Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5174/18.1T8GMR.G1
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO MANDATÁRIO FORENSE
INDEMNIZAÇÃO POR PERDA DE CHANCE PROCESSUAL
JUÍZO DE PROGNOSE
VALORAÇÃO DA CHANCE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I. Arredada qualquer vinculação do mandatário (decorrente do contrato de mandato ou das regras estatutárias) a obter ganho de causa, está o advogado adstrito à diligente, competente, cuidadosa e zelosa defesa dos interesses do mandante, com o objectivo de obter ganho das suas pretensões, pois que a obrigação do advogado se consubstancia numa obrigação de meios – inobservância de deveres por parte do advogado que podem implicar responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante.
II. A responsabilidade civil do mandatário forense pressupõe a verificação de um dano em resultado da perda de oportunidades radicadas no inadimplemento dos seus deveres profissionais, o que implica apurar se as ‘chances’ perdidas se iriam ou não traduzir numa diversa situação patrimonial do lesado (mandante).
III. A indemnização por perda de chance processual pressupõe uma chance real e séria, a determinar num «julgamento dentro do julgamento» realizado incidentalmente pelo tribunal da indemnização para apurar como teria sido decidida a acção pelo respectivo tribunal.
III. Exige-se a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, segundo juízo de probabilidade tido por suficiente, a aferir casuisticamente, em função dos indícios factualmente apurados.
IV. Não se apurando, num juízo de prognose, inerente à valoração da chance, que a pretensão dos autores de ver reduzido o montante dos honorários dos peritos tinha possibilidades reais e consistentes de procedência (sendo frustrada pelo actuação inadimplente do segundo réu), fica afastada a existência da obrigação de indemnizar.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1)

RELATÓRIO

Co-réus/apelantes: X Seguros Gerais, SA e A. F.
Autores/apelados: C. A. e mulher, H. M.
Interveniente principal provocada: Y Portugal, SA
Juízo central cível de Guimarães (lugar de provimento de Juiz 1) - T. J. Comarca de Braga.
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Intentaram C. A. e mulher, H. M., a presente acção comum demandando X Seguros Gerais, SA e A. F., pedindo a condenação destes a pagarem-lhes a quantia de setenta e dois mil e oitocentos euros e vinte cêntimos (72.800,20€), a título de danos patrimoniais (58.800,20€) e não patrimoniais (20.000,00€), acrescida de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, sustentando que o segundo réu, advogado (actividade profissional segura na primeira ré), exerceu negligentemente o mandato que lhe conferiram, omitindo actos processuais que poderia e deveria ter praticado, adequados a evitar os prejuízos que lhes advieram.

Alegam para tanto, em súmula mais alargada, que o segundo réu (A. F.) os patrocinou, na qualidade de advogado, em processo que com o nº 636/1996 correu inicialmente os seus termos no extinto Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso (posteriormente tramitado sob o nº 85/14.2T8PVZ, do Tribunal da Póvoa de Varzim), não tendo impugnado por via de recurso despacho que ordenou o pagamento dos honorários fixados aos peritos, no total de 63.308,00€ (sessenta e três mil trezentos e oito euros), apenas dele reclamando, tendo o despacho que na sequência de tal reclamação fixou os honorários em 10 UC (unidades de conta) sido procedentemente impugnado por via de recurso por uma das peritas, considerando-se (na decisão do recurso) que a primitiva decisão, não constituindo despacho de mero expediente, resolvera em definitivo a questão (montante dos honorários), acórdão mantido no recurso dele interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (sendo também infrutífero o recurso interposto para o Tribuna Constitucional). Continuam alegando os autores que baixado o recurso, foi determinado o pagamento a todos os peritos com base nas notas por eles apresentadas, tendo o segundo réu procurado, através de recurso, que tal decisão fosse limitada à perita recorrente, entendimento que não foi acolhido. Alegam ainda os danos (patrimoniais e não patrimoniais) por si sofridos em consequência da actuação negligente do segundo réu.

Impugnando a factualidade alegada e confirmando a celebração do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado com a Ordem dos Advogados, com início em 1/01/2004 e limitado ao capital de 150.000,00€, excepcionou a primeira ré (X Seguros Gerais, SA) a exclusão do pré-conhecimento do sinistro por parte do segundo réu, mais sustentando que o seguro com ela celebrado coexiste com seguro acordado entre o segundo réu a seguradora Y Portugal. Argumentou ainda que dos factos alegados (a provarem-se) não resulta qualquer actuação censurável do segundo réu, por se tratar de despacho de mero expediente o que determinou o pagamento aos peritos, consubstanciando-se (legitimamente o interpretou o segundo réu) numa ordem dirigida à secção, questionando ainda a probabilidade do Tribunal superior dar razão aos autores se a reclamação e o recurso tivessem sido apreciados e, por fim, defendendo não se verificarem danos causalmente imputáveis à conduta profissional do segundo réu.

Começando por sustentar a sua ilegitimidade passiva, alegou o segundo réu que o despacho com a menção ‘Pague-se’ constitui despacho de mero expediente, irrecorrível, e que qualquer advogado, colocado na sua posição, tê-lo-ia assim considerado e entendido. Argumentou ainda que ao processo era aplicável o regime previsto no Código das Custas Judiciais, o qual não previa o limite de 10 UC para os honorários dos peritos e que, mesmo perante o Regulamento das Custas Judiciais, tal limite também não existe (pois que julgado inconstitucional) e assim que qualquer reapreciação dos honorários levaria a fixá-los no valor das notas apresentadas pelos peritos, fruto do trabalho que lhes esteve subjacente. Impugnou também os alegados danos não patrimoniais, alegando que os autores, ao longo do processo, foram prevenidos para os riscos da acção e dos procedimentos que adoptou para tentar revogar as decisões para eles desfavoráveis.

Requerida (pelo segundo réu) a intervenção principal provocada da companhia de seguros Y Portugal, SA, foi o incidente deferido e citada a interveniente, que se apresentou a contestar invocando desde logo a sua ilegitimidade, argumentando que na hipótese de ser admitida, a sua intervenção deveria ter ocorrido enquanto interveniente acessória, por apenas o seu segurado poder exigir de si o pagamento do capital seguro. Aceitando a celebração de contrato de seguro, alegou que os seus efeitos se iniciaram em 11/10/2017, donde resulta a sua inaplicabilidade ao sinistro que serve de causa de pedir aos presentes autos (ocorrido em Outubro de 2011), defendendo ainda que, a verificar-se, teria o facto ilícito sido dolosamente praticado em violação de regras deontológicas, o que determina a exclusão do âmbito contratual do seguro, exclusão que também ocorre por ter o segundo réu omitido, na data da contratação, a ocorrência do sinistro. Mais argumentou não ser o segundo réu responsável por indemnizar os autores, por, além do mais, constituir o pagamento dos honorários aos peritos obrigação legal de que aqueles se não poderiam eximir e que a tentativa de redução dos honorários foi efectuada em cumprimento do mandato que lhe foi conferido. Por fim, impugnou a coexistência de seguros, uma vez que foi (ela, interveniente) contratada depois da ocorrência do alegado sinistro e da celebração do contrato de seguro com a primeira ré X.

Cumprido o contraditório, foi realizada, terminados os articulados, audiência prévia, tendo-se proferindo saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância (desatendendo-se a arguida excepção de ilegitimidade), identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova e após realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção:

1. condenou solidariamente os réus a pagar aos autores:
a) a quantia de vinte e um mil e cinquenta e nove euros e vinte e oito cêntimos (21.059,28€), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4% (sem prejuízo de alteração legislativa posterior), desde a citação até integral satisfação;
b) a quantia de dois mil euros (2.000,00€), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, a que acrescem juros de mora desde a presente sentença até integral satisfação, à taxa legal de 4% (sem prejuízo de alteração legislativa posterior);
2. condenou solidariamente a interveniente com os réus no pagamento das prestações indemnizatórias aludidas, reduzida da franquia correspondente a 10% do total daquelas.
Inconformados, apelam os co-réus, ambos pugnando pela revogação da sentença.

A primeira ré termina as suas alegações pelas seguintes conclusões:

1. Atenta a especificidade do contrato de mandato forense, e bem assim do exercício da actividade da advocacia, no âmbito da qual não se apontam, por regra, soluções jurídicas unívocas, coexistindo antes, e a cada momento, doutrinas e entendimentos contraditórios sobre a mesma questão de facto, não pode exigir-se ao advogado que adopte, em cada processo, a solução que, afinal, venha a ser acolhida pelo tribunal.
2. De facto, para que um advogado possa ser civilmente responsabilizado, perante um cliente, em decorrência de uma actuação profissional no âmbito de determinado patrocínio, deverá a sua conduta ser considerada culposa, ou seja, merecedora de censura deontológica, no sentido de que deve constituir um “erro de ofício” ou uma “falha indesculpável”.
3. Não havendo, porém, responsabilidade se existirem doutrinas contraditórias e o advogado, diante das circunstâncias concretas do caso, e bem assim dos elementos que lhe sejam disponibilizados, optar por uma delas nesse sentido cfr. Acórdão do STJ de 02.10.2008, disponível in www.dgsi.pt.
4. Tendo resultado demonstrado nos autos que o Réu advogado diligenciou, incessantemente, no intuito de acautelar e defender os melhores interesses dos AA., seus Constituintes, e não sendo expectável que actuasse de forma diversa, face às circunstâncias factuais concretas do caso em apreço, não lhe poderá ser imputável qualquer responsabilidade civil pelo não acolhimento da pretensão dos aqui AA.
5. De facto, os despachos com o teor “pague-se” ou “cumpra-se” são necessariamente reconduzíveis à figura dos chamados despachos de mero expediente, não tomando explícita ou implicitamente qualquer posição que interfira no conflito de interesses entre as partes, devendo, nessa medida, ser considerado irrecorrível – cfr. artigo 630.º, n.º 1 do CPC.
6. Com efeito, num despacho decisório, o Juiz opta por uma solução jurídica, entre várias possíveis alternativas, sendo que, por forma a cumprir a exigência constitucional expressamente prevista no artigo 205º nº 1 da CRP, a fundamentação dos despachos e decisões deve ser expressa, clara, coerente e suficiente, não devendo ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão.
7. Ora, o despacho proferido nos autos do processo em apreço, e que continha a simples referência “pague-se”, não reunia nenhuma das exigências subjacentes a uma decisão, razão pela qual, a reação (ou, in casu, a ausência de reação) que os Autores imputam ao Réu advogado, nunca poderia, em bom rigor, ser praticada.
8. Efectivamente, nem ao 2.º Réu, enquanto mandatário dos Autores, nem ao Ilustre Mandatário da parte contrária, foi comunicado de que poderiam reclamar da nota de honorários apresentada pelos senhores peritos;
9. Aliás, a notificação da nota de honorários foi feita simultaneamente com a notificação do despacho que ordena o seu pagamento, não tendo sido dada às partes a possibilidade de reclamarem da referida nota.
10. Para além disso, até à notificação da guia para pagamento, em momento algum foi comunicado ao 2.º Réu que os Autores seriam os únicos responsáveis por aqueles encargos.
11. Sendo que, da genérica expressão “Pague-se” contida no aludido despacho de 14.11.2011, interpretou o 2.º Réu, legitimamente, que tal ordem se dirigia à secção/secretaria e não a qualquer das partes, não sendo possível retirar que os responsáveis pelo pagamento de tal quantia eram os Autores, por que valor, e em que termos.
12. Aliás, não apenas o aqui 2.º Réu nada fez, como o Ilustre Mandatário da parte contrária também nada fez, dado que, com a prolação daquele despacho não foi imputada aos Autores nem à parte contrária a responsabilidade pelo pagamento daqueles encargos;
13. De modo que, se o 2.º Réu, em representação dos Autores, nada fez na altura, tal deveu-se única e exclusivamente à falta ou insuficiência de notificação para o efeito.
14. Apenas com a notificação da guia para pagamento no valor de € 75.214,80, dirigida aos ali AA. em 06.12.2013, é que o despacho de 14/11/2011 se tornou inteligível (cfr. facto julgado provado sob a alínea k.);
15. Tendo o 2.º Réu, assim, conhecimento de que aqueles encargos estavam a ser imputados aos Autores em regime de exclusividade, e que aqueles, enquanto interessados e afetados, podiam efectivamente reagir;
16. Ao que o 2.º Réu, Dr. A. F., imediatamente reagiu, tendo inclusivamente logrado reverter (num primeiro momento) aquela decisão – cfr. facto provado sob alínea m) da douta sentença recorrida.
17. De facto, o Tribunal de primeira instância procedeu à correção peticionada pelo 2.º Réu, em representação dos Autores, ordenando a emissão de nova guia que contemplasse os valores invocados no referido requerimento, no seguimento do que a secretaria procedeu à emissão das competentes guias.
18. Mais estabeleceu aquele despacho que a responsabilidade pelo pagamento de tais encargos deveria ser repartida pelos Autores e pela parte contrária, uma vez que Autor e Réu tiveram o mesmo interesse e retiraram igual proveito na realização da perícia.
19. Ora, tendo o aludido despacho vindo, de facto, a ser posteriormente revogado, nenhuma culpa e/ou responsabilidade poderá ser imputada ao advogado, aqui 2.º Réu.
20. Sendo certo que, tendo os referidos encargos sido, a final, suportado por ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos, afigura-se manifestamente evidente que, caso os AA. tivessem ali obtido total “ganho de causa” e/ou sucesso da sua pretensão, nada teriam liquidado aos referidos peritos a título de honorários e/ou encargos com a perícia ali requerida, algo que, contudo, nunca poderá ser imputável ao aqui 2.º Réu advogado (não consistindo, sequer, causa de pedir na presente acção).
21. Sendo certo que, para obter a repristinação dos efeitos do despacho de 03/07/2014, o 2.º Réu, em representação dos Autores, esgotou todos os meios jurisdicionais existentes, tendo diligenciado no sentido de expor e demonstrar naqueles autos todos os argumentos e razões que, no seu entendimento, seriam passíveis de sustentar judicialmente a pretensão dos seus Constituintes, aqui Autores;
22. Resultando manifestamente evidente que o 2.º Réu, Dr. A. F., não violou qualquer dever comportamental, nem incumpriu, ou cumpriu defeituosamente, o contrato de mandato forense celebrado com os Autores.
23. Com efeito, apreciando-se a actuação profissional do Réu advogado, posta em crise nos autos, sob o critério do “padrão de conduta profissional” que um advogado medianamente competente, prudente e sensato teria tido, quando confrontado, na ocasião, com um despacho daquele teor, forçoso se torna concluir pela manifesta ausência de culpa imputável ao advogado, aqui 2.º Réu, Dr. A. F..
24. Não sendo, de facto, exigível ao Réu advogado, atendendo ao circunstancialismo em apreço nos autos, um comportamento e/ou actuação diferente daquela que, in casu, efectivamente adoptou.
25. Nessa medida, salvo o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário, tendo o 2.º Réu prosseguido o referido patrocínio de acordo as leges artis, e tendo em conta os dados e informações objectivas de que dispunha, não lhe poderá ser imputável qualquer responsabilidade civil pelo (pretenso) não acolhimento da pretensão dos aqui AA.
26. De facto, no caso em apreço nos autos, ainda que se considerasse ter o Réu advogado incorrido numa omissão profissional, consubstanciada na não impugnação judicial do despacho com a mera referência “pague-se” (o que não se admite, mas agora se equaciona por mera cautela de patrocínio), torna-se manifestamente evidente que, atentas as circunstâncias do caso (nomeadamente pelo teor do aludido despacho, e bem assim por toda a conduta processual adoptada pelo R. advogado nos autos do processo n.º 636/1999, em representação dos aqui AA.), não se encontra (de todo) demonstrada – mas antes afastada – qualquer pretensa presunção de culpa que, sobre o 2.º Réu pudesse (em tese) recair.
27. Nessa medida, e salvo o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário, não poderá ser afirmada a existência de ilicitude ou culpa na conduta do 2.º Réu advogado, na medida em que a pretensa omissão que lhe é imputada, não ultrapassou (de todo) a discutibilidade da questão e/ou o risco do pleito, consubstanciando, em bom rigor, o exercício pleno da autonomia técnica conferida ao advogado no âmbito do exercício da sua profissão;
28. De modo que, não se encontrando, desde logo, preenchidos os primeiros requisitos legais (a existência de facto ilícito e/ou culpa), para que nasça, na esfera jurídica do Réu advogado, qualquer obrigação de indemnizar, não poderá manter-se a douta decisão recorrida manter-se, salvo melhor e douta opinião em contrário, sob pena de manifesta e frontal violação do disposto no artigo 483.º do CC;
29. Para além disso, considerou ainda a douta sentença recorrida que “caso tivesse sido interposto despacho que ordenou o pagamento das notas de honorários apresentadas no processo n.º 636/1999, haveria a probabilidade séria e consistente de virem a obter ganho parcial no mesmo, por as notas de honorárias revestirem carácter excessivo”;
30. Fixando, assim, o douto Tribunal a quo o valor do (pretenso) dano de perda de chance sofrido pelos AA. na quantia total de € 21.059,28, resultante da totalidade da diferença entre o valor que os AA. efetivamente pagaram a título de honorários devidos pelos três peritos nomeados nos autos do processo 636/1999 (€ 49.838,88), e a quantia de € 30.513,60, que, considerando razoável atendendo à dificuldade da perícia desenvolvida naqueles autos, entendeu configurar a medida da “perda de chance” sofrida pelos AA., acrescida ainda dos valores despendidos pelos AA. a título de taxas de justiça.
31. Ora, sucede contudo que, não obstante o evidente esforço argumentativo levado a cabo na douta sentença recorrida, olvidou, a final, o douto Tribunal a quo que, o limite diário de 4 UCs previsto na Portaria n.º 1178-D/2000 de 15.12 (aplicável ao processo em apreço nos autos) não constituía, tal como parece entender a douta sentença recorrida, um limite máximo inexcedível;
32. Podendo, antes, ser reduzido e/ou aumentado pelo Tribunal, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 34.º do CCJ, em função da dificuldade, relevo ou qualidade dos serviços prestados.
33. De facto, estando em causa um processo entrado em juízo no ano de 1999, ainda antes da aprovação do RCP (que ocorreu com o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02), e, dispondo o artigo 27º do referido diploma que as alterações às leis de processo por ele introduzidas e o RCP por ele aprovado se aplicavam apenas aos processos iniciados a partir da entrada em vigor do presente decreto-lei, respetivos incidentes, recursos e apensos, “… ao processo n.º 636/1999 era ainda aplicável o regime previsto no CCJud, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/1996, de 26.11, em especial o seu artigo 34º”, tal como considerou (e bem, quanto a esta matéria), a douta sentença recorrida;
34. Ora, e tal como ponderou (até) a douta sentença recorrida, resultou abundantemente demonstrado nos autos que “… a perícia incidiu sobre a análise de movimentos bancários efetuados sobre três contas, durante um período de cerca de vinte anos, tendo sido despendidas 490 horas de trabalho colegial (precedido de 77 horas de trabalho preparatório) – cfr. als. ll) e mm), dos factos provados.”
35. De facto, no caso em apreço nos autos, estava em causa uma perícia colegial manifestamente complexa, realizada por três peritos altamente especializados (cfr. ponto aaa. dos factos julgados provados), que implicou a análise extensiva e minuciosa de várias contas e movimentos bancários, num hiato temporal de 20 anos;
36. Tendo a referida perícia implicado a consulta e análise de centenas (ou mesmo milhares) de documentos, tendo a testemunha F. P., que foi nomeada perita pelo Tribunal, mencionado, nomeadamente, que ainda conserva em seu poder 10 pastas, de lombada grossa, relativas ao processo, grande parte dos mesmos antigos e não informatizados;
37. Tendo os senhores peritos reportado dificuldades extremas na identificação, selecção e organização dos documentos, circunstância que contribuiu para a demora na conclusão da diligência, classificando ainda o aludido trabalho como “muito penoso”, tanto assim que F. P. e R. A. disseram que, após esta experiência, declinaram a sua disponibilidade para intervir noutras diligências judiciais de perícia;
38. Tendo o relatório pericial apenas sido junto aos autos no dia 14.07.2011, após pedidos de prorrogação do prazo de 30 dias inicialmente concedido, sendo composto de 112 páginas, tendo sido esclarecido por um relatório complementar de 26 páginas – cfr. pontos nn) e oo) dos factos julgados provados;
39. E, tendo o aludido trabalho sido realizado, por cada um dos três peritos, num total de 567 horas de trabalho (490 + 77 horas de trabalho preparatório), resultando assim que os peritos despenderam o equivalente a 70 dias de trabalho (tudo cfr. douta sentença recorrida);
40. De facto, o limite máximo legalmente previsto (nos termos da referida Portaria, ainda que sem a ponderação/acréscimo permitido ao Tribunal, pelo n.º 2 do artigo 34.º do CCJ, perante as circunstâncias agravantes do caso concreto), para a realização da referida perícia colegial seria de € 28.560,00 por perito, o que totalizaria a quantia de € 85.680,00 (praticamente o dobro do que os AA. efectivamente pagaram nos autos do processo n.º 636/1999);
41. De modo que, o valor de € 19.600,00, reclamado a título de honorários por cada um dos peritos encontrava-se absolutamente consentâneo com os limites médios legalmente previstos, afigurando-se ainda totalmente razoáveis e adequados face à extensão e complexidade da perícia realizada naqueles autos.
42. Nessa medida, e contrariamente aquilo que entendeu o douto Tribunal a quo, não se afigurava (de todo) certo e seguro que, caso o pretendido recurso (do despacho ali proferido com a simples menção “pague-se”) tivesse sido efectivamente apreciado pelo Tribunal da Relação, teria este Tribunal recursório considerado a referida nota de honorários desadequada e/ou excessiva, face ao regime legal à data aplicável;
43. De facto, e tal como considerou, com manifesta clareza e solidez argumentativa, o douto Acórdão do STJ de 2010.04.29 (Processo 2622/07.0TBPNF.P1.S1), “Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.” – tudo com destaque nosso.
44. Assim, e nos termos previstos nos artigos 563.º e 564.º do CC, apenas quando resulte provada e quantificada a probabilidade de procedência da chance perdida, poderá essa chance perdida ser ressarcida, não sendo a mesma suscetível de fundar a responsabilidade civil do “lesante”, quando não seja possível aferir da consistência da “chance” perdida pelo “lesado”;
45. Não bastará, assim, que um advogado, por falta de zelo, não tenha praticado um determinado acto, para que, sem mais, nasça na esfera jurídica do seu cliente o direito à indemnização por perda de chance, sem se exigir qualquer outro requisito;
46. Tal entendimento, de uma forma que se têm por inadmissível, afastaria os requisitos da responsabilidade civil, mormente, a necessidade de existência de danos e o nexo de causalidade entre a atuação e os danos.
47. Com efeito, se fosse outra a solução, criar-se-ia o caso de todos os alegados danos e chances que se afirmam ter sido perdidas, levarem à sua ressarcibilidade (o que, de todo, não se poderá admitir), sob pena de ser possível a obtenção por via da responsabilização civil de um advogado, e com base na doutrina da “perda de chance”, de um benefício patrimonial superior àquele que se teria obtido por via do “curso normal das coisas” – neste sentido, veja-se “Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ, n.º 84, n.º 5”, acerca da Teoria da Causalidade Adequada.
48. Ora, no caso em apreço nos autos, e ainda que se admitisse a existência de uma “chance perdida” sofrida pelos AA. em decorrência do não acolhimento da solução jurídica preconizada pelo R. advogado nos autos do processo n.º 636/1999 (o que não se admite, mas agora se equaciona por mera cautela de patrocínio), sempre deveria o douto Tribunal a quo ter aplicado, sobre o aludido montante/”dano final” alcançado (€ 19.325,28), o grau de probabilidade de sucesso daquela pretensão ter sido julgada de forma favorável, não fosse a pretensa actuação omissiva que a impediu – nesse sentido, veja-se a título exemplificativo o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.01.2015 (disponível in www.dgsi.pt);
49. Sendo certo que, à falta de melhor critério, tem a jurisprudência actual considerado que, a probabilidade (quando séria e credível) a considerar, deverá ser, tendo por base critérios de equidade, fixada em 50%, algo que, in casu (e hipoteticamente), conduziria à fixação de um dano de perda de chance (presumivelmente) sofrido pelos AA., no montante de € 9.662,64 (50% de 19.325,28€).
50. Caso contrário, estaremos perante um ressarcimento integral – resultante de um simples cálculo aritmético da diferença entre o valor liquidado e o considerado (por este Tribunal) como devido – sem qualquer ponderação sobre o grau de “chance” alegadamente perdido.
51. Nessa medida, ainda que se admitisse a probabilidade do Tribunal de recurso decidir, no sentido como decidiu agora (hipoteticamente) o douto Tribunal a quo (o que não se admite, mas agora se equaciona por mera cautela de patrocínio), nunca poderá o (pretenso) dano dos AA. ser fixado na totalidade da diferença entre o valor efectivamente liquidado pelos AA. a título de honorários com as perícias requeridas nos autos do processo n.º 636/1999, e o valor que este douto Tribunal considerou como justo e equilibrado à título de honorários devidos aos senhores peritos nos autos do identificado processo, violando, assim, o douto Tribunal a quo (salvo o devido respeito) as normas legais contidas nos artigos 563.º e 564.º do CC;
52. Assim, e salvo o devido respeito, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 483.º, 496.º, n.º 1, 562.º, 563.º e 564.º do C.C., dado que, por um lado, não se encontram demonstrados nos autos todos os requisitos legais previstos no artigo 483.º do CC (nomeadamente a ilicitude e a culpa), passíveis de gerar, na esfera jurídica do 2.º Réu advogado, uma obrigação de indemnizar (cfr. artigos 483.º, 496.º, n.º 1 e 562.º do CC), não se encontrando, por outro lado, demonstrado qualquer nexo de causalidade adequada entre tal pretensa actuação omissiva, e os danos alegadamente sofridos pelos AA. em consequência de tal actuação (cfr. artigo 563.º do CC).
53. Razão pela qual, não se podendo responsabilizar o Réu Advogado pela reparação de quaisquer danos, presumivelmente, decorrentes da sua conduta profissional, não impenderá sobre a Companhia de Seguros, ora Recorrente, qualquer obrigação indemnizatória decorrente da alegada transferência de responsabilidades.
54. Por fim, entendeu ainda o douto Tribunal a quo Estando na lide ambas as seguradoras, a cobrir o mesmo risco e contendo-se a indemnização devida dentro dos limites do capital seguro num e noutro caso, entende-se, então, que ambas deverão responder perante os lesados, sendo solidariamente responsáveis (cfr. artigo 497º/1, do CCiv).”
55. Concluindo, a final, que “As estipulações contratuais relativas à coexistência de seguros [nomeadamente, as aludidas em vv), dos factos provados] e a sua interpretação, relevantes para efeitos do disposto no artigo 133º/4, da LCS, tratam-se de questões a discutir entre as seguradoras após o pagamento aos lesados, e não à relação das seguradoras/lesados”;
56. Ora, salvo o devido respeito, não poderá a ora Recorrente concordar, contudo, com o entendimento perfilhado pelo douto Tribunal a quo relativamente a esta matéria, na medida em que, encontrando-se demandados nos autos todos os intervenientes respeitantes à aludida matéria (nomeadamente a ora Recorrente X, a Interveniente Y Portugal, e o segurado, aqui 2.º Réu), e, tendo todas as questões, respeitantes à apreciação dos contratos de seguro e consequentes proporções de responsabilidade de cada interveniente, sido submetidas à apreciação do douto Tribunal a quo, estará o douto Tribunal em condições de sobre as mesmas se pronunciar, decidindo definitivamente todos os litígios subjacentes à presente demanda.
57. De facto, e tendo subjacente o princípio da economia processual, evitando-se nomeadamente uma maior litigiosidade decorrente da necessária propositura de uma posterior acção de reembolso entre seguradoras e segurado (que, in casu, se pretende evidentemente evitar), e tendo o Tribunal já se debruçado amplamente sobre a prova produzida, sempre deveria o douto Tribunal a quo apreciar e decidir definitivamente todas as questões subjacentes à presente demanda, nomeadamente a proporção de responsabilidade de cada seguradora, à luz das condições contratuais aplicáveis ao caso em apreço, e bem assim do disposto no artigo 133.º do RJCS (DL 72/2008 de 16 de Abril).
58. Com efeito, nos termos previstos no n.º 4 do citado artigo 133.º do RJCS, nada sendo convencionado em contrário nos respectivos contratos de seguro, os seguradores envolvidos no ressarcimento do dano coberto pelos contratos referidos no n.º 1, respondem entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro;
59. Contudo, e tal como ficou a constar do ponto ii) dos factos julgados provados na douta sentença recorrida, estando previsto na cláusula 11 do artigo 8.º das Condições Especiais da apólice de seguro ..................58/3 que “Se para qualquer reclamação o segurado estiver protegido por cobertura sob qualquer outra apólice de análoga cobertura, a responsabilidade do segurador pela presente apólice funcionará, sem prejuízo dos seus Limites de Indemnização e do seu âmbito de cobertura, apenas em excesso das garantias providenciadas por essa outra apólice, que se considerará celebrada anteriormente”;
60. E, não constando das apólices de seguro n.º ........13 e n.º ........74 (cfr. ponto rr. dos factos provados), celebradas e garantidas pela congénere Y Portugal, S.A., aqui Interveniente, qualquer disposição contratual idêntica à cláusula 11 do artigo 8.º das Condições Especiais da apólice de seguro ..................58/3, nomeadamente que preveja a subsidiariedade de cobertura das apólices em apreço;
61. Sempre se deverá concluir que a ora Recorrente X Seguros Gerais S.A. apenas poderá responder ao abrigo das garantias e coberturas da apólice de seguro n.º ..................58/3 contratada com a Ordem dos Advogados, na falta e/ou insuficiência das apólices de seguro n.º ........13 e n.º ........74 garantidas pela ora Interveniente Y Portugal, S.A.
62. Requerendo-se ainda, por mera cautela de patrocínio, e nos termos previstos no artigo 614.º, n.º 1 do CPC, que o facto contido no ponto rr) dos factos provados seja rectificado, devendo a data de 13.10.2016 ser corrigida para a 13.10.2000 (tudo cfr. apólice de seguro junta aos autos e motivação da resposta à matéria de facto);
63. De facto, e conforme é consabido, a apólice de seguro n.º ................58 celebrada entre a ora Recorrente e a Ordem dos Advogados consubstancia, em bom rigor, um benefício concedido pela Ordem aos seus segurados (advogados com inscrição em vigor), garantindo uma cobertura indemnizatória mínima de € 150.000,00, nomeadamente nos casos em que os advogados não tenham contratado, a título individual, um seguro que cubra e/ou garanta eventuais riscos decorrentes do exercício da sua actividade profissional de advogado;
64. Sendo, assim, evidente a natureza meramente complementar e/ou subsidiária da apólice de seguro n.º ................58, face a qualquer contrato de seguro individual e directamente celebrado por cada advogado, no estrito cumprimento do dever expressamente previsto no artigo 104.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
65. De modo que, atendendo ao montante indemnizatório total considerado devido na douta sentença recorrida, estando previsto nas apólices de seguro n.º ........13 e n.º ........74 garantidas pela ora Interveniente Y, o capital máximo subscrito de € 250.000,00 (cfr. ponto ss. dos factos julgados provados), sem prejuízo de tudo quanto supra se alegou relativamente ao não preenchimento, in casu, dos requisitos legais previstos no artigo 483.º do CC, sempre deverá a ora Recorrente X ser absolvida dos pedidos, na medida em que o referido montante indemnizatório total se encontra integralmente abrangido pelo limite de capital seguro previsto na apólice de seguro garantida pela congénere/Interveniente Y S.A.
66. Não obstante, e ainda que assim não se entendesse (o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio), nos termos previstos na cláusula n.º 12 do citado artigo 8.º das condições especiais da apólice de seguro n.º ................58, e bem assim no n.º 4 do artigo 133.º do RJCS, sempre deveriam as entidades seguradoras demandadas nos autos responder na proporção dos capitais seguros;
67. O que, in casu, prevendo as apólices de seguro n.º ........13 e ........74, celebradas com a ora Interveniente Y, o capital indemnizatório máximo de € 250.000,00 (cfr. pontos rr. e ss. dos factos provados), e prevendo a apólice de seguro n.º ..................58, garantida pela ora Recorrente, o capital indemnizatório máximo de € 150.000,00 (cfr. ponto ff. dos factos provados), sempre tal implicaria a responsabilização da ora Recorrente na proporção de 37,50% e da Interveniente Y em 62,50% (cfr. artigo 133.º, n.º 4 do RJCS);
68. Sendo certo que, pese embora a apólice n.º ..................58, preveja efectivamente que, o valor da franquia contratual aplicável (€ 5.000,00) não será oponível ao Terceiro lesado, encontrando-se o segurado directamente demandado nos autos pelos AA., sempre deverá ser o 2.º Réu condenado a pagar directamente ao Lesado, nos termos previstos no artigo 49.º, n.º 3 do RJCS, o montante total de € 5.000,00, resolvendo-se na presente demanda, por razões de economia processual, todas as questões subjacentes ao litígio em apreço nos autos.

O segundo réu, por sua vez, conclui as suas alegações com as seguintes proposições:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual não merece a douta decisão proferida a anuência do Recorrente.
2. Desde logo, não se conforma o Recorrente com o entendimento segundo o qual “o despacho com os dizeres «Pague-se» constituiu uma decisão sobre o montante a fixar os honorários dos peritos, tendo um conteúdo jurisdicional, e, assim sendo, era suscetível de impugnação mediante recurso”.
3. Os despachos com o teor “pague-se”, “cumpra-se”, “notifique” ou “cite” são necessariamente reconduzíveis à figura dos chamados despachos de mero expediente, porque emanam de decisões prévias, sendo a sua consequência jurídica. Sendo certo que só as decisões, sejam despachos (propriamente ditos) ou sentenças, têm a virtualidade de produzir efeitos jurídicos, pois têm um destinatário concreto e impõem obrigações específicas.
4. Os despachos de mero expediente, como aquele com que nos confrontamos, não são suscetíveis de recurso (cfr. artigo 630.º, n 1 do CPC), pelo que a reação que é imputada ao Recorrente de não ter sido praticada nunca poderia, em bom rigor, ser praticada…
5. Daí que o Recorrente não aceita que exista um qualquer incumprimento que lhe seja imputável, motivo pelo qual não se conforma com o teor da douta decisão proferida.
6. Subsidiariamente, mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que, como bem se refere na douta decisão recorrida, “a verificação de uma falta profissional não determina, em relação de causalidade necessária, a responsabilidade do advogado. Importa efetuar um julgamento dentro do julgamento, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal de recurso”.
7. Como se consignou na douta Sentença recorrida, o diploma em matéria de custas em vigor à data dos factos aos processos em questão era o Código das Custas Judiciais, que não previa qualquer limite máximo para a remuneração devida a intervenientes acidentais.
8. Foi tendo por base estes pressupostos que na douta Sentença recorrida se entendeu que os valores pagos pelos Recorridos naqueloutro processo foram excessivos e que seria altamente provável obter a sua diminuição em sede de recurso.
9. Não obstante concordar com a parte inicial do douto raciocínio empreendido pelo Tribunal a quo para considerar que era altamente provável obter, em sede de recurso, a diminuição dos honorários devidos aos Senhores Peritos, não pode o Recorrente conformar-se com a sua conclusão, já que não tem na devida consideração a complexidade, dimensão e morosidade do trabalho empreendido pelos Senhores Peritos e que ficou bem claro na prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
10. A perícia em apreço foi de tal forma complexa e extenuante para os seus executores, que todos eles, quando prestaram declarações nos presentes autos, atestaram que nunca mais aceitaram exercer o cargo de peritos em processos judiciais.
11. O Recorrente aceita que, mesmo tendo na devida consideração o supra referido, que o valor não se fixe no máximo permitido por lei - 4 UC’s por dia.
12. No entanto, não pode o Recorrente aceitar que o valor fixado pelo Tribunal a quo fique tão distante de tal quantitativo, sendo certo que o valor considerado razoável na douta Sentença corresponde a pouco mais 1,5 UC por dia - €171,43.
13. Ora, o valor peticionado pelos Senhores Peritos e pago pelas partes naqueloutro processo corresponde €254,55 por dia, valor que, tendo em conta toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento se afigura razoável e perfeitamente aceitável – cfr. pontos kk) a pp) e aaa) da matéria de facto dada como provada.
14. O valor peticionado pelos Senhores Peritos corresponde a pouco mais de metade do limite máximo estabelecido por lei para cada dia, pelo que, atendendo à complexidade, morosidade, dificuldade, quantidade de documentação analisada para a concretização da perícia realizada, tal quantia não é excessiva.
15. Muito embora se admita que não foi esse o propósito do douto Tribunal a quo (que, aliás, até faz uma ressalva nesse sentido), a verdade é que ao decidir como decidiu acaba por desvalorizar e desconsiderar o real valor da perícia levada a cabo pelos Senhores Peritos, os quais, como foi possível apurar, são profissionais altamente qualificados, dotados de conhecimentos técnicos apuradíssimos.
16. Assim, é forçoso concluir que o valor dos honorários peticionados pelos Senhores Peritos, para além de ser fixar nos limites máximos permitidos por lei, não foram excessivos nem exagerados.
17. Consequentemente, caso tivesse sido interposto recurso do despacho que ordenou o pagamento daqueles honorários (ainda que, como já se avançou, entenda o Recorrente que tal recurso não era admissível), os Recorridos não teriam qualquer probabilidade séria de obter a redução do montante peticionado,
18. Inexistindo qualquer dano na sua esfera jurídica.
19. Tudo ponderado, forçoso é concluir que, com recurso ou não, as chances dos aqui Recorridos não serem condenados a pagar os honorários dos Senhores Peritos, eram praticamente nulas, desprovidas de qualquer grau de êxito.
20. A “chance” dos Recorridos de não serem condenados naquele pagamento era nula, não credível e, por isso, não se pode afirmar que a alegada conduta omissiva do Recorrente, enquanto Advogado dos Recorridos tenha sido a causa direta, imediata de não terem sido absolvidos da obrigação de pagamento dos honorários dos Senhores Peritos, implicando perda dessa chance.
21. Aliás, em boa verdade se diga que, ainda que o despacho com o teor “Pague-se” (irrecorrível na opinião do Recorrente) viesse a ser anulado por falta de fundamentação, com toda a certeza viria ser tomada outra decisão com igual desfecho.
22. Não é possível afirmar que com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, longe disso, que os Recorridos obteriam o benefício pretendido ou não teria a desvantagem que teve não fora a chance perdida.
23. Em suma, concluir-se-ia que os honorários foram bem fixados e que não haveria qualquer recurso que pudesse por em causa a justeza de tal decisão.
24. Pelo que, também por este motivo, entende o Recorrente que a douta Sentença recorrida tem de ser revogada.
25. Sem prescindir, resulta da matéria de facto dada como provada um ponto da maior importância ao qual o Recorrente considera que não foi dado o devido tratamento jurídico em sede de Sentença.
26. Nos pontos yy) e zz) da matéria de facto dada como provada, foi dado como provado que o processo nº 85/14.2T8PVZ terminou com uma transação celebrada entre os aqui Recorridos e o Banco, ali Réu.
27. Em tal transação, os Recorridos acordaram quanto a custas, estabelecendo que a responsabilidade pelas custas manter-se-ia nos exatos e precisos termos em que foram decididas nos autos pelas diferentes instâncias, e prescindindo de custas de parte.
28. Aquela transação foi homologada por sentença.
29. A condenação quanto a custas engloba os valores despendidos com encargos (perícias).
30. Ao transigir quanto a custas, os Recorridos aceitaram definir definitivamente a sua responsabilidade a tal título, fazendo terminar definitivamente o litígio que existia a tal título.
31. Ao transigirem desse modo, precludiu o direito dos Recorridos discutirem qualquer questão referente a custas, onde se engloba o valor fixado a título de honorários devidos aos Senhores Peritos.
32. E se tal responsabilidade foi voluntariamente assumida e definida pelos Recorridos, naturalmente que não pode depois ser imputada a um qualquer terceiro, designadamente ao aqui Recorrente.
33. Entende o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao não dar o devido enquadramento jurídico a estes factos que foram dados como provados e que assumem extrema importância.
34. Pelo que, também por este motivo, deve ser revogada a douta Sentença recorrida.
35. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou e não fez a devida interpretação, entre outros, do artigo 483.º do Código Civil, do artigo 630.º, n 1 do Código de Processo Civil e do artigo 34.º do CCJ.

Respondeu a interveniente Companhia de Y Portugal, SA às alegações da recorrente ré X, ampliando o objecto do recurso e arguindo a nulidade da sentença (pretendendo a revogação da sentença na parte em que enferma da nulidade invocada, com sua a consequente absolvição do pedido), terminando pela formulação das seguintes conclusões:

1. O princípio do dispositivo, consagrado nos art.ºs 3º, n.º 1 e 5º do CPC, impõe à parte o dever de formular o (s) concreto (s) pedido (s) ou efeito jurídico que pretende ver reconhecido pelo Tribunal, na procedência dos factos e argumentos que alegou no decurso da lide.
2. A Recorrente X não só não chamou a Y a intervir nos autos, como não deduziu nenhum pedido de condenação contra esta seguradora pelo que, não pode em sede de recurso, alegar de forma indiciária [porque nunca o requer de forma expressa] a condenação exclusiva da Y – como se depreende do alcance dos n.ºs 59º a 65º das suas conclusões – quando invoca a subsidiariedade do seguro de grupo que celebrou, com a Ordem dos Advogados, ou na proporção dos capitais seguros, como o faz de forma expressa, nos n.ºs 66º e 67º das suas conclusões.
3. A Recorrente X sobre a questão da coexistência de seguros, limitou-se a transcrever, no art.º 38º da sua contestação, o teor da clª. 12ª, n.º8 da sua apólice, sem, contudo, dela retirar as consequências que agora faz no n.º 67º da suas conclusões do Recurso – cfr. art.º 42º da contestação.
4. A condenação da Y, na proporção alegada no n.º 67º das conclusões da X, constitui uma questão nova, que não pode ser formulada pela Recorrente na discussão por via do recurso que agora interpôs - cfr. neste sentido o Acórdão desta Relação, de 08-11-2018, Proc. 212/16.5T8PTL.G1, in www.dgsi.pt, tal como a demais jurisprudência adiante citada.
5. O Segurado, Réu, perante o conhecimento dos dois seguros de que era titular – o da X e o da Y – resolveu somente participar o sinistro abjecto dos autos à Ré e Recorrente X tendo, assim, optado ou escolhido o seguro celebrado com esta seguradora X para indemnizar os Lesados aqui autores – facto provado dd).
6. o Réu, Segurado, nunca participou ou accionou a cobertura do seguro que tinha com a Y, que só teve conhecimento do sinistro em discussão, com a sua citação para presente acção, daí se explicar que a Y nunca recebeu também, por parte dos A.A./lesados, nenhuma reclamação – facto provado tt).
7. Não pode ser invocada pela Seguradora Recorrente a exclusão da obrigação de indemnizar o sinistro a seu cargo, quando os lesados/Autores resolveram intentar contra si a acção e quando, o seu Segurado, aqui Réu, só participou à Recorrente X o sinistro.
8. Ambos, A.A. e Réu, Segurado, escolheram a cobertura de um só seguro (o da Recorrente X) para obterem e garantirem a indemnização do sinistro, exercendo a faculdade de escolha prevista no n.º3, do art.º12º das Condições Especiais do contrato e nos n.ºs 3 e 6 do art.º 133º do RJCS.
9. O chamamento da Y à presente lide, foi justificado pelo réu/Segurado de forma subsidiária: apenas e tão só para garantir o pagamento da franquia de 5.000,00€, em vigor no contrato celebrado com a X – vide art.ºs 8º e 12º da contestação do Réu – tudo, de harmonia com o facto de ter participado o sinistro dos autos à aqui seguradora Y– factos provados dd) e tt).
10. Do seguro celebrado entre o Réu, Exmo. Advogado, e a Y, consta no art.º 18º das Condições Gerais do Contrato de Seguro, sob a epígrafe “Pluralidade de Seguros”, no seu n.º3 que, o sinistro abrangido por vários seguros, “é indemnizado por qualquer dos seguradores, à escolha do segurado, dentro dos limites da respectiva obrigação”, no caso, o seguro da Recorrente.
11. Atento o critério da escolha, pelos lesados e pelo segurado sobre o segurador responsável pela obrigação de indemnizar o sinistro – que decorre da conjugação:
a) Da conjugação dos factos provados dd) e tt da sentença;
b)“Art.º 12º- Coexistência de Seguros” do Seguro celebrado com a X;
c) do art.º 133º, n.º 3 e 6 do RJCS, em harmonia, ainda, com
d) a previsão da Cláusula Geral 18ª do seguro celebrado com a Y;
12. Não pode a recorrente X eximir-se à obrigação de indemnizar os lesados/autores pelo sinistro, alegando a natureza subsidiária ou complementar do seu seguro e o critério da clªa 11 do artigo 8º das Condições Especiais do mesmo contrato, que rege a fase das “Condições Aplicáveis às Reclamações” apresentadas pelo Tomador e Segurado, nomeadamente, quando ocorra a hipótese prevista no seu n.º 11, de “coexistência de seguros”!
13. Ambos, A.A. e réu/segurado escolheram a cobertura de um só seguro (o da Recorrente X) para obterem e garantirem a indemnização do sinistro, exercendo o direito de escolha que lhes é reconhecido no n.º 3, do art.º 12º das Condições Especiais do contrato e nos n.ºs 3 e 6 do art.º 133º do RJCS
14. Isto porque, também ficou provado que a Recorrente ao receber a participação do seu Segurado/Réu não invocou o critério da subsidiariedade do seguro, antes aceitou tal participação, que veio a dar origem ao processo nº 20162000103800 – facto provado ee).
15. Sem prescindir, a Interveniente Y adere ao objecto do recurso da Recorrente X, bem como do Recorrente Segurado, na parte em que pugnam pela não verificação dos pressupostos da obrigação deste indemnizar os Autores/Recorridos, uma vez que, tal absolvição aproveita às Seguradoras, recorrentes ou não, pois, a sua assunção do risco emergente do sinistro, só subsiste quando e na medida em que sobre o segurado se vier a manter a obrigação de indemnizar os danos peticionados pelos Lesados/Autores.
16. A necessidade da formulação do pedido, que se traduz no concreto efeito que a parte pretende extrair dos factos por articulados em juízo, decorre do princípio do dispositivo consagrado nos art.ºs 3º, n.º1 e 5º do CPC, o que limita a actividade do Tribunal pois, a sentença, nos termos do art.º609º, n.º1 do mesmo diploma, nunca poderá condenar em quantidade superior ou em objecto diverso da pretensão do demandante.
17. O pedido formulado, que se traduz no concreto efeito que a parte pretende extrair dos factos articulados em juízo, limita a actividade do Tribunal, já que a sentença, nos termos do art.º 609º, n.º1 do CPC, não pode nunca condenar em quantidade superior ou em objecto diverso da pretensão do demandante, sob pena de incorrer em vício de limites e na consequente nulidade da decisão (art.º 615.º, n.º1, alínea e) do CPC).
17. A sentença aqui recorrida, condenou ultra petitium, em violação do disposto no art.º 609º, n.º1 do CPC quando condenou solidariamente a Interveniente Y, nos termos que constam da alínea c) do dispositivo, tendo em conta que, nem os Autores, nem os Réus, deduziram contra a Interveniente Y qualquer pedido para sua condenação (isolada ou solidária), referente ao cumprimento da obrigação de indemnizar.
18. No presente caso, atendendo ao facto de os Autores/lesados não terem deduzido pedido contra a Y, caso fosse procedente o pedido de absolvição da Ré X, não seriam indemnizados pelos danos decorrentes do sinistro objecto dos autos, Ré contra quem, formularam unicamente essa concreta pretensão, pedindo a sua condenação.
19. Como decorre do Principio do Dispositivo, cabe à parte especificar se pretende a condenação isolada ou solidária, total ou proporcional a qualquer condição contratual de outra qualquer parte, razão pela qual e como só agora, em concreto e de forma expressa, vem peticionado no n.º 67 das conclusões da Recorrente X, não pode ser objecto de análise- neste sentido e sobre um caso similar, veja-se o Acórdão da Relação do Porto, de 11-10-2017, Proc. 379/13.4TVPRT.P1.
20. A parte da sentença recorrida, onde resulta a condenação solidária da Interveniente Y, nos termos que integram a alínea c) do dispositivo, configura uma condenação além dos concretos efeitos jurídicos que foram pedidos ao Tribunal pelas partes nos seus articulados, sendo por isso nula, ao abrigo do disposto nos art.ºs 609, n.º 1 e 615º, alínea e)do CPC,
21. o que expressamente se requer seja declarado e julgado procedente, assim se revogando, nesta parte, a douta sentença recorrida, com a consequente absolvição da Interveniente, tendo em conta que contra si não foi formulado qualquer pedido da sua condenação na obrigação de indemnizar os Autores ou outro.
Contra-alegaram os autores em defesa da sentença recorrida, sustentando a improcedência dos recursos interpostos pelos réus e bem assim pela improcedência da ampliação do objecto do recurso suscitada pela interveniente.
*
Admitidas, nesta Relação, as apelações interpostas pelos réus X Seguros Gerais, SA e A. F., foram as partes convidadas a pronunciar-se sobre a admissibilidade da ampliação do objecto do recurso requerida pela interveniente Y Portugal, SA – a interveniente, parte vencida (condenada solidariamente com os réus), tinha legitimidade para interpor recurso da decisão, sendo que a ampliação do objecto do recurso é faculdade proporcionada apenas à parte vencida, que não tem legitimidade para impugnar a decisão que lhe é favorável.

Pronunciaram-se as partes:

- a interveniente, sustentando a admissibilidade da deduzida ampliação do objecto do recurso e impetrando, para o caso de assim se não entender, a convolação da requerida ampliação em recurso subordinado (pois que para tanto respeitado o prazo legalmente estabelecido – art. 633º, nº 2 do CPC), nos termos do art. 195º, nº 3 do CPC,
- o réu apelante A. F., entendendo que a pretensão da interveniente Y deveria ter sido formulada por via de recurso subordinado e não através de ampliação do objecto do recurso (ampliação que considera inadmissível, por falta de legitimidade),
- a ré X defendendo a rejeição da ampliação do objecto do recurso suscitada, pois tendo saído vencida, podia a interveniente recorrer da decisão, tendo como sede de apreciação da sua pretensão o recurso ordinário e independente, nunca a ampliação do objecto do recurso,
- os autores apelados, afirmando não dever ser admitida quer a requerida ampliação do objecto quer a suscitada convolação da mesma em recuso subordinado.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Do objecto do recurso

Da delimitação do objecto do recurso

Importa abordar, preliminarmente – sendo que a propósito se cumpriu o contraditório –, da admissibilidade da ampliação do objecto de recurso suscitada pela interveniente Y Portugal, SA, na resposta apresentada ao recurso interposto pela primeira ré, X Seguros Gerais, SA e bem assim, da convolação de tal pretensão (caso se entenda ser a mesma inadmissível) em recurso subordinado.
Como acima referido, na resposta ao recurso da primeira ré, a interveniente vem insurgir-se contra a sentença proferida nos autos, imputando-lhe nulidade (excesso de pronúncia – condenação ultra petitum, por ter condenado solidariamente a interveniente nos termos constantes do seu dispositivo, tendo em conta que nem os autores nem os réus deduziram qualquer pedido para a sua condenação, isolada ou solidária), pretendendo a sua revogação e assim a sua consequente absolvição, para tanto ampliando o objecto do recurso.
A ampliação do objecto do recurso é mecanismo facultado pela lei à parte vencedora – não tendo a parte vencedora legitimidade para interpor recurso (art. 631º do CPC), já que o resultado final lhe é favorável, pode tal efeito inverter-se acaso seja dado provimento ao recurso interposto pela parte vencida, justificando-se que possam adicionar-se ao objecto do recurso as questões em que a parte vencedora decaiu, salvaguardando esta, deste modo, o mesmo resultado (2).
A solução estabelecida no art. 636º do CPC faculta à parte vencedora ‘a possibilidade de suscitar perante o tribunal ad quem a reapreciação de questões cuja resposta tenha sido desfavorável, esconjurando os riscos derivados de uma total adesão do tribunal de recurso aos fundamentos apresentados pelo recorrente para alcançar a revogação ou anulação da decisão’ (3) – podendo suscitar, prevenindo os riscos de eventual resposta favorável do tribunal de recurso às questões que tenham sido postas pelo recorrente, ‘nulidades da decisão recorrida, na medida em que o seu deferimento possa servir para reforçar a decisão que lhe foi favorável ou evitar a produção do efeito pretendido pelo recorrente.’ (4)
Tendo a sentença condenado a interveniente, solidariamente com os réus, no pagamento das quantias arbitradas a título de indemnização (deduzida a franquia correspondente a 10% do total das mesmas), tem de considerar-se ter ela ficado vencida.
Sendo parte vencida, tinha legitimidade para impugnar a decisão através de recurso, arguindo a nulidade (referente ao segmento em que é condenada – e por isso vencida) que agora, lançando mão da ampliação do objecto do recurso, vem invocar na resposta ao recurso interposto pela primeira ré.
A ampliação do objecto do recurso não é faculdade à qual possa recorrer a interveniente, parte vencida, para suscitar perante o tribunal de recurso questão que deveria ter suscitado em recurso independente.
Tanto basta para demonstrar não ser admissível a ampliação do objecto do recurso suscitada pela interveniente Y Portugal, SA.
Ademais, a admissibilidade da requerida convolação da ampliação do objecto do recurso em recurso subordinado (art. 633º do CPC) esbarra na circunstância de, no caso dos autos, a parte contrária não ter recorrido – o recurso subordinado está reservado para as situações em que a contraparte (parte contrária), também vencida, interpõe recurso: são as situações em que a parte, optando por se abster de recorrer na parte em que a decisão lhe é desfavorável, reserva o exercício do direito para a eventualidade da parte contrária, também vencida, interpor recurso (5).
Situação (interposição de recurso pela parte contrária) que se não verifica no caso dos autos, pois que os autores não apelaram da sentença – apenas os co-réus (com os quais foi a interveniente solidariamente condenada) apelaram, e estes não podem ser considerados parte contrária ou sequer defendendo na apelação que interpuseram posição contrária, até porque o recurso aproveita também à interveniente, à luz do art. 634º, nº 2, a) e c) do CPC (foi solidariamente condenada com os réus e deu adesão ao recurso dos réus na parte em que se pugna pela não verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar).
De rejeitar, pois, liminarmente, a admissibilidade de recurso subordinado para o qual pudesse ser convolada a deduzida ampliação do objecto do recurso.
Assim, considerando a inadmissibilidade da ampliação do objecto do recurso requerido pela interveniente bem como a pretendida convolação de tal ampliação em recurso subordinado, o objecto do recurso resulta da conjugação da decisão recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e das conclusões das alegações dos apelantes (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC).

Assim que as questões a decidir se circunscrevem:
- apreciar do incumprimento do mandato por parte do primeiro réu e dos demais pressupostos da obrigação de indemnizar, mormente da probabilidade séria, real e credível da possibilidade de evitar prejuízo comprometida pelo referido incumprimento do mandato,
- apreciar, caso se conclua pela existência da obrigação de indemnizar, do quantum respondeatur,
- apreciar do relevo da transacção aludida nas alíneas yy) e zz) da matéria provada quanto ao direito que os autores exercem na presente acção.
- apreciar da responsabilidade da primeira ré – se complementar e/ou subsidiária,
- apreciar da proporção da responsabilidade de cada seguradora.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

A sentença recorrida considerou:

A- Factos provados

A.1. Oriundos dos articulados pelas partes

a) O 2º réu exerce, com carácter habitual, a actividade profissional de advocacia, com escritório na avenida …, nº …, da freguesia e concelho de Vila Nova de Famalicão (…).
b) No âmbito e no exercício dessa actividade, o Exmo. Senhor Dr. G. S. passou substabelecimento, em 30.10.2000, ao 2º réu quanto aos poderes que lhe haviam sido conferidos pelos autores, por procuração datada de 14.06.1999, para que os representasse no processo nº 636/1999, que correu termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso.
c) Após reorganização do mapa judiciário, a acção identificada no artigo anterior passou a correr termos pela Instância Central da Póvoa do Varzim, 2.ª Secção Cível, J6, da Comarca do Porto, com o nº 85/14.2T8PVZ.
d) No âmbito da referida acção cível, para prova dos factos, foi requerida e admitida, por despacho de 21.02.2005, a prova pericial colegial a realizar por 3 peritos.
e) Tendo sido nomeados como peritos:
- R. A.;
- F. P.; e
- M. N..
f) Após o relatório, os peritos apresentaram, em 26.09.2011, as respectivas notas de honorários e despesas, juntas a fls. 5130 a 5132 do processo identificado em b).
g) Nessas notas de honorários, foi reclamado o pagamento de 19.600,00€, a título de honorários por cada um dos peritos, e a quantia total 2.890,80€, a título de despesas.
h) Na sequência da apresentação dessas notas de honorários, em 14.11.2011 foi proferido despacho, reportado a fls. 5130 a 5132, com a indicação: «Pague-se».
i) Despacho este notificado ao 2º réu, na qualidade de mandatário dos autores.
j) Deste despacho não houve qualquer reclamação e/ou recurso, por parte do 2º réu, em representação dos autores.
k) Em 06.12.2013, foram os autores notificados, na pessoa do 2º réu, da guia para pagamento dos encargos com os peritos, no valor de 75.214,80€.
l) Guia esta que mereceu reclamação por parte do 2º réu em 19.12.2013, com reiteração dos fundamentos em 24.02.2014, após contraditório dos peritos.
m) Na sequência daquela reclamação por parte do 2º réu, em 03.07.2014, foi proferido despacho, notificado às partes em 04.07.2014, aquando da notificação da sentença, o qual fixou os honorários devidos a cada um dos peritos em 10 UCs.
n) Nesse despacho, foi determinada a notificação dos peritos para esclarecerem os motivos das deslocações a Santo Tirso e ao Porto, bem como para esclarecerem o ponto de início das deslocações.
o) Em 10.09.2014, a perita R. A. apresentou requerimento a alegar a nulidade do despacho e simultaneamente interpôs recurso do despacho aludido em m) para o Tribunal da Relação do Porto.
p) Após a admissão do recurso, o 2º réu apresentou as contra-alegações, tendo suportado os autores o pagamento da quantia de 204,00€ a título de taxa de justiça.
q) Em 12.05.2015 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual determinou a revogação do despacho datado de 03.07.2014, pelos fundamentos que constam de fls. 293 a 305, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
r) Desse acórdão foi ainda interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo os autores pago a quantia de 408,00€ a título de taxa de justiça para instrução deste recurso.
s) Em 17.03.2016 foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual confirmou e manteve a decisão do Tribunal da Relação.
t) Após tal decisão foi ainda interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que não foi conhecido, tendo pago os autores a quantia de 714,00€ a título de custas.
u) Em 13.10.2016 o 2º réu interpôs recurso do despacho que ordenou, após trânsito em julgado das decisões supra referidas, o pagamento das notas de honorários a todos os peritos, por forma a tentar que as decisões proferidas pelos Tribunais superiores, a que supra se aludiu, apenas produzissem efeitos quanto à perita recorrente.
v) Tendo pago os autores, para o efeito, a quantia de 408,00€, a título de taxa de justiça.
w) Contudo, tal recurso não obteve provimento, o que foi decidido por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.05.2017, com a fundamentação que consta de fls. 362 a 380.
x) Os autores suportaram, no processo indicado em b), a título de honorários e despesas devidos aos peritos, a quantia global de 54.016,71€.
y) Para instrução dos recursos mencionados em p) a v), os autores pagaram taxas de justiça num valor total de 1.734,00€.
z) Quando confrontados com a guia para pagamento do valor de 75.214,80€, os autores sofreram abalo emocional.
aa) Ficaram incrédulos, chocados e sem saber o que fazer.
bb) Tendo nessa altura o 2º réu sossegado os autores e referido que iria reclamar do valor constante da guia.
cc) Não obstante, quando confrontados com o teor da decisão final, já transitada em julgado, no ano de 2016, que os condenou a pagar o valor peticionado nas notas de honorários apresentadas, os autores sofreram desgaste e angústia e viram-se na necessidade de economizar na exacta medida do que tiverem que despender a esse título, não tendo podido canalizar esse montante para aplicações financeiras ou investimentos imobiliários ou para ajudar as suas filhas.
dd) Em 23.06.2016 o 2º réu participou à 1ª ré os factos antes aludidos.
ee) Participação esta que deu origem ao processo nº 20162000103800.
ff) Entre a Ordem dos Advogados e a 1ª ré foi celebrado o acordo de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice com o n.º ..................58/3, com início a 01.01.2014, sendo o capital seguro de 150.000,00€, com uma franquia de 5.000,00€ por sinistro, que, nos termos da cláusula 9. das Condições Particulares, não é oponível a terceiros lesados.
gg) Da alínea a) do artigo 3º das Condições Particulares da apólice ..................58, sob a epígrafe «Exclusões», consta o seguinte: «Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação».
hh) No artigo 4.º dessas Condições Particulares, sob a epígrafe «Delimitação Temporal», consta que:
«É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice:
a) Contra o segurado e notificadas ao segurador, ou
b) Contra o segurador em exercício de ação direta;
c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa.»
ii) No nº 11 do artigo 8º das referidas Condições Especiais, sob a epígrafe «Condições Aplicáveis às Reclamações», consta o seguinte: «Se para qualquer reclamação o segurado estiver protegido por cobertura sob qualquer outra apólice de análoga cobertura, a responsabilidade do segurador pela presente apólice funcionará, sem prejuízo dos seus Limites de Indemnização e do seu âmbito de cobertura, apenas em excesso das garantias providenciadas por essa outra apólice, que se considerará celebrada anteriormente.»
jj) No nº 12 do citado artigo 8º consta que: «Supondo que a dita outra apólice ou apólices de cobertura análoga contenham uma previsão respeitante à concorrência de seguros nos mesmos termos que a presente, entende-se então que esta apólice atuará em concorrência com as mesmas, cada uma respondendo proporcionalmente aos limites garantidos.»
kk) No processo identificado em b), foi determinado o exame pericial «de todo o acervo documental respeitantes às contas bancárias que os autores detinham junto do Banco réu (documentos originais, tanto os extractos bancários, como os documentos que suportam o que naqueles extractos aparece reflectido, que os documentos respeitantes a quaisquer tipos de movimentos relacionados com os AA. e que não estejam retratados nos sobreditos extractos», sendo o respectivo objecto constituído pelos quesitos que estão enunciados a fls. 421 a 422, cujo conteúdo se dá por reproduzido.
ll) Para levar a cabo a perícia foi necessária a realização de 98 (noventa e oito) reuniões/deslocações dos 3 (três) peritos nomeados ao Porto, com uma média de 5 (cinco) horas por cada reunião.
mm) Para além das referidas deslocações, foram ainda despendidas cerca de 77 (setenta e sete) horas de trabalho preparatório, por cada um dos peritos, nomeadamente com vista à necessária análise prévia e global do objecto da perícia a realizar, selecção da documentação constante do processo, organização da documentação facultada e selecção de dados e documentação a solicitar.
nn) O relatório pericial apenas viria a ser junto aos autos no dia 14.07.2011, após pedidos de prorrogação do prazo de 30 (trinta) dias inicialmente concedido.
oo) Tal relatório pericial era composto de 112 (cento e doze) páginas, tendo sido esclarecido por um relatório complementar de 26 (vinte e seis) páginas.
pp) Os peritos tiveram que analisar inúmeros documentos bancários. qq) O 2º réu informou os autores dos procedimentos que adoptou para tentar revogar as decisões desfavoráveis aos interesses dos autores (no que se refere aos honorários pela perícia).
rr) A interveniente e o 2º réu celebraram um acordo de seguro, para cobrir a responsabilidade profissional da actividade de advogado, titulado pela apólice com o n.º ........13, desde 13.10.2016 até 10.10.2017, e, a partir de 11.10.2017, pela apólice com o n.º ........74.
ss) O capital máximo subscrito nesse acordo de seguro com a interveniente foi de 250.000,00€, correspondendo a franquia a 10% dos prejuízos indemnizáveis no mínimo de 500,00€.
tt) Em 23.06.2016, o 2º réu soube que os factos acima descritos poderiam consubstanciar um sinistro, mas não os comunicou à interveniente até à citação na presente acção.
A.2. Considerados nos termos dos artigos 5º/2, a) e 607º/4, do Código do Processo Civil (CPCiv):
uu) Do montante suportado pelos autores, a que se alude em x), apenas 49.838,88€ dizem respeito a honorários.
vv) Nas condições particulares do acordo de seguro celebrado com a 1ª ré X consta, no artigo 12º, sob a designação «Coexistência de Seguros»:
«1. Quando um mesmo risco, relativo ao mesmo interesse e oir idêntico período, esteja seguro por vários seguradores, o tomador do seguro ou o segurado deve informar dessa circunstância a X, logo que tome conhecimento da sua verificação, bem como aquando da participação do sinistro.
2. A omissão fraudulenta da informação referida no número anterior, exonera a X da respetiva prestação.
3. O sinistro verificado no âmbito dos contratos referidos no n.º 1 é indemnizado por qualquer dos seguradores, a escolha do segurado, dentro dos limites das respetivas apólices.
4. O previsto no n.º 2 não é oponível pela X ao lesado.»
ww) O pedido formulado pelos autores no processo identificado em b) era de condenação do Banco ... no pagamento de uma indemnização no montante de 128.641.178$00 (o que corresponde a 641.659,49€), acrescida de juros, contados à taxa legal de 12%, desde 31.03.1999, até efectivo e integral pagamento, e, bem assim, de uma indemnização pelos prejuízos patrimoniais e morais sofridos em consequência da sua conduta, em quantia a liquidar em execução de sentença.
xx) Por sentença proferida a 13.06.2014, confirmada em sede de recurso, essa acção foi julgada parcialmente procedente, tendo sido condenado o Banco ..., SA (que incorporou por fusão o Banco ...) a pagar aos autores:
- a quantia de 97.793,40€, a título de compensação por danos patrimoniais, acrescido de juros de mora contados desde a citação, à taxa legal, sendo a mesma até 30.04.2003, de 7% e, a partir de 01.05.2003, de 4%, até integral pagamento;
- a quantia que se viesse a liquidar em incidente ulterior, relativamente aos danos não patrimoniais cuja existência se reconheceu, acrescida de juros de mora contados desde a citação, à taxa legal, sendo a mesma até 30.04.2003, de 7% e, a partir de 01.05.2003, de 4%, até integral pagamento.
yy) Os autores e o Banco ..., SA, apresentaram, no processo identificado em b), a transacção que consta de fls. 711 a 712/verso, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzida, onde, entre o mais, aqueles fixaram a indemnização a liquidar em incidente ulterior em 10.154,21€ e reconheceram que a quantia devida pelo Banco réu, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, ascendia, na data do requerimento, a 170.481,70€, quantias que compensaram com o crédito exigido pelo Banco réu aos autores no processo n.º 714/14.8T8MAI.
zz) Na transacção referida na alínea anterior, as partes acordaram que a responsabilidade pelas custas manter-se-ia nos exactos e precisos termos em que foram decididas nos autos pelas diferentes instâncias, acordando, porém, prescindir do recebimento futuro das custas de parte que tivessem direito a receber, ficando as declarações de renúncia nesta parte subordinadas ao pagamento dos encargos com os peritos que foram notificados a pagar.
aaa) Na data em que os peritos foram nomeados no processo identificado em b), a perita R. A. era revisora oficial de contas (ROC), a perita F. P. era técnica superior do Banco de Portugal e o perito M. N. era auditor bancário reformado.

B. Factos não provados

bbb) O despacho de fixação do objecto da perícia e de nomeação de peritos foi proferido em 15.10.2004.
ccc) O 2º réu assegurou aos autores que o valor que teriam a pagar a título de honorários seria inferior.
ddd) O relatório pericial era de dimensão superior ao indicado em oo).
eee) O número de documentos analisados pelos peritos foi de 4032.
fff) Os autores sofreram prejuízos emocionais para além dos que se consideraram demonstrados em z), aa) e ccc).
ggg) O prémio relativo ao seguro a que se alude em ff) não foi mais pago pelo 2º réu a partir de 2017.
hhh) O 2º réu soube, em data anterior à referida em tt), que os factos acima descritos poderiam consubstanciar um sinistro.
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Fundamentação de direito

A. Dos pressupostos da obrigação de indemnizar
A.1. Dos pressupostos da obrigação de indemnizar – da ilicitude

Insere-se a presente demanda no âmbito da responsabilidade fundada na falta de cumprimento dos deveres de mandatário forense, causadora de ‘perda de chance’ ou ‘oportunidade’.
Sustentam os autores que do inadimplemento dos deveres de diligência do segundo réu no exercício do patrocínio forense lhes resultou um indevido acréscimo de despesas – patrocinando os autores em processo que, no âmbito da instrução da causa, compreendeu a realização de perícia, o segundo réu não impugnou decisão sobre os honorários reclamados pelos peritos, donde resultou que tivessem os autores de suportar, a esse propósito, montante superior ao que suportariam caso as referidas notas de honorários tivessem sido tempestiva e devidamente impugnadas em vista de reduzir aqueles honorários ao valor justo e adequado (a chance ou oportunidade perdida foi a de ver reapreciada pelos tribunais superiores a decisão da primeira instância que fixou os montantes dos honorários, impugnação recursória que sustentam lhes seria favorável, num juízo de prognose, fazendo corresponder o montante do dano à diferença entre o valor liquidado a título de encargos com a perícia e o montante, inferior, que liquidariam caso aquela decisão tivesse sido impugnada).
A afirmação da responsabilidade civil (contratual) do segundo réu demanda, assim, averiguar dos respectivos pressupostos, desde logo (além do dano e do nexo de causalidade entre este e o facto) a ilicitude do facto e a culpa do agente (esta, porque de responsabilidade contratual se trata, será de presumir, nos termos do art. 799º, nº 1 do CC).
Ilicitude que se traduz, no âmbito específico da responsabilidade civil dos advogados no exercício do mandato forense, ademais que no desrespeito das adstrições resultantes da vinculação contratual (regras do mandato – arts. 1157º, 1158º, 1161º e 1178º do CC), na violação (não observância) das normas estatutárias e deontológicas da profissão (no caso, considerando a data da imputada conduta, os artigos 83º, nº 1, 85º, nº 1, 92º, nº 2, 93º, 95º, nº 1, b) e 103º, nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 15/2005, de 26/01, com as alterações do DL 226/2008, de 20/01 e DL 12/2010, de 25/06) que ditam ao advogado comportamento profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce e o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no Estatuto e todos aqueles que lei, usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem (art. 83º, nº 1 do EOA), a obrigação de defender os direitos, liberdades e garantias e de pugnar pela boa aplicação das leis (art. 85º, nº 1 do EOA), o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (art. 92º, nº 2 do EOA), os deveres de competência (art. 93º do EOA), de cuidado e zelo no estudo e tratamento das questões (art. 95º, nº 1, b) do EOA) e de diligência e lealdade na condução do processo (art. 103º, nº 1 do EOA).
Arredada qualquer vinculação do mandatário (decorrente do contrato de mandato ou das regras estatutárias) a obter ganho de causa, está o advogado adstrito à diligente, competente, cuidadosa e zelosa defesa dos interesses do mandante, com o objectivo de obter ganho das suas pretensões, pois que a obrigação do advogado se consubstancia numa obrigação de meios (6) – inobservância de deveres por parte do advogado que podem implicar responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante (7).
A decisão recorrida concluiu pela ilicitude da actuação do segundo réu considerando que ao não impugnar o despacho que ordenou o pagamento dos honorários pretendidos pelos peritos (conforme as notas por eles apresentadas) – despacho de conteúdo jurisdicional, susceptível de impugnação mediante recurso –, fez precludir a possibilidade dos aqui autores, ali seus mandantes, verem apreciada, em sede de recurso, a adequação do montante fixado pela coadjuvação prestada pela perícia.
Insurgem-se os apelantes contra o assim considerado argumentando que o despacho notificado ao segundo réu, na qualidade de mandatário dos autores, tem de ser considerado como despacho de mero expediente, insusceptível de recurso – e apreciada a tramitação observada naquela acção, deverá reconhecer-se ter o aqui segundo réu, ali mandatário dos aqui autores, desenvolvido todas as diligências cabíveis em vista da defesa dos interesses dos mandantes no que concerne à fixação dos honorários dos peritos em montante inferior.
O primeiro ponto a abordar na apreciação da ilicitude da conduta do segundo réu (inobservância dos deveres que sobre si, enquanto mandatário forense, impendiam em prol da defesa dos interesses dos mandantes) é o apuramento da natureza do despacho em causa (e dos meios de reacção que a lei facultava à parte que o segundo réu patrocinava) – se se consubstanciava em despacho com conteúdo jurisdicional, por isso recorrível, como considerado na decisão apelada, ou antes se tratava de despacho de mero expediente, insusceptível de recurso, como defendido pelos apelantes.
A definição legal de despacho de mero expediente encontrava-se plasmada, à data da prolação (Setembro de 2011) e notificação (Novembro de 2011) do que agora se examina, no art. 156º, nº 4 do CPC (versão resultante da reforma de 95/96 – DL nº 329-A/95, de 12/12 e DL 180/96, de 25/09) – despachos destinados a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes (insusceptíveis de recurso - art. 679º do CPC, na versão resultante da reforma de 95/96).
A modificação operada pelo DL 329-A/95, de 29/12 na definição legal conceito (o art. 679º, nº 2 do CPC na redacção prévia à reforma definia os despachos de mero expediente como os destinados a regular, de harmonia com a lei, os termos do processo) não determinou qualquer alteração do sentido que lhe vinha sendo atribuído – incluídos no conceito (esse o entendimento corrente) os despachos mediante os quais o juiz se limita a dar natural sequência à tramitação prevista na lei adjectiva para a concreta forma de processo, envolvendo a actividade de natureza puramente burocrática destinada a cumprir cada um dos passos ou fases processuais (8) ou, dito doutro forma, os despachos que, por ‘sua própria natureza, não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros’, despachos ‘banais que não põem em causa interesses das partes, dignos de protecção’ (9) (como os que fixam datas para a prática de actos processuais ou calendarizam os actos a realizar em determinada sessão (10)).
Compreendem-se no conceito (mero expediente) os despachos internos, proferidos no âmbito das relações hierárquicas estabelecidas com a secretaria e os despachos respeitantes à mera tramitação do processo, não tocando em direitos das partes ou de terceiros (11).
Tem também de ponderar-se – o que mais se impõe a mandatário forense prudente, avisado, diligente, competente e cuidadoso – que a excepcionalidade com que o legislador encara a irrecorribilidade das decisões determina a utilização de critério que, na dúvida (por isso com reflexo na qualificação das decisões no que respeita à sua natureza – de mero expediente ou não), leve à admissão do recurso (sujeitando a pretensão ao controlo superveniente e mais desinteressado do tribunal superior) (12).
A situação trazida em apelação tem na sua base a seguinte factualidade (atinente à tramitação observada na acção que com o nº 636/1996 correu inicialmente os seus termos no extinto Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso, passando posteriormente a ser tramitada sob o nº 85/14.2T8PVZ, do Tribunal da Póvoa de Varzim, na qual o segundo réu patrocinava, na qualidade de mandatário, os autores):
- após junto aos autos o relatório pericial, vieram os peritos apresentar, em 26/09/2011, as respectivas notas de honorários e despesas – nestas (juntas a fls. 5130 a 5132 do processo) era reclamado o pagamento de 19.600,00€ a título de honorários por cada um dos peritos e a quantia total 2.890,80€, a título de despesas,
- na sequência da apresentação dessas notas de honorários foi em 14/11/2011 proferido despacho (reportado a fls. 5130 a 5132 – ou seja, reportado às notas de honorários em causa) com a menção ‘Pague-se’, notificado ao segundo réu, na qualidade de mandatário dos autores,
- de tal despacho não houve qualquer reclamação e/ou recurso por parte do segundo réu, em representação dos autores.

Tal despacho encerra decisão relativa ao montante dos honorários devidos aos peritos – ao ordenar o pagamento (reportando-se às notas de honorários e despesas apresentadas pelos peritos), não se limitou o juiz a prover ao andamento regular do processo, antes emitindo ordem de satisfação de obrigação com claramente identificáveis sujeitos activos (os peritos) e passivos (as partes, enquanto responsáveis pelos encargos) e objecto (os honorários e despesas – a eles foi reportado o despacho).
Válida, pois, a argumentação que na acção nº 636/1996 (posteriormente tramitada sob o nº 85/14.2T8PVZ, na qual o segundo réu patrocinava os autores) foi aduzida e explanada, quer pela Relação do Porto, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, em apreciação de recursos aí interpostos (vejam-se as alíneas m) a r) dos factos provados) – no acórdão da Relação do Porto aduzindo-se, além do mais, que por entender, da leitura delas feita, que as notas de honorários e despesas não mereciam reparo ou esclarecimento, determinou o juiz que as importâncias a esse título pedidas fossem pagas, não se tratando pois de despacho situado no âmbito das relações hierárquicas estabelecidas com a secretaria, não concernindo também à simples tramitação do processo (o juiz apreciou as notas de honorários apresentadas e, concordando com elas, determinou o seu pagamento); no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça salientando-se que o juiz, apreciando a questão subjacente, estabeleceu uma obrigação de pagamento e consignou ordem para a respectiva satisfação (ordem que embora dirigida à secretaria tem como visados os devedores), não se tratando pois de despacho destinado a prover ao andamento do processo, sem intervir no conflito de interesses entre as partes.
Conclui-se, pois, que o despacho analisava direitos de terceiros (dos peritos) e bem assim deveres das partes – incidia sobre o montante dos honorários e despesas, determinado o quantum dessa obrigação.
Despacho com natureza jurisdicional, cuja recorribilidade não podia negar-se (tanto mais ponderando o critério a adoptar, consonante com a regra da excepcionalidade da irrecorribilidade das decisões).
Demonstrada, pois, a ilicitude – o segundo réu, ao não reagir contra tal despacho em ordem a ver reduzido o montante dos honorários a pagar aos peritos que às partes incumbiria suportar, na proporção do decaimento (desde logo invocando eventuais nulidades cometidas por não ter sido possibilitada a faculdade de sobre tais notas de honorários se pronunciarem ou mesmo arguindo a ininteligibilidade do despacho, além de sustentar a excessividade e desajuste do montante fixado aos honorários), incumpriu o dever de agir na defesa dos interesses legítimos dos mandantes, não observando os deveres de competência, cuidado, zelo e estudo no tratamento das questões.
A culpa do segundo réu é também de afirmar, pois não está demonstrado (nos termos do disposto no art. 799º, nº 1 do CC) que as assinaladas omissões dos deveres que se lhe impunham não procederam de culpa sua.

A.2. Dos pressupostos da obrigação de indemnizar – do dano e seu nexo de causalidade com a conduta ilícita
O que vem de dizer-se não é suficiente para se afirmar a existência de responsabilidade e o consequente dever de indemnizar do advogado (segundo réu), pois que é ainda necessário que de tal actuação ilícita e culposa resulte, com nexo de causalidade adequada, um dano para o cliente (os autores).
A responsabilidade civil do mandatário forense pressupõe a verificação de um dano em resultado da perda de oportunidades radicadas no inadimplemento dos seus deveres profissionais, o que implica apurar se as ‘chances’ perdidas se iriam ou não traduzir numa diversa situação patrimonial do lesado (mandante) (13) – as ‘chances’ ou oportunidades perdidas (no caso traduzidas na impossibilidade dos autores verem reapreciada por tribunal superior a questão concernente ao montante dos honorários fixados aos peritos na causa em que o segundo réu os patrocinava) só serão relevantes na medida em que se prove que o lesado teria obtido benefícios (ou evitado prejuízos) em consequência da sua verificação (14), pois que nos casos de indemnização por ‘perda de chance’ processual o que se pede é uma indemnização pelo ganho (ou por uma parte do ganho) que se teria provavelmente obtido com a decisão favorável (15) (ou, o que é o mesmo, indemnização por prejuízo que provavelmente não seria suportado com a decisão favorável da questão).
A afirmação da responsabilidade pressupõe, pois, se apure, em apreciação incidental, da probabilidade de procedência da pretensão (frustrada) de ver reapreciada a questão dos honorários fixados aos peritos (o ‘julgamento dentro do julgamento’), da consistência e seriedade concreta de obtenção de resultado positivo (favorável aos aqui autores) quanto a essa concreta questão (16) – a indemnização por perda de ‘chance’ ou de oportunidade processual exige a verificação duma ‘chance’ real e séria, a determinar num «julgamento dentro do julgamento» realizado incidentalmente pelo tribunal da indemnização para apurar como teria sido decidida a acção pelo respectivo tribunal (17), devendo o ‘lesado que pede o ressarcimento de um dano provocado pela perda de «chances» processuais’ fornecer ‘elementos para a prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado’, cumprindo ao tribunal perante o qual é deduzido o pedido de indemnização ‘fazer uma apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado, numa espécie de «julgamento dentro do julgamento» (um «trial within the trial»)’, prognose que, em conformidade com o seu objectivo deve ser ‘realizada a partir da perspectiva do tribunal que teria julgado a acção’ (18).
O dano por perda de chance ou de oportunidade processual exige, pois, a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, segundo juízo de probabilidade tido por suficiente, a aferir casuisticamente, em função dos indícios factualmente apurados (19).
Precise-se e sublinhe-se – o ‘ressarcimento do dano por perda de chance não visa indemnizar a perda do resultado querido, antes e apenas a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita’ (20), impondo-se, na determinação e quantificação de tal dano, ‘num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa’ e, num ‘segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.’ (21)
O que vem de referir-se foi ponderado na sentença apelada, que a propósito (estribando-se nos ensinamentos de Nuno Santos Rocha, A «Perda de Chance» Como uma Nova Espécie de Dano, Coimbra, Almedina, 2015, reimpressão, pp. 91/97), referiu que perante ‘cada hipótese concreta há que apurar qual o grau de probabilidade de sucesso’ da pretensão, ‘à luz de um desenvolvimento normal e típico, cabendo o ónus de prova de tal probabilidade sobre o lesado. A garantia dos princípios da certeza do dano e das regras da causalidade ficará, pois, assegurada pelo grau de consistência a conferir à vantagem ou prejuízo em causa, tal como sucede no domínio dos lucros cessantes ou dos danos futuros previsíveis. Nessa linha, uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano autónomo, qualificável como dano emergente, segundo um juízo de probabilidade suficiente, nisto se traduzindo a perda de chance’.
Importa, pois, fazer o juízo de prognose póstuma sobre a decisão que teria sido tomada pelo tribunal na causa referida nos factos assentes caso tivesse sido impugnada a decisão que fixou o montante dos honorários dos peritos, considerando ‘o estado da jurisprudência’ à data em que foi proferida (essa ‘teria evidentemente sido a decisão jurisprudencial do processo a definir os direitos e obrigações das partes, e é dela que teria resultado, ou não, o sucesso ou o decaimento do lesado’) (22), apurando se tal decisão concluiria que a nota de honorários apresentada pelos senhores peritos merecia redução.
Tem de reconhecer-se o acerto da decisão recorrida (nesta vertente não posta em causa pelos apelantes) a propósito da aplicação da lei no tempo, ao considerar aplicável à situação o Código das Custas Judiciais – o processo entrara em juízo no ano de 1999, antes da aprovação do Regulamento das Custas Processuais (ocorrida com o DL nº 34/2008, de 26/02) que, de acordo com as respectivas normas transitórias (art. 27º do DL 34/2008), tinha o seu âmbito de aplicação (em regra) circunscrito aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, sendo que nenhuma das normas do RCP de (excepcional) aplicação imediata (art. 27º, nº 2 e 3 do DL 34/2008) respeitava à remuneração das perícias e por isso que, à data em que foi proferida decisão sobre as notas de honorários apresentadas (14/11/2011), tinha de encontrar-se solução no quadro legal do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/1996, de 26.11).
Tal diploma dispunha no seu art. 34º que as pessoas que interviessem acidentalmente nos processos ou coadjuvassem em quaisquer diligências (com ressalva dos técnicos que assistissem os advogados) tinham direito a remuneração a fixar em função da tarefa requerer ou não conhecimentos especiais (e consoante o tempo necessário ao desempenho da perícia): a) em cada diligência que não requeresse conhecimentos especiais, os peritos e louvados percebiam a quinta parte de 1 UC, com o limite de 2 UC para todas as diligências efectuadas no mesmo dia; e b) por diligência que requeresse conhecimentos especiais, os peritos e louvados percebiam entre 1/3 de UC e 2 UC.

Ao abrigo do disposto no art. 34º, nº 3 do CCJ, viria o ser aprovada por Portaria do Ministério da Justiça (Portaria nº 1178-D/2000, de 15/12) tabela que actualizou (além doutros) os valores da remuneração dos peritos nos seguintes termos:
- peritos e louvados em diligência que não requeira conhecimentos especiais - ¼ UC,
- peritos e louvados em diligência que requeira conhecimentos especiais - ½ UC,
- peritos com habilitação ou conhecimentos especiais com apresentação de documentos, pareceres, plantas ou outros elementos de informação solicitados pelo tribunal - 4 UC.

Do nº 2 do art. 34º do CCJ decorria ainda dever o tribunal, nas diligências que implicassem mais de um dia de trabalho, fixar os dias a pagar de acordo com a informação prestada por quem a realizasse, reduzindo-os se lhe parecesse que podia ter sido realizada em menos tempos ou aumentando-os quando a dificuldade, relevo ou quantidade do serviço o justificassem.
Partindo desta normatividade, ponderou a douta decisão apelada, por um lado, que os peritos intervenientes eram altamente qualificados (na data em que foram nomeados, uma era revisora oficial de contas, outra era técnica superior do Banco de Portugal e outro era auditor bancário reformado) e, por outro, que levaram a cabo tarefa de selecção e organização de numerosa documentação, tendo posteriormente tratado informaticamente a informação recolhida, sendo que o objecto do processo (cujo valor ascendia a 641,659,49€) respeitava à análise de movimentos desenvolvidos ao longo de vinte anos em três contas bancárias, assim qualificando como anormal a complexidade da perícia (o que determinou considerasse que a remuneração propugnada como adequada pelos autores na presente acção, de 10 UC, não constituiria correspectivo adequado ao trabalho desenvolvido). Atendendo à complexidade do serviço e ao tempo da sua execução, por um lado, e levando em linha de conta que os peritos terão compaginado a execução da perícia com as suas respectivas actividades profissionais (o que, a par da dificuldade de obtenção de documentos, conduziu à dilação da perícia) e bem assim que a actividade de coadjuvação de órgão jurisdicional merece contenção remuneratória (para conformar as regras do mercado à imposição constitucional de tornar a justiça acessível a todos), entendeu a decisão apelada que os honorários dos peritos não poderiam ser fixados no montante por eles reclamado (na quantia de 19.600,00€ para cada um), antes em montante inferior, concluindo assim que uma impugnação da decisão que fixou os honorários no montante peticionado seria provavelmente procedente, apresentando-se séria a probabilidade de com tal impugnação se obter a redução do montante daqueles – ademais considerando que o montante do dano se traduzia na diferença entre o suportado e o que considerou ser o devido (de acordo com a apreciação que efectuou do trabalho efectuado e tempo despendido, à luz dos critérios que teve por aplicáveis – entendeu a decisão apelada como adequada aos serviços prestados a remuneração de 12.000.00€ para cada um dos peritos, o que significaria um valor aproximado de 4.000,00€ por cada mês de trabalho, assim valorizando suficientemente o trabalho desenvolvido e dando o necessário relevo à circunstância dos valores remuneratórios das perícias judiciais merecerem compressão em relação aos praticados no mercado), encontrando assim, para o dano (prejuízo), o valor de 19.325,28€ (os autores suportaram, atenta a taxa de decaimento na acção – 84,76% –, a título de honorários, o montante de 49.838,88€; ponderando que o montante justo e adequado seria o 12.000,00€ para cada perito, a taxa de decaimento significaria que os autores suportariam tão só 30.513,60€).
Argumenta a apelante que a perícia era manifestamente complexa (implicou a análise extensiva e minuciosa de movimentos realizados ao longo de vinte anos em três contas bancárias), tendo os peritos, altamente especializados, despendido 490 horas de trabalho colegial, além de 77 horas de trabalho preparatório, analisando inúmeros documentos, desenvolvendo-se o relatório apresentado por 112 páginas, sendo posteriormente esclarecido por um relatório complementar de 26 páginas – e assim que as notas de honorários apresentadas pelos peritos, em vista da remuneração devida pelas 567 horas de trabalho (representando o equivalente a 70 dias de trabalho) de cada um, se mostram ajustadas e adequadas, tendo em consideração que o limite máximo legalmente estabelecido (Portaria nº 1178-D/2000, de 15/12 – e sem o acréscimo permitido pelo art. 34º, nº 2 do CCJ, perante as circunstâncias agravantes do caso concreto) ascendia a 28.560,00€ por cada perito (quase o dobro do valor reclamado e atribuído). Entende por isso que o valor de 19.600,00€ reclamado a título de honorários por cada um dos peritos se mostrava consentâneo com os limites médios legalmente previstos, afigurando-se razoáveis e adequados face à extensão e complexidade da perícia, não sendo por isso certo e seguro que a decisão que apreciasse o recurso interposto do despacho que os fixou tivesse considerado tal nota de honorários desadequada e/ou excessiva.
Assente que a ausência de reacção das partes à nota de honorários apresentada pelos peritos não significa a respectiva aceitação (não tem efeito cominatório) (23) e que, por isso, cumpria ao tribunal apurar da sua justeza e adequação, não pode negar-se que ao tribunal da causa, se solicitado a reduzir os seus valores, se imporia acatar a doutrina constitucional que a propósito da fixação dos honorários periciais se apresentava como pacífica – a de que importava encontrar valor adequado a remunerar os serviços prestados pelos peritos no desempenho da sua actividade de colaboração com a justiça, e se por um lado tal valor não se encontra sujeito às regras do mercado livre (devendo por isso existir contenção na fixação de padrões dos respectivos valores), não pode ele representar para o perito um sacrifício no seu direito patrimonial de retribuição pela actividade desenvolvida (redundando numa indevida compensação) (24); o valor justo da actividade desenvolvida há-de ser encontrado, valorizando-se a complexidade, dimensão e duração do esforço exigido, assim se compensando o sacrífico imposto os peritos, não podendo encontrar-se na garantia do acesso à justiça razão suficiente que justifique solução que desconsidere tal justa e adequada remuneração (ainda que especialmente moderada pela sua não submissão aos livres ditâmes do mercado).
Tal doutrina tinha por alicerce a regulamentação legal traçada na alínea b) do nº 1 e nº 2 do Código das Custas Judiciais, em conjugação com a Portaria nº 1178-D/2000, que apontava para a remuneração por ‘perícia’, completada tal primeira aproximação (no caso da perícia demandar mais que uma jornada de trabalho) pela consideração, por um lado, do tempo razoável para a realização da perícia, a avaliar em ‘dias de trabalho’, e por outro, da complexidade do encargo (dificuldade, relevo ou quantidade do serviço que justificassem tradução no valor a atribuir).
Afastando-se do estabelecimento de tabelas quantitativas previamente definidas, a lei mandava efectuar análise casuística, de modo a adequar a remuneração ao grau de exigência ou ao relevo da perícia.
Da matéria provada – que importa valorizar à luz do apontado critério para fixação da remuneração dos peritos, em ordem a efectuar o ‘julgamento dentro do julgamento’ (apurar da consistência e seriedade da probabilidade de sucesso da pretensão, tivesse ela sido deduzida, de redução dos honorários pedidos pelos peritos) – resulta a seguinte factualidade relevante:
- a causa respeitava a pedido indemnizatório no montante de 128.641.178$00 (641.659,49€), acrescido de juros e ainda de indemnização por prejuízos patrimoniais e não patrimoniais a liquidar em execução de sentença, deduzido contra entidade bancária,
- o objecto da perícia respeitava a movimentos desenvolvidos ao longo de vinte anos (1979 a 1999) em três contas bancárias dos autores – foi determinado o exame pericial de todo o acervo documental respeitantes às contas bancárias que os autores detinham junto da entidade bancária demandada (documentos originais, tanto os extractos bancários, como os documentos que suportassem o que naqueles extractos aparecesse reflectido, quer os documentos respeitantes a quaisquer tipos de movimentos relacionados com os autores e que não estivessem retratados nos sobreditos extractos),
- a realização da perícia demandou aos peritos (pessoas especialmente habilitadas) a realização de noventa e oito (98) reuniões/deslocações ao Porto, com uma média de cinco (5) horas por cada reunião,
- cada um dos peritos despendeu ainda cerca de setenta e sete (77) horas de trabalho preparatório com vista à necessária análise prévia e global do objecto da perícia a realizar, selecção da documentação constante do processo, organização da documentação facultada e selecção de dados e documentação a solicitar,
- após analisados inúmeros documentos bancários, os peritos apresentaram relatório (depois de pedidos de prorrogação do prazo de 30 dias inicialmente concedido), composto de cento e doze (112) páginas, tendo sido esclarecido por um relatório complementar de vinte e seis (26) páginas.
Perante tal matéria de facto – e ponderando ainda a especialização de cada um dos peritos (respectivamente revisora oficial de contas, técnica superior do Banco de Portugal e auditor bancário reformado) – haveria que concluir, desde logo, pela necessidade de recorrer ao critério estabelecido no nº 2 do art. 34º do CCJ, ou seja, com grande probabilidade (alto grau de probabilidade) uma decisão que incidisse sobre questão suscitada a propósito do montante dos honorários iria considerar que a solução teria de ser encontrada no nº 2 do art. 34º do CCJ, valorizando não só o tempo de trabalho exigido pelo encargo como também a complexidade deste, tendo sempre por enquadramento a necessidade de justa (ainda que moderada, porque subtraída às simples regras do mercado) compensação dos peritos.
Tratava-se de perícia que demandava conhecimentos especiais, não podendo negar-se a sua particular complexidade (complexidade anormal, na qualificação da sentença apelada), desde logo ponderando o largo período temporal abrangido pelo seu objecto – movimentações em três contas de depósito dos autores, ao longo de vinte anos, demandando análise articulada e conjugada de toda a documentação implicada.
Segura seria também a ponderação (o que é sublinhado na sentença apelada) que o número de dias consumido na execução da diligência não poderia conduzir a um simples cálculo aritmético do valor/hora, por a experiência geral demonstrar que nas periciais colegiais realizadas por peritos que dispõem de idênticas habilitações/qualificações profissionais ocorre divisão de tarefas entre eles em ordem à rentabilização do esforço. Ter-se-ia também em consideração, seguramente (como realçado na decisão apelada), que o trabalho desenvolvido pelos peritos foi por eles conjugado com as respectivas actividades profissionais, não se tendo consubstanciado em trabalho seguido e ininterrupto.
Todavia – e certo que se teria de contrabalançar o trabalho desenvolvido e respectivas exigências com a circunstância do mesmo traduzir actividade de coadjuvação de órgão jurisdicional, justificando, por isso, contenção na fixação da remuneração (o que a decisão apelada faz notar) – não pode já ter-se por seguro que se concluísse, perante todos os elementos a ponderar, que os honorários pedidos pelos peritos eram excessivos e que deviam, por isso, ser reduzidos.
Para que se pudesse concluir pela consistência e seriedade do sucesso da pretensão de ver reduzido o montante dos honorários pedidos pelos peritos (à luz deste assinalado critério para a sua fixação) haveria que poder afirmar-se que o valor de remuneração base (valor hora) se mostra desconforme, desproporcionado e excessivo – ou que de tal desproporção ou excesso também padecia a remuneração diária pressuposta na nota apresentada (ponderando então, neste caso, a jornada de trabalho como se da perícia resultasse o único rendimento auferido pelo perito – pois que esgotando a actividade da perícia a disponibilidade laboral do perito, não desenvolveria a sua normal actividade laboral e não auferiria, por isso, os correspondentes rendimentos).
Os honorários pedidos por cada um dos peritos pressupõem um remuneração horária inferior a 35,00€ (19.600,00€ : 567/horas = 34,57€), o que não poderia ser considerado excessivo ou desproporcionado – tanto mais que, não estando demonstrado qual era (ao tempo) o valor de mercado da remuneração horária do tipo de serviço em questão (para que pudesse ter-se por referência), se encontram decisões, concernentes a momento temporal não muito distante do que importa agora considerar, que fixam em mais de 50,00€/hora o justo e adequado valor remuneratório dos peritos (25).
A remuneração diária (se ponderada jornada de oito horas) pressuposta na nota apresentada pelos peritos ascende a cerca de 276,00€ – mas tal remuneração diária significaria uma dedicação exclusiva à realização da perícia, situação na qual os peritos não exerceriam a sua normal actividade profissional e deixariam de receber os correspondentes réditos, não traduzindo por isso aquele montante um valor desproporcionado ou desajustado, ainda que ponderando a moderação com que devia ser fixado.
Do que vem de referir-se não pode concluir-se ser consistente e séria (com elevado índice) a probabilidade de sucesso da pretensão de ver reduzido o montante dos honorários pedidos pelos peritos – ponderando que a garantia do acesso à justiça não constitui razão que justifique privar os peritos de remuneração justa e adequada às suas qualificações e à complexidade do trabalho desenvolvido e que os valores remuneratórios pressupostos nas notas apresentadas se mostram (mais do que não se apresentarem excessivos ou exclusivamente ditados pelo mercado) conformes aos praticados no âmbito doutros processos, não se afigura provável (muito menos com elevado índice de probabilidade – ‘chance’ real, séria ou consistente) que a impugnação deduzida à sua fixação no montante por eles peticionado merecesse provimento.
Não pode concluir-se, pois, que a pretensão de ver reduzido o montante dos honorários pedidos pelos peritos no âmbito do processo referido na fundamentação de facto tinha possibilidades reais e consistentes de procedência (sendo frustrada pela actuação inadimplente do segundo réu) - o ‘julgamento dentro do julgamento’, como juízo de prognose, inerente à valoração da chance, não aponta para a existência de uma oportunidade consistente, séria e real de obter a redução do montante dos honorários dos peritos que se haja perdido pela omissão cometida pelo segundo réu, enquanto mandatário dos autores naquele processo.
Considerandos que evidenciam a procedência da apelação (e consequente improcedência da pretensão dos autores) – mesmo concedendo que o segundo réu incumpriu deveres de diligência, sempre terá de concluir-se que de tal incumprimento não resultou para os autores a perda de qualquer oportunidade séria e consistente de evitar um prejuízo (de reduzir um custo).
B. Face aos argumentos que precedem, conclui-se pela procedência da apelação e consequente improcedência da acção (sendo que o recurso aproveita também à interveniente Y, desde logo à luz do art. 634º, nº 2, a) e c) do CPC – não só a interveniente foi solidariamente condenada com os réus apelantes, como na conclusão 15ª das suas contra-alegações deu a interveniente adesão ao recurso dos réus na parte em que se pugna pela não verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar), ficando prejudicada a análise das demais questões suscitadas (art. 608º, nº 2, ex vi art. 663º, nº 2 do CPC), podendo sintetizar-se a argumentação decisória (em cumprimento do nº 7 do art. 663º do CPC) nos termos supra expostos.
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogando a decisão recorrida, em julgar improcedente a acção e absolver os réus (e interveniente) do pedido.
Custas (da acção e da apelação) pelos apelados.
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Guimarães, 22/04/2021
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)



1. Apelação nº 5174/18.1T8GMR.G1; Relator: João Ramos Lopes; Adjuntos: José Fernando Cardoso Amaral; Helena Melo
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 124.
3. Abrantes Geraldes, Recursos (…), pp. 123/124.
4. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 763.
5. Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 98.
6. Dando nota deste entendimento pacífico, p. ex., por mais recente, o acórdão do STJ de 16/12/2020 (Rosa Tching), no sítio www.dgsi.pt.
7. Citado acórdão do STJ de 16/12/2020.
8. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 58.
9. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, reimpressão, p. 249.
10. Assim, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 129.
11. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª edição, p. 324.
12. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 59.
13. P. ex., Paulo Mota Pinto, ‘Perda de chance processual’, in RLJ, Ano 145, Março-Abril de 2016, p. 200 (primeira coluna).
14. Autor e obra citados, p. 200 (segunda coluna).
15. Autor e obra citados, p. 201 (primeira coluna).
16. A propósito, autor e obra citados, pp. 174 e segs., máxime pp 195 a 199. Na jurisprudência, v. g., os acórdãos do STJ de 16/12/2020 (Rosa Tching), de 19/09/2019 (Graça Amaral), de 14/03/2019 (Hélder Almeida), de 19/12/2018 (Fonseca Ramos), de 15/11/2018 (Rosa Tching) e de 17/05/2018 (Maria da Graça Trigo), todos no sítio www.dgsi.pt.
17. Paulo Mota Pinto, obra citada, p. 199 (primeira coluna).
18. Autor e obra citados, p. 198, primeira coluna (itálicos no original). Também, a propósito do ónus da prova da probabilidade de sucesso incumbir ao demandante (enquanto facto constitutivo da obrigação de indemnizar), os acórdãos do STJ de 16/12/2020 (Rosa Tching), já citado, e, também de 16/12/2020 (Tomé Gomes), este também no sítio www.dgsi.pt.
19. Citado acórdão do STJ de 19/09/2019 (Graça Amaral).
20. Citados acórdãos do STJ de 15/11/2018 (Rosa Tching) e de 19/09/2019 (Graça Amaral).
21. Citado acórdão do STJ de 15/11/2018 (Rosa Tching).
22. Paulo Mota Pinto, obra citada, p. 201 (transição da primeira para a segunda colunas).
23. Cfr., a propósito, o acórdão da Relação de Lisboa de 10/11/2015 (Luís Espírito Santo), no sítio www.dgsi.pt.
24. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 656/2014, de 14/10/2014 (Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros), no sítio tribunalconstiucional.pt.
25. Assim o acórdão da Relação de Lisboa de 9/03/2017 (Tibério Silva), no sítio www.dgsi.pt.