Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
658/14.3TBPTL-E.G1
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A lei nº 122/2015, de 01/09 alterou o art. 1905º do Código Civil e consagrou o direito à manutenção da pensão alimentícia, para efeitos do disposto no art. 1880º do Código Civil, até que o filho maior complete 25 anos de idade ( com as ressalvas constantes da segunda parte do nº 2 do referido art. 1905º na redacção actual). Caso a filha maior pretenda uma alteração de alimentos fixados, os autos deverão seguir os termos adequados e correr por apenso ao processo que fixou alimentos à menor ( art. 989º, nº2 do CPC).
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Guimarães :

I-Relatório
Em 11 de Maio de 2015 T… ( nascida a 11 de Setembro de 1996) instaurou acção declarativa, ao abrigo do disposto no art. 1880º do Código Civil, contra o seu pai, A…, pedindo que o requerido seja condenado a pagar à requerente, a título de alimentos, a quantia mensal de €150, actualizável anualmente e até à data de conclusão da formação escolar da requerente.
Do documento de fls. 12 a 15 (documento nº 2 apresentado com a petição inicial) resulta que o requerido ficou obrigado a pagar à referida filha (então menor), a título de alimentos, a quantia de €100, acrescida de metade das despesas de educação e saúde (médicas e medicamentosas) desde que devidamente comprovadas.

Pela Exmª Juiz a quo foi proferido em 14.05.2015 o seguinte despacho:
«Impõe-se conhecer de imediato a incompetência material do tribunal.
Compulsando a douta petição inicial, verifica-se que se está em presença de uma providência relativa aos filhos, no caso de alimentos a filha( o) maior de idade que T… intentou, ao abrigo do disposto no art. 1880° do CC, contra A….
o regime de fixação de alimentos a filhos maiores está sujeito a requisitos diferentes ao regime de fixação de alimentos a menores.
Pelo Decreto-Lei n.º 272/2001 de 13 de Outubro procedeu-se à transferência de competências para as conservatórias de registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares - entre eles a atribuição de alimentos a filhos maiores, nos termos do disposto no art. 5.º 1 a) do referido diploma legal, não se verificando a excepção prevista no n° 2 de tal normativo.
De acordo com as normas constantes do DL. 272/2001, de 12 de Outubro, a competência inicial para a instauração de acções de alimentos com base no art. 1880° do C. Civil pertence às Conservatórias de Registo Civil, (Ac. da Relação de Lisboa, 10-03-2005, proc. 1896/2005-6 in www.dgsi.pt).
Ou seja, o legislador teve na mira a possibilidade de acordo na fixação de alimentos, deixando os interessados de procurar os tribunais sempre que isso seja possível - daí a regulamentação constante do art. 7º do diploma em causa.
Sendo competente para a presente acção a Conservatória do Registo Civil, resulta manifesta a infracção das regras de competência em razão da matéria, do que advém a incompetência absoluta do tribunal, nos termos do art. 64° e 96° al. a) do Código de Processo Civil, excepção dilatória insanável de conhecimento oficioso, nos termos dos arts. 97°, 577° a), 578° e 576° n° 2° do Código de Processo Civil.
Consequentemente, cfr. o art. 99° 1 do Código de Processo Civil, declarando a incompetência absoluta em razão da matéria deste tribunal, sendo competente para o efeito qualquer Conservatória do Registo Civil (artigo 6° do DL 272/2001 de 13/1 O), absolvo o R. da instância.
Custas a cargo da A.
Valor da acção: €9.000 (o quíntuplo da anuidade correspondente ao pedido, artigos 298° n° 3 CPC).
Registe e notifique.
Arquivem-se oportunamente os autos.»

A A. recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões:
I. A Autora intentou, no dia 08.05.2015, no Tribunal de Família e Menores de Viana do Castelo, por apenso ao Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais com o n° 658/14.3 TBPTL, ação para fixação de alimentos a filho maior contra o Réu, nos termos do disposto no art. 1880° do CC, após a obrigação de alimentos a que este estava adstrito, conforme sentença proferida no processo 658/14.3 TBPTL-A, ter cessado pela Autora ter atingido a maioridade.
II. Sucede que o Tribunal a quo declarou-se incompetente em razão da matéria e, em consequência, absolveu o Réu da instância, por entender que a presente ação deveria ter sido intentada em qualquer Conservatória do Registo Civil, nos termos do disposto no DL 272/2001 de 13.10.
Com o que se discorda
III. O procedimento tendente à atribuição de alimentos a filho maior previsto no art." 1880° do CC é, desde 1.1.2002, por força do art.º 5° e ss. do DL 272/2001 de 12.10 da competência, em principio, da Conservatória do Registo Civil.
IV. No entanto, esta competência da Conservatória só se mantém no caso de não haver oposição, pelo que, havendo conflitos entre as partes que seja de prever a inviabilidade do acordo, a competência para o processo caberá aos Tribunais, nos termos do art.º 8°.
V. Ora, como se alegou na petição inicial a obrigação de alimentos à Autora por parte do Réu foi estabelecida por sentença e não por acordo.
VI. Além disso, o Réu já incumpriu várias vezes, aquando a menoridade da Autora, a pensão de alimentos a que estava obrigado, além de ter intentado ação de alteração da prestação alimentação, com o único objetivo de não pagar qualquer pensão de alimentos à Autora, alegando estar impossibilitado de liquidá-la.
VII. Como tal, é claro que já existem conflitos anteriores entre Autora e Réu, pelo que a Conservatória não tem competência para dirimir o conflito, como se alcança do Ac. do TRC de 16.11.2010, Proc. 579/10.9TBMRC.C e do Ac. TRP de 13.1.2005, proferido no proc. 0436819.
VIII. Seria, portanto, uma perda de tempo e de meios, não fazendo sentido recorrer à Conservatória, porquanto tal procedimento, para além de ser votado ao insucesso, iria contra o princípio da celeridade processual.
Acresce que
IX. O nº2 do art.º 989° do CPC, à luz do disposto no art.º 8° do DL, é aplicável in casu, e manda correr por apenso a processo onde tenha havido uma decisão respeitante a alimentos a pretensão do jovem maior.
X. Assim, em face da impossibilidade de acordo entre as partes, bem patente no facto de já ter havido inúmeros litígios entre as partes, e ainda pelo facto de a ação dos autos correr por apenso ao processo de regulação de responsabilidades parentais, parece clara a desnecessidade de recurso prévio ao procedimento tendente à formação de acordo entre as partes a correr na Conservatória do Registo Civil.
XI. E é, aliás, esta a posição da generalidade da doutrina e da jurisprudência.
XII. Com o devido e merecido respeito por opinião contrária, a Douta Sentença deu interpretação errada aos arts. 5° e ss do DL 272/01 de 13.10.
XIII. Considerando ainda a Autora que foram violados os artigos 20° e 202°, nº1 e 2 da CRP pois incumbe ao tribunal assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos nos termos do 898° do CPC e 1880º do CC.
Não obstante,
XIV. Mesmo que considerasse o Tribunal a quo que a ação deveria ser intentada na Conservatória, não deveria ter absolvido o Réu da instância mas sim remeter a petição oficiosamente à Conservatória a indicar pela Autora, onde seria tramitada a 1ª fase, à luz do disposto nos arts. 2 e 3 do art. 278° e nº2 do art. 6° do crc,
Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa se digne a admitir o presente recurso, devendo ao mesmo ser concedido provimento e, em consequência, revogar-se o despacho, considerando competente o Tribunal de Família e Menores de Viana do Castelo.
Caso assim não se entenda, deverá proceder-se à remessa oficiosa da petição junta à Conservatória a indicar pela Autora.
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II- Importa solucionar no presente recurso se o Tribunal da Comarca de Viana do Castelo tem competência em razão da matéria para conhecer da acção de alimentos instaurada por filha maior.
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III- Apreciação
Em matéria de competência, importa ter presente o disposto no art. 38º da Lei de Organização do Sistema Judiciário que estabelece o seguinte: 1- A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.
2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.

A decisão recorrida refere : «Pelo Decreto-Lei nº 272/2001 de 13 de Outubro procedeu-se à transferência de competências para as conservatórias de registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares - entre eles a atribuição de alimentos a filhos maiores, nos termos do disposto no art. 5.º 1 a) do referido diploma legal, não se verificando a excepção prevista no n° 2 de tal normativo.»
O CPC de 1961 estipulava sob o art. 1412º:
«1- Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do art. 1880º do Código Civil, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime para os menores.
2- Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação corram por apenso.»
O NCPC de 2013 veio regular esta matéria sob o art. 989º e manteve o mesmo regime.
Com a entrada em vigor do citado DL nº 272/2001 (alterado pelo DL n.º 324/2007, de 28 de setembro), entendemos que ocorreu uma transferência da competência para conhecer da acção de alimentos a filhos maiores nos termos indicados pelo Tribunal a quo - A jurisprudência não tem sido uniforme na aplicação dos preceitos em causa - vide, designadamente Ac. da Relação de Lisboa de 05.05.2005, Ac. da Relação de Guimarães de 16.03.2010 e Ac. da Relação do Porto de 12.06.2014, em www.dgsi.pt - na nossa perspetiva, o processo com vista á fixação de alimentos devidos a filho maior correrá termos no tribunal se já resultar de forma clara dos autos a falta de acordo a que alude o n.º 6 do artigo 3.º do DL 272/2001.

Verificou-se, no entanto, uma recente alteração legislativa ( publicada após a decisão em apreço) no que respeita aos filhos maiores até à idade de 25 anos.
A lei nº 122/2015, de 01.09 entrou em vigor em 01.10.2015 ( art. 4º do referido diploma legal) e alterou a redacção dos arts. 1905º do Código Civil e 989º do CPC.
De acordo com a actual redacção do art. 1905º, nº2 do Código Civil, para « efeitos do disposto no art. 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.»
De harmonia com este regime, o nº1 do art. 989º prevê : « Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos arts. 1880º e 1905º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.»
Foi mantido o nº2 do referido art. 989º do CPC e foram introduzidos neste preceito legal os nºs 3 e 4.
A lei nº 122/2015 consagrou o direito à manutenção da pensão alimentícia ( com as ressalvas constantes da segunda parte do nº 2 do referido art. 1905º na redacção actual) até que o filho complete 25 anos de idade, o que tem reflexos no caso em apreço.
Caso a filha maior pretenda uma alteração de alimentos fixados, os autos deverão correr por apenso ao processo que fixou alimentos à menor (art. 989º, nº2 do CPC).
Importa, no caso concreto, esclarecer se a filha maior pretende a continuação da lide ou se com o pedido formulado pretende uma alteração da prestação alimentícia que se encontra em vigor, devendo, neste caso, o processo seguir os termos adequados, de acordo com o princípio da adequação processual a que alude o art. 547º do CPC.
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IV-Decisão
Em face do exposto, acorda-se em revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine os esclarecimentos acima indicados.
Sem custas.
Registe e notifique.
Guimarães, 15 de Outubro de 2015
Francisca Mendes
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro