Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
462/10.8TAVRL-A.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: TRANSCRIÇÃO CERTIFICADOS REGISTO CRIMINAL
INDEFERIMENTO
FUNDAMENTAÇÃO
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO POR INADMISSIBILIDADE
Sumário: I – A fundamentação da decisão é essencial, desde logo, para garantir a possibilidade do exercício eficaz do direito ao recurso, e traduz-se na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão para corresponder ao princípio com assento constitucional, em que se inscreve a legitimidade do exercício do poder judicial (art. 205º da CRP). Porém, diferentemente do que sucede com a fundamentação da sentença (arts. 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do CPP) e não obstante o legislador impor a comunicação dos motivos de facto e de direito que subjazem a todos os demais actos decisórios (art. 97º, nº 5, do CPP), o certo é que, no processo penal, quanto ao incumprimento desse dever, rege o princípio da tipicidade ou da legalidade consagrado em matéria de nulidades no art. 118º, nº 1, do CPP, segundo o qual «a violação ou infracção das leis de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei».
II – Ora, em relação ao despacho de indeferimento da requerida não transcrição no CRC de uma condenação, desde logo, não existe norma alguma que estabeleça os requisitos a que deva obedecer a respectiva fundamentação ou a sanção correspondente à sua omissão e, por isso, não se encontrando cominada na lei a insanabilidade de tal vício, este, não sendo arguido nos três dias seguintes a contar da notificação de tal despacho, ter-se-ia por sanado e, por outro lado, é patente que, pese embora o seu extremado laconismo, no despacho constam, sem margem para dúvidas, explícita e implicitamente, as razões que levaram o Sr. Juiz, a indeferir a pretensão do aqui recorrente quanto à questionada não transcrição no CRC para efeitos meramente civis da condenação por ele sofrida nestes autos, sendo também consensual que só importa o esgrimido vício a ausência completa de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não a sua motivação deficiente, medíocre ou errada.
III – Tendo em vista que o registo criminal se fundamenta em razões de prevenção especial negativa, deduzidas de uma ideia de defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas, em princípio, devem ser atendidos os princípios de necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade em qualquer decisão sobre a possibilidade de determinar a não menção de condenações transcritas no registo.
IV – Com a Lei 37/2015, de 05/05, o legislador prossegue a finalidade de, perante crimes menos graves, potenciar a almejada reinserção social do agente, evitando a sua estigmatização e as possíveis sequelas desta, nomeadamente em termos laborais ou de acesso ao emprego.
V – Contudo, por força do disposto no nº 5 do art. 10º da citada Lei 37/2015, a transcrição da condenação no CRC não significa que a mesma seja mencionada nos certificados de registo criminal que sejam requeridos para efeito de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade, pois tal só sucede nos certificados que sejam requeridos para os efeitos aludidos no nº 6 do mesmo artigo, ou seja, para o exercício de uma qualquer profissão ou atividade para o qual seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou para a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade.
VI – O requerente não tem interesse em agir porque não estruturou a sua pretensão – naturalmente perante a 1ª instância – como estando relacionada com o exercício de uma profissão ou actividade em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais, ou apenas de alguns: a sua pretensão, sendo uma mera decorrência da lei, não está carecida de tutela judicial, pois que ao mesmo, para obter um certificado nos moldes almejados, sem que nele seja mencionada a condenação que sofreu nestes autos, bastará pedi-lo junto da entidade competente com a indicação de que o mesmo se destina para efeitos de emprego público ou privado.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

No âmbito do processo comum singular nº 462/10.8TAVRL da Instância Local, Secção Criminal da Comarca de Vila Real, o arguido A. G. foi condenado, como autor de um crime de usurpação de funções p. e p. pelo art. 358º, al. b) do C. Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa à taxa diária de € 5.
O arguido requereu a não transcrição desta condenação nos CRC´s, invocando, para além da ausência de antecedentes criminais, a inexistência de indícios da prática de mais crimes e o preenchimento dos demais requisitos legais.
Nessa sequência, em 10 de Janeiro de 2017, foi proferida decisão pelo Sr. Juiz, indeferindo tal pretensão, por as circunstâncias que envolveram a condenação do arguido no âmbito do processo nº 1751/09.0TAGDM serem passíveis de induzir o perigo da prática de novos crimes, atenta a sua reiteração.
*
Inconformado com o referido despacho, o arguido, interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
1 - O Arguido requereu em 29/09/2015 a não transcrição da sentença para o seu certificado do registo criminal nos termos do art. 13 da lei nº 37/2015 de 05/05 e para os efeitos dos nºs 5 e 6 do art. l0 daquela lei, tendo alegado a necessidade de tal facto para obtenção do emprego. Ora,
2 - Em 10/01/2017 foi proferido o Despacho que indeferiu o pedido do Arguido, o qual se limitou e remeter para o teor da promoção do M.P. e referiu “as circunstâncias que envolvem a condenação no âmbito do processo nº 1751/09.TAGDM são passíveis de induzir em perigo da prática de novos crimes, atenta ademais a sua reiteração”. Sucede que,
3 - Em primeiro lugar o douto despacho não cumpre o princípio da legalidade, já que não se encontra devidamente fundamentado. Pois,
4 - da análise do despacho recorrido constata-se que a decisão proferida é omissa quanto ao preenchimento ou não preenchimento dos dois requisitos previsto no art. 13 da lei 57/2015 de 05/05. Porquanto,
5 - veja-se que tal despacho nem sequer se refere se é admissível legalmente ou não o pedido efetuado pelo Arguido e se, sendo, se ele preenche ou não o segundo requisito da lei . Isto é,
6 - verifica-se claramente uma falta de fundamentação da decisão proferida em tal despacho, o qual deve ser revogado por novo despacho, que conheça da verificação dos requisitos a que se faz referência o art. 13 da Lei nº 57/2015 de 05/05 , aliás, nesse sentido se pronunciou já a Relação de Coimbra no Acórdão de 27-2-2013, proferido no Proc. 1562/09.2PCCBR-A.C1. Pois,
7 - A fundamentação deve explanar os critérios lógicos que constituíram o substrato racional da decisão - cfr., embora a propósito da sentença, o ac. Trib. Constitucional de 2-12-98 DR II Série de 5-3-99 refira “trata-se mesmo de uma garantia que tem consagração constitucional”. Desta forma,
8 - remetendo-nos à decisão proferida no despacho aqui em recurso verifica-se que a mesma não está devidamente fundamentada, porque, além de não conter qualquer alusão ao preenchimento ou não preenchimento dos requisitos previsto no art. 13 da Lei nº 57/2015 de 05/05, também as razões alegadas pelo Meritíssimo Juiz para o indeferimento não foi correctas. Porquanto,
9 - incumbia ao Meritíssimo Juiz a quo antes de proferir o despacho aqui em crise verificar que os factos praticados pelo Arguido no Proc. nº 1751/09.0TA GDM, como consta da certidão da sentença junta aos autos a 17/11/2016 pela instância criminal local - Gondomar - Comarca do Porto, são anteriores ao que discutem nestes autos. A realidade é que,
10 - apesar dos presentes autos terem sido julgados e proferida sentença antes do Proc. nº 1751/09.0TAGDM, o certo é que, os factos em discussão neste último processo são anteriores aos praticados no presente processo
11 - o juízo de prognose utilizado pelo Meritíssimo Juiz a quo para indeferir o requerimento apresentado pelo Arguido é de tudo desadequado à situação em análise, já que tendo os factos julgados no Proc. nº 1751/09.0TAGDM sido praticados antes dos factos praticados nestes autos, tal significa que inexiste o alegado perigo de prática de novos crimes. Desta forma,
12 - com a mais merecida vénia, mas, a verdade é que incumbia a este Tribunal ter verificado que apesar da condenação do Proc. nº 1751/09.0TAGDM ser posteriormente à condenação destes autos, pela certidão junta 17/11/2016 verifica-se que os factos ali julgados são anteriores. Pelo que,
13 - é claro e evidente que inexiste o fundamento em que o despacho se suporta para indeferir o pedido do Arguido de não transcrição da sentença para o seu registo criminal. Aliás,
14 - diga-se que apesar da Sentença do Proc. nº 1751/09.0TAGDM só ter transitado em julgado em 24/10/2016, o certo é que, em 08/11/2016 foi proferido despacho naqueles autos a deferir o requerimento que o Arguido também ali apresentou a solicitar a não transcrição da sentença, o qual foi deferido, conforme despacho que se junta como doc. 1. Porquanto,
15 - reza, o art. 13 nº 1 da Lei 37/2015 de 05/05 que: “Sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.°, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.”
16 - Nesta conformidade, reportando-nos à situação em apreço encontram-se preenchidos os pressupostos mencionados no n° 1, dos art°s. 13 e 10 nº 5 e 6 da Lei 37/2015 de 05/05, de molde a determinar a não transcrição da condenação fixada nos presentes autos, conforme solicitado pelo Arguido. Ora,
17- não pode indeferir-se aquilo que resulta directamente da lei! Aliás, neste sentido cita-se o ensinamento partilhado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Novembro de 2004, proferido no âmbito do Processo nº. 1921/04 (…): “(...), Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em: - Revogar o despacho recorrido, considerando que a não transcrição da decisão condenatória nos termos e para os efeitos dos artigos 11° e 12º da Lei 57/98 resulta já da própria lei. Sem custas (...)”. É que,
l8 - no caso em apreço, já após a condenação nestes autos, o Arguido foi novamente condenado pela prática do mesmo crime, mas por factos praticados antes da dita condenação, crimes esses numa relação entre si e com o dos autos, de concurso real, o que significa que, caso tivesse sido julgado em simultâneo, teria sofrido uma única condenação em pena unitária.
19 - Ora, os certificados a que se referem os nº 5 e 6 do art.° 10 da Lei nº 37/2015 de 05/05, são os requeridos por particulares para fins de emprego público ou privado, ou para outros fins. Acontece que,
20 – o art.° 13 da mencionada Lei prevê uma medida que visa evitar a estigmatização de quem sofreu uma condenação por crime sem gravidade muito significativa (pena não superior a um ano de prisão ou pena não privativa da liberdade) e as eventuais consequências negativas que daí poderão resultar, ao ponto de não conseguir trabalho ou o exercício de uma profissão que exijam ausência de quaisquer antecedentes criminais, pelo que tal norma contribui para a reintegração social do condenado. E,
21 - como já se disse, mas, que se repete para o devido entendimento deste Tribunal, que sem analisar a certidão da sentença do Proc. nº 1751/09.0TA GDM, indeferiu sem mais o pedido do Arguido, são apenas dois os requisitos de que depende a determinação de não de que depende a determinação, de não transcrição:- requisito formal: a condenação em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade e o requisito material: das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes,
22 - Logo, podemos com facilidade entender e retirar da leitura deste preceito que, no alcance do espírito e objectivo da lei, o nº 1 do art° 13º, apenas se refere a condenações posteriores, mas por factos posteriores, não sendo impedimento à não transcrição a mera condenação posterior, desde que esta se reporte a factos anteriores à condenação a não transcrever e das circunstâncias do caso não se induza a prática de novos crimes. Assim,
23 - transpondo-nos para a situação aqui em análise pode-se verificar que o Arguido apesar de ter uma condenação posterior à destes autos no Proc. nº 1751/09.0TAGDM, o certo é que, os factos ali condenados foram praticados anteriormente aos factos em análise nos presentes autos. Além do mais,
24 - e sobretudo, o que não foi atendido por este Tribunal foi o facto de que quer os factos praticados no Proc. 1751/09.0TAGDM, como os factos praticados nestes autos são datados de 2009/2010/2011, sendo que de lá para cá não praticou o Arguido qualquer outro crime. A realidade é que,
25 - o Arguido não entende (ou melhor subentende face à demora da decisão) qual o fundamento legal em que suportou este Tribunal para indeferir a não transcrição da sentença, já que bastaria a análise correcta da certidão da sentença do Proc. n° 1751/09.0TAGDM junto aos autos em 17/11/2016 e do registo criminal do Arguido para concluir que não existe o aventado perigo da prática de novos crimes . Pois,
26 - O Arguido não cometeu novos crimes, cumpriu adequadamente as condenações sofridas, mormente a dos presentes autos e não se pode apontar estarem subjacentes factores suficientemente consistentes para se afirmar, sem mais, qualquer indução de perigo de continuação anómica, quando estamos a falar de dois processos, em que os factos foram praticados em 2009, 2010 e 2011, e de lá para cá não existem mais processos.
27 - Por isso, a negação no despacho recorrido de não transcrição, baseada nesse pressuposto, não deve ser acolhida, deve antes ser revogada e substituída por outra que de forma fundamentada defira a não transcrição da condenação para o registo criminal, quando este for requerido para os efeitos dos nº 5 e 6 do art.º 10 da Lei 37/2015 de 05/05.
28 - Na verdade, a decisão proferida no despacho aqui em crise configura uma clara violação dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados no ARTIGO 58.º DA CRP, ou seja “'todos têm direito ao Trabalho”. Ora,
29 - com a douta decisão alvo do presente Recurso, o Meritíssimo Juiz “a quo” na interpretação restritiva que realizou ao não conceder a não transcrição requerida pelo Arguido 15 meses antes da mesma ser proferida, por entender que face à condenação no Proc. nº 1751/09.0TAGDM, é passível de induzir o perigo da prática de novos crimes, vedou claramente o acesso do Arguido a tal Direito Constitucionalmente Consagrado - que é o Direito ao Trabalho . Pois,
30 - é consabido que é prática corrente das várias entidade patronais quer sejam privadas, como públicas de colocar como requisito da concessão de emprego a inexistência de condenações no certificado de registo criminal. Na verdade,
31 - há que apreciar a natureza jurídica do registo criminal, isto é a inscrição nele efectuada constitui um efeito ou uma consequência do crime, não deixando de constituir o seu acesso, em especial no respeitante a particulares, para obtenção de emprego ou acesso a determinados lugares ou actividades, um anátema social, de difamação ou estigmatização . Porquanto,
32 - o registo criminal é o documento que concentra os antecedentes criminais de um indivíduo, pelo que se assume como um instrumento indispensável ao funcionamento do sistema de justiça penal seja no plano substantivo, seja no âmbito processual. Assim,
33 - e como defende o Grão Mestre Figueiredo Dias “a adequação do instituto [do registo] aos propósitos que presidem à nossa constituição políticocriminal impõe que um tal acesso [para fins particulares] e o respectivo conteúdo da informação sejam estritamente limitados ao indispensável para se não operar um efeito perverso de entrave adicional à inserção social do delinquente, nomeadamente tornando mais difícil o acesso ao mercado de trabalho”. Isto é,
34 - para dizer que defendendo, como defende a nossa jurisprudência, e até mesmo o nosso Cód. Penal, de que o Arguido tem direito à sua ressocialização, tal significa que atento o supra exposto, e defendido por Figueiredo Dias, que para feitos de obtenção de emprego o registo criminal deve-se restringir à informação indispensável, sob pena de se estar a violar o direito constitucionalmente consagrado ao Trabalho. Assim,
35 - perante este quadro legal, e face ao facto dos crimes cometidos pelo Arguido datarem já de 2009, 2010 e 2011, tendo-se cingindo os mesmos a dois processos, e não existir qualquer outro processo em curso em que o Arguido seja interveniente, tudo leva a crer que o Arguido não voltará a incorrer em novos crimes, pelo que é lícito formular um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro não se entendendo a decisão do meritíssimo Juiz a quo de indeferimento de não transcrição. Nesta conformidade,
36 - o despacho aqui em recurso ao indeferir a não transcrição da sentença para os efeitos dos nºs 5 e 6 do art.º 10 da lei 37/2015 de 05/05 violou o principio da legalidade por clara falta de fundamentação, e por os seus fundamentos não corresponderem ao que decorre do processo, já que os factos praticados no Proc. 1751/09.0TAGDM são anteriores, e do registo criminal do Arguido não consta qualquer outro processo além destes autos e aquele processo, e os factos praticados em ambos remontam a 2009/2010/2011, dá que tal despacho tenha também violando o art.º 13 da referida lei e o art.º 58 da C.R.P».
O recorrente termina dizendo que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, por assim corresponder à inteira e sã Justiça.

O recurso foi admitido por decisão proferida a fls. 63.

O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência, por entender, que o perigo de cometimento de novos crimes a que se refere o art. 13º, nº 1 da Lei 37/2015 de 5 de Maio, não resulta anulado apenas porque os factos praticados no âmbito do processo 1751/09.0TAGDM, da Instância Local, Secção Criminal de Gondomar da Comarca do Porto, serem anteriores aos praticados na decisão proferida nestes autos, tendo sido a actuação do arguido em ambos os processos persistente e presidida por um impulso criminoso extremamente resistente e constante, o que é motivo para fazer crer que no futuro poderá ainda vir a cometer semelhantes crimes.
Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto apresentou um minucioso parecer em que defendeu a improcedência do recurso quanto à almejada nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação, dizendo que o mesmo possui, ao invés do que entende o recorrente, uma concisa fundamentação, embora parte dela feita por remissão, para uma anterior promoção do Ministério Público e não contemple qualquer norma legal. Quanto ao mérito do recurso concluiu que por se mostrarem verificados todos os requisitos previstos no art.º 13º, nº 1, da citada Lei 27/2015, é de parecer que o despacho deverá ser revogado, ordenando-se, a não transcrição da condenação neste processo concretizada no registo criminal, para fins de emprego.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.
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Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 402º, 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso a única e verdadeira questão suscitada é a de saber se se encontram preenchidos todos os requisitos a que alude a Lei 37/2015 de 05/05, para a não transcrição nos certificados da condenação sofrida pelo arguido nestes autos, para efeitos meramente civis. Não obstante ser esta a substancial pretensão recursiva o recorrente assaca ao despacho recorrido o vício de nulidade por falta de fundamentação, por não conter qualquer alusão ao preenchimento ou não preenchimento dos requisitos previstos no supra citado art. 13 da Lei 37/2015, e por as razões invocadas pelo Sr. Juiz não serem as correctas.
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Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes os seguintes elementos extraídos dos autos:
1º- O arguido foi condenado por decisão proferida nestes autos a 9/07/2015, transitada em julgado em 30/09/2015, como autor de um crime de usurpação de funções p. e p. pelo art. 358º, al. b) do C. Penal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa à taxa diária de € 5, por factos praticados em Março de 2009, Outubro de 2009 e Maio de 2010.
2º- Posteriormente, o arguido foi condenado por decisão proferida em 22/09/2016, transitada em julgado em 24/10/2016, no âmbito do processo 1751709.0TAGDM da Instância Local, Secção Criminal de Gondomar da Comarca do Porto, também como autor de um crime de usurpação de funções p. e p. pelo art. 358º, al. b) do C. Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, condicionada ao pagamento, nesse período, do valor a que o mesmo foi condenado nos pedidos de indemnização civil contra ele formulados pelas demandantes P. S. e I. J., no montante total de € 6000, por factos praticados entre os meses de Setembro de 2007 e Janeiro de 2011.
3º- Pronunciando-se sobre a pretensão formulada pelo arguido, o Ministério Público emitiu a seguinte promoção: que antecedeu o despacho recorrido é do seguinte teor: «Considerando que a actuação do condenado, no nosso processo como naquele a que se refere a sentença em referência, não foi propriamente esporádica ou determinada por circunstâncias de momento mas antes manteve-se por largo período de tempo, estamos em crer que o caso oferece perigo de cometimento de novos crimes, pelo que o nosso parecer é o de que deverá ser indeferida a requerida não transcrição».
4º - Na sequência, foi proferido o despacho recorrido do seguinte teor:
«Nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção que antecede, aos quais aderimos na íntegra, indefere-se a requerida não transcrição, uma vez que as circunstâncias que envolvem a condenação no âmbito do processo nº 1751/09.0TAGDM são passíveis de induzir o perigo da prática de novos crimes, atenta ademais a sua reiteração».
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1. A falta de fundamentação.
Entende o arguido/recorrente que o despacho recorrido sofre da nulidade consistente na falta de fundamentação, invocando, para o efeito, que o mesmo, para além de não conter qualquer alusão ao preenchimento ou não preenchimento dos requisitos previstos no art. 13º da Lei nº 57/2015 de 05/05, também as razões alegadas pelo Sr. Juiz para o indeferimento não foram correctas.
O dever de fundamentação das decisões judiciais, princípio com assento constitucional em que se inscreve a legitimidade do exercício do poder judicial (art. 205º da CRP), traduz-se na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão, cominando a lei a sua omissão ou grave deficiência com a nulidade, aliás, de conhecimento oficioso, quando se trate da sentença (1).
Porém, todas as demais decisões proferidas no processo – que não sejam de mero expediente, isto é, que decidam qualquer questão que se suscite ou seja controvertida – devem ser sempre fundamentadas e o seu alcance deve ser perceptível para os respectivos destinatários e demais cidadãos.
Para além dessa proeminência da fundamentação, enquanto garantia integrante do Estado de direito democrático, no domínio do processo penal, a mesma assume uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos. Uma fundamentação cuidada é, pois, absolutamente essencial, desde logo, para garantir a possibilidade do exercício eficaz do direito ao recurso.
O art. 97º, nº 5, do CPP, consagra o princípio geral sobre a fundamentação dos actos decisórios, estatuindo que estes são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Este princípio geral é reiterado relativamente a alguns particulares e específicos actos que afectam ou podem afectar os direitos dos arguidos.
Não obstante, o empenho do legislador em impor a comunicação dos fundamentos que subjazem às decisões judiciais, o certo é que, no processo penal, ao incumprimento desse dever não corresponde um regime sancionatório particularmente gravoso.
Com efeito, de acordo com o princípio da tipicidade ou da legalidade consagrado em matéria de nulidades no art. 118º, nº 1, do CPP, “a violação ou infracção das leis de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.
Ora, em relação a este vício que o recorrente assaca ao despacho recorrido, aliás, (também) sem invocação de qualquer norma, sublinha-se, desde logo, que nada nos permite aplicar à decisão em causa a exigência de fundamentação nos termos inerentes à sentença, o acto decisório que conhece do mérito e que coloca termo ao processo (cfr. arts. 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do CPP).
Assim, quanto a este concreto despacho, não existe norma alguma que estabeleça os requisitos a que deva obedecer a respectiva fundamentação ou a sanção correspondente à sua omissão e, por isso, não se encontrando cominada na lei a insanabilidade de tal vício, este, não sendo arguido no prazo legalmente estabelecido, ter-se-ia por sanado. O que se verificaria neste caso, porquanto o recorrente não arguiu o vício nos três dias seguintes a contar da notificação do despacho recorrido, como se infere dos autos.
Por outro lado, se, como se assinalou, todas as decisões devem ser sempre fundamentadas, também é consensual que só importa o esgrimido vício a ausência completa de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não a sua motivação deficiente, medíocre ou errada.
Ora, analisando a decisão questionada, é patente que, pese embora o seu extremado laconismo, na mesma constam, sem margem para dúvidas, explícita e implicitamente, as razões que levaram o Sr. Juiz, a indeferir a pretensão do aqui recorrente quanto à questionada não transcrição no CRC para efeitos meramente civis da condenação por ele sofrida nestes autos: explicitamente, com o exibido entendimento de que as circunstâncias que envolvem a condenação no âmbito do processo nº 1751/09.0TAGDM são passíveis de induzir o perigo da prática de novos crimes, atenta, ademais, a sua reiteração; e, implicitamente, por remissão para os fundamentos aduzidos na promoção do Ministério Público.
Assim, encarando o tema da nulidade suscitada na perspectiva da pretensão formulada pelo ora recorrente, de que não fosse transcrita no CRC a condenação sofrida, não pode deixar de se reconhecer que na decisão recorrida se tomou conhecimento da mesma, com a pronúncia sobre (a inexistência de) um dos requisitos de que a lei faz depender essa não transcrição, ou seja, sobre o prognóstico favorável de que o condenado não voltará a incorrer na prática de novos crimes.
Por conseguinte, no caso em apreço, a decisão não enferma do vício que lhe foi assacado.

2. Os requisitos para a restrição do acesso ao conteúdo transcrito no CRC referente à condenação do arguido nestes autos, para o efeito de obtenção de emprego.
Defende o recorrente que o despacho recorrido violou as normas do art. 13º da Lei 37/2015 de 05/05 e do art. 58º da C.R.P, por se encontrarem preenchidos os pressupostos mencionados no n° 1, daquele art. 13º, bem como no art. 10º, nº 5 e 6 da mesma Lei.
Dispõe o art. 13º da Lei 37/2015:
«1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º».
No caso vertente, como resulta dos elementos extraídos do processo o recorrente foi julgado e condenado nestes autos por decisão proferida a 9/07/2015, transitada em julgado a 30/09/2015, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa à taxa diária de € 5, por factos praticados em Março de 2009, Outubro de 2009 e Maio de 2010.
E, à data dessa decisão, o recorrente não tinha sofrido qualquer condenação. De facto, a condenação a que se fez referência no despacho recorrido, que o arguido veio a sofrer no âmbito do processo nº 1751/09.0TAGDM, apenas ocorreu em 22/09/2016, tendo transitado em julgado em 24/10/2016.
Assim, dúvidas não restam de que, para além de o recorrente ter sido condenado numa pena não privativa da liberdade, à data, o mesmo não tinha sofrido qualquer condenação.
E o que dizer das circunstâncias que acompanharam a prática do crime? Destas poderá ser induzido o perigo de prática de novos crimes? A decisão recorrida entendeu que sim por apelo à mencionada condenação no processo nº 1751/09.0TAGDM da Instância Local, Secção Criminal de Gondomar da Comarca do Porto.
Como tem sido defendido na jurisprudência, com os citados preceitos o legislador prossegue a finalidade de, perante crimes menos graves, potenciar a almejada reinserção social do agente, evitando a sua estigmatização e as possíveis sequelas desta, nomeadamente em termos laborais ou de acesso ao emprego. Assim, sintetizando as razões de política criminal subjacentes ao instituto da não transcrição, expendeu o STJ no AUJ nº 13/2016 de 7-07-2016 (2):
«(…) Apreciando, agora, a natureza jurídica do registo criminal, a inscrição nele efectuada constitui um efeito ou uma consequência do crime, não deixando de constituir o seu acesso, em especial no respeitante a particulares, v. g., para obtenção de emprego ou acesso a determinados lugares ou actividades, um anátema social, de difamação ou estigmatização, como, de resto, já acima ressaltámos.
Ao concentrar os antecedentes criminais dos indivíduos, o registo criminal assume-se como um instrumento indispensável ao funcionamento do sistema de justiça penal seja no plano substantivo, seja no âmbito processual.
Releva, desde logo, no momento da escolha da pena, como na aplicação de uma medida de coacção. Daí que, como sustenta Figueiredo Dias, no quadro de uma ordem jurídica que contemple a socialização dos condenados, a sua regulamentação tenha de passar pela concordância prática entre esse objectivo e aqueloutro das exigências de defesa da comunidade perante os perigos de uma possível reincidência [Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 4.ª reimp., Coimbra Editora, p. 645.].
A natureza jurídica do instituto, na perspectiva do acesso ao seu conteúdo por terceiros (artigo 5.º da Lei n.º 57/98 onde, na alín. a) do n.º 1, além do mais, consta a obrigatoriedade de registo das decisões que determinem a suspensão da execução da pena de prisão), é mista ou complexa, a um tempo substantiva e adjectiva.
Consoante a finalidade que preside à obtenção da informação nele contida, o registo ora se assume como um meio de prova (se efectuada por magistrados judiciais, do M.º P.º ou pelas polícias, com vista à instrução e julgamento de processos criminais, a relevar em sede de medida da pena, de reincidência, de pena relativamente indeterminada ou de medida de segurança), meio de prova esse sujeito aos princípios gerais do direito processual penal (onde o cancelamento para fins judiciais constitui verdadeira proibição de prova), ora como instrumento material com vista a detectar, p. ex., a existência de proibição do exercício de direitos ou profissões ou sustentar análises estatísticas ou de investigação científica, ora, finalmente, como instrumento de natureza análoga à da medida de segurança, no caso de acesso para fins particulares e administrativos (artigos 11.º e 12.º da mencionada Lei).
O acesso para estes últimos fins, no dizer de António Manuel de Almeida Costa, “funda-se apenas em motivos de prevenção especial “negativa” - ou seja, numa exigência de defesa da sociedade contra o risco de futuras “repetições criminosas” dos ex-condenados, deduzido da verificação de altas taxas de reincidência. Baseando-se, assim, na eventual “perigosidade” dos delinquentes, o acesso dos particulares e da Administração envolve uma problemática em tudo análoga à das medidas de segurança, devendo a sua disciplina subordinar-se aos mesmos princípios que regem aquelas últimas (i. é., não ao princípio, da culpa, que regula a aplicação e medida das penas, mas aos princípios da “necessidade”, da “proporcionalidade” e da “menor intervenção possível”, que superintendem na esfera das medidas de segurança)” (Polis, 5, p. 244).
Na mesma linha de orientação salienta Figueiredo Dias que “a adequação do instituto [do registo] aos propósitos que presidem à nossa constituição político-criminal impõe que um tal acesso [para fins particulares] e o respectivo conteúdo da informação sejam estritamente limitados ao indispensável para se não operar um efeito perverso de entrave adicional à inserção social do delinquente, nomeadamente tornando mais difícil o acesso ao mercado de trabalho” (Ob. cit., pág. 644).
Ora, é por tudo isso e em especial por falta do requisito da necessidade de defesa social que se entende deverem ser excluídas da informação fornecida para os aludidos fins as situações de suspensão de execução das penas. Não só porque tal pena de substituição já é aplicada como reacção aos efeitos criminógenos da prisão, mas porque é reduzido o perigo de violação de bens jurídico-criminais pelo facto de o delinquente permanecer em liberdade (falta de necessidade) (Também no mesmo sentido, v. António Manuel de Almeida Costa, O Registo Criminal, Separata do vol. XXVII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1985, em especial pp. 298-302.).»
O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto caminhou nessa senda, com as claras, avisadas e muito pertinentes considerações que desenvolveu no seu Parecer: «Tais circunstâncias foram motivo, aliás, para a decretada substituição da pena de prisão por pena de multa. Ou seja, a pena substitutiva fundou-se, afinal, no juízo prognóstico de que o arguido não voltaria a prevaricar. Como é sabido, a não substituição de uma pena de prisão numa pena não detentiva assenta num pressuposto: «se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes» - art.º 44, nº 1 do CPenal