a ser deferida aplicação de prisão subsidiária de 100 dias, cuja execução, ao abrigo do disposto no artigo 49º,n.º3 do CP, foi suspensa pelo período de um ano e sujeita à regra de conduta do arguido prestar 100 horas de trabalho a favor da comunidade e de não cometer qualquer infração de natureza criminal no aludido período de suspensão.
2. O condenado prestou as horas a que esteve vinculado.
Todavia,

Posteriormente àquela condenação foi condenado pela prática de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de cinco meses de prisão, cujo cumprimento foi determinado por dias livres, em 30 períodos, durante o período de suspensão.

O MP promoveu que fosse revogada a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária fixada e o arguido nada teve a opor.

De seguida solicita o arguido que seja tido em conta o trabalho a favor da comunidade que prestou.

Por decisão judicial, em resposta ao solicitado o tribunal consigna que pretendendo o arguido que se efetue o desconto das 100 horas de trabalho no cumprimento de pena de prisão subsidiária em causa, todavia o pretendido não tem fundamento legal, face ao estatuído no artigo 80º do CPP” a contrario”

Acrescenta a propósito que o cumprimento daquelas horas de trabalho consubstanciam uma das duas regras de conduta a que ficou sujeita a suspensão da execução da prisão subsidiária e porque o condenado não cumpriu a outra regra de conduta” a de não cometer qualquer infração de natureza criminal no aludido período de suspensão “ é que ao abrigo do disposto no artigo 49º,3 e 56,1,b) do CP lhe foi revogada a referida suspensão, devendo, consequentemente, o mesmo cumprir a prisão subsidiária de 100 dias.

3. Inconformada, o arguido recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. ]:
«(…)
CONCLUSÕES
1. Por despacho de fls. ..., proferido em 13/03/2014, decidiu o tribunal a quo revogar a suspensão da prisão subsidiária aplicada nestes autos,
2.° - Para tanto, alegou que foi fixada ao recorrente, por despacho de 03/05/2012, prisão subsidiária de 100 dias, cuja execução foi suspensa pelo período de um ano, nos termos do art.° 49.°, n.º 3 do Código Penal, sujeita à regra de conduta de o recorrente prestar 100 horas de trabalho a favor da comunidade e de não cometer qualquer infração de natureza criminal no aludido período de suspensão,
3.° - E que, apesar de o condenado ter prestado as referidas horas de trabalho a favor da comunidade, por factos cometidos a 14/04/2013, o recorrente foi condenado, por sentença proferida em 24/04/2013 e transitada em julgado em 24/05/2013 pela prática de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de cinco meses de prisão cujo cumprimento, ao abrigo do disposto no art.° 45.° do Código Penal, foi determinado por dias livres.
4. º - O recorrente foi ouvido em declarações, no dia 21/01/2014, e referiu que estava a cumprir pena de prisão efetiva de 6 meses, no estabelecimento prisional de Guimarães.
5.° - Dada a vista ao Ministério Público, a fls. 212, veio o Exmo. Procurador alegar que "Foi imposta”, como regra de conduta, a condicionar a suspensão da prisão subsidiária fixada em 100 horas (e não 100 dias como, por lapso, consta de fls. 83, pelo que em nossa modesta opinião há que retificar esse douto despacho, nessa parte), não delinquir nesse período. (...) P. se revogue, pois, a suspensão decretada e ordene o cumprimento de 100 horas, já que o condenado delinquiu nesse período, comprometendo a finalidade da suspensão, "(negrito nosso), sendo que a defesa, tendo sido notificada desta promoção em concreto, referiu nada ter a opor à mesma.
6.° - Acontece que, no douto despacho de fls. ..., proferido a 13/03/2014, o tribunal a quo refere que, "Dada a vista ao Ministério Público foi promovida seja revogada a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária fixada - cfr. fls. 226" e acrescentou que Notificada daquela promoção a defesa referiu nada ter a opor à mesma. "
7.° - Ou seja, o tribunal a quo não se pronunciou quanto à retificação do despacho de fls 83, peticionada pelo Ministério Público, nem se pronunciou quanto à promoção do Digno Magistrado do MP de ordenar o cumprimento de 100 horas (e não 100 dias) de prisão.
8.° - O despacho de fls..., proferido a 13/03/2013, ao deixar de pronunciar-se sobre a douta promoção do Ministério Público, a qual foi acompanhada pela defesa do aqui recorrente, é nulo por omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.° 379.° do CPP.
Sem prescindir,
9.° - No mesmo de fls..., proferido em 13/03/2014, pode ler-se que "Por despacho proferido em 03/05/2012 - cfr. fls. 83 -, transitado em julgado em 03/06/2012, foi fixada prisão subsidiaria - de 100 dias -, cuja execução, ao abrigo do disposto no art.º 49. ° n. ° 3, do Código Penal, foi suspensa pelo período de um ano, sujeita à regra de conduta do condenado prestar 100 horas de trabalho a favor da comunidade e de não cometer qualquer infração de natureza criminal no aludido período de suspensão. (...) A fls. 111 a 114, a DGRS veio informar que o condenado prestou as referidas horas de trabalho a favor da comunidade."
10.° - E conforme pode ler-se no referido despacho, o condenado cumpriu a regra de conduta a que ficou sujeita a suspensão, tendo prestado 100 horas de trabalho comunitário.
11.° - Apesar de ter cumprido a regra de conduta imposta, o douto despacho nem sequer descontou ao número de dias de prisão a cumprir o número de horas de trabalho comunitário prestado.
12.° - Desta forma, sempre terá o arguido a cumprir uma pena superior àquela que lhe foi fixada, porquanto já cumpriu uma regra de conduta de 100 horas de trabalho comunitário, em clara violação do art.º 81.° do Código Penal.
13.° - Pelo que, sempre deveria o tribunal a quo ter descontado o número de horas de trabalho comunitário prestado à pena de prisão a cumprir pelo recorrente, o que se requer.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida nos precisos termos expostos.
Assim se espera, confiadamente, na certeza de que, Vossas Excelências, Juízes-Desembargadores, farão inteira e objetiva
JUSTIÇA
(…)»

4. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido.
5. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso .
6. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
(…)»

II – FUNDAMENTAÇÃO

7. Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.
8. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
· omissão de pronúncia
· Violação do artigo 81º do CP, , ao não ordenar o desconto de 100 horas de trabalho comunitário prestado como regra de conduta.
Analisemos as questões

Importa quanto á omissão invocada consignar-se que o tribunal em resposta a pedido de esclarecimento do estabelecimento prisional de Guimarães, ( fls. 20 deste recurso em separado), se a pena efetivamente aplicada nos autos é 100 dias de prisão subsidiária ou 100 horas de prisão subsidiária, responde no dia 31 de Março de 2014 ( fls, 29 destes autos de recurso em separado “ Esclareça que a pena aplicada ao condenado por despacho de fls. 230 a 234 foi a de 100 ( cem) dias de prisão subsidiária, conforme do mesmo expressamente consta”

Resulta do exposto que o tribunal não deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar e, consequentemente não colhe a invocada nulidade prevista no n.º1 alínea c) do artigo 379º do CPP.

Em relação a violação do artigo 81º do CP

Dispõe tal preceito que 1-se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida. 2- Se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo

No caso vertente, para que o arguido não tivesse de cumprir 100 dias de prisão subsidiária, foi-lhe concedida a faculdade de ver suspensa a execução desta pena, se:

a)Trabalhar a favor da comunidade 100 horas, o que realizou

b)Não cometer infração criminal durante o período da suspensão

São duas condicionantes cumulativas. Preteriu uma delas e como tal tem de cumprir 100 dias de prisão subsidiária

Questão a saber:

se pode, para o cumprimento desta pena de 100 dias de prisão subsidiária, descontar as 100 horas de trabalho comunitário que efetuou.

Dispõe o artigo 56º do CP que a suspensão da execução da pena é revogada sempre que no seu decurso cometer crime pelo qual venha a ser condenado, o que é o caso. Acrescenta o seu n.º 2 que a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na decisão, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.

A previsão no artigo 81º do CP ( desconto na pena a cumprir) não tem aplicação ao caso concreto uma vez que estamos a atender a revogação de pena que já é de substituição e não pena principal, pois que a pena principal que foi aplicada a este arguido foi uma pena de multa e que, em função da sua situação económica veio a ser concedida a possibilidade de a mesma ser alterada, de acordo com as condicionantes impostas. Já estamos a falar da pena que substitui a pena principal e que obedece a regras próprias como seja o estatuído no artigo 56º do CP.

Estamos perante o não cumprimento de obrigação imposta pela condenação condicional e do qual ele tem de acatar efeito desfavorável. O arguido cometeu crime durante o período da suspensão, facto que conduziu à revogação da suspensão e que originou o decretamento da prisão subsidiária.

Em face do exposto entendemos, tal como o tribunal de primeira instância que no caso em apreço não tem lugar o desconto a que se aludo no artigo 81º do CP, devendo o arguido passar a cumprir a totalidade da pena subsidiária que lhe foi imposta em virtude de não ter respeitado as condicionantes cumulativas que lhe foram oferecidas em substituição da mesma

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, os juízes acordam em:

· Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente Pedro M..
· Condená-lo no mínimo de taxa de justiça

[Elaborado e revisto pela relatora]


Guimarães, 23 de Março de 2015


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[Ana Maria Martins Teixeira]


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[Ana Teixeira e Silva]