Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1542/21.0T8VNF-D.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
JUROS COMPULSÓRIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Contendo a sentença condenatória dada à execução, na parte decisória, uma obrigação “condicional”, só demonstrada a verificação desta a sentença se torna, na parte indicada, título executivo e coercivo, consequentemente, só desde a indicada data são devidos juros compulsórios.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

AA, executado nos autos de processo de Execução em curso, em que é exequente “AS..., S.A., veio interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos em 3/10/2022 que em decisão de Reclamação de Conta Corrente da Execução (Balanço Provisório) efectuada pelo AE, deduzida pelo executado, e, em deferimento de promoção em igual sentido do Digno Magistrado do MP, determinou se proceda ao cálculo dos juros compulsórios devidos desde a data do trânsito da sentença oferecida à execução.
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes Conclusões:

1º- A questão a decidir é saber qual é o momento em que os juros compulsórios devem começar a ser contabilizados.
2.º Os juros compulsórios, no presente caso, devem ser contabilizados desde 17-11-2020 , que , assim , ascendem a € 572,25
3.º E não, como defendem o A.E. ( Agente de Execução) , o M.P. e é perfilhado no Despacho recorrido pelo Tribunal a quo , com fundamento nas disposições conjugadas nos arts. 829.º - A do Código Civil e do art. 21.º do DL 269/1998, de que são devidos desde o trânsito em julgado da sentença, que neste caso ascendem a € 2.672,55 para os cofres do Estado e a mesma quantia para o Exequente ( quando este nem sequer o requer no Requerimento Executivo, e, por conseguinte dele desistiu ) .
4.º E não é assim, dado que, a referida sentença, no segmento decisório da alinea C), IV) , foi proferida sob condição suspensiva, ou seja, a produção dos seus efeitos jurídicos (pagamento da quantia de €9.810,08) ficaram dependentes da verificação da condição suspensiva do oferecimento por parte da Exequente da substituição dos materiais a que se reportava a factura datada de 31-8-2006 , o que só se verificou em 17-11-2020 ( data do recebimento da carta registada com aviso de recepção , em que a Exequente ofereceu ao executado a substituição dos materiais ) .
5.º Existindo indefinição ( como é o presente caso ) sobre o momento em que os juros compulsórios devem começar a ser contabilizados , deve este corresponder ao momento em que se pode afirmar com segurança que a obrigação exequenda é exigível ( o que resulta , também , da Exequente no Requerimento Executivo não ter requerido o pagamento de juros compulsórios , de que desistiu no mesmo ).
Daí que ,
6.º Existindo sentença que foi proferida sob condição suspensiva, ou seja, a produção dos seus efeitos jurídicos (pagamento da quantia de € 9.810,08) ficaram dependentes da verificação da condição suspensiva do oferecimento por parte da Exequente da substituição dos materiais a que se reportava a factura datada de 31-8-2006 , o que só se verificou em 17-11-2020 (data do recebimento da carta registada com aviso de recepção , em que a Exequente ofereceu ao Executado a substituição dos materiais) , o momento em que os juros compulsórios devem começar a ser contabilizados deve ser em 17-11-2020 .
7.º Pelo que, o momento em que se pode afirmar com segurança que é exigível a obrigação exequenda (pagamento de juros compulsórios) é desde 17-11-2020, e, por conseguinte, os juros compulsórios devidos são no montante de € 572,25 .
8.º No Acórdão mencionado supra em I esse momento é o da citação na Execução .
9.º O Douto Despacho recorrido violou e interpretou erroneamente, designadamente, o disposto nos arts. 829.º - A do Código Civil e no art. 21.º do DL 269/1998.
10.º O Douto Despacho em crise que ordenou que se proceda ao cálculo dos juros compulsórios devidos desde a data do trânsito em julgado da sentença oferecida á execução deve ser revogado e substituído por Acórdão que ordene se proceda ao cálculo dos juros compulsórios devidos contados desde 17-11-2020, sobre a quantia de €9.910,08, e mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, os juros só podem ser contados até 5 anos antes, em face da prescrição, nos termos do art. 310.º , al.d) , do Código Civil, o que se requer.
Concluindo, requerendo se julguem procedentes as conclusões 1.º a 10.º , inclusive.

Foram proferidas contra alegações pelo Digno Magistrado do MP, pugnado pela manutenção do decidido.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixado no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do Código de Processo Civil, atentas as Conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar:
- qual é o momento em que os juros compulsórios devem começar a ser contabilizados no caso sub judice.
- invocadas desistência do exequente no tocante ao pagamento de juros compulsórios e prescrição – Questões Novas


FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito )

I. 1. AA, executado nos autos de processo de Execução em curso, em que é exequente “AS..., S.A., veio interpor recurso de apelação da decisão proferida nos autos em 3/10/2022 que, em decisão de Reclamação de Conta Corrente da Execução (Balanço Provisório) efectuada pelo AE, deduzida pelo executado, e, em deferimento de promoção em igual sentido do Digno Magistrado do MP, determinou se proceda ao cálculo dos juros compulsórios devidos desde a data do trânsito da sentença oferecida à execução.
2. A decisão recorrida tem o seguinte teor:
Concordando-se na íntegra com a posição do Ministério Público no requerimento antecedente.
Com efeito, aas disposições conjugadas dos arts 829.º-A do Código Civil e do artigo 21.º do DL 269/1998, afigura-se-nos claro e inequívoco que há sempre lugar ao pagamento de juros compulsórios quando a execução seja baseada em decisão judicial ou em requerimento de injunção.
A tarefa de liquidação do valor dos juros compulsórios compete ao agente de execução (nº 3 do artigo 716º), sendo que os mesmos são devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão respectiva.
Termos em que, ordeno se proceda ao cálculo dos juros compulsórios devidos desde a data do trânsito da sentença oferecida à execução.”
3. Decide-se nos termos da al. C) do Dispositivo da sentença dada à execução: “Condenar o réu a pagar à autora a quantia de €9.810,08 contra o oferecimento por parte daquela da substituição dos materiais a que se reportava a factura datada de 31-8-2006 ou eliminação dos defeitos de que os mesmos padeciam, caso tal seja ainda possível”.
4. No requerimento inicial executivo, datado de 9/3/2021, a exequente, sob o nº 6, declara ter disponíveis para entrega, quando o executado o desejar, “os materiais a que se reportava a factura datada de 31-8-2006”, reportando-se a carta enviada e recebida pelo executado em 20/11/2020 (nº 3).
5. A esta data 20/11/2020, se reportando o executado como a data em que a exequente ofereceu ao executado a substituição dos materiais e como a data de início de contagem dos juros compulsórios (cfr. Requerimento com a refª ...42, que baseia a decisão recorrida).
II. A sanção pecuniária compulsória insere-se no Código Civil na secção referente à “Realização coactiva da prestação”, e, em concreto na subsecção II – “Execução especifica“, e, reporta-se às obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, de natureza pessoal e duradoura, sendo regulamentada nos termos do art.º 829.º-A do Código Civil, o qual dispõe:
1- Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”
Como refere Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização”, Coimbra Editora, pág. 112: “A inclusão da sanção pecuniária compulsória, como medida coerciva de cumprimento, visou, fundamentalmente, dois aspectos: por um lado, a importância que o cumprimento das obrigações assume, em particular para o credor; por outro lado, o respeito devido às decisões dos tribunais, enquanto órgãos de soberania”.
“A sanção pecuniária compulsória não é medida executiva ou via de condenação da obrigação principal do devedor a cumprir a obrigação que deve. Através dela, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado” - Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Coimbra, 1995, pág. 407.
Nos termos expostos, a sanção pecuniária compulsória assume-se como medida coerciva de cumprimento, e, quando reportada a condenação de pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano.
 Dispondo o nº 4, do citado artigo, que os mesmos serão devidos desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, deverá considerar-se, necessariamente, a precisa obrigação exarada no título, e, de acordo, ainda, e, com o respeito pelos limites do caso julgado e da decisão cfr. artº 619º e 621º do CPC.
No caso sub judice, a sentença condenatória dada à execução contém, na parte decisória, designadamente, na al. C) do Dispositivo, uma obrigação “condicional de o réu a pagar à autora a quantia de €9.810,08 contra o oferecimento por parte daquela da substituição dos materiais a que se reportava a factura datada de 31-8-2006 ou eliminação dos defeitos de que os mesmos padeciam, caso tal seja ainda possível.
Consequentemente, só demonstrada a verificação desta a sentença se torna, na parte indicada, título executivo e coercivo.
Como refere Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, 2008, pg.609 e sgs, e por analogia com a obrigação contratual, “a condição é uma cláusula negocial que tem como conteúdo típico a sujeição da eficácia do negócio ou de parte dele a um facto futuro e incerto, sendo condições suspensivas aquelas em que a verificação do facto condicionante desencadeia a eficácia do negócio condicionado ou de parte do seu regime, mantendo-se o negócio condicionado suspenso enquanto a condição suspensiva se não verifica, determinando a verificação desta o início da eficácia do negócio. A condição será causal quando o facto condicionante é um facto cuja verificação ou não verificação está fora do domínio e da determinação das partes (por contraposto a condição potestativa e arbitrária em que a verificação do facto condicionante está ao alcance da vontade de uma ou de ambas as partes, e apenas dependente do seu livre alvedrio). E a condição suspensiva não é incompatível com a vinculação jurídica (...)“.
Sendo, ainda, que, no tocante à apreciação dos efeitos e extensão do caso julgado material, determina o artº 621º do Código de Processo Civil “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)” .
Como resulta dos autos, no requerimento inicial executivo, datado de 9/3/2021, a exequente, sob o nº6, declara ter disponíveis para entrega, quando o executado o desejar, “os materiais a que se reportava a factura datada de 31-8-2006”, reportando-se a carta enviada e recebida pelo executado em 20/11/2020 ( nº 3 ).
A esta data 20/11/2020, se reportando o executado como a data em que a exequente ofereceu ao executado a substituição dos materiais e como a data de início de contagem dos juros compulsórios (cfr. Requerimento com a refª ...42, que baseia a decisão recorrida).
Nestes termos, devendo dar-se por verificada a verificação da condição, por acordo das partes, por referência à data de 20/11/2020, apenas a partir da indicada data se deverão contar os juros compulsórios devidos, apenas desde a indicada data se tornando exigível a obrigação, nesta parte, e, nesta medida, exequível (aliás, cfr. decorre do artº 724º-nº1-al.h) do CPC).
Nos termos expostos, no caso sub judice, os efeitos condenatórios previstos na al. C) do Dispositivo, referentes à condenação do Réu, ora executado, no pagamento da quantia de €9.810,08, só poderão revelar para efeitos coercivos desde a data de verificação da condição inserta na condenação, designadamente, para efeitos de contagem de juros compulsórios.
Quanto a esta questão procedendo a apelação.
III. Relativamente às demais “Questões” invocadas designadamente, desistência do exequente no tocante ao pagamento de juros compulsórios e prescrição, trata-se da invocação de “Questões Novas”, não suscitadas no requerimento de Reclamação, e não apreciadas na decisão recorrida, estando excluídas do objecto de conhecimento do recurso.
IV. Concluindo-se, nos termos expostos, pela parcial procedência, do recurso de apelação.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, ordenando-se que na Conta da Execução se proceda ao cálculo dos juros compulsórios devidos, no tocante à quantia de € 9.810,08, desde a data de verificação da condição exarada na al.C) do dispositivo da sentença dada à execução e que se fixa em 20/11/2020.
Custas pelo apelante, na proporção de ¼.
Guimarães, 9 de Março de 2023

(  Luísa D. Ramos )
( Eva Almeida )
( Ana Cristina Duarte )