Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
177/17.6Y3BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE
LAUDO PERICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I –Em regra só existe omissão por falta de indicação dos fundamentos de facto ou de direito nos termos do art.º 615º, nº 1, alínea b), do CPC., quando tal falta for absoluta, ou seja quando se verifique uma total omissão de fundamentação de facto ou de direito e não apenas uma insuficiência ou deficiente de fundamentação.

II - Se para que sentença, no que respeita à determinação e fixação da natureza e grau de incapacidade do sinistrado, se possa considerar devidamente sustentada em factos é necessário que tal fundamentação conste de modo suficiente e congruente do laudo pericial em que se alicerçou tal decisão, o certo é que, no caso, constatando-se que o laudo pericial maioritário emitido pela junta médica está devidamente fundamentado, é coerente e esclarecedor, podemos concluir que a sentença recorrida não padece de qualquer deficiência, pois contém todos os elementos de facto necessários à decisão da questão da determinação e fixação da incapacidade da sinistrada.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: SANDRA
APELADA: COMPANHIA DE SEGUROS X, S.A.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 1

I – RELATÓRIO

Na fase conciliatória dos presentes autos com processo especial emergentes de acidente de trabalho, em que é sinistrada SANDRA e responsável COMPANHIA DE SEGUROS X, S.A. não obteve êxito a tentativa de conciliação a que se refere o auto de fls.75 e 76.

Por esse facto veio a sinistrada requerer a realização de junta médica, nos termos do artigo 138º n.º 2 do C.P.T., tendo formulado os seguintes quesitos:

“1. A sinistrada apresenta lesões decorrentes do acidente de trabalho sofrido em 05 de Janeiro de 2016?
2. Em caso afirmativo ao quesito anterior, quais são as lesões que a sinistrada apresenta?
3. Qual a natureza das lesões sofridas pela sinistrada e a que rubrica da tabela nacional de incapacidades para acidentes de trabalho correspondem as mesmas?”
Procedeu-se à realização de junta médica, tendo os Srs. Peritos Médicos, por maioria, emitido laudo e respondido aos quesitos formulados da seguinte forma:
“1.º- A Sinistrada refere dor cervical.
2.º- A Sinistrada não apresenta lesões, nem sequelas.
3.º- Prejudicado.
4.º- Curada sem IPP.
Todos os exames auxiliares de diagnóstico efetuados à Sinistrada, não apresentam qualquer patologia.
*
Pelo Sr. Perito Médico da Sinistrada foi dito que a sinistrada apresenta como sequelas resultantes do acidente, limitação da mobilidade cervical em todos os seus ângulos, raquialgia e hipotrofia tenar esquerda, pelo que lhe atribui uma IPP de 20%, de acordo com Cap. III; 3.2 (0,16 - 0,32) da TNI.”

Em face do resultado de tal perícia médica a sinistrada formulou pedido de esclarecimentos, no âmbito do qual requereu, para cabal resposta aos quesitos por si formulados para junta médica, que os Srs. Peritos prestassem os seguintes esclarecimentos:

A) A Sinistrada, aquando do exame por junta médica, apenas referiu sentir dor cervical ou referiu outros sintomas/queixas decorrentes do sinistro?
B) Os Srs. Peritos aquando do exame por junta médica realizaram exame objectivo completo à sinistrada, composto por observação, palpação e comparação dos membros superiores?
C) Em caso afirmativo qual a duração do mesmo e se dessa observação, palpação e comparação com a contra lateral foi verificada alguma assimetria?
D) Do exame de observação/palpação da cervical verificaram os Srs. Peritos alterações das amplitudes articulares cervicais?
E) Qual a justificação dos Srs. Peritos, atento o exame/avaliação que realizaram, para não detetarem quaisquer lesões/sequelas e incapacidade permanente parcial à sinistrada tendo em conta os exames e respectivos relatórios da ARS Norte, a Perícia de Avaliação do Corporal realizada a pedido do Tribunal e os Relatórios médicos elaborados pelos especialistas que acompanharam a sinistrada, os quais constam todos dos autos?
Tal pedido foi atendido pelo tribunal a quo, tendo os Srs. Peritos em resposta ao solicitado esclarecido o seguinte:

Por maioria, os peritos Médicos do Tribunal e da Seguradora, respondem aos esclarecimentos pretendidos a fls. 103, da seguinte forma:

A sinistrada sofreu AT em 05-01-2016.
Realizou duas RMN, a 10-02-2017 e a 24-10-2016, e com EMG a 24-10-2016, exames completamente normais.

Caso existissem alterações derivadas a compressão radicular na data do acidente, na data da realização da EMG, estas teriam já tradução eletromiográfica.

A) A sinistrada referiu cervicalgia, tendo o perito Médico da sinistrada referido atrofia da eminência hipotenar esquerda.
Os peritos do Tribunal e da Seguradora consideraram que esta atrofia, pelo acima explanado, não tem relação com o acidente.
B) Sim.
C) Não.
D) Do exame objetivo, apresenta dor referida aos últimos graus dos movimentos de flexão e de rotação esquerda. Não apresenta défices de força, nem alterações dos reflexos osteotendinosos.
E) A normalidade dos exames complementares, a sua negatividade para lesões traumáticas ou sequelares em tempo útil, após o acidente, bem como a normalidade do exame objetivo, à excepção da dor referida, compõe situação de alta curada sem desvalorização.

Pelo perito Médico da Sinistrada foi dito o seguinte:

A sinistrada sofreu AT em 05-01-2016.

Realizou duas RMN, a 10-02-2017 e a 24-10-2016, e com EMG a 24-10-2016, exames completamente normais. Contudo, os vários relatórios Médicos existentes nos autos referem alterações do exame objetivo, nomeadamente, défice de força dos membros superiores, em especial do membro superior esquerdo, onde se constata atrofia tenar esquerda, em território de raiz nervosa, que vai de acordo com EMG realizada no dia 01-03-2018, constante de fls. 117 vs. e 118.

Assim, mantém integralmente a posição assumida no relatório de exame por junta médica constante de fls. 100, entendendo que a sinistrada se encontra desvalorizada com uma IPP de 20%, de acordo com o Cap III, 3.2 (0,16 - 0,32) da TNI.”

Por fim, o Tribunal recorrido proferiu sentença no âmbito da qual considerou que a sinistrada se encontra curada sem desvalorização e da qual consta o seguinte dispositivo.

Pelo exposto, decido:

1. Condenar a seguradora a pagar à autora a quantia de € 614,06, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento.
Nos termos do art. 120º nº1 do Cód. de Processo do Trabalho, fixo à causa o valor de € 614,06.
Custas a cargo da autora.
Registe e notifique.”
*
Inconformada veio a sinistrada arguir a nulidade da sentença e interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

Da Nulidade da Sentença

1. A Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, enferma de nulidade nos termos do disposto do art.º 615º, nº 1 alínea b) do CPC e art.º 607º, n.º 3 e 4 do CPC , por falta de fundamentação.
2. O dever de fundamentação da sentença tem assento constitucional no n.º 1 do art.º 205º da CRP, o qual remete para a lei ordinária a regulação desse dever e “…constitui uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso”.
3. Analisada a sentença proferida verificamos que na mesma apenas faz constar no ponto 3. motivação “ o tribunal fundou a sua convicção nos documentos juntos aos autos e no relatório do exame por junta médica que foi realizado”, e no ponto 4 “Apreciação crítica dos factos e sua subsunção do direito apenas se refere em síntese “Atendendo à natureza das lesões sofridas, á gravidade das sequelas e aos demais elementos disponíveis nos autos, não existe qualquer motivo atendível para afastar o entendimento maioritário dos senhores peritos médicos…”.
4. Não é efectuado pelo Tribunal a quo, na douta sentença proferida nos autos, qualquer exame critico aos elementos probatórios que formaram a sua convicção, nem sequer é feita qualquer referência a quais os documentos tidos em conta para a decisão final.
5. Apesar dos documentos juntos serem divergentes, nenhuma explicação ou fundamentação resulta da sentença da razão pela qual se valorou um documento, no caso o auto de junta médica, o qual não contém sequer posição unanime de todos os peritos, em detrimento de todos os outros relatórios e exame de Eletromiografia.
6. Por outro lado, não consta da sentença em mérito, qualquer fundamento justificação para o tribunal a quo apenas ter valorado a opinião dos médicos da seguradora e do tribunal e nenhum crédito e desvalorizado completamente o médico/perito indicado pela Recorrente, o qual havia acompanhado a sua situação clinica.
7. Não é de todo perceptível quer por parte da Recorrente, quer por qualquer outro leitor, quais as razões/fundamentos em que se baseou o Juiz a quo para formar a sua convicção.
8. A Douta sentença em mérito é nula, por falta de fundamentação nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º e art.º 607º n.ºs 3 e 4 do CPC, pelo deve declarar-se a invocada nulidade e ordenar-se seja proferida nova sentença.”

Das demais questões suscitadas.

1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada/ampliada pela Relação nos casos previstos no art.º 662º do CPC.
2. A alínea c) do nº 2, art.º 662º do CPC “…aos casos em que a decisão de facto apresenta patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento mas que inviabilizam a decisão jurídica do pleito e que devem ser solucionadas de imediato pela Relação ou, não sendo possível, por carência de elementos, poderão implicar a anulação do julgamento.
3. No caso em apreço, não foi efectuado julgamento, sendo toda a prova existente nos autos documental, tendo a decisão final que ter em conta todos os elementos existentes.
4. Atendendo à prova documental constante dos autos e por se mostrar imprescindível para que se repute a matéria de facto como suficiente e inteligível, torna-se necessário proceder à sua ampliação sob pena de a mesma se mostrar obscura e insuficiente.
5. Encontram-se juntos ao autos, para além dos autos de exame por junta médica e esclarecimentos os seguintes documentos não impugnados: - Atestado médico de incapacidade Multiuso elaborado em 14/03/2017, Informação Clinica da Recorrente remetida pelo Hospital de Braga mediante oficio datado de 29.05.2017; Relatório da perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho, elaborado em 13/07/2017; Relatório médico resultante da perícia médica realizada em 06/10/2017.
6. Contudo, tal factualidade constante de tais documentos reputa-se como essencial para a compreensão e boa decisão da causa, desde logo, sob pena de tornar a matéria de facto deficiente, obscura e até contraditória na perspectiva de algum leitor menos atento.
7. Não obstante não se esquecer que os meios de prova são livremente apreciados pelo Tribunal a quo, a verdade é que também não podem pura e simplesmente ser ignorados.
8. Todos os elementos de prova constantes dos autos, em conjunto, terão de ser levados em consideração para a tomada de decisão final, não existindo qualquer hierarquia entre eles.
9. O Atestado médico de incapacidade Multiuso elaborado em 14/03/2017, - e o Relatório médico resultante da perícia médica realizada em 06/10/2017 elaborado pelo Dr. E. S. e pelo Dr. M. F., são elementos de prova juntos aos autos a valorar (positiva ou negativamente) pelo Juiz a quo, que os deverá apreciar de forma critica e lógica, mas que aportam factos aos autos que não podem pura e simplesmente ser omitidos.
10. Dos documentos em causa pode retirar-se que as opiniões médicas sobre a situação clinica da Recorrente é divergente e que a alegada posição “maioritária”, como refere o juiz a quo, dos médicos/peritos da seguradora e do tribunal presentes na junta médica afinal, não é maioritária, mas sim minoritária,
11. Deve ampliar-se a matéria de facto, aditando-se aos factos provados da sentença ora em crise um ponto 10 e 11 com a seguinte redacção:

“10. Encontra-se junto aos autos um Atestado médico de incapacidade Multiuso elaborado em 14/03/2017, realizada pela entidade a ARS Norte, ACES Braga no qual é atribuído à sinistrada uma incapacidade permanente global de 20% (vinte por cento)
11- Relatório médico resultante da perícia médica realizada em 06/10/2017 elaborado pelo Dr. E. S. e pelo Dr. M. F., no qual foi atribuída uma incapacidade permanente parcial de 20% (vinte por cento) - cfr. documento constante a fls dos autos e junto via citius, por requerimento com a Ref.ª 27150419, em 25.10.2017.”
12. O Tribunal a quo fez uma incorrecta valoração da prova pericial – junta médica – constante dos autos, ao concluir a final que a sinistrada, aqui Recorrente não ficou fruto do acidente de foi vítima a padecer de qualquer incapacidade permanente.
13. Na realidade, o tribunal a quo deu ao referido elemento probatório uma hierarquia que o mesmo não tem, fazendo-o prevalecer sobre todos os outros elementos/documentos probatórios juntos aos autos, e ainda atendeu apenas a parte do que a tal perícia reflectia sem que para isso tenha dado qualquer justificação.
14. Não existe hierarquia entre o meio de prova pericial obtido por junta médica e aqueles que são obtidos através de peritos-legais, devendo todos ser valorados à luz dos demais meios de prova e elementos dos autos na sua globalidade.
15. O Relatório dos Srs. Peritos constante do auto de exame por junta médica realizada em 07.12.2017 é manifestamente, contraditório, deficiente, inconclusivo, omisso e pouco fundamentado,
16. Resulta do mesmo a existência, clara, de divergências entre as respostas dos Srs. Peritos da Recorrida Seguradora e do Tribunal e a posição do Sr. Perito indicado pela Recorrente o qual tem vindo a acompanhar a situação clinica da mesma.
17. Mais evidente ainda se torna a contradição, deficiência, omissão e falta de fundamentação das respostas dos Srs Peritos da Recorrida Seguradora e do Tribunal atento os elementos médicos (tais como relatórios) já constantes dos autos,
18. A posição dos Sr. Peritos da Recorrida Seguradora e do Tribunal, não se encontra minimamente fundamentada, nem tão pouco justificado o percurso efectuado pelos mesmos e/ou exame/avaliação que realizaram para chegar a tais conclusões e contraria frontalmente quer a posição do médico perito Dr. E. S., quer todas as outras avaliações médicas a que Recorrente foi sujeita, nomeadamente, pela ARS Norte, pelo médico de avaliação de dano corporal, pelos médicos que seguiram a evolução clinica da sinistrada. – cfr. documentos todos juntos aos autos.
19. Foi realizada, em 14/03/2017, por junta médica, uma avaliação à Recorrente, pela entidade competente, a ARS Norte, ACES Braga e composta por cinco médicos, presidida pelo Dr. João, da qual resultou que “…de acordo com a TNI- Anexo I Decreto-lei 352/07, de 23.10), o utente é portador de deficiência que nesta data e conforme o quadro seguinte, lhe confere uma incapacidade permanente global de 20% (vinte por cento).”, incapacidade essa classificada como “Definitivo”.
20. Do Relatório da perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho, solicitado pelo Tribunal e elaborado pelo Dr. F. C., em 13/07/2017, resultou a atribuição de uma Incapacidade permanente parcial de 2%, referindo-se que do exame objectivo realizado verifica-se “ …palpação do segmento cervical referida como dolorosa, limitação da mobilidade do pescoço / flexão/extensão, rotações e inclinações).” A nível situacional consta que: “vida profissional ou de formação: dificuldade em executar tarefas em computador fazendo frequentes pausas”.
21. Da perícia médica realizada em 06/10/2017 e cujo relatório se encontra junto a fls dos autos foi ainda atribuída uma incapacidade permanente parcial de 20%, no relatório elaborado pelo Dr. E. S. e pelo Dr. M. F..
22. Não obstante tais avaliações e conclusões médicas emitidas por vários médicos, para o Sr. Perito da Recorrida Seguradora e para a Sra. Perita nomeada pelo Tribunal as lesões e sequelas da sinistrada “desapareceram”, são inexistentes.
23. A Recorrente, atenta a patente contradição existente no auto de exame de junta médica, e os demais elementos médicos juntos aos autos requereu esclarecimentos.
24. O Tribunal a quo deferiu o pedido e foram realizados os esclarecimentos em 12-04-2018, tendo sido lavrado o AUTO DE EXAME POR JUNTA MÉDICA = ESCLARECIMENTOS constante a fls dos autos.
25. Foi pela Recorrente junto aos autos um exame médico Eletromiografia dos membros superiores, realizada em 01.03.2018, no Hospital da Misericórdia de Vila Verde.
26. Não obstante todos os relatórios médicos juntos aos autos, bem como a Eletromiografia dos membros inferiores, o Relatório dos Srs. Peritos, constante do auto de exame por junta médica- esclarecimentos, continua a ser manifestamente, contraditório e pouco fundamentado, resultando clara a existência de divergências entre as respostas/posição dos Srs. Peritos da Recorrida Seguradora e do Tribunal e a posição do Sr. Perito indicado pela Recorrente.
27. A posição assumida pelos médicos peritos da Recorrida Seguradora e do Tribunal plasmada no auto de exame – esclarecimentos de 12.04.2018 contraria, ainda, o resultado plasmado na eletromiografia (doravante EMG), realizado em 1-03-2018 a expensas da sinistrada.
28. A verdade, é que não obstante os Srs. Peritos da Seguradora e do Tribunal, ao contrário do que inicialmente referiram no sentido de afirmarem que “a sinistrada não apresenta lesões, nem sequelas.”, agora, já conseguiram verificar a existência da atrofia da eminência hipotenar de que a sinistrada padece, contudo desvalorizam a mesma pois, no seu entendimento não tem relação com o acidente,
29. Nesse mesmo auto de junta médica- esclarecimentos- de 12.04.2018- que o tribunal a quo tanto valorizou para formar a sua convicção e decidir consta ainda a posição do perito/médico indicado pela Recorrente que refere : “ A sinistrada sofreu AT em 05-01-2016.Realizou duas RMN, a 10-02-2017 e a 24-10-2016, e com EMG a 24-10-2016, exames completamente normais. Contudo, os vários relatórios Médicos existentes nos autos referem alterações do exame objectivo, nomeadamente, défice de força dos membros superiores, em especial do membro superior esquerdo, onde se constata atrofia tenar esquerda, em território de raiz nervosa, que vai de acordo com EMG realizada no dia 01-03-2018, constante a fls 117vs. E118.Assim, mantém integralmente a posição assumida no relatório de exame por junta médica constante a fls 100, entendo que a sinistrada se encontra desvalorizada com uma IPP de 20%, de acordo com o Cap. III, 3.2 (0,16-0,32) da TNI. “
30. Já aquando da realização do Relatório da perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito do Trabalho, elaborado pelo Dr. F. C., foi detectada a lesão em causa e foi ainda expressamente referido que:
“1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal.”- negrito nosso.
31. O Tribunal a quo não obstante a Eletromiografia, a posição assumida pelo perito indicado pela Recorrente nos autos de juntas médicas, e bem assim todos os relatórios médicos juntos aos autos que pontavam para a existência de uma IPP por parte da Autora/recorrente, entendeu apenas adoptar a posição minoritária dos médicos peritos da Seguradora e do Tribunal, sem que para esse efeito tenha justificado ou fundamentado tal decisão.
32. Mediante a contraditoriedade e obscuridade dos autos de exame por junta médica em mérito nos autos e cujas conclusões, de modo algum, são vinculativas para o tribunal (de acordo com o princípio da livre apreciação da prova), nunca deveria, nem podia o tribunal a quo ter seguido o entendimento do referido documento pericial.
33. É certo que o Juiz a quo aprecia os meios de prova de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e ao remeter para o parecer pericial (auto de junta médica) está a fazer seu o conteúdo daquele, também não é menos certo que “…para que a decisão da sentença (que versa sobre a incapacidade da sinistrada) se encontre devidamente sustentada em factos se torna necessário que tal fundamentação de facto conste de modo suficiente e congruente do documento para que remete (o auto de junta médica).”, o que manifestamente in casu não ocorre.
34. Assim, em face do todos os elementos probatórios juntos aos autos e supra referidos, deve reconhecer-se á aqui Recorrente uma Incapacidade Permanente Parcial de 20%, de acordo com o Cap. III, 3.2 (0,16-0,32) da TNI, conforme defendido pelo médico perito Dr. E. S. nos autos AUTO DE EXAME POR JUNTA MÉDICA realizada em 07-12-2017 e AUTO DE EXAME POR JUNTA MÉDICA = ESCLARECIMENTOS = realizada em 12-04-2018 e no relatório elaborado pela ARS Norte,I e em consequência deve revogar-se a douta sentença ora em crise.
35. A aliás douta sentença recorrida fez, assim, uma errada apreciação e interpretação do artº 607º n.º 4 e 5 e 662, n.º 1 e 2 alínea c) todos do CPC.

