Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
301/13.8TBBGC.G1
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
DANO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. O exercício do patrocínio forense ou de consulta jurídica gera uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado.

2. No âmbito da actuação profissional de Advogado e perante o respectivo cliente, a obrigação de indemnizar daquele será de afirmar se a sua actuação for ilícita (violadora de deveres contratuais/deontológicos), culposa (merecedora de censura segundo um critério que tem por referência a conduta de um «bonus pater familias» ou do profissional medianamente diligente e zeloso) e causadora de danos.

3. A actuação profissional do Advogado que apresenta, de forma extemporânea, e sem qualquer justificação, uma contestação que, por via disso, é desentranhada ou desconsiderada, assume-se como ilícita e culposa.

4. A «perda de chance» ou «perda de oportunidade» constitui um dano actual e autónomo susceptível de ser indemnizado.

5. A «perda de chance» ou «perda de oportunidade», enquanto dano actual e autónomo, traduz-se na frustação irremediável, por acto ou omissão de terceiro, da obtenção de uma vantagem ou do evitamento de um prejuízo, desde que a obtenção dessa vantagem ou o evitamento desse prejuízo se apresente como altamente razoável ou provável de ter sido alcançado não fosse a aludida acção ou omissão de terceiro.

6. Na falta de contestação (e assim é equiparada a sua apresentação extemporânea) e de oferecimento de meios de prova, não é possível, regra geral definir através do julgamento no julgamento ou «trial within the trial», o sentido da decisão a proferir, em condições normais, no processo, sem o evento faltoso, na medida em que a decisão a proferir dependeria sobretudo da matéria de facto que viesse a ser apurada, sendo certo que a própria aplicação do direito ao caso dependeria sobremaneira daquela factualidade.

7. Nestas condições específicas, segundo um critério de equidade, a probabilidade de vencimento ou de evitamento do prejuízo será de arbitrar em partes iguais para ambas as partes, ou seja, 50% para cada uma das partes.

8. O dano da perda de chance indemnizável não é o dano final, mas o dano “ avançado ”, constituído pela perda de chance, não podendo, assim, ser igual ou superior à vantagem que se visava alcançar ou ao prejuízo que se procurava evitar.

9. Para a definição/quantificação do dano de perda de chance, importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, efectuando em primeiro lugar a avaliação do dano final, para, em seguida, se fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra através de um valor percentual, e, uma vez obtidos esses valores, aplicando esse valor percentual (que representa o grau de probabilidade da chance «perdida» ou «falhada») ao dano final, constituindo o resultado final desta operação o valor da indemnização a atribuir pela perda de «chance».
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. Ltd.”.

Recorrida: B. Crl.”.
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1. B., C.R.L., com sede em _____, intentou contra A. com sede em e contra C., com domicílio profissional em ____, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 36.499,49 a título de indemnização pelos danos sofridos pelo incumprimento do contrato de mandato forense celebrado entre a Autora e o 2.º Réu, acrescida de juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento ou, em alternativa, que os Réus sejam condenados a pagar-lhe uma quantia nunca inferior a € 26.217,78 a título de perda de chance, igualmente acrescida de juros legais desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.


Para tal, alegou nos termos constantes de fls. 4-23, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.
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2. Regularmente citados, os Réus deduziram contestação, sustentando, no essencial, que independentemente de se verificar ou não a conduta ilícita imputada ao 2º Réu, sempre a acção movida contra a ora Autora seria manifestamente procedente, razão porque a dita alegada conduta ilícita do 2º Réu não seria geradora dos prejuízos invocados a título de “perda de chance”, antes decorrendo a condenação da Autora, por um lado, do despedimento ilícito por si levado a cabo e do quadro legal aplicável ao despedimento em causa.
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3. Foi proferido despacho saneador onde se reconheceu a validade e a regularidade da instância, foi identificado o objecto do litígio, se enunciaram os temas da prova e foram admitidos os meios de prova requeridos pelas partes.
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4. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, e
a)- condenou a 1ª Ré A. a pagar à Autora a quantia de € 13. 916, 96, como indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência das omissões ilícitas cometidas pelo 2º Réu C. ao abrigo do contrato de mandato celebrado entre este e aquela, acrescida de juros de mora à taxa legal contados da citação e até efectivo e integral pagamento;


b)- condenou o 2º Réu a pagar à Autora a quantia de € 5. 000, 00, correspondente ao valor da franquia e do remanescente da indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência do incumprimento contratual do primeiro, acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data da citação até efectivo e integral pagamento.
c)- absolveu os RR. do demais contra si peticionado pela Autora.
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5. Inconformada com a dita sentença, dela veio interpor recurso a 1ª Ré A., Ltd. ”, no âmbito do qual deduziu as seguintes
CONCLUSÕES
i. Da Douta Sentença recorrida, resultou matéria de facto provada, a qual salvo melhor opinião, resulta de uma má interpretação e análise da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, não tendo o Tribunal a quo dado por provada matéria de facto, que, atendendo à prova produzida em audiência de discussão e julgamento e bem assim à matéria relevante para a apreciação do processo sub judice, deveria ter sido sido dado por provada.
ii. E porque assim é, a Apelante recorre de matéria de facto omissa no ponto III. A. da Douta Sentença, nomeadamente no que tange ao facto elencado sob a letra n) “ foi o despedimento ilegal daquele ______ que motivou a obrigação de indemnizar, independentemente das diligências processuais que pudessem ser empreendidas.” da matéria de facto não provada a qual deveria ser dada como provada.
iii. Tendo a contestação cujo desentranhamento funda a acção sub judice sido efectivamente apresentada, a resposta à matéria vertida na alínea n) da matéria de facto não provada, deverá ser dada por reporte à argumentação expendida naquela

contestação e não a uma hipotética defesa fundada em argumentos não vertidos naquele articulado.
iv. Assumindo a matéria vertida na alínea n) dos factos não provados, natureza complexa atenta a sua natureza de matéria de facto e direito.
Resulta da matéria alegada pela Apelada e bem assim da prova produzida em sede de julgamento, não ser a contestação desentranhada susceptível de evitar a sua condenação na acção intentada pelo seu anterior trabalhador com fundamento em despedimento sem justa causa.
v. Funda a ora Apelante o seu recurso em matéria de facto, (considerando a motivação da resposta da matéria de facto dada pelo Tribunal a quo), na inquirição de todas as testemunhas inquiridas pelo Tribunal a quo, mormente das testemunhas L. (legal representante da A.) com inquirição gravada no dia 11/03/2015 entre as 10:03:08 e as 11:35:53, J. (anterior superior hierárquico do trabalhador despedido pela Autora) com inquirição gravada no dia 11/03/2015 entre as 11:38:31 e as 11:58:33, P. (anterior funcionária administrativa da A.) no período em que o trabalhador despedido pela Autora exerceu funções, A. (amiga do trabalhador que o acompanhou ao seu local de trabalho onde foi impedido de prestar a sua actividade) com inquirição gravada no dia 11/03/2015 entre as 14:35:56 e as 14:52:56, M. (funcionário publico que processou a candidatura da Apelada ao programa Inov Jovem) com inquirição gravada no dia 11/03/2015 entre as 14:54:20 e as 15:17:58, C. Pereira (agente de execução na execução movida pelo trabalhador contra a Apelada) com inquirição gravada no dia 11/03/2015 entre as 15:18:48 e as 15:34:46, R. (amigo do trabalhador que o acompanhou ao seu local de trabalho onde foi impedido de prestar a sua actividade) com inquirição gravada no dia 11/03/2015 entre as 15:36:15 e as 15:48:09, X. (colega do trabalhador no período em que este desempenhou funções na Apelada) com inquirição gravada no dia

11/03/2015 entre as 15:49:04 e as 16:06:14, T. (colega do trabalhador no período em que este desempenhou funções na Apelada) com inquirição gravada no dia 11/03/2015 entre as 16:06:55 e as 16:21:21 e Y. (trabalhador despedido pela Apelada) com inquirição gravada no dia 07/04/2015 entre as 11:30:30 e as 12:14:48.
vi. Da inquirição de todas as testemunhas supra-indicadas, em especial da inquirição do legal representante da Autora L. (em especial entre os 1:17:29 minutos e os 1:20:26 da sua inquirição) e do trabalhador despedido, resultou assentar o motivo da contratação a termo aposta no contrato de trabalho inicial celebrado entre a Autora e o trabalhador, em factos falsos, não tal motivação sido concretizada naquele clausulado.
vii. Da inquirição de todas as testemunhas supra-arroladas, (vide entre outros a inquirição da testemunha Y., em especial do minuto 7:28 a 7:45) não ter o contrato a termo celebrado sido denunciado.
viii. Em relação ao vencimento do ex-trabalhador da Autora, ficou amplamente demonstrado da inquirição de todas as testemunhas inquiridas, o acordo entre A. e trabalhador no sentido de que este passaria a auferir a quantia de € 814,82 (vide entre outros a inquirição de Y. e L., em especial entre o minuto 25:53 e 30:30) sendo que parte dessa quantia seria reembolsada à Autora ao abrigo do programa de estágios profissionais Inov Jovem.
ix. Em face da inquirição das testemunhas Y. (em especial entre o minuto 7:00 e 7:27) trabalhador e J., anterior superior hierárquico do trabalhador (em especial do minuto 09:35 ao minuto 10:32), resulta manifesto que aquele prestou de forma ininterrupta e forma homogénea trabalho em benefício da Autora.
x. A defesa vertida na contestação desentranhada sub judice assentava em 4 argumentos a saber:

a) O contrato de trabalho a termo celebrado entre a Autora e o trabalhador Y. cessou em face da celebração de contrato de estágio profissional bem como a declaração emitida pelo trabalhador para instruir o processo de candidatura ao programa inov jovem, na qual por este é declarado que se encontrava desempregado.
b) A remuneração a ser tida em conta no cálculo das quantias peticionadas pelo trabalhador deveria corresponder ao montante de € 426,00 e não ao montante considerado na sentença de € 814,82 (€ 1.019,24 para o calculo da retribuição de férias, retribuições vencidas entre 15/01/2009 e 24/03/2010 e 15 dias trabalhados no mês de Janeiro) por ter sido declarado nulo o contrato de formação (onde se previu a remuneração de € 814,22), ao que acresce não poder o trabalhador gozar da categoria profissional que lhe foi atribuída.
c) Cessando o Contrato de Trabalho no ano seguinte ao da admissão, não se vencem 22 dias de férias em 1 de Janeiro de 2009, sendo apenas devidas as férias proporcionais aos meses de duração do contrato.
d) O direito a férias, subsidio de férias e subsidio de natal, após 15 de Janeiro de 2009, uma vez que o direito a tais importâncias pressupõe a existência de vínculo laboral.
xi. No que concerne ao primeiro argumento vertido na Contestação sub judice, sempre se dirá que, estabelecendo taxativamente o CT 2003 as formas de cessação do contrato de trabalho, sugere a Apelada (ao que se julga) na contestação sub judice, ter o contrato de Trabalho cessado por iniciativa do trabalhador (que não a resolução) ou revogação, pelo que considerando o disposto nos artigos 447.º, 450.º e 394.º do CT 2003, resultando provada a inexistência de denúncia por parte do trabalhador ou qualquer outra comunicação susceptível de fundar a cessação do vínculo laboral estabelecido entre o trabalhador e a Apelada por via da celebração do contrato de

trabalho a termo sub judice, é manifesta a inexistência de cessação do contrato de trabalho em momento prévio ao despedimento injustificado levado a cabo pela A. em 15 de Janeiro de 2009.
xii. No que concerne ao segundo argumento vertido na Contestação sub judice, sempre se dirá que as remunerações e categorias estabelecidas no Contrato Colectivo aplicável à relação laboral sub judice, correspondem a valores e categorias mínimos, podendo a entidade patronal, livremente fixar valores remuneratórios superiores ao aí estabelecido, nunca podendo, mesmo que se equacione a impossibilidade de atribuição da categoria do trabalhador, tal impossibilidade determinar a redução da remuneração.
xiii. De igual forma, a nulidade do Contrato de Formação incidindo apenas sobre a circunstância de existir aquando da sua celebração um contrato sem termo anterior em vigor, in limine ao abrigo do princípio do favor negotie, não é susceptível de afectar o acordo remuneratório entre a Autora e o seu trabalhador, sendo certo que tal acordo se encontra expresso no recibo de vencimento emitido pela Apelada junto com a p.i apresentada no processo ----- e que esta junta com a sua p.i., sob o n.º 3.
xiv. Como resulta da prova produzida perante o Tribunal a quo efectivamente existiu um acordo entre a Apelada e o trabalhador no âmbito do qual por este seria auferida a remuneração de € 814,82, sendo salvo o devido respeito irrelevante que tal montante tenha sido fixado com o pressuposto (que se veio a verificar durante cerca de um mês) de que uma parte de tal montante fosse reembolsado à Apelada ao abrigo do programa Inov Jovem.
xv. No que concerne ao terceiro argumento vertido na Contestação sub judice, sempre se dirá, que considerando que o contrato de trabalho cessou em 15 de Janeiro de 2009, a limitação chamada à colação na Contestação sub judice, por introduzida com a revisão do Código de Trabalho operada pela Lei 7/2009 de 7 de Fevereiro, não era

aplicável à relação laboral sub judice, inexistindo no Contrato Colectivo aplicável à relação laboral objecto do processo ------, mormente na sua cláusula 51.ª, qualquer limitação à aquisição do direito a férias em resultado da duração do contrato ser inferior a 12 meses, sendo esta disposição, por mais favorável ao trabalhador, aplicável em derrogação das disposições do Código de Trabalho.
xvi. No que concerne ao quarto argumento vertido na Contestação sub judice, sempre se dirá, que de forma uniforme a Jurisprudência (entre outros o acórdão de 21 de Março de 2012 do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa) se pronunciaram favoravelmente no sentido de serem incluídas nas retribuições intercalares os montantes relativos a subsídio de férias e de natal.
xvii. Atenta a prova produzida perante o Tribunal a quo e bem assim a insustentabilidade jurídica da defesa apresentada pela Apelada na contestação sub judice, resulta, salvo o devido respeito, de forma manifesta, que a obrigação de indemnizar foi motivada pelo despedimento ilegal do Y., independentemente das diligências processuais que pudessem ser empreendidas.
Devendo em consequência a matéria vertida na alínea n) dos factos não provados com a seguinte redacção “ foi o despedimento ilegal daquele Y. que motivou a obrigação de indemnizar, independentemente das diligências processuais que pudessem ser empreendidas” ser dada como provada.
xviii. No que concerne à existência e quantificação do dano de perda de chance, como temos por seguro, a perda de chance, não poderá ser entendida, com total desprendimento da teoria da causalidade adequada acolhida no direito Civil Português.
xix. Não bastará que um advogado, por falta de zelo, não tenha praticado um determinado acto, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica da sua cliente o direito à

indemnização por perda de chance, sem se exigir qualquer outro requisito sendo que tal entendimento, de uma forma que se têm por inadmissível, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, mormente, a necessidade de existência de danos e o nexo de causalidade entre a actuação e os danos.
xx. A perda de chance, a ser admitida, não podendo ser atendida de forma totalmente afastada da exigência do dano e do nexo causal, deverá sim, ter por base e enquanto simultaneamente prossuposto da sua existência e critério de determinação do quantum indemnizatório, a probabilidade de vencimento (apenas sendo indemnizável a chance com probabilidade séria de vencimento).
xxi. A admitir, o que se faz por dever de patrocínio, que não é possível aferir a probabilidade de procedência da “chance” perdida, sendo em consequência atribuída indemnização para cuja atribuição e quantificação não é empregue qualquer outro critério que não a circunstância de ter sido apresentada contestação julgada extemporânea, a indemnização atribuída, cai no âmbito da pura aleatoriedade, sem qualquer correspondência com o dano efectivamente sofrido pelo lesado, sendo consequentemente de acordo com o entendimento sustentado pela decisão recorrida, a “chance” “perdida” (em qualquer caso) indemnizada em montante correspondente a 50% do possível resultado do acto omitido.
xxii. Em face da ausência de prova quanto à seriedade da “chance perdida pela Apelada ” e a admitir ser impossível a quantificação da probabilidade de procedência de tal chance, forçoso será concluir, não se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil nexo de causalidade (entendido como a seriedade da pretensão da A.) e dano (entendido como a probabilidade de pretensão da pretensão da A.), pressupostos cujo ónus de alegação e prova impende sobre a Apelada.


xxiii. Sem prejuízo da argumentação expendida e sede de recurso de matéria de facto, mesmo considerando a matéria que pelo Tribunal a quo foi considerado como provada, sempre resultaria demonstrada a necessária improcedência da contestação sub judice, atenta a sua manifesta insustentabilidade jurídica, atento o concluído de xi a xvi das presentes conclusões.
xxiv. Inexistindo dano de perda de chance, igualmente resulta inexistente o nexo causal entre a conduta do lesante e a quantia peticionada a título de juros devidos pela celebração de mutuo no montante de € 27.500,00 (tendo em vista a liquidação da quantia executada pelo trabalhador em resultado da sentença proferida contra a Apelada) a qual, não resultando provada a disponibilidade financeira da Apelada para proceder ao pagamento da quantia objecto de condenação no processo sub judice (ou qualquer outra quantia), sempre teria que por si ser suportada.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Sentença recorrida, sendo em sua substituição proferida decisão de Absolvição da Apelante.
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6. A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTOS.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, nºs 1 e 2, do NCPC.

No seguimento desta orientação, as questões suscitadas no recurso interposto pela Ré apelante, cifram-se, no essencial,
a)- na impugnação da decisão sobre a matéria de facto (alteração da factualidade julgada como não provada pelo tribunal recorrido);
b)- na verificação dos pressupostos de que depende a indemnização pela denominada «perda de chance».

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III)- FUNDAMENTOS DE FACTO.

O tribunal de primeira instância julgou provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma rádio que exerce a sua actividade na cidade de----.
2. A 1.ª Ré é uma empresa seguradora que celebrou com a Ordem dos Advogados portugueses um contrato de seguro obrigatório (Apólice RC Profissional DP/01018/10/B), através da AON Portugal – Correctores de Seguros, de que são beneficiários todos os Advogados com inscrição em vigor.


3. Por esse contrato de seguro estão garantidos os pagamentos de indemnizações que possam ser exigidas aos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados a título de Responsabilidade Civil Profissional, nomeadamente com base no erro ou omissão do exercício da actividade profissional de advocacia.
4. O 2.º Réu exerce a actividade de Advogado, tendo a respectiva inscrição em vigor desde 31.10.2006.
5. No âmbito da sua actividade, a Autora e o 2.º Réu possuíam uma relação de colaboração, desde o ano de 2008, em que este assumia o patrocínio forense daquela em diversas querelas jurídicas.
6. O legal representante da Autora, L., outorgou procuração forense a favor do 2.º Réu datada de 04.04.2008.
7. Em Setembro de 2009 foi intentada contra a Autora uma acção de condenação emergente de contrato individual de trabalho movida por Y., a qual originou o processo n.º ----- e correu termos na Secção Única do Tribunal do Trabalho de ----.
8. Na referida acção foi peticionada a condenação da ora Autora nos seguintes termos:
“a) Reconhecer que o denominado contrato a termo certo constitui desde o seu início, em Maio de 2008, um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
b) Reconhecer a nulidade do contrato de formação em posto de trabalho celebrado entre o A. e R. no dia 1 de Dezembro de 2008.
c) Reconhecer a ilicitude do despedimento efectuado ao A. em 15 de Janeiro de 2009;
d) Pagar ao A. uma indemnização correspondente ao montante das retribuições, vencidas e vincendas, que deixou de auferir desde a data do despedimento (15/01/2009), até trânsito em julgado da sentença do Tribunal (incluindo o valor relativo a férias, subsídios de férias e de natal referentes ao mesmo período), liquidando-se as já vencidas

até esta data no valor de € 8.148,20 e sendo ainda devidas as vincendas até à data do trânsito da douta decisão judicial a proferir, à razão de € 1.018,52 por mês (€ 814,82 + € 814,82:12×3).
e) Pagar ao A. a título de indemnização legal o correspondente a 45 dias de retribuição base (€ 814,82) por cada ano ou fracção, com antiguidade reportada a 1 de Maio de 2008 e até trânsito em julgado da sentença da presente acção de condenação, liquidando-se nesta data o valor mínimo correspondente a três meses de retribuição, acrescida dos proporcionais a título de férias, subsídio de férias e de Natal, no montante de € 3.057,82.
f) Pagar ao A. a quantia de € 509,62 a título de retribuição devida por 15 dias de trabalho do mês de Janeiro de 2009.
g) Pagar ao A. a quantia de € 2.165,88 (€ 1.019,24:12×8,5×3) a título de férias não gozadas entre 01.05.2008 e 15.01.2009, bem como de subsídio de férias e de Natal não recebidos até esta mesma data.
h) Pagar ao A. a quantia de € 3.000,00 a título de indemnização para ressarcimento de danos morais sofridos.
i) Pagar ao A. a importância correspondente a juros de mora liquidados sobre a totalidade das quantias referidas, vencidos desde a data da respectiva constituição em mora e vincendos, até integral e efectivo pagamento.
j) Pagar ainda custas e procuradoria condigna”.
9. Nesta sequência, a ora Autora contactou o 2.º Réu para assumir o seu patrocínio no referido processo.
10. Em 09.10.2009, o 2.º Réu, juntamente com o legal representante da ora Autora, marcou presença na Audiência de Partes, não tendo sido possível o acordo das partes.


11. Naquela mesma data, a Autora e o 2.º Réu foram notificados para contestar no prazo de 10 dias sob pena de, não o fazendo, se considerarem confessados os factos articulados pelo autor da referida acção.
12. Em 27.10.2009, via citius, o 2.º Réu apresentou no referido processo a contestação que se encontra junta a fls. 69-76 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo junto a procuração forense outorgada pelo legal representante da ora Autora.
13. Por ter sido apresentada fora do prazo legal, a M.ma Juíza do Tribunal do Trabalho de ---- não admitiu a contestação apresentada e, em 24.03.2010, proferiu a sentença condenatória que se encontra junta a fls. 82-86 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
14. A contestação da acção n.º ------, que correu termos no Tribunal do Trabalho de Bragança, intentada por Y. contra a ora Autora, foi apresentada pelo 2.º Réu de forma manifestamente extemporânea sem qualquer motivo justificativo.
15. A ora Autora só teve conhecimento do decaimento da referida acção em razão do desentranhamento da contestação através da notificação da sentença que a condenou, além do mais, no pagamento àquele Y. da quantia de € 24.831,89 e juros.
16. Confrontado pelo legal representante da Autora com tal facto, o 2.º Réu declarou que não havia motivos de preocupações uma vez que iria interpor recurso da sentença, tendo aquele confiado que a situação poderia ser dessa forma revertida.
17. O recurso da decisão do Tribunal do Trabalho de Bragança foi interposto pelo 2.º Réu mas desacompanhado do documento comprovativo de pagamento da taxa de justiça.
18. Apesar de ter sido notificado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento omitido da taxa de justiça bem como da multa prevista no n.º 1 do artigo 685.º-D do C.P.C., sob pena de desentranhamento da alegação, o 2.º Réu não o fez e, por despacho

datado de 18.06.2010, a M.ma Juíza do Tribunal do Trabalho de ---- determinou o desentranhamento do requerimento e alegações de recurso apresentados pelo 2.º Réu.
19. O 2.º Réu nunca solicitou à Autora o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de recurso.
20. A Autora teve conhecimento de que a sentença proferida naquela acção havia transitado em julgado apenas em 13.07.2010 quando foi surpreendida nas suas instalações pela presença de uma agente de execução para proceder à penhora de bens existentes na sede da mesma e, consequentemente, à citação do processo executivo n.º ----- que estava a correr termos na Secção Única do Tribunal do Trabalho de ----.
21. Foi nessa data, e através da agente de execução, que a Autora teve conhecimento de que a sentença proferida no processo n.º ---- já tinha transitado em julgado e que tinha de pagar a quantia de € 24.831,89, acrescida de juros de mora, calculados em € 333,17 à data de 05.07.2010 (data da entrada em juízo do requerimento executivo), e de despesas.
22. Nesse dia e nos imediatamente seguintes, a Autora tentou inúmeras vezes contactar o 2.º Réu para esclarecer o sucedido e como resolver esta questão da penhora dos bens, mas sem sucesso.
23. Em 13.07.2010 foram penhorados os seguintes bens da propriedade da Autora: uma secretária (verba n.º 1), uma cadeira (verba n.º 2), um móvel de escritório (verba n.º 3), um monitor “Samsung” (verba n.º 4), uma impressora “Canon” (verba n.º 5), uma mesa de reuniões (verba n.º 6), uma fotocopiadora “Ricoh” (verba n.º 7), uma secretária (verba n.º 8), dois microfones (verba n.º 9) e um monitor “Samsung” (verba n.º 10).
24. Dos referidos bens, foram removidas as verbas n.ºs 6, 7, 9 e 10.



25. Além dos bens referidos em 23., nessa mesma data, foram ainda penhorados o veículo automóvel --- e o veículo automóvel ----.
26. Na mesma data, a Autora ordenou a transferência da quantia de € 5.000,00 por conta da quantia exequenda.
27. Em 02.09.2010 foram penhorados os créditos que a Autora detinha sobre a empresa “ …………, Lda.” decorrentes de publicidade, no valor de € 532,40, tendo a agente de execução notificado tal empresa para colocar tal importância à ordem do processo executivo.
28. A penhora de bens trouxe complicações para o exercício da actividade da mesma por terem sido removidos bens que são necessários para o seu normal funcionamento.
29. A Autora vive em muito dependente da publicidade.
30. Na sequência do contacto com o 2.º Réu a contar o sucedido, o mesmo apresentou oposição à execução e deduziu incidente de prestação de caução com o objectivo de suspender a instância executiva através de garantia bancária da Caixa Geral de Depósitos, S.A. no valor de € 26.853,84.
31. A oposição à execução deduzida veio a ser julgada improcedente e o incidente de prestação de caução igualmente deduzido veio a ser indeferido.
32. Pela dedução da oposição à execução a Autora suportou o pagamento da quantia de € 229,50 a título de taxa de justiça.
33. Pela dedução do incidente de prestação de caução a Autora suportou o pagamento da quantia de € 382,50 a título de taxa de justiça.
34. Com a garantia bancária que antecipadamente se propôs a prestar a Autora despendeu a quantia global de € 406,31 a título de comissões.
35. Para que a execução fosse declarada extinta, como veio a suceder, a Autora entregou à agente de execução a quantia de € 27.523,42.

36. Para proceder ao pagamento da referida quantia a Autora, em 18.10.2010, solicitou à Caixa Geral de Depósitos, S.A. a concessão de um empréstimo no montante de € 27.500,00.
37. A título de comissão pela celebração do contrato a Autora suportou a quantia de € 103,13 e, para além do capital mutuado, entre 18.11.2010 e 18.02.2013, pagou a quantia de € 2.854,63 a título de juros.
38. Em 31.08.2010, o 2.º Réu fez pedido de activação do seguro de responsabilidade civil “por incumprimento de prazo processual e que decorre da decisão proferida pela Juiz de Direito, do Trib. Trabalho de ----, nos autos do processo n.º ---- e que julgou apresentada fora de prazo legal a contestação oferecida, determinando a respectiva não admissão e condenação da B., CRL (minha constituinte) no pagamento ao autor da quantia pecuniária de € 24.342,89”.
39. Em 01.05.2008, a Autora e Y. celebraram o denominado “contrato de trabalho a termo certo” que se encontra junto a fls. 23/24 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
40. A Autora propôs a Y. a celebração de um contrato de formação em posto de trabalho, a qual foi aceite por aquele.
41. Y. inscreveu-se, como desempregado, no Instituto de Emprego e Formação Profissional em 1 de Agosto de 2008.
42. Apesar disso, e enquanto não foi aceite a candidatura apresentada pela Autora e por Y., este continuou a realizar para aquela vários trabalhos com a categoria de Jornalista de 6.º Escalão e mediante o pagamento da retribuição de € 550,00.
43. Em 01.12.2008, por julgar preenchidos os requisitos legais para a celebração do mesmo, foi deferido pelo Centro de Emprego de ----- o denominado “contrato de formação em posto de trabalho” que se encontra junto com a ref.ª 239188 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

44. Por razões não concretamente apuradas, gerou-se uma situação de conflito entre Y. e a Autora, esta rescindiu o contrato de formação em posto de trabalho.
45. Pelo trabalho prestado no mês de Dezembro de 2008 ao abrigo do contrato referido em 43., Y. auferiu uma bolsa de estágio no valor de € 814,82, comparticipada pelo Estado em 60%, acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 82,20 e de subsídio de alojamento no valor de € 122,22.
46. O 2.º Réu continuou a colaborar com a Autora em programas de debate semanal até Janeiro de 2012 e recebeu solicitações daquela, até Outubro/Novembro de 2012, para que continuasse a assegurar a negociação de acordos de regularização de dívidas da autora, o que fez.
47. Pela Apólice n.º DP/01018/11/C, “ A., Ltd. ” assumiu a responsabilidade de pagar os eventuais prejuízos causados a terceiros no exercício da advocacia por advogados inscritos na Ordem dos Advogados, até ao montante de € 50.000,00 e com uma franquia de € 5.000,00.
48. Pela Apólice n.º DP/02416/11/C, a mesma “ A., Ltd. ” assumiu a responsabilidade de pagar os eventuais prejuízos causados a terceiros no exercício da advocacia por advogados inscritos na Ordem dos Advogados, até ao montante de € 100.000,00, sem franquia.
49. A apólice referida em 48. funciona em excesso da apólice referida em 47..

* *
Por seu turno, no que revela para a presente apelação, o tribunal de primeira instância julgou não provada a seguinte factualidade:
n)- foi o despedimento ilegal daquele Y. que motivou a obrigação de indemnizar, independentemente das diligências processuais que pudessem ser empreendidas.»

* *
III.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido:
Nesta sede, e antes do próprio objecto da impugnação de facto, cumpre referir as condições que subjazem à aludida impugnação.

Nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.» (sublinhado nosso)

Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que :
a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
À luz do regime exposto, e como é lição de A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos no Novo Código de Processo Civil “, Almedina, 2ª edição, 2014, pág. 132-133, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

- em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
- quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
- relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos;

Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.

Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a […]

possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.»

Destarte, importa referir que em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.

De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.
Por outro lado, é ainda de referir que as aludidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, como refere A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 135, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.

No caso em apreço, e quanto ao cumprimento dos ditos ónus, temos para nós como seguro que a apelante não deu, na forma exigível, e acima exposta, cumprimento

aos mesmos, limitando-se, quanto aos depoimentos gravados que invoca em abono da sua impugnação da decisão facto (e não em relação a todos, como se verá), a referir os períodos temporais integrais de gravação dos mesmos e em conformidade com o constante da acta de audiência de julgamento – omitindo, portanto, as passagens exactas das gravações em que sustenta a sua impugnação de facto.
Assim sucede a fls. 441-442 e a fls. 449 verso quando se refere ao depoimento de Leonel Alberto Guedes «com inquirição gravada no dia 11.03.2015 entre as 10:03:08 e as 11: 35:53»; José Carlos Vaz Trindade «com inquirição gravada no dia 11.03.2015 entre as 11:38:31 a 11:58:33»; Ana Maria Moas Gonçalves, «com inquirição gravada no dia 11.03.2015 entre as 14:35:56 e as 14:52:56»; Maximiano António Pires da Silva, «com inquirição gravada no dia 11.03.2015 entre as 14:54:20 e as 15:17:58»; Carla Pereira, «com inquirição gravada no dia 11.03.2015 entre as 15:18:48 e as 15:34:46»; Rui Manuel Martins, «com inquirição gravada no dia 11.03.2015 entre as 15:36:15 e as 15:48:09»; Rui Manuel Mouta «com inquirição gravada no dia 11.03.2015 entre as 15:49:04 e as 16:06:14»;Rui Sousa «com inquirição gravada no dia 11.03.2015 entre as 16:06:55 e as 16:21:21»; Bruno Miguel Gonçalves «com inquirição gravada no dia 7.04.2015 entre as 11:30:30 e as 12:14:48», sendo certo que quanto à testemunha Paula Maria Esteves Ferreira, a ora apelante não indica sequer qualquer período temporal (total ou parcial) atinente à gravação do seu depoimento em audiência de julgamento.
Por outro lado, ainda, é de referir que a ora apelante também não procedeu a qualquer transcrição dos depoimentos gravados, embora, a nosso ver, e como adiante melhor se explicitará, uma tal transcrição não fosse susceptível de suprir a falta de indicação das «passagens exactas da gravação» invocadas em sustento da impugnação da decisão de facto.

Neste quadro, a questão que se coloca e que importa dirimir é a de saber se este procedimento adoptado pela ora apelante satisfaz o aludido ónus de indicação, ónus esse que, em conformidade com o citado art. 640º, n.º 2 al. a)- do CPC, impõe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, a “ indicação exata das passagens da gravação em que se funda ”, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Ora, no que se reporta a esta questão, afigura-se-nos que o estrito cumprimento da mencionada imposição legal não se basta com a mera identificação do início e fim da gravação do depoimento das diversas testemunhas ou de outros intervenientes processuais ouvidos no decurso da audiência final.

Com efeito, a lei adjectiva exige bem mais do que uma indicação nesses moldes, reclamando que seja feita uma indicação precisa (exacta, na terminologia legal) das concretas passagens dos depoimentos (fonograficamente registados) que, na perspectiva do Recorrente, apontem em sentido diverso daquele que foi considerado pelo juiz a quo aquando da fixação da matéria de facto julgada provada ou não provada.

De facto, conforme tem sido assinalado, a «ratio essendi» dessa exigência legal destina-se a permitir que o tribunal de recurso fique habilitado a reconhecer de forma inequívoca os concretos segmentos da prova pessoal produzidos na audiência final susceptíveis de confirmar «o error in iudicando» que o Recorrente dirige ou assaca à decisão da questão de facto.
Por outro lado, o cumprimento rigoroso desse ónus destina-se, ainda, a permitir que a parte contrária possa exercer na plenitude a contraditoriedade relativamente aos argumentos que o Recorrente invoca para defender decisão diversa sobre a factualidade

que considera indevidamente apreciada/julgada, tanto mais que, na resposta ao recurso, terá a dita parte contrária, nos termos da 2ª parte da al. b)- do n.º 2 do referido art. 640º, de indicar “ os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda (…) ”.

Portanto, a exigência de que a indicação seja exacta, precisa, específica, visa permitir, tanto à parte contrária, quer, sobretudo, ao tribunal «ad quem» uma audição, fácil e célere, das passagens da gravação em que se funda a impugnação, de modo a avaliar, de forma expedita, se os excertos ou segmentos do registo apontados pelo Recorrente são ou não adequados a inculcar o aludido erro de julgamento (de facto) invocado, sem prejuízo, todavia, da actuação, pelo tribunal superior dos seus poderes de investigação oficiosa, isto é, da faculdade de proceder à audição de quaisquer outros segmentos do registo, do mesmo ou de outros depoimentos.

Termos em que, dada a assinalada finalidade da determinação legal, o ónus daquela indicação não pode considerar-se cumprido pela simples referência ao início e termo da gravação áudio dos respectivos depoimentos ou pela simples transcrição, ainda que integral, dos depoimentos produzidos e fonograficamente registados na audiência final, embora, no caso sub judice, nem esssa transcrição (integral ou parcial) tenha sido efectuada pela ora apelante.

De facto, segundo a devida interpretação, à expressão sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, não pode atribuir-se o sentido de a transcrição dos depoimentos constituir uma alternativa à indicação precisa da sua localização no registo sonoro, tanto mais que o actual sistema de

gravação permite a fácil identificação dos ficheiros respeitantes a cada depoimento, seu início e fim, sendo igualmente fácil concretizar em que momento do depoimento a testemunha ou outro depoente se pronunciou sobre uma determinada matéria, identificando, de modo preciso, a hora, minutos e segundos.

Como bem se observa no Acórdão desta Relação de 30.01.2014, processo n.º 273733/11.1YIPRT.G1, relator A. BEÇA PEREIRA, disponível in www.dgsi.pt, a expressão “ sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição ”, que é antecedida pela imposição da obrigação de “ indicar com exatidão as passagens da gravação ”, tem de ser interpretada no sentido de que o legislador entendeu que a possibilidade de se “ proceder à respetiva transcrição ” não era suficiente para se poder ter como feita a indicação “com exatidão das passagens da gravação”.

Neste contexto, atento o actual sistema de gravação dos depoimentos, será de concluir que a indicação “ com exatidão das passagens da gravação em que se funda ” concretiza-se mencionando, de forma precisa, o momento em que cada uma de tais passagens tem o seu início e o seu termo. A parte, se assim o quiser, para além disso poderá também, não porque esteja obrigada, mas porque nisso vê algum interesse, proceder à transcrição das passagens que considera importantes.
Todavia, repete-se, à luz do texto legal e da sua devida interpretação, a transcrição das passagens não substitui ou supre a falta de indicação precisa da passagem em apreço, tendo por referência o registo fonográfico da mesma, ou seja, o ínicio e o termo da concreta e individualizada passagem que suporta o alegado erro de julgamento.



Destarte, na sequência do antes exposto, não tendo o Recorrente, quanto às testemunhas P., A., M., C., R., R. e T. procedido à indicação exacta, precisa, das passagens da gravação dos seus depoimentos gravados em que fundamenta o recurso relativamente à decisão da questão de facto, tendo-se limitado, como se referiu, a proceder à identificação do início e o termo do respectivo ficheiro áudio (e quanto à testemunha P. nem essa indicação consta das alegações/conclusões do recurso), seguro é, a nosso ver, que não pode este tribunal de recurso proceder à reapreciação da matéria de facto em apreço [facto não provado em n) da sentença recorrida) à luz ou tendo em consideração tais depoimentos, atento o flagrante incumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto com base em tais depoimentos gravados. Vide, neste sentido, além do aresto já citado desta Relação, ainda os Acordãos, também desta Relação, proferidos a 3.12.2015 (apelação n.º 2002/12.5TBBCL.G1) e 17.12.2105 (apelação n.º 3390/12.9TJVNF.G1), em que interviemos, respectivamente, como adjunto e relator.

Assim sendo, em conformidade com o disposto na 1ª parte da al. a)- do n.º 2 do art. 640º do CPC, impõe-se a rejeição, nesta parte, do recurso, sendo que, dada a expressão peremptória da lei (através do emprego do adjectivo imediata), não há lugar, em tal hipótese, a despacho de convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância do ónus em causa. Vide, neste sentido, inter alia, A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 134, AMÂNCIO FERREIRA, “ Manual de Recursos em Processo Civil ”, 8ª edição, pág. 170; LOPES do REGO, “ Comentários ao Código de Processo Civil ”, 1999, pág. 466 e J. LEBRE de FREITAS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, vol. III, 2ª edição, pág. 62.


Todavia, para além dos citados depoimentos, invoca, ainda, a apelante, em abono da sua impugnação da matéria de facto em apreço, os depoimentos das testemunhas L. (depoimento entre os 1:17:29 e 1:20:16 da sua inquirição) e Y. […]

Y. (depoimento entre o minuto 7:28 a 7:45), dos quais, em seu entender, resultaria demonstrado que o contrato de trabalho «a termo certo» celebrado entre a aqui Autora (e Ré nos autos de processo laboral) e o seu ex-trabalhador, o aludido Bruno Miguel (Autor no mesmo processo laboral) tinha sido celebrado com base em factos falsos (quanto à necessidade de contratação para funções temporárias ou ocasionais do mesmo trabalhador) e, ainda, que o dito contrato de trabalho a termo não teria sido denunciado pelo trabalhador.

Ora, neste conspecto, ouvidos os registos fonográficos dos aludidos depoimentos, a posição sustentada pela apelante não colhe, ao contrário do que esta refere, apoio nos mesmos.

Com efeito, a este nível, os ditos depoimentos mostraram-se, ao invés do que refere a apelante (sem citar exactamente qual ou quais as afirmações dos depoentes que sustentam a sua posição), absolutamente opostos, não se colhendo da ponderação dos citados depoimentos a prova da factualidade em apreço.
Na verdade, é de referir que o legal representante da aqui Autora (e Ré no aludido processo laboral) sustentou expressamente que o aludido Y. foi contratado para apenas para colmatar uma situação pontual de férias e, por outro, que no período que medeou após o termo do contrato de trabalho de três meses (cessação que decorreu, na versão da testemunha, de ter ele [o trabalhador] apresentado uma declaração sob compromisso de honra de que estava desempregado e para efeitos de celebração de um contrato de formação ou estágio ao abrigo do programa Inov- Jovem, contrato este que só veio a ser celebrado em Dezembro) e a celebração do dito contrato de formação/estágio, o mesmo Y apenas executou algumas tarefas ocasionais, para «ajudar», tendo auferido gratificações por essa colaboração ocosional.

Ao invés, já a testemunha Y. (Autor na acção laboral que moveu contra a qui Autora e ali Ré, como sua entidade patronal), apresentou versão oposta à antes referida (que foi contratado não a título ocasional, mas antes para substituir um colega que tinha saído para uma outra rádio, portanto sem termo ou prazo certo, como sustentado na acção laboral que deduziu contra a ali Ré e ora Autora), embora confirmasse que, de facto, se inscreveu no Centro de Emprego, como desempregado, e na convicção de que o contrato de termo certo (três meses) tinha terminado, tendo vindo, no entanto, «a posteriori», a ser informado de que o dito contrato (celebrado em Maio de 2008) não se mostrava findo, que era válido, que o contrato de formação era nulo e que, por isso, lhe assistia o direito a exigir o cumprimento de tal contrato de trabalho, em razão do que se apresentou na empresa aqui Autora para tal fim, o que lhe veio a ser recusado.
Destarte, ao contrário do que sustenta a apelante não resulta inequívocamente, à luz de tais depoimentos, a demonstração de que o contrato de trabalho se tenha baseado em factos falsos (quanto à motivação subjacente à contratação de Y.) ou que não tenha sido posto termo ao contrato de trabalho no final do seu respectivo prazo.

E o mesmo se diga quanto ao montante do salário a pagar ao Y. (no valor de € 814, 82) ou quanto à prestação ininterrupta e homogénea de trabalho pelo mesmo Y. entre Maio de 2008 e Janeiro de 2009, sendo certo que também sobre esta matéria os depoimentos das testemunhas ---- se mostraram expressa e convictamente afastados pelo depoimento da testemunha L.

Aliás, nesse conspecto, o tribunal a quo deu apenas como provado (vide ponto 42. dos factos provados na sentença – que não foi impugnado pela ora apelante) que, apesar disso (isto é, apesar da declaração entregue por Y., datada de 1.08.2008, no IEFP, de que se encontrava desempregado), enquanto a canditadura ao estágio no

âmbito do programa Inov-Jovem não foi aprovada (entre Agosto de 2008 e Dezembro de 2009), o aludido Y. continuou a realizar para aquela vários trabalhos com a categoria de Jornalista de 6º escalão e mediante o pagamento da retribuição de € 550, 00.
Dito de outro modo, não só a factualidade em causa não colhe apoio nos meios de prova invocados pela apelante (os depoimentos antes referidos) como não se mostra compatível ou coincidente com a matéria julgada como provada pelo tribunal a quo sob os pontos n.ºs 41 e 42. do elenco dos factos provados, matéria factual esta que não foi impugnada no recurso da decisão sobre a matéria de facto.

Destarte, à luz dos depoimentos em causa, não se vislumbram razões para alterar a matéria de facto julgada como não provada sob a alínea n)- do elenco da sentença recorrida, sem deixar de frisar que a não prova de tal facto não significa ou equivale à prova do seu contrário.
Por último, é ainda de referir que a questão da argumentação jurídica invocada pela Ré naqueles autos do foro laboral movidos pelo seu ex-trabalhador Y. (e ora Autora) não colhe para efeitos de alteração da factualidade não provada.

Essa argumentação jurídica pode até não ser irrelevante para a sorte da acção – baseada em perda de «chance» por alegada omissão ilícita e culposa (negligente) imputável ao 2º Réu e Mandatário Forense da ali Ré e ora Autora – mas uma tal argumentação ou defesa só poderá ser conhecida em sede de avaliação sobre a existência de uma «séria», «real» ou «consistente» probabilidade de ganho de causa, no caso em apreço, por evitamento do prejuízo que implicaria para a ali Ré [ora Autora] o decaímento (total ou parcial) na demanda que lhe foi movida pelo seu ex-trabalhador Y. na sequência do termo do respectivo contrato de trabalho que os vinculava.


Dito de outro modo, que se julga mais claro, a questão da argumentação jurídica invocada pela ali Ré (por meio do seu Mandatário Forense) poderia revelar naquilo que a doutrina e a jurisprudência designam por «julgamento no julgamento» ou «trial within a trial», «procès dans le procès», tentando reconstituir, para efeitos indemnizatórios, qual teria sido o resultado no processo sem o evento lesivo (no caso, com o oferecimento da contestação por parte da ali Ré), aferindo, assim, nessas circunstâncias, em função desta reconstituição hipotética do decurso do processo (e do que decidiria o tribunal chamado a dirimir o pleito), qual seria o desfecho do mesmo e o consequente grau de probabilidade do vencimento da tese da defesa, aferindo-se a «perda de chance» nessa mesma medida.

Todavia, mesmo nesta perspectiva, é de referir que, como salienta a apelada, a dita contestação e a sua argumentação jurídica não foram, nem podem agora ser apreciadas, na estrita medida em que a dita contestação não foi admitida nos autos por despacho transitado em julgado e, logicamente, nesse pressuposto, foi considerada irrelevante, não tendo sido tida em conta para efeitos decisórios na aludida acção laboral, a qual, partindo dessa premissa, considerou demonstrados na íntegra todos os factos alegados pelo ali Autor.


E assim sendo, como se julga, neste segmento da apelação atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se vislumbram razões para proceder à alteração do decidido, mantendo-se, em consequência, a matéria de facto julgada provada e não pelo tribunal a quo.

* *

IV)- FUNDAMENTOS DE DIREITO.

IV.1. Do mandato forense – Da Responsabilidade do Mandatário – Perda de Chance:

Como resulta do objecto da presente apelação está em causa a actuação/ responsabilidade contratual do 2º Réu ---, enquanto mandatário forense da ora Autora, no âmbito do exercício/cumprimento por aquele do mandato forense outorgado entre ambos (a aqui Autora e o aludido 2º Réu) e para patrocínio da ora Autora [ali Ré – entidade patronal] no âmbito de processo laboral (acção emergente de contrato individual de trabalho) que lhe movida pelo seu ex-trabalhador Y., na sequência do «despedimento ilícito» do mesmo e que correu termos sob o n.º ---- do Tribunal do Trabalho de ----.

i). Como se refere na sentença recorrida e não é sequer discutido entre as partes, o acordo entre a aqui Autora e o aludido 2º Réu consubstancia um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato, uma vez que teve por objecto a prática, no aludido processo judicial (foro laboral), de actos jurídicos (actividade jurídica) que era susposto o dito Mandatário praticar no exercício da sua profissão/actividade de Advocacia, em representação da ali Ré e no âmbito da defesa dos interesses da sua cliente a ali Ré e ora Autora, no confronto com o aludido Y. na sobredita acção – cfr. arts. 1154º, 1155º, 1157º e 1178º, todos do Cód. Civil.

O mandato é concluído, em regra, intuitu personae, esperando o mandante que o mandatário faça uso da destreza que sabe e deve ser capaz em face da sua formação académica/experiência profissional, esperando, simultaneamente, que o advogado o

aconselhe sobre o mérito do seu direito de forma conscienciosa e zelosa, facultando-lhe o melhor dos seus conhecimentos e recursos da sua actividade e experiência.

Todavia, como bem se sabe, e também não é ponto de discórdia entre as partes, a obrigação assumida pelo advogado perante o seu cliente não consubstancia uma obrigação de resultado, antes consubstancia uma obrigação de meios, no sentido de que a celebração do aludido contrato não impõe ou obriga o advogado a sair vitorioso da causa ou da defesa, antes lhe impõe o dever de representar o cliente em juízo, defendendo pela melhor forma possível os interesses que o mesmo lhe confiou.

Como refere a doutrina, a obrigação de meios existe quando «o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza». Vide, neste sentido, L. MENEZES LEITÃO, “ Direito das Obrigações ”, I Volume, 7ª edição, 2008, pág. 141-142 e ALMEIDA COSTA, “ Direito das Obrigações ”, 11ª edição, 2008, pág. 1039-1040.

Ao invés, estamos perante uma obrigação de resultado, quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a conseguir um determinado resultado ou efeito útil, respondendo por incumprimento se esse resultado não é obtido». Vide, neste sentido, por todos, L MENEZES LEITÃO, op. cit., pág. 141, J. CALVÃO DA SILVA, “ Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória ”, Separata do Volume XXX do Suplemento do BFDC, Coimbra, 1987, pág. 78-81, nota 154.

Desta forma, sendo a obrigação assumida pelo advogado uma obrigação de meios, não poderá este ser responsabilizado pela mera perda da causa, a menos que tenha ele actuado de modo negligente, respondendo ele, nessa hipótese, não em


função do resultado que não obteve, mas, antes, por não ter agido com a prudência, o zelo e os conhecimentos técnicos que lhe eram exigíveis no caso.

Precisamente, acolhendo esta posição, refere-se no AC STJ de 14.04.2015, processo n.º 203/11.2TVLSB.L1.S1, relator Cons. MÁRIO MENDES, in www.dgsi.pt, que «nas obrigações de meios (como é o caso) a circunstância de não ter sido alcançado o resultado devido e que fora previsto não é suficiente para para se considerar demonstrado o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso sendo igualmente necessário provar sempre o facto ilícito desse não cumprimento ou cumprimento defeituoso – em conclusão e estabelecendo a diferenciação de regime entre duas situações não confundíveis, no caso de se tratar de obrigação de meios cabe ao contratatente ou credor [lesado] demonstrar a culpa do contratado ou devedor; ao contrário, no caso de se tratar de uma obrigação de resultado presume-se a culpa do contratado, invertendo-se o ónus da prova, uma vez que nos contratos em que o objecto encerra um resultado a sua não obtenção é «quantum statis» para empenhar, por presunção, a responsabilidade do devedor.» (sublinhado nosso)

E, ainda, prossegue o Ilustre Sr. Juiz Conselheiro, «tratando-se de uma obrigação de meios (...) apenas depois de o credor demonstrar que o meio ou o comportamento contratualmente exigível não foi empregue pelo devedor ou que a actuação de acordo com as regras da arte foi omitida é que competirá a este (devedor) provar – se for caso disso – que não foi por culpa sua que não utilizou o meio devido ou omitiu a diligência exigível.» (sublinhado nosso)

Por outro lado, ainda, a sobredita responsabilidade assume, por regra, natureza contratual, na medida em que decorre ela da violação dos deveres

jurídicos que decorrem do citado contrato de mandato celebrado entre as partes, não obstante possa coexistir responsabilidade extracontratual, decorrendo esta da violação de outros deveres genéricos não integrados no próprio contrato de mandato. Vide, inter alia, neste sentido, AFONSO de MELO, “ Responsabilidade Civil do Mandatário Judicial ”, in ROA, n.º 26, Maio/Junho de 2003, pág. 26 e segs..., AC RP de 26.02.2008, relator Des. GUERRA BANHA, AC RP de 28.10.2008, relator Desª ANABELA DIAS da SILVA, ambos in www.dgsi.pt.

Com efeito, neste âmbito, isto é, em sede de responsabilidade contratual, o devedor incumpre a sua obrigação quando deixa de realizar a prestação no momento e nos demais termos a que se vinculou – cfr. art. 798º do Cód. Civil.
Por outro lado, para que o devedor se torne responsável é necessário, ainda, que a não realização da prestação debitória lhe seja imputável, no sentido de ter ele procedido com culpa.

Tal como emerge do preceituado nos arts. 798º, 562º e 563º do Cód. Civil (de modo similar ao que sucede no âmbito da responsabilidade extra-contratual) constituem pressupostos da responsabilidade contratual ou obrigacional: - o facto ilícito (ou seja, a não realização da prestação debitória - incumprimento/cumprimento defeituoso); - a culpa (nexo de imputação subjectivo do facto ao devedor); a existência de dano; - e a verificação de um nexo de causalidade (adequada) entre o facto ilícito (incumprimento lato sensu) e o dano sobrevindo. Vide, inter alia, neste sentido, L. MENEZES LEITÃO, “ Direito das Obrigações ”, II volume, 6ª edição, 2008, pág. 251-257, ALMEIDA COSTA, op. cit., pág. 1033 e segs... e, ainda, AC STJ de 5.05.2015, relator Cons. SILVA SALAZAR, disponível in www.dgsi.pt.



Relativamente à culpa e sua apreciação deve ela aferir-se tendo por referência a conduta que teria, nas mesmas circunstâncias externas, um «bonus pater familias», efectuando, portanto, uma comparação entre a conduta concretamente adoptada pelo agente e aquela que, nas mesmas circunstâncias, seria adoptada pela pessoa ou profissional do foro (como é o caso do agente e ora 2º Réu) medianamente cuidadoso, diligente, atento e honesto. Cfr. art. 487º, n.º 2 ex vi do art. 799º, n.º 2, ambos do Cód. Civil.

No entanto, e como já antes salientado, em sede de responsabilidade contratual (em oposição ao que sucede no âmbito da responsabilidade aquiliana – cfr. art. 487º, n.º 1 do Cód. Civil) é ao próprio devedor (e não ao lesado) que incumbe demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua. Cfr. art. 799º, n.º 1 do Cód. Civil.

Como é consabido, este último normativo consagra uma uma presunção «iuris tantum» de culpa do devedor relativamente ao incumprimento obrigacional, presunção de que pode o devedor desonerar-se demonstrando ele que esse incumprimento não procede de facto que lhe seja imputável a título de culpa.

Assim, como refere I. GALVÃO TELLES, “ Direito das Obrigações ”, 6ª edição, pág. 355, «o devedor terá de provar que foi diligente, que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias empregaria um bom pai de família (…) ou, pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis – os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente.»


Esta solução acolhida pelo nosso Código Civil (art. 799º, n.º 1), de, no âmbito da responsabilidade contratual, colocar a cargo do devedor, nos termos expostos, o afastamento da presunção de culpa que sob si incide, é, como salientam P. LIMA, A. VARELA, “ Código Civil Anotado ”, II volume, 3ª edição, pág. 55, «a solução consagrada na generalidade dos códigos», na medida em que é o próprio devedor que está em condições de fazer a prova das razões do seu comportamento faltoso em face do credor, bem como dos motivos que o levaram a não efectuar a prestação a que estava vinculado.

Assim, nas obrigações de resultado (como já antes exposto), ao credor basta provar a celebração do contrato, o consequente objecto do mesmo (prestação debitória) e o incumprimento do mesmo (não realização definitiva da prestação; atraso na sua realização; ou o desvio/vício da prestação efectuada), incumbindo já ao devedor demonstrar que aquele incumprimento não procede de culpa sua, isto é que a conduta por si concretamente adoptada seria aquela que seria adoptada, nas mesmas circunstâncias externas do caso concreto, por um «bonus pater familias», isto é por um homem medianamente cuidadoso, diligente e sério, «no meio cultural, social ou profissional daquele indíviduo concreto» (sublinhado nosso). Vide, neste sentido, inter alia, ALMEIDA COSTA, op. cit., pág. 583-584, L. MENEZES LEITÃO, op. cit., I volume, pág. 313-314 e A. VARELA, P. LIMA, “ Código Civil Anotado “, I volume, 4ª edição, pág. 489.

Por seu turno, nas obrigações de meios (como é o caso das obrigação decorrente do mandato forense), não basta para a prova ou demonstração do facto ilícito a mera perda da causa ou a mera improcedência da defesa invocada (pois que o advogado, por força das contingências processuais e legais, não pode, em caso algum, assegurar o ganho da causa ou da defesa que deduz em juízo), sendo suposto, pelo menos, demonstrar-se (ónus de prova que cabe ao lesado) que o

agente/advogado não agiu com a prudência, o zelo, o cuidado e os conhecimentos técnicos específicos que era suposto possuir no âmbito da profissão que exerce.


À luz do exposto, e no que diz respeito, em particular, à actuação profissional do advogado perante o seu cliente, a obrigação de indemnizar surge não em decorrência da perda da causa ou da defesa suscitadas em juízo, mas antes se a sua actuação for ilícita (violadora de deveres deontológicos decorrentes do contrato de mandato forense), culposa (merecedora de censura nos termos antes expostos) e causadora de dano. – Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 14.04.2015, relator Cons. MÁRIO MENDES, AC STJ de 5.05.2015, relator Cons. SILVA SALAZAR (antes citados), AC RP de 28.02.2013, relator Des. JOSÉ AMARAL (Juiz Desembargador Adjunto no presente Acordão) e AC RP de 9.02.2015, relator Des. CAIMOTO JÁCOME, AC RP de 3.12.2015, relator Des. CARLOS PORTELA, AC RC de 11.11.2014, relator Des. ANABELA LUNA de CARVALHO, AC RG de 9.01.2014, Des. MANUEL BARGADO, in www.dgsi.pt.

*
ii). No que se refere aos deveres deontológicos do advogado perante o seu cliente estatuía o art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 15/2005 de 26.01):

«1- A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca.
2- O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.» (corresponde ao teor do art. 97º do mesmo Estatuto, na versão introduzida pela Lei n.º 145/2015 de 9.09, e actualmente em vigor).

Por seu turno, estabelecia o art. 95º, n.º 1 do mesmo Estatuto:
1 - Nas relações com o cliente, são ainda deveres do advogado:
a) Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário;
b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade;
c) Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa;
d) Não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objecto das questões confiadas;
e) Não cessar, sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas.
2- Ainda que exista motivo justificado para a cessação do patrocínio, o advogado não deve fazê-lo por forma a impossibilitar o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado.» (corresponde hoje ao preceituado no art. 100º do actual Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela citada Lei n.º 145/2015).

*

iii). Feita esta exposição, julga-se evidente, à luz da factualidade provada, que o 2º Réu incumpriu os citados deveres contratuais e deontólgicos para com o seu cliente, a Ré (ora Autora) no âmbito do dito processo laboral, e, ainda, que tal incumprimento é culposo.


De facto, como emerge da factualidade provada, não obstante ter sido notificado, a 9.10.2009, para contestar a dita acção laboral no prazo de 10 dias, sob pena de, não o fazendo, se considerarem confessados os factos articulados pelo autor Y. (cfr. arts. 56º, al. a)- e 57º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, na versão vigente à data da audiência de partes [DL n.º 480/99 de 9.11, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 38/2003 de 8.03]), o 2º Réu veio a deduzir a contestação constante de fls. 69-76 destes autos (juntando procuração forense outorgada pela Ré e ora Autora) apenas a 27.10.2009, portanto, claramente, para além do prazo legal estipulado e que lhe foi regularmente comunicado.

Violou, portanto, assim o 2º Réu os deveres de actuação zelosa, cuidada e diligente na protecção ou consideração dos interesses da sua constituinte/cliente, por referência à conduta que seria exigível a um profissional medianamente diligente, zeloso e cuidadoso, actuando, assim, de forma ilícita e culposa, tanto mais que nenhuma justificação apresentou na data para tal facto (apresentação intempestiva da contestação) e, ainda, também nestes autos se não vislumbra um qualquer facto que possa afastar a sua culpa (a título de negligência grosseira), culpa essa que, como já vimos, se presume e se lhe impunha afastar. Vide os factos provados em 7., 8., 10., 11., 12., 13. e 14. [e ainda os factos não provados em d).] da sentença ora recorrida.

Assim, em conclusão, não cremos existirem dúvidas quanto ao cometimento pelo 2º Réu de um facto ilícito (apresentação de contestação fora do prazo legal), facto que lhe é imputável a título de culpa e do qual decorreu, em face da não impugnação dos factos articulados pelo ali Autor, a condenação da ali Ré e ora Autora por aplicação do direito aos factos assim admitidos. Cfr. art. 57º, n,º 1 do Código de Processo de Trabalho (designado apenas por CPT.)

Com efeito, tal como sucedia no processo civil comum, a ausência de contestação não produzia efeito cominatório pleno quanto à decisão de facto e de direito, apenas importando a confissão dos factos articulados pelo autor, sendo «proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.» - cfr. o citado art. 57º, n.º 1, parte final, do CPT e 484º, n.º 2 do CPC, vigente à data [hoje art. 567º, n.º 2 do CPC, na versão da Lei n.º 41/2013].

No entanto, como já se expôs antes, a mera acção ou contestação «falhada», não constitui, de per si, a demonstração de um dando ressarcível, pois que, não estando em causa uma obrigação de resultado (mas antes de meios), o advogado não responde pela não verificação do resultado, sendo certo que, ainda que tivesse sido oferecida a contestação (que não foi), sempre, por força das contigências processuais, do julgamento da matéria de facto e da própria aplicação do direito aos mesmos, não é possível prefigurar, em abstracto, qual a sorte do litígio e se, ainda assim (isto é, sendo oferecida contestação) não viria o ali Autor (Y.) a obter ganho de causa.

É perante este quadro – em que alguém invoca, para efeitos indemnizatórios, a «perda de chance» ou a «perda de oportunidade» de realizar um ganho, ou de evitar um prejuízo, sem que seja possível, porém, apurar se esse ganho teria sido realmente realizado ou se esse prejuízo tinha sido evitado – que a doutrina e, sobretudo, a jurisprudência têm defendido a indemnização a título de «perda de chance», isto é enquanto dano próprio e autónomo, distinto do dano final, sendo este último o dano correspondente ao que poderia hipoteticamente vir a ser obtido ou evitado sem o evento ilícito (acção/contestação «falhada»), mas sem que seja possível, de forma certa asseverar a sua verificação. Vide, sobre a matéria, fazendo a resenha do actual estado da


jurisprudência nacional e do direito comparado, PAULO MOTA PINTO, in RLJ, ano 145º, (Março-Abril de 2016), pág. 174-201.

Nesta perspectiva, e mesmo para quem admita, em termos mais irrestritos, a figura da «perda de chance» ou «perda de oportunidade», é, desde logo, de salientar que a perda não pode ser igual ou superior ao dano final (correspondente ao benefício ou à quantia que se poderia obter na acção ou o prejuízo que seria possível evitar na contestação «falhada»), na estrita medida em que, à partida, não é possível antever, com a segurança exigível pelo direito, a verificação do dano real ou certo em apreço pois que este depende de um conjunto de variáveis (v.g. factos, meios de prova, julgamento de facto, interpretação e aplicação do direito, correntes e posições jurisprudenciais) que não é possível prefigurar ou reconstituir com exactidão.

A propósito do aludido instituto e acolhendo, com a devida vénia, boa parte da argumentação invocada no AC RP de 28.02.2013, no AC RP de 9.02.2015, no AC RP de 3.12.2015 e no AC STJ de 5.05.2015, antes citados, dir-se-á que a questão do ressarcimento da denominada «perda de chance» ou «perte d’ une chance» está longe de merecer uma resposta uniforme, sobretudo ao nível da jurisprudência dos tribunais superiores.

De acordo com a generalidade da doutrina, o aludido instituto, não obstante lhe sejam reconhecidas virtudes e potencialidades, não se mostra consagrado no ordenamento jurídico português. Vide, neste sentido, por todos, JÚLIO GOMES, Direito e Justiça, Vol. XIX, 2005, II; RUTE PEDRO, “ Responsabilidade Civil do Médico, Reflexões Sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado ”, FDUC, Centro de Direito Biomédico, pág. 179, PAULO MOTA PINTO, RLJ, ano 145º, antes citado, pág. 184-185, e “ Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo ”, II volume, 1104-1106, CARNEIRO da FRADA, “ Direito Civil, Responsabilidade


Civil, Método do Caso ”, pág. 103, ARMANDO BRAGA, “ A reparação do dano Corporal na Responsabilidade Extracontratual ”, pág. 125.

Por seu turno, ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, sufragaram também posição no sentido do afastamento do instituto ou à sua aplicação em termos muito restritos, inter alia, o AC STJ de 26.10.2010, relator Cons. AZEVEDO RAMOS, AC STJ de 29.05.2010, relator Cons. JOÃO CAMILO e AC STJ de 29.04.2010, relator SEBASTIÃO PÓVOAS, todos in www.dgsi.pt.

Neste sentido, refere-se neste último douto aresto que «na perda de chance», ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa. Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente imediato ou mediato, nem um dano futuro (por ser eventual ou hipotético), só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a «chance perdida». Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender de opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.»

Assim, refere-se no douto aresto, será de concluir que «a mera perda de chance irreleva para efeitos indemnizatórios por, só por si, não se enquadrar no princípio da causalidade adequada, e a indemnização não ter, como regra, função punitiva.
Só será de atender se demonstrado, nas instâncias, nexo de causalidade naturalístico e daí ser possível inferir pela normalidade, probabilidade e adequação da verificação do dano como resultado da conduta, em regra omissiva, do devedor.» (sublinhados nossos)

Daqui resulta que, na sobredita posição, por norma, o instituto da perda de «chance» ou de «oportunidade» não colhe apoio na lei civil, nomeadamente no art. 563º do Cód. Civil que exige a prova de que os danos a indemnizar são certos (ainda que possam ser futuros) e apenas os que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Todavia, como se refere no já citado AC RP de 28.02.2013, têm as Relações e, mais recentemente, o próprio Supremo Tribunal de Justiça vindo a acolher, em certas condições, a admissão do dano por «perda de chance» ou «oportunidade». Vide, dando nota desta evolução da jurisprudência do Supremo, embora em sentido crítico, PAULO MOTA PINTO, RLJ, cit., pág. 186-191.

A título exemplificativo, assim sustentam, entre muitos outros, o AC RP de 28.02.2013, relator Des. JOSÉ AMARAL, AC RP de 9.02.2015, relator Des. CAIMOTO JÁCOME, AC RP de 3.12.2015, relator CARLOS PORTELA, AC RL de 15.05.2008, relator Des. GRANJA da FONSECA, AC RL de 4.03.2010, relator Des. BRUTO da COSTA, AC RC de 29.04.2014, relator Des. CARLOS MOREIRA, AC RC de 11.11.2014, relator Des. ANABELA LUNA de CARVALHO, AC RG de 9.01.2014, relator Des. MANUEL BARGADO, AC STJ de 10.03.2011, relator Cons. TÁVORA VICTOR, AC STJ de 5.02.2013, relator Cons. HELDER ROQUE, AC STJ de 14.03.2013, relator Cons. MARIA dos PRAZERES BELEZA, AC STJ de 1.07.2014, relator Cons. FONSECA RAMOS, AC STJ de 30.09.2014, relator Cons. MÁRIO MENDES, AC STJ de 5.05.2015, relator Cons. SILVA SALAZAR, todos in www.dgsi.pt.

Nestes arestos a «perda de chance» é considerada como um dano actual, autónomo, consubstanciado numa frustação irremediável, por acto ou omissão de terceiro, da obtenção de uma vantagem ou do afastamento de uma desvantagem, obtenção essa que probabilisticamente era altamente razoável supor que pudesse ser atingida não fosse essa omissão ou acto de terceiro.

Nestas hipóteses, como se refere no AC STJ de 5.05.2015, «as regras gerais da responsabilidade civil (especialmente quanto à existência de dano e respectivo nexo causal) estarão absolutamente preenchidas quando e a partir do momento em que se entenda a frustração irreparável da «chance» como um verdadeiro e autónomo dano certo consequente a um acto ou omissão de terceiro. Ponto é que se mostre demonstrada, (...) a causalidade entre a conduta, no aspecto naturalístico, (...) e a perda de chance de altamente provável vencimento.» (sublinhado nosso)

Em suma, como salienta PAULO MOTA PINTO, RLJ, cit., pág. 190-191, «a orientação dominante da nossa jurisprudência em matéria de chance processual passou, pois, a ser hoje a de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.» (sublinhado nosso)

Para determinar a consistência dessa «chance» e a probabilidade do benefício decorrente da chance processual perdida, como refere, ainda, PAULO MOTA PINTO, op. cit., pág. 191, e se colhe da jurisprudência antes referida e que admite o instituto, o tribunal que julga a indemnização deve realizar um “ julgamento dentro julgamento ”, segundo a perspectiva que teria sido adoptada pelo tribunal que apreciaria a acção não fosse a «falha» da acção, do recurso ou, como é o caso dos autos, da contestação.

Como se refere no acórdão desta Relação de 9.01.2014, já citado, o dano da perda de chance indemnizável não é o dano final, mas o dano “ avançado ”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual ou superior à vantagem que se procurava ou ao prejuízo que se procurava evitar,

importando efectuar uma tarefa de dupla avaliação, «procedendo-se em primeiro lugar à avaliação do dano final, para, em seguida, se fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou evitamento do prejuízo, em regra, traduzido num valor percentual e, uma vez obtidos esses valores, aplica-se o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao vaor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação o valor da indemnização a atribuir pela perda de chance.» (sublinhado nosso)

Feito este enquadramento e perfilhando nós a posição antes referida e acolhida pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça referida por último, cumpre conhecer da consistência ou seriedade da chance da Autora (ali Ré) e, à luz dos critérios antes referidos, da quantificação dessa probabilidade, por forma a determinar o valor da indemnização por «perda de chance processual».

Neste conspecto, em primeiro lugar, é de referir que a contestação da então Ré no processo do foro laboral não foi sequer admitida por ter intempestiva.

Sendo assim, não logrou a Ré, para todos os efeitos, não só tomar posição quanto aos factos alegados pelo ali Autor, como, ainda, ficou ela, em absoluto e definitivamente, impedida de produzir qualquer prova quanto à matéria ali em apreciação.
Nestas hipóteses, como refere PAULO MOTA PINTO, RLJ, cit., pág. 198-199, o juízo incidental (“ o julgamento no julgamento ”) a fazer será «mais complexo», pois que a sorte da acção ou da contestação «falhada», caso não tivesse ocorrido o acto faltoso, dependeria, normalmente, em muito maior grau, do julgamento da matéria de facto, a qual, como é consabido, não é particularmente difícil de prever e condiciona, […]

em muito, a solução jurídica do caso.
Neste tipo de situações, em que, de facto, na ausência de contestação, não é possível prefigurar ou prever, com o rigor e certeza exigíveis, a sorte da contestação falhada - atenta a sobredita impossibilidade de prever qual o julgamento de facto e, por inerência deste, o próprio julgamento de direito -, estamos em crer que se justificará um critério de equidade de 50%, para cada parte.

Em suma, reconstituindo o evoluir normal do processo, sem o evento faltoso, sendo imprevisível o resultado final (se o Autor na acção de foro laboral obteria ganho total de causa; se o Autor obteria apenas ganho parcial e em que medida; se o Autor poderia decair totalmente na acção; se a Ré obteria ganho total na sua defesa ou, ao invés, se obteria apenas um gano parcial ou, até, se decaíria totalmente na sua contestação, sofrendo assim a condenação que veio a ser proferida no tribunal de trabalho), julga-se, no caso concreto, em termos equitativos, distribuir esses riscos em igual medida por ambas as partes, ou seja os aludidos 50%, como, aliás, foi também a posição do tribunal recorrido.

Desta forma, efectuando a já citada dupla avaliação, teríamos um dano final de € 25. 165, 06, correspondendo ao capital e juros estabelecidos na sentença proferida no foro laboral e até à data de entrada em juízo do subsequente requerimento executivo para cobrança da citada quantia – vide «auto de penhora» a fls. 105 e segs… dos autos - e, à luz da percentagem antes referida, um dano de perda de chance processual de € 12. 582, 53 [25. 165, 06 : 2 = 12. 582, 53], sendo que deste valor 5. 000, 00 correspondem à franquia a cargo ou a suportar pelo tomador do seguro (o ora 2º Réu) e a diferença de € 7. 582, 53 [12. 582, 53 – 5. 000, 00 = 7. 582, 53] a suportar pela ora 1ª Ré, para quem se encontrava transferida a responsabilidade […]

civil profissional do 2º Réu, enquanto advogado com a respectiva inscrição em vigor.

Mas, a nosso ver, e aqui em dissonância com a decisão recorrida, cremos que, manifestamente, não cabem no ressarcimento a título de «perda de chance processual» ou «perda de oportunidade», os demais valores considerados nesse âmbito pelo tribunal a quo.
Com efeito, ao contrário do que se sustenta na douta decisão recorrida, não evidenciam os autos, à luz dos factos provados (em especial, perante a circunstância de o 2º Réu não ter ali apresentado tempestivamente contestação na acção do foro laboral, o que veio a conduzir à confissão dos factos articulados pelo Autor e à subsequente sentença conforme a tais factos e ao direito então aplicável), que existisse uma probabilidade séria, consistente ou sequer plausível de, por via do recurso da sentença proferida (que não foi admitido por falta de pagamento da devida taxa de justiça), por via da posterior oposição à execução ou da prestação de caução efectuada nos autos de execução (ambos indeferidos), lograsse a ali Ré e executada reverter a situação em apreço, ou seja evitar a condenação que decorria da sentença proferida nos autos de processo laboral e o pagamento voluntário ou coercivo (como veio a suceder) da quantia sentenciada.

Neste conspecto, inexiste, portanto, uma qualquer «perda de chance» ou de «oportunidade» que cumpra ser ressarcida.

Destarte, não respondendo o 2º Réu (e a sua seguradora, logicamente) pela mera improcedência de tais expedientes processuais (de recordar aqui as referências já antes efectuadas em sede da obrigação de meios a cargo do advogado), deduzidos,

recorde-se, no interesse e em nome da parte, ou seja da ali Ré e executada, nem se vislumbrando que dos, como exposto, mesmos decorra já a «perda de uma chance» ou «perda de oportunidade» (já antes perdida por via da não consideração, para todos os efeitos, da contestação apresentada extemporaneamente), os valores consignados na sentença recorrida a título de taxa de justiça no valor de € 229, 50 (paga pela dedução de oposição à execução), a título de taxa de justiça de € 382, 50 (paga pela dedução do incidente de prestação de caução), a título de comissões de € 406, 31 (pela garantia bancária oferecida no dito incidente de caução) não deverão ser considerados a título de «perda de chance».

Com efeito, quanto a estes valores não existe, a nosso ver, e com o devido respeito por opinião em contrário, à luz da causa de pedir invocada nos autos (responsabilidade civil profissional por «perda de chance») fundamento legal para o pagamento das mesmas por parte do 2º Réu e/ou pela Ré Seguradora.

E o mesmo é de dizer, ainda, quanto à quantia de € 2. 358, 36, a título de custos com a acção executiva, pois que esta decorreu do não pagamento voluntário pela executada do valor em que foi ela condenada na sobredita e prévia acção declarativa, pagamento que a mesma, aliás, mesmo quando confrontada com a penhora dos seus bens (e, sabendo, pelo menos nessa data, da execução contra si pendente movida pelo autor/exequente) não efectuou integralmente, tendo de se socorrer de empréstimo bancário para o efeito.

Na verdade, entre uma tal despesa e a perda de chance invocada nos autos não se vislumbra um qualquer nexo ou conexão, antes decorrendo ela do não pagamento voluntário do valor em que a ali Ré (e ora Autora) foi condenada e que o ali exequente

veio a cobrar judicialmente, face ao sobredito não pagamento, sendo certo, aliás, que esse pagamento integral só veio a ocorrer após Outubro de 2010 (data da concessão do empréstimo da Caixa Geral de Depósitos à ali executada – vide facto provado em 36. da sentença recorrida), quando a mesma executada foi citada para a execução a 13.07.2010, como resulta da certidão de citação junta a fls. 104 dos autos.

E, por último, é também de excluir a condenação da Ré e ora apelante no pagamento da comissão pela celebração do empréstimo outorgado pela aqui Autora (ali executada) e dos juros pela utilização do capital mutuado (de € 27. 500, 00) pela Caixa Geral de Depósitos, mútuo este que a ali executada teve que efectuar junto da sobredita instituição bancária e para honrar o pagamento das quantias devidas ao seu ex-trabalhador Bruno Miguel na sequência da sentença já aludida e transitada em julgado. Vide factos provados em 35., 36. e 37. da sentença recorrida.

Com efeito, sendo indiscutida a obrigação de a executada proceder ao pagamento da quantia judicialmente fixada a favor do seu ex-trabalhador e não demonstrando os autos uma qualquer outra razão para o recurso a tal financiamento (efectuado em Outubro de 2010), só é possível concluir, à luz da normalidade e do expectável, que a dita executada não dispunha de capital próprio para efectuar esse pagamento, por si devido.

De outro modo, dispondo ela de capital próprio, de acordo com a normalidade, não recorreria ela a tal empréstimo/mútuo bancário, que, como é consabido, tem a ele associado custos variados e significativos.



Ora, se assim é, uma tal limitação financeira da executada (ora Autora), só lhe pode ser assacada e só ela (enquanto beneficária da quantia mutuada para extinção de uma sua dívida), terá de suportar os respectivos encargos, seja quanto ao capital, seja quanto à comissão de celebração do contrato e/ou dos juros devidos pela utilização do capital.

De facto, é referir que o dano final, a considerar em sede de perda de chance é apenas e só o que decorre da «contestação falha» no foro laboral e das suas consequências – condenação proferida no dito processo laboral.

Mas este dano final existe e não pode sofrer alteração, pois que a dita sentença do foro laboral se mostra transitada em julgado e, como já salientado, a possilidade ou a chance de este dano final (decorrente da aludida sentença proferida) ser evitado era, no contexto daqueles autos, e ainda que fosse admissível o recurso interposto (mas não admitido) praticamente irrelevante ou nula.

Sendo assim, não existe um qualquer outro dano final a considerar, a título de perda de chance, sendo indiscutido que a obrigação de pagamento de tal quantia incumbia, por inteiro, à ali executada e ora Autora, enquanto entidade patronal do exequente.

E, assim, face a todo o exposto, em nosso julgamento, deverá a presente apelação proceder, ainda que apenas parcialmente, nos termos supra-expostos.

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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, com a consequente substituição da sentença proferida, na sua parte decisória, nos seguintes termos:
a)- condena-se a 1ª Ré Seguradora a pagar à Autora a quantia de € 7. 582, 53 (sete mil quinhentos e oitenta e dois euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação (21.03.2013 – vide fls. 167), e até integral e efectivo pagamento;
b)- condena-se o 2º Réu a pagar à Autora a quantia de € 5. 000, 00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação (3.05.2013 – vide fls. 171), e até integral e efectivo pagamento;

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Custas em primeira instância, na proporção do respectivo decaímento, sendo a responsabilidade dos ali RR. solidária.

Custas nesta instância pela apelante (1ª Ré) e apelada (Autora), na proporção do respectivo decaímento.
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Guimarães, 19.05.2016
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Sumário:



1. O exercício do patrocínio forense ou de consulta jurídica gera uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado.

2. No âmbito da actuação profissional de Advogado e perante o respectivo cliente, a obrigação de indemnizar daquele será de afirmar se a sua actuação for ilícita (violadora de deveres contratuais/deontológicos), culposa (merecedora de censura segundo um critério que tem por referência a conduta de um «bonus pater familias» ou do profissional medianamente diligente e zeloso) e causadora de danos.

3. A actuação profissional do Advogado que apresenta, de forma extemporânea, e sem qualquer justificação, uma contestação que, por via disso, é desentranhada ou desconsiderada, assume-se como ilícita e culposa.

4. A «perda de chance» ou «perda de oportunidade» constitui um dano actual e autónomo susceptível de ser indemnizado.

5. A «perda de chance» ou «perda de oportunidade», enquanto dano actual e autónomo, traduz-se na frustação irremediável, por acto ou omissão de terceiro, da obtenção de uma vantagem ou do evitamento de um prejuízo, desde que a obtenção dessa vantagem ou o evitamento desse prejuízo se apresente como altamente razoável ou provável de ter sido alcançado não fosse a aludida acção ou omissão de terceiro.

6. Na falta de contestação (e assim é equiparada a sua apresentação extemporânea) e de oferecimento de meios de prova, não é possível, regra geral

definir através do julgamento no julgamento ou «trial within the trial», o sentido da decisão a proferir, em condições normais, no processo, sem o evento faltoso, na medida em que a decisão a proferir dependeria sobretudo da matéria de facto que viesse a ser apurada, sendo certo que a própria aplicação do direito ao caso dependeria sobremaneira daquela factualidade.

7. Nestas condições específicas, segundo um critério de equidade, a probabilidade de vencimento ou de evitamento do prejuízo será de arbitrar em partes iguais para ambas as partes, ou seja, 50% para cada uma das partes.

8. O dano da perda de chance indemnizável não é o dano final, mas o dano “ avançado ”, constituído pela perda de chance, não podendo, assim, ser igual ou superior à vantagem que se visava alcançar ou ao prejuízo que se procurava evitar.

9. Para a definição/quantificação do dano de perda de chance, importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, efectuando em primeiro lugar a avaliação do dano final, para, em seguida, se fixar o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra através de um valor percentual, e, uma vez obtidos esses valores, aplicando esse valor percentual (que representa o grau de probabilidade da chance «perdida» ou «falhada») ao dano final, constituindo o resultado final desta operação o valor da indemnização a atribuir pela perda de «chance».
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Dr. Jorge Miguel Pinto de Seabra



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Dr. José Fernando Cardoso Amaral



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