Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
42/11.0TCGMR-A.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1º- Portugal, na qualidade de Estado-Membro da Comunidade Europeia, está sujeito à disciplina do art. 249º do Tratado da Comunidade Europeia, o qual torna obrigatória a aplicação do Regulamento (CE), nº.44/2000, de 22 de Dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 1.3.2002.
2º- Nos termos do disposto no art. 3º, nº2 do citado Regulamento, as regras de competência nele estabelecidas prevalecem sobre as normas nacionais de natureza idêntica constantes dos art.65º e segs. do C. P. Civil.
3º- Na determinação da competência judiciária internacional relativamente a acção fundada na falta de pagamento do preço dos bens vendidos por uma sociedade portuguesa a uma sociedade com se em França, sendo este Estado-Membro o local do destino final dos bens por esta comprados, são aplicáveis os arts. 2º, nº1 e 5º,nº1, al. b), primeira parte, do Regulamento nº. 44/2007, de 22-12, dos quais resulta ser o Tribunal Belga o competente para o efeito.
4º- A competência especial prevista no citado art.5º só é facultativa, perante a regra geral do domicílio do requerido contida no citado art. 2º, nº1.
5º- O art. 24. ° do regulamento já identificado permite ao demandado arguir a incompetência do tribunal e, subsidiariamente, prevenindo a hipótese de improcedência da excepção, apresentar a sua defesa em relação ao mérito da causa, bem como deduzir pedido reconvencional
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

A… Lda com sede em … intentou a presente acção com processo ordinário, contra S….. com sede em … pedindo que a ré seja condenada a pagar à primeira A. a quantia de € 47 461,29 correspondentes aos preços dos fornecimentos que fez à ré, quantias estas acrescidas de juros de mora vencidos desde 31/12/10 à taxa legal de 8%.
Alega que produziu e forneceu para ré pares de calçado.
Dos fornecimentos feitos é devido o valor pedido.
Citada, Ré contestou, excepcionando a incompetência absoluta do tribunal português, em razão da nacionalidade para apreciar e decidir a acção, nos termos dos arts. 2º, nº1 e 5º, nº1, al. b) do Regulamento (CE) 44/01 do Conselho de 22/12/00.
Mais impugnou os factos alegados pela autora e formulou pedido reconvencional.
Na réplica, a autora pronunciou-se pelo valor da acção, defendeu a improcedência da excepção da incompetência e pediu a procedência da acção e improcedência da reconvenção.
Foi proferido despacho que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da incompetência internacional, para apreciar e decidir a acção e, consequentemente, absolveu a Ré da instância, condenando a autora no pagamento das custas.

Deste despacho recorreu a autora, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. Por Sentença proferida em 13/06/2011, a Mma. Juíza absolveu a R. da instância, nos termos do disposto pelos art. 101º e 105º n.º1 do CPC, ao declarar procedente a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a acção.
2. O presente recurso cinge-se assim apenas à questão da competência dos Tribunais portugueses para dirimir o litígio entre as partes.
3. Está em causa a aplicação do art. 65º-A do CPC e do Regulamento (CE) do Conselho n.º 44/2001 de 22 de Dezembro de 2000.
4. Dispõe o Regulamento que em matéria de responsabilidade contratual; a pessoa pode ser demandada noutro Estado-Membro, designadamente perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, que no caso da venda de bens, se entende ser o Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.
5. Ora, no caso concreto, como foi oportunamente alegado no art. 3º da Réplica, no início da relação contratual entre as partes, foi fixado, por escrito, que a entrega se faria segundo o regime do Incoterm EX-Works, ou seja no local de produção - na data combinada, a recorrida receberia os bens no estabelecimento da A./Recorrente em … sendo da sua responsabilidade o transporte da mercadoria a partir daí (a ré contratava e custeava o transporte). Assim, claro fica que o acordado entre as partes era a entrega efectiva dos bens à recorrida em Portugal.
6. Atendendo a que o transitário exigia a entrega da mercadoria até às 16h, quando a fábrica da Recorrente laborava até às 19h, teve esta de aceitar entregar a mercadoria no transitário que em cada caso era indicado pela recorrida. Por esse motivo passou a constar em algumas facturas a designação FOB (o que significa que a Recorrente apenas procedia ao transporte da mercadoria até ao transitário indicado pela recorrida, em regra a P…, sita na …).
7. Além da entrega dos bens também o respectivo pagamento era feito por transferência
bancária para a conta da Recorrente no …, em Portugal.
8. Na interpretação do art. 23º do Regulamento, vem entendendo a Doutrina e Jurisprudência comunitárias que “um pacto atributivo de jurisdição pode ser celebrado não apenas por escrito ou oralmente com confirmação escrita mas também sob uma forma que esteja em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si ou, no comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que,
em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado. Não há razão para considerar que o
legislador da União teria tido a intenção de excluir a tomada em consideração de tais usos comerciais para efeitos de interpretação de outras disposições do mesmo regulamento e, nomeadamente, para a determinação do tribunal competente em conformidade com o artigo 5. °, N.º 1, alínea b), primeiro travessão, deste regulamento.”
9. Assim, no âmbito da análise de um contrato, a fim de determinar o lugar de entrega, na acepção do artigo 5. °, n.º 1, alínea b), primeiro travessão, do regulamento, o órgão jurisdicional deve ter em conta todos os termos e todas as cláusulas pertinentes desse contrato, incluindo, se for o caso, os termos e cláusulas geralmente reconhecidos e consagrados pelas práticas do comércio internacional, tais como os «Incoterms», desde que permitam determinar, de forma clara, esse lugar.
10. Os Incoterms e as cláusulas comerciais comparáveis podem, em princípio, constituir
disposições de um contrato, com base nas quais é possível determinar o lugar de entrega na acepção do artigo 5. °, N.º 1, alínea b), do Regulamento n.º 44/2001.
11. Nesta linha, confirma-se o entendimento seguido pela doutrina e a jurisprudência de que o lugar de entrega e de cumprimento da obrigação na acepção do artigo 5. °, N.º 1, alínea b), do Regulamento n. ° 44/2001 pode ser determinado mediante a cláusula «na fábrica» dos Incoterms incluída validamente do contrato.”, como se pode ler nas conclusões da Advogada-Geral Juliane Kokott apresentadas em 3 de Março de 2011, no Processo C-87/10, que correu termos pela 3ª secção do TJCE, e continua, só “Se for impossível determinar o lugar de entrega nessa base, sem recurso ao direito material aplicável ao contrato, esse lugar é aquele em que ocorra a entrega material dos bens, pela qual o comprador adquira ou deva adquirir o poder de disposição efectiva sobre esses bens
12. No mesmo sentido: “ (as condições de venda lançam luz sobre o lugar da entrega dos bens, permitindo estabelecer uma diferenciação entre o destino e o lugar em que o vendedor tinha de entregar a mercadoria, que era nas suas instalações, ficando o resto por conta do comprador.)
E apesar de o Incoterms prescrever as responsabilidades do vendedor e do comprador no comércio internacional, essas responsabilidades prendem-se com o momento a partir do qual se considera que o vendedor deixa de ser responsável pela mercadoria, por a mesma ter sido entregue ao comprador. É que o local da entrega efectiva, precisamente porque o vendedor não ficou encarregado de fazer o transporte até ao destino, tendo entregue as mercadorias no seu estabelecimento, e alijando desde aí a sua responsabilidade, é tipificado como o local do estabelecimento do vendedor. Afastada fica, pois, a competência dos tribunais alemães (cf. Ac. Da Relação do Porto de 26/04/2007.
13. “ (Especificando os Incoterms, além do mais, o lugar da entrega da carga e quem se responsabiliza, em caso de perda, dano ou demora desta. Encontrando-se o termos FCA, Free Carrier, Livre no Transportador na categoria 2 – entrega na origem com transporte contratado pelo comprador ((Cumprindo o vendedor a sua obrigação, no âmbito deste termo de vendas ora em apreço, quando entrega a mercadoria, pronta para exportação, aos cuidados do transportador, no local designado. Cabendo ao comprador contratar frete e seguro internacionais ( ( Sendo o transporte por conta do comprador a partir do local acordado. Ora, da matéria tida por assente, pode concluir-se que a mercadoria cujo pagamento estará em falta, foi entregue ao comprador em Tondela (Portugal), partindo daí para a Alemanha, seu destino, por meio de transporte contratado pelo Réu comprador. Tendo, assim, os bens sido entregues em Portugal. Sendo, pois, o tribunal português internacionalmente competente para conhecer da acção. )”, cfe. AC. Relação de Coimbra de 13/03/2007.
14. No caso concreto, convencionado entre as partes que a entrega se faria segundo o regime do Incoterm EX-Works, ou seja no local de produção em … sendo que posteriormente, por conveniência das partes, acordaram que a entrega passaria a ser feita ao transitário indicado pela recorrida, em regra a …, sita na Maia, regime do incoterm FOB, resulta claro que o lugar de entrega dos bens se situa em território nacional, pelo que à luz do Regulamento, o Tribunal competente é o Português.
15. De qualquer modo, sendo matéria controvertida os termos a que ficou subordinado o contrato e a interpretação das respectivas cláusulas, sempre se mostra precipitado a decisão da excepção de incompetência no Despacho Saneador.
16. Na óptica da Recorrente, face à posição assumida pelas partes nos articulados a decisão sobre a excepção da incompetência do Tribunal em razão da nacionalidade, não se concluindo pela sua imediata improcedência, depende de prova a produzir. Revela-se assim prematura a decisão recorrida que, a não ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção invocada, deve dar lugar a uma decisão que determine o prosseguimento dos autos.
17. Acresce, à mesma conclusão se chega por aplicação da “extensão de competência” ou “pacto tácito de jurisdição” prevista no art. 24º do Regulamento: “Para além dos casos em
que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.º” (nosso sublinhado).
18. De facto, a Ré não se limitou a arguir a incompetência internacional do Tribunal.
19. Também não se limitou a, subsidiariamente, para a hipótese da improcedência da excepção de incompetência absoluta, impugnar os factos vertidos na petição inicial; a Ré para além disso deduziu reconvenção.
20. Ainda que fazendo interpretação restritiva do art. 24º do Regulamento se permita à recorrida depois de arguir a incompetência, impugnar a factualidade alegada na p.i., o que já não se pode admitir é que para além disso, venha ainda deduzir reconvenção perante um Tribunal que diz não ser o competente.
21. A reconvenção é uma espécie de contra-acção, passando a haver no processo um cruzamento de acções, de onde resulta que a ré instaurou contra a A./Recorrente uma acção perante Tribunal que defende não ser competente.
22. Não pode porém ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da Lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso. A valer a leitura da recorrida, seria como se no art. 24º estivesse escrito: “Esta regra não é aplicável se o requerido arguir a incompetência”; o que não tem na letra da Lei um mínimo de correspondência verbal.
23. E o pensamento do legislador comunitário parece ser este: se o requerido para além de arguir a incompetência, praticar actos no processo de onde resulta que nada obsta a que, no caso concreto, o Tribunal Português decida do mérito da causa, então o Tribunal Português será competente.
24. Ao deduzir reconvenção, a recorrida manifestou não ter qualquer óbice a que os tribunais portugueses decidam a acção.
25. Por tudo quanto fica exposto, se conclui pela competência dos Tribunais Portugueses, ou melhor, do Tribunal recorrido, pelo que deve ser revogada a decisão proferida e julgada improcedente a excepção da incompetência do Tribunal.
A agravada contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 4 e 685-A, todos do C. P. Civil –, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.

Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se os Tribunais portugueses são, ou não, internacionalmente competentes para conhecer da presente acção.
Na douta decisão em crise, entendeu o Mmº Juiz a quo que, nos termos do Regulamento (CE) nº 44/2000, de 22 de Dezembro, seja em face do regime geral fixado no seu art.º 2.º, seja em face do regime especial fixado no regime fixado no seu art.º 5.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, a competência para apreciar e decidir esta acção cabe ao tribunal competente na área do domicílio da Ré, ou seja, ao tribunal francês, sendo, por isso, o tribunal de Guimarães incompetente em razão da nacionalidade para o efeito.
Por sua vez, sustentam a autora/recorrente que o Tribunal Português é o competente, porque no início da relação contratual entre as partes, foi fixado, por escrito, que a entrega se faria segundo o regime do Incoterm EX-Works, ou seja no local de produção – na data combinada, a recorrida receberia os bens no estabelecimento da A./Recorrente em Guimarães sendo da sua responsabilidade o transporte da mercadoria a partir daí (a ré contratava e custeava o transporte). Assim, claro fica que o acordado entre as partes era a entrega efectiva dos bens à recorrida em Portugal e além da entrega dos bens também o respectivo pagamento era feito por transferência bancária para a conta da Recorrente no Finibanco, em Portugal. Por fim ao deduzir reconvenção, a recorrida manifestou não ter qualquer óbice a que os tribunais portugueses decidam a acção.

No confronto destes dois entendimentos, que dizer?
A competência é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o Tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou improcedência.
Nos termos do art. 17 nº2 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) aprovada pela lei 3/99 de 13 de Janeiro “ a lei do processo fixa os factores de que depende a competência internacional dos Tribunais Judiciais” (e é efectivamente dessa problemática da competência internacional dos Tribunais Portugueses – que trata o presente recurso.
E segundo o nº1 do seu artigo 22º “A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente”.
Esta redacção consta agora no art. 23 nº2 e 24º da actual LOTJ (Lei nº 52/2008 de 28 de Agosto)
Razão por que, e como se costuma entender, a competência do Tribunal não pode deixar de aferir-se pelos termos em que a acção é proposta (vide, na doutrina o Prof. Manuel de Andrade no seu “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1976, a páginas 90 a 91 e na jurisprudência Acórdão da Relação do Porto de 04 de Março de 2002, publicado pelo ITIJ e com a referência nº 0151929 onde se exarou, no sumário que “ Na apreciação da questão da competência (territorial) deve analisar-se concretamente a causa de pedir e o pedido formulado, porque tal competência é determinada em função do modo como a causa é delineada na petição inicial e não pela controvérsia que resulta da confrontação entre a acção e defesa).
Passando à apreciação deste recurso, desde já adiantamos que a decisão correcta é a da sentença sob recurso. Assim tem sido decidido nesta Relação e noutras também no Supremo Tribunal de Justiça, jurisprudência que se segue.
Vejamos a razão deste entendimento:
Não é controvertido que a presente acção apresenta conexão com duas ordens jurídicas distintas – a portuguesa e a francesa – colocando-se uma questão de competência internacional a dirimir nos termos previstos nos arts. 65. °A do CPC e no Regulamento (CE) n.º44/2000, de 22 de Dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
Com efeito, por força do disposto no art. 249 do Tratado da Comunidade Europeia, o Regulamento em causa é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados-Membros, entre os quais se inclui Portugal, prevalecendo as suas normas sobre normas de natureza idêntica constantes do art. 65. ° do CPC – cf. art. 3. °, N.º 2, do Regulamento, e art. 8. °, N.º 3, da CRP ( ) ( )
O Regulamento veio substituir, entre os Estados-Membros a Convenção de Bruxelas (art. 68, n.º 1, do Regulamento). Saliente-se que a Convenção de Lugano não prejudica a aplicação do Regulamento às relações entre os Estados-Membros da Comunidade Europeia, sendo aquela Convenção aplicável sempre que as regras dela constantes atribuírem competência aos tribunais de um Estado contratante que não seja membro da Comunidade Europeia.
A presente acção preenche os diferentes âmbitos de aplicação do Regulamento ( )
Com efeito, tem indiscutível natureza civil, atento o seu objecto, pois, em traços gerais, funda-se na responsabilidade contratual, enquadrando-se, por isso, no âmbito material de aplicação do Regulamento (cfr.art.1.°, nºs 1 e 2, do Regulamento).
Foi demandada uma sociedade cuja sede se situa em França, Estado Membro, pelo que também se está no âmbito de aplicação territorial e espacial (ou subjectivo) do Regulamento (cf. arts.1.°, n.º 3, 3. °, n.º 1, 4. ° e 60. ° do Regulamento).
A acção foi instaurada no dia 25-01-2011, estando assim abrangida no âmbito temporal de aplicação do Regulamento (cf. arte. 66. ° e 76. ° do Regulamento).
Vejamos então quais as normas do Regulamento aplicáveis, na presente acção, para aferir da (in) competência internacional dos tribunais portugueses.
Nos termos do Regulamento, a regra geral é a de que as pessoas (singulares ou colectivas) domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado – artigo 2. °, nº 1.
Porém, conforme e resulta do art. 3. °, nº 1, do Regulamento estão previstas, nas secções 2 a 7 do Capítulo II, outras regras de atribuição de competência, designadamente, e com relevância para o caso sub judice, em matéria contratual, prevendo-se que o autor tem a faculdade de intentar a acção no tribunal do lugar onde a obrigação, que serve de fundamento ao pedido, foi ou deva ser cumprida (al. a) do n.º 1 do artigo 5.º).
O art. 24. do Regulamento prevê ainda uma prorrogação ou extensão tácita da competência jurisdicional, preceituando que "Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal. com competência exclusiva por força do artigo 22.º."
Portanto, o legislador comunitário entendeu que quando o requerido compareça perante o tribunal do Estado-Membro em que foi demandado, excepto se o fizer com o objectivo de arguir a incompetência do tribunal ou se a acção for da competência exclusiva dos tribunais de outro Estado membro por força do art. 22.º, não se justifica a declaração oficiosa de incompetência, reconhecendo a autonomia da vontade como um princípio fundamental em torno do qual está estruturado o regime instituído pelo Regulamento no que respeita à repartição da competência internacional.
Cumpre então determinar se, face às referidas regras do Regulamento (CE) n.º 44/2001, os tribunais competentes para conhecer da presente acção são os portugueses ou os franceses. Saliente-se que as disposições do Regulamento devem ser interpretadas autonomamente, tomando por referência o seu sistema e os seus objectivos (assim, Ac. TJCE de 13-07-2006, proc. C-103/05).
A primeira conclusão que se impõe é a de que, sendo a Ré uma sociedade cuja sede se situa em território francês, deveria ter sido demandada nos tribunais franceses, ao abrigo do disposto nos artigos. 2.°, nº 1, e 60. °, nº 1, a! a), do Regulamento.
Porém a solução a que se chega pela aplicação do art. 5.°, que prevê competências especiais em matéria contratual, poderá ser diferente.
Para tanto, importa qualificar o contrato celebrado entre as partes.
Analisando, para o efeito, o núcleo fáctico que de relevante se extrai do alegado pela autora na petição inicial e dos documentos referidos na mesma, concluímos pela verificação da seguinte factualidade
A Autora, ora recorrente, é uma sociedade portuguesa, com sede em Portugal.
A Ré, ora recorrida, é uma sociedade francesa com sede em França.
A Autora no exercício da sua actividade, produziu e forneceu à Ré, por encomenda desta, pares de calçado, discriminadas nas facturas juntas aos autos não tendo a Ré efectuado o pagamento do respectivo preço, que consta do pedido.
Desta factualidade concluímos que, a responsabilidade contratual imputada à Ré advém, no fundo, do incumprimento dos contratos, com o prejuízo resultante da falta de pagamento do preço.
Estas relações comerciais traduzem-se em contratos de compra e venda, (cf. art. 874. ° do CC) com a obrigação por parte da Autora de entrega dos bens – por si fabricados – e com a obrigação por parte da Ré de pagamento do respectivo preço.
Estamos, pois, na presente acção, perante contratos de compra e venda (internacional), em que é vendedora uma sociedade portuguesa (a Autora) e é compradora uma sociedade francesa (a Ré), alegadamente não cumpridos por esta, designadamente quanto à obrigação de pagar o preço das mercadorias, que aquela fabricou e forneceu.
Logo, na determinação da competência judiciária, é aqui aplicável o art. 5. °, n.º 1, do Regulamento, nos termos do qual é (facultativamente) competente o tribunal do "lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão" – al. a) –, explicitando-se – na al. b) – que no caso da venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação é o lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.
Saliente-se que só quando o critério da alínea b) não puder operar é que será de ter em contra o critério da alínea a), atinente ao lugar do cumprimento determinado de acordo com as regras do direito internacional privado, nomeadamente as regras da lei reguladora do negócio.
Assim, face à qualificação do ajuizado contrato, fica afastada a aplicação, nos presentes autos, do critério previsto na 2.a parte da alínea b) do n.º 1 do art. 5. ° - aplicável no caso da prestação de serviços – e irreleva o critério – da alínea a) do n.º 1 – do lugar onde devia ser cumprida a obrigação de pagamento do preço.
Concluímos, pois, que a presente acção, destinada a exigir à Ré o cumprimento coercivo da obrigação de pagamento do preço das mercadorias vendidas pela Autora, poderia, nos termos do Regulamento, ter sido proposta pela Autora fornecedora/vendedora:
- ou perante os tribunais onde se encontra domiciliada a Ré devedora, ou seja, perante os tribunais franceses;
- ou perante os tribunais do lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.
Importa pois saber qual o lugar da entrega final dos bens, aqui residindo a discordância entre as partes:
- a Ré, ora recorrida, insiste que o local de entrega dos bens era França;
- a Autora, recorrente, sustenta que se trata das suas próprias instalações, em Portugal.
E para solucionar a questão basta ler o art. 5. °, n.º 1, al. b), do Regulamento. Dessa leitura temos entendido que o lugar da entrega relevante, para efeitos do referido art. 5. °, n.º 1, al. b), é o da entrega efectiva, ou seja, o destino final dos bens, e não o local onde estes sejam colocados à disposição pelo fornecedor para posterior transporte.
De outro modo, como se escreve na decisão recorrida, o critério especial da alínea b) do n.º 1 do art. 5. °, adoptado no caso de venda de bens conexa com o ordenamento jurídico de diferentes Estados-Membros, teria reduzido interesse prático. Na verdade, é sabido que na grande maioria dos contratos de compra e venda internacional, o transporte das mercadorias é assegurado por empresa transportadora. Logo, admitir que o local de entrega possa ser o do Estado-Membro exportador, implicaria desconsiderar completamente o elemento de conexão com o Estado Membro importador, esvaziando de sentido a referida alínea b), e contrariando a prioridade atribuída pelo legislador comunitário ao critério da alínea b) em detrimento do critério da alínea a), prioridade que resulta claramente da alínea c) do n.º 1 do art. 5. °.
Porém concluímos que, contrariamente ao sustentado pela Autora, ora recorrente nada permite concluir que o local de entrega das mercadorias fosse Portugal.
De facto não encontramos convenção escrita nesse sentido.
E muito menos é verdadeira a afirmação feita pela autora de que a competência internacional do Tribunal Português da Comarca deGuimaráes é consentida quer pelo disposto na alínea a) do citado art. 5º, nº1, quer pela própria alínea b) deste mesmo artigo.
É que a ressalva feita por este preceito quanto à existência de "convenção das em contrário", se refere tão só às situações de competência atributivas previstas no art.23º do Regulamento e não a quaisquer convenções sobre o lugar do cumprimento.
Nesta perspectiva, torna-se irrelevante a questão levantada pela recorrente de ser controvertido e a necessitar de prova o local de entrega dos bens, porque ambas concordam que o local do Estado-Membro que era o destino final dos bens era a França.
É, pois, aplicável a alínea b) do nº 1 do art. 5º do Regulamento (CE) nº 44/2001 e sendo o local de entrega dos bens a sede da ré em França é a sua jurisdição a competente para dirimir o presente litígio.
Finalmente, importa dizer que o facto de na factura junta aos autos constar o Inconterm EXW em nada releva para a solução do caso.
Como se escreve no Acórdão do STJ de 23.10.2007 citado nas alegações da recorrida e que seguimos Incoterms, ou seja, os termos ou condições de venda, definem, nas transacções internacionais de mercadorias, as condições em que produtos devem ser exportados.
As regras utilizadas para esse fim estão definidas nos “Incoterms – International Commercial Terms”, segundo a versão de Janeiro de 2000, editada pela Câmara de Comércio Internacional – CCI.
Os incoterms são fórmulas contratuais que definem direitos e obrigações, tanto do exportador como do importador.
A importância dos Incoterms reside na determinação precisa do momento da transferência de obrigações, ou seja, do momento em que o exportador é considerado isento de responsabilidades legais sobre o produto exportado.
A fim de facilitar o seu entendimento, os Incoterms foram agrupados em várias categorias.
Uma delas, denominada Exw-ExWorks, significa que o produto e a factura devem estar à disposição do importador no estabelecimento do exportador. Todas as despesas e quaisquer perdas e danos a partir da entrega da mercadoria, inclusive o despacho da mercadoria para o exterior, são da responsabilidade do importador. Quando solicitado, o exportador deverá prestar ao importador assistência na obtenção de documentos para o despacho do produto. Esta modalidade pode ser utilizada com relação a qualquer via de transporte.
Segundo a definição colhida no site brasileiro Jus Navigandi – “EXW (Ex Works): o exportador encerra sua participação no negócio quando acondiciona a mercadoria na embalagem de transporte (containers, caixas, sacos, entre outros). Ou seja, a entrega da mercadoria se dá na porta da fábrica ou depósito, não se responsabilizando o vendedor sequer pelo seu carregamento no meio de transporte utilizado. A negociação se realiza no próprio estabelecimento do exportador. Assim, cabe ao importador estrangeiro adoptar todos as providências para retirada da mercadoria do país do vendedor, tais como embarque para o exterior, contratar frete e seguro internacionais etc. Como se pode observar, o comprador assume todos os custos e riscos envolvidos no transporte da mercadoria do local de origem até o de destino”.
Os incoterms Esses diferentes tipos de incoterms criados naquela data foram alterados cinco vezes, sendo que a mais recente revisão ocorreu em 2000. São as seguintes: Incoterm CFR, Incoterm CIF, Incoterm CIP, Incoterm CPT, Incoterm DAF, Incoterm DDP, Incoterm DDU, Incoterm DEQ, Incoterm DES e Incoterm EXW.
foram desenvolvidos pela Câmara Internacional de Comércio que estabeleceu em 1936 uma série de regras que servem para interpretar e definir as responsabilidades dos vendedores e dos compradores o mais claro e preciso possível.
Da menção que consta da factura apenas se colhe, então, segundo a cláusula ExWorks (EXW), que a responsabilidade a partir da entrega da mercadoria é do importador, nada esclarecendo a cláusula acerca do lugar do cumprimento da obrigação.
É agora altura de apreciar se existiu prorrogação tácita de competência nos termos do art. 24. ° do Regulamento, como pretende a recorrente.
Vejamos os requisitos de aplicação deste normativo.
Desde logo, para que se aplique o art. 24. ° é necessário que a acção se enquadre no âmbito material, territorial e temporal do Regulamento, o que se verifica no caso sub judice, conforme supra referido.
Por outro lado, inexistindo na situação em apreço um acto de jurisdição e não tendo a acção sido proposta no tribunal competente por força do Regulamento (arts. 2. °, n.º 1, e 5. °, n.º 1), para que se aplique o art. 24. ° é ainda necessário que o demandado tenha domicílio no território de um Estado-membro o que também sucede nos presentes autos.
A extensão tácita de competência é afastada, nos termos da 2.ª parte art. 24. ° se: a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do art. 22. ° do Regulamento. É indiscutível que o presente litígio incluído não está incluído na previsão do art. 22. °.
Refere a recorrente que a comparência da Ré representa uma verdadeira aceitação tácita da jurisdição do tribunal português, uma vez que vem apresentar pedido reconvencional para ser apreciado.
Todavia à luz da jurisprudência do TJCE, deverá entender-se que o art. 24. ° permite ao demandado arguir a incompetência do tribunal e, subsidiariamente, prevenindo a hipótese de improcedência da excepção, apresentar a sua defesa em relação ao mérito da causa, bem como deduzir pedido reconvencional.
Ou seja, a excepção à regra da extensão de competência enunciada no art. 24. °, 1.a parte, deve ser interpretada no sentido de se permitir ao demandado não apenas arguir a incompetência do tribunal, mas também, à cautela, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa, de forma subsidiária, sem que com isso fique excluída a hipótese de procedência da excepção de incompetência.
O que parece também corresponder à aplicação do principio da economia processual, uma vez que sendo a excepção de incompetência julgada improcedente a acção seguiria os seus normais termos, com a apresentação dos pedidos que a lei permite, nos quais se incluiu o pedido reconvencional.
Serve tudo isto para dizer que, tendo a ré compradora domicílio na França e sendo este Estado-Membro o local do destino final dos bens vendidos pela autora, dúvidas não restam, que, nos termos do Regulamento, quer em face do regime geral fixado no seu art. 2º,nº1, quer em face do regime especial fixado no regime fixado no seu art.º 5.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, é o Tribunal Francês o competente para apreciar e decidir a presente acção, sendo, por isso, o Tribunal Português internacionalmente incompetente para dirimir o presente litígio.
Daí nenhuma censura merecer a douta decisão recorrida ao determinar a absolvição da ré da instância, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 101.º, 105.º, n.º 1, 288.º, n.º 1, alínea a), 493.º, nºs 1 e 2 e 494.º, alínea a), todos do Código do Processo Civil.

Improcedem, pois, todas as conclusões da autora/recorrente.