TERMOS EM QUE,
Julgando-se procedente o recurso ora interposto farão Vossas Excelências, inteira e sã
J U S T I Ç A!”

A entidade responsável foi notificada, mas não apresentou qualquer resposta ao recurso.
O tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade concluindo pela sua inexistência e admitiu o recurso como apelação com o efeito e modo de subida adequados.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

Não foi apresentada qualquer resposta ao douto parecer.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 608.º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento anterior de outras e não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação quer quanto aos factos, quer quanto ao direito que justifique a decisão proferida (art.º 615.º, n.º 1 al. b) do CPC).
- Da ampliação da matéria de facto nos termos do art.º 662.º n.º 2 al. c) do CPC
- Do reconhecimento à Recorrente da IPP de 20%
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para além dos factos que constam do relatório que antecede encontram-se provados os seguintes factos:

1. A autora exercia a actividade profissional de administrativa, auferindo a retribuição anual de € 13.080,00;
2. No dia 5 de Janeiro de 2016, enquanto exercia a sua actividade profissional, a autora foi atingida por uma escada que estava a puxa para aceder a um sótão;
3. Como consequência directa e necessária do acidente, a autora sofreu as lesões descritas no relatório médico junto aos autos, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. Os senhores peritos médicos concluíram, por maioria, que a autora ficou curada sem desvalorização e não ficou com qualquer incapacidade permanente para o trabalho;
5. Como consequência directa e necessária do acidente, a autora esteve com incapacidade temporária absoluta e parcial para o trabalho pelos períodos descritos a fls. 73, os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos;
6. A autora ficou clinicamente curada no dia 20 de Fevereiro de 2017;
7. A autora nasceu no dia 13 de Março de 1979;
8. A responsabilidade por acidentes de trabalho com a autora estava transferida para a ré por contrato de seguro válido e eficaz na altura do acidente;
9. Este contrato de seguro cobria a retribuição anual de € 13.080,00; 10. A autora despendeu a quantia de € 20,00 em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos;
11. A ré entregou à autora a quantia de € 1.718,32 pelos períodos em que esteve com incapacidade temporária absoluta e parcial para o trabalho.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

A Recorrente/Apelante veio arguir a nulidade da sentença invocando que a mesma padece do vício de falta de fundamentação – artigo 615.º n.º 1 al. b), do CPC., sustentando, em resumo que a sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão proferida.

Cumpre analisar:

Estabelece o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, que “é nula a sentença quando: não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.”

Ora, no que respeita à nulidade suscitada pela Recorrente é pacífico que, como diz Fernando Amâncio Ferreira, “[a] falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos, quer estes respeitem aos factos, quer ao direito (…)”.

No mesmo sentido, pronunciou-se Artur Anselmo de Castro, ao defender que “[t]ambém a falta de fundamentação constitui causa de nulidade da sentença, quer a omissão respeite aos fundamentos de facto, quer aos de direito. Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)”.

Como também ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 140): «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade».

Por fim, importa atentar no que diz Antunes Varela com particular interesse para o caso dos autos: “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.

(...)
Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na decisão.

Na verdade, a arguida nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando de forma evidente o dever de motivação ou de fundamentação das decisões judiciais, sendo apenas a ausência de uma qualquer motivação que conduz à nulidade da decisão.

Assim, a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da sentença, embora possa justificar a sua impugnação mediante recurso, quando este seja admissível.

Em suma, apenas há lugar à nulidade por falta de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, quando tal falta for absoluta, ou seja quando se verifique uma total omissão de fundamentação de facto ou de direito e não apenas uma insuficiência ou deficiente de fundamentação.

Ora, da sentença recorrida não ressalta uma absoluta carência de fundamentação, quer de facto quer de direito, ao invés flui da sua leitura quer os fundamentos de facto, que de forma clara e precisa se encontram especificados e se deram por assentes sob a epígrafe de - “Factos provados” -, com a respectiva motivação, quer os fundamentos de direito que foram tidos em considerarão para justificar a decisão aí proferida e que se encontram especificados sob a epígrafe de - “Apreciação crítica dos facos e sua subsunção do direito”.

Está assim a sentença devida e suficientemente fundamentado não padecendo por isso de qualquer nulidade.

Em face do exposto, improcede a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Da ampliação da matéria de facto nos termos do art.º 662.º n.º 2 al. c) do CPC e da errada valoração da perícia colegial

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do tribunal recorrido ter fundado primacialmente a sua decisão no laudo maioritário da perícia por junta médica realizada em 7/12/2017, complementada com os esclarecimentos prestados no auto de 12/04/2018, que considera de deficiente, por insuficiente fundamentação, uma vez que não contém todos os elementos de facto relevantes relativos à determinação das lesões/sequelas de que ficou a padecer a após a ocorrência do acidente, sendo certo que tais elementos/factos nem sequer resultam dos factos dados como provados.

Reclama assim a recorrente a ampliação da matéria de facto dela se fazendo constar dois novos pontos de facto com a seguinte redacção:

10. Encontra-se junto aos autos um Atestado médico de incapacidade Multiuso elaborado em 14/03/2017, realizada pela entidade a ARS Norte, ACES Braga no qual é atribuído à sinistrada uma incapacidade permanente global de 20% (vinte por cento)
11- Relatório médico resultante da perícia médica realizada em 06/10/2017 elaborado pelo Dr. E. S. e pelo Dr. M. F., no qual foi atribuída uma incapacidade permanente parcial de 20% (vinte por cento) - cfr. documento constante a fls dos autos e junto via citius, por requerimento com a Ref.ª 27150419, em 25.10.2017.”

Dispõe o artigo art.º 662º do Código de Processo Civil e aqui aplicável por força do n.º 1 do art.º 87º do Código de Processo do Trabalho, o seguinte:

“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
(…)”

O processo emergente de acidente de trabalho é caracterizado como um processo especial, que se inicia por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente, cabendo-nos por isso fazer algumas considerações genéricas sobre a tramitação deste processo.

Como resulta do regime vigente artigos 99º e ss. do CPT, nos processos especiais emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, após a realização de perícia médica singular pelos serviços médico-legais, seguir-se-á uma tentativa de conciliação, na qual o Ministério Público promove o acordo, de harmonia com direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado do exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado - cfr. artigo 109.º do CPT.
Se, se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída cfr. art.º 112º, nº 1 do CPT.

Finalmente estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do CPT que a fase contenciosa tem por base requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º [segundo o qual, se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119º do CPT], do interessado que se não conformar com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, devendo esse requerimento ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos (nº 2 desse art.º 117º do CPT).

No caso dos autos não tendo sido possível alcançar um acordo global na fase conciliatória – ainda que a discordância se resuma à questão atinente ao grau de incapacidade – e tendo sido formulado requerimento peticionando a realização de junta médica, abriu-se a fase contenciosa do processo com vista à fixação da incapacidade para o trabalho, sendo a decisão a proferir, aquela a que se reporta no nº 1 do art.º 140º do CPT.

A decisão proferida e impugnada foi por isso aquela a que se reporta o nº 1 do art.º 140º do CPT., resultando desta disposição que o juiz para proferir decisão sobre o mérito deve servir-se da prova obtida pelos meios periciais, cujo valor é apreciado livremente – cfr. artº 389º do Código Civil e que se destina a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 261 e segs. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 322 e segs.).

Esta prova deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, devendo para o efeito fundamentar a matéria de facto que dê como assente, nomeadamente nas situações em que tenha havido uma perícia singular e uma perícia colegial esta requerida por uma das partes, tal como sucede no caso em apreço.

Por outro lado, resulta das instrução 8ª das Instruções Gerais que constam da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo DL n.º 352/2007 de 23/10, que o resultado dos exames médicos é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões. Decorre deste normativo que as respostas aos quesitos ou a fundamentação do laudo pericial deverá permitir com segurança ao julgador (que não é técnico de medicina) analisar e ponderar o enquadramento das lesões/sequelas na TNI e o respectivo grau de incapacidade a atribuir.

Daí que, embora a junta médica aprecie livremente os elementos médicos constantes do processo, designadamente relatórios clínicos e exames complementares de diagnóstico, a par da própria observação do sinistrado, essa livre apreciação não é, todavia, sinónimo de arbitrariedade, razão pela qual aos peritos médicos que intervêm na junta médica impõem-se que indiquem os elementos em que basearam o seu juízo e que o fundamentem, para que o Tribunal, o sinistrado e a entidade responsável pela reparação do acidente o possam sindicar.

Se por um lado o exame por junta médica constitui apenas uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regras da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do Código Civil e arts. 489º e 607º, nº 5 do CPC). Por outro lado, as perícias médicas, nas quais se incluí o exame por junta médica, não constituem decisão sob o grau de incapacidade a fixar, mas são somente um elemento de prova, tratando-se de uma prova que exige especiais conhecimentos na matéria, por isso o laudo pericial tem de conter os factos que serviram de base à atribuição de determinada incapacidade de modo a que o tribunal possa interpretar e compreender o raciocínio lógico realizado pelos Srs. Peritos Médicos de forma a poder valorá-lo.

Com efeito, apesar do juiz não estar adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados e, daí também, a necessidade da cabal fundamentação do laudo pericial pois que, só assim, poderá o mesmo ser sindicado.

Assim, se as respostas aos quesitos ou o relatório forem deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas, tal exame não deverá ser considerado pelo Tribunal.

Importa ainda referir que o objecto da realização do exame por junta médica contende com a apreciação e determinação das lesões/sequelas que o sinistrado apresenta resultantes de acidente de trabalho, bem como com à fixação da incapacidade para o trabalho decorrente das mesmas.

Retornando ao caso dos autos questionamos se efectivamente a decisão proferida sobre a matéria de facto se revela de insuficiente e ou deficiente, considerando-se por isso indispensável proceder à sua ampliação.

Ora, resulta da factualidade apurada que a sinistrada requereu junta médica e formulou os seus quesitos.

No que se reporta às respostas dadas pelos Srs. Peritos Médicos – laudo maioritário -, aos quesitos médicos que se encontravam formulados pela sinistrada, os Srs. Peritos responderam de forma objectiva, mas insuficientemente fundamentada.

Por um lado os Peritos do Tribunal e da Seguradora responderem objectivamente aos quesitos concluíram pela inexistência de sequelas resultantes do acidente, extraindo tal conclusão do facto de “todos os exames auxiliares de diagnóstico efetuados à Sinistrada, não apresentam qualquer patologia.” E por outro lado o Perito da Sinistrada, sem verter qualquer conclusão deixou apenas consignado de forma lacónica, mas também não fundamentada a discordância da avaliação efectuada pelos restantes peritos ao deixar consignado o seguinte: ”que a sinistrada apresenta como sequelas resultantes do acidente, limitação da mobilidade cervical em todos os seus ângulos, raquialgia e hipotrofia tenar esquerda, pelo que lhe atribui uma IPP de 20%, de acordo com Cap. III; 3.2 (0,16 - 0,32) da TNI.”

Em face da insuficiência das respostas dadas aos quesitos formuladas, a sinistrada veio requerer que a junta prestasse esclarecimentos, tendo o tribunal a quo deferido tal pedido.

Tal como resulta do auto de junta médica que teve lugar no dia 12/04/2018, os Srs. Peritos Médicos de novo por maioria vieram a prestar os esclarecimentos solicitados, daí resultando inequívoco que dos exames imagiológicos realizados pela sinistrada após o acidente (a saber duas RMN e uma EMG em 24-10-2016) estavam completamente normais, tendo os Srs. Peritos Médicos do Tribunal e da Seguradora consignado que “Caso existissem alterações derivadas a compressão radicular na data do acidente, na data da realização da EMG, estas teriam tradução eletromiográfica.” Tal conclusão não foi contraditada pelo Perito da sinistrada, apesar de ter afirmado que os vários relatórios existentes nos autos referem alterações ao exame objectivo, designadamente défice de força dos membros superiores em especial do membro superior esquerdo, onde se constata atrofia tenar esquerda, em território de raiz nervosa, que vai de acordo com a EMG realizada em 1/03/2018. Importa salientar que o único relatório que refere tais lesões é o relatório cujo Perito da Sinistrada também o subscreveu como perito examinador.

Assim, o Perito da Sinistrada refere que esta é portadora de atrofia da eminência hipotenar esquerda, tendo por sua vez os Sr. Peritos do Tribunal e da Seguradora considerado que tal atrofia, não tem relação com o acidente, pois nos exames imagiológicos efectuados após o acidente estavam completamente normais.

Maia referem os Srs. Peritos Médicos do Tribunal e da Seguradora que a normalidade dos exames complementares, a sua negatividade para lesões traumáticas ou sequelares em tempo útil bem como a normalidade do exame objectivo, à excepção da dor referida aos últimos graus dos movimentos de flexão e rotação esquerda do membro superior esquerdo, compõe a situação de alta curada sem desvalorização.

Por fim o Perito Médico da sinistrada continuou a manter a mesma posição assumida no exame de junta médica relativamente às sequelas de que a sinistrada é portadora, sem que desse qualquer explicação para o facto das lesões reveladas na EMG realizada em 2018, não terem sido constatas nos diversos exames complementares que a sinistrada realizou após o acidente, designadamente na EMG que realizou em 24/10/2016,vários meses após a ocorrência do acidente.

Em face de todo este quadro afigura-se-nos dizer que a perícia colegial complementada com tais esclarecimentos nos permite concluir que a mesma não padece nem de falta de fundamentação, nem de qualquer obscuridade, nem de qualquer incoerência, pois para além do laudo pericial resultar inequívoco que os Srs. Peritos Médicos responderam aos quesitos após a realização de exame objectivo à sinistrada e análise de todos os exames complementares realizados pela sinistrada, de todos os documentos médicos e informações clínicas que constam dos autos, percebendo-se claramente a razão pela qual os Peritos da Seguradora e do Tribunal não atribuíram qualquer desvalorização à sinistrada, pois para além de terem concluído que do acidente não resultou qualquer sequela para a sinistrada, apesar de lhe reconhecerem subjectivos dolorosos - dor referida aos últimos graus dos movimentos de flexão e de rotação esquerda -, não os imputaram ao acidente atenta as patologias de que actualmente a sinistrada é portador e que consideraram nada terem a ver com o acidente.

Nem se diga que do teor do auto de junta médica não se percebe minimamente o percurso lógico que levou a desconsiderar, sem qualquer fundamentação, quer o quadro clínico resultante da perícia singular efectuada no âmbito dos autos, que reconheceu à sinistrada uma sequela decorrente do acidente enquadrável no Cap. 1- 1.1.1., al. b) da TNI e que lhe atribuiu uma IPP de 2%, quer os abundantes elementos clínicos/médicos carreados para os autos.

Na verdade, tal como acima referenciamos no âmbito dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos Médicos em sede de junta médica ficou patente que todos os elementos clínicos relevantes e constantes dos autos foram tidos em consideração.

Importa referir que consideramos que o atestado médico de incapacidade multiuso elaborado em 14/03/2017, na sequência de junta médica para avaliação da incapacidade para efeitos de benefícios fiscais, junto aos autos como a participação do acidente, não é de considerar como um documento relevante para o apuramento da incapacidade de que padece a sinistrada em consequência do acidente a que os autos se reportam.

Com efeito, tal atestado destina-se apenas à avaliação de pessoas com deficiência tendo em vista o apuramento de incapacidade para efeitos fiscais, do mesmo não resultando sequer que a incapacidade que no âmbito de tal avaliação foi atribuída à sinistrada resultasse de um qualquer acidente de trabalho. E por outro lado a sequela que aí lhe foi atribuída, com enquadramento na TNI, não foi sustentada por qualquer um dos Peritos Médicos que observou a sinistrada, neles se incluindo o Perito médico por esta nomeada.

Assim tal documento não foi referenciado pelos Peritos Médicos, nem vislumbramos que o mesmo tivesse qualquer interesse para a boa decisão da causa em termos de se impor que passasse o seu teor a constar dos factos assentes, pois o mesmo em nada contribui para esclarecer, apurar e identificar as sequelas que a sinistrada ficou a padecer em consequência do acidente de trabalho.

No que respeita à desconsideração, sem qualquer fundamentação do quadro clínico resultante da perícia singular efectuada no âmbito dos autos, afigura-se-nos dizer que para além do objecto da perícia colegial não reportar à perícia singular, o certo é que entre a perícia singular e a colegial levada a cabo nos autos não se nos afigura existirem divergências que impusessem que a perícia colegial tivesse que justificar o seu afastamento do resultado de perícia singular.

Ora, o quadro clínico apurado numa e noutra perícia não é muito diferente compreendendo-se perfeitamente das razões pelas quais em junta médica os Peritos divergiram de tal auto, sem que contudo se vislumbre qualquer necessidade de forma expressa terem de justificar tal divergência.

Resulta do exame médico singular realizado no âmbito dos presentes autos e que teve lugar no dia 13/07/2017, que a sinistrada em consequência do acidente terá sofrido traumatismo na face e na coluna cervical, constando dos registos do Hospital de Braga que sofreu TCE. À data do referido exame a sinistrada queixava-se de fenómenos dolorosos na coluna cervical, quer em repouso, quer em esforço, fazendo medicação regular. No exame objectivo então realizado fez-se consignar como sequela o seguinte “palpação do segmento cervical referida como dolorosa; limitação da mobilidade do pescoço (flexão/extensão, rotações e inclinações). Estabelecido o nexo causal entre a lesão sofrida e a limitação da mobilidade do pescoço, foi-lhe atribuída a IPP de 2% com base no cap. 1. 1.1.1 al. b) da TNI, ou seja por traumatismo raquidiano sem fractura, apenas com raquialgia residual.

No âmbito da perícia colegial designada no exame objectivo os Srs. Peritos Médicos, não detectaram qualquer limitação da mobilidade do pescoço, apenas referiram que no exame de palpação da cervical apresenta dor aos últimos movimentos de flexão e rotação esquerda, não apresentado défices de força, nem alterações dos reflexos osteotendinosos. Por sua vez o Perito da sinistrada refere que a sinistrada é portadora de limitação da mobilidade cervical em todos os seus ângulos, mais acrescentando que os vários relatórios médicos existentes nos autos referem défice de força dos membros superiores, em especial no esquerdo

Assim, quer porque no exame objectivo levado a cabo em sede de exame colegial não se constataram as sequelas referenciadas no exame singular, quer porque ao normalidade dos exames complementares negavam a existência de lesões traumáticas ou sequelares em tempo útil após o acidente, os Srs. Peritos Médicos do Tribunal e da Seguradora divergiram daquele exame. Por outro lado, o Perito médico da sinistrada também divergiu de tal exame, pois atento o actual quadro clínico que a sinistrada apresenta enquadrou as sequelas de que esta é portadora num outro artigo da TNI que lhe conferira uma incapacidade bastante superior.

Tais posições são claras coerentes não padecendo de qualquer obscuridade que importasse apurar, razão pela qual não se vislumbra qualquer falta de fundamentação do laudo pericial em que se alicerçou a sentença.

Perante este quadro, bem andou o Mmº Juiz a quo ao ter fundado a sua convicção sobre a natureza e o grau de incapacidade permanente de que a sinistrada ficou portadora em consequência do acidente de que foi vítima no laudo maioritário do exame por junta média a que esta foi submetido e nos esclarecimentos prestados, decorrentes da maioria obtida entre os senhores peritos médicos nomeados pela seguradora e pelo tribunal, após haverem observado a sinistrada, analisado a documentação e respondido a todas as questões que lhes foram colocadas quer pela sinistrada, nos quesitos que decidiu apresentar e pedido de esclarecimentos que entendeu solicitar.

Se para que sentença, no que respeita à determinação e fixação da natureza e grau de incapacidade da sinistrada, se possa considerar devidamente sustentada em factos é necessário que tal fundamentação conste de modo suficiente e congruente do laudo pericial em que se alicerçou tal decisão, o certo é que, no caso, constatamos que o laudo pericial maioritário emitido pela junta médica está devidamente fundamentado, é coerente e esclarecedor, o que nos permite concluir que a sentença recorrida não padece de qualquer deficiência, pois contém todos os elementos de facto necessários à decisão da questão da determinação e fixação da incapacidade da sinistrada.

Resumindo se os quesitos formulados para junta médica vieram a ser respondidos de forma suficientemente fundamentada, desprovida de qualquer obscuridade, ambiguidade ou omissão, permitindo-nos o laudo da perícia médica colegial analisar e ponderar, com segurança, que em consequência do acidente a sinistrada não ficou a padecer de qualquer sequela, entendemos assim que na sentença recorrida se procedeu à correta valoração da prova.

Por último teremos de dizer que não vislumbramos qualquer razão para que se amplie a matéria de facto dela se fazendo constar o teor do relatório elaborado pelo perito da sinistrada e por outro seu colega, que foi tido em consideração em sede de perícia colegial, sendo ainda certo que não padecendo a sentença de falta de fundamentação também por esta razão não existe qualquer motivo que justifique a ampliação da matéria de facto nos termos peticionados pela recorrente.

Improcede assim nesta parte a apelação, ficando prejudicado o conhecimento da questão por nós acima enunciada respeitante à IPP a atribuir à sinistrada, uma vez que consideramos que na sentença foi feita a correcta valoração da prova pericial produzida não existindo qualquer razão para nos afastarmos do laudo maioritário da perícia colegial, já que quer do exame médico objectivo, quer dos exames complementares a que a sinistrada foi sujeita após o acidente, os quais se encontravam desprovidos de qualquer patologia, foi considerado maioritariamente que em consequência do acidente a sinistrada se encontra curada sem desvalorização.

Não existindo qualquer razão para divergir daquele laudo pericial, subscrito por maioria e não se verificando qualquer situação que impossibilite a correcta reapreciação da matéria de facto e subsequente decisão de direito teremos de concluir quer pela desnecessidade de ampliação da matéria de facto, quer pela inexistência de qualquer erro de julgamento que implique a revogação ou a alteração da decisão proferida pelo tribunal recorrido.

Em face do exposto mais não resta do que manter a decisão recorrida a qual não merece qualquer censura, negando consequentemente provimento ao recurso.

V – DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por SANDRA, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 31 de Outubro de 2018

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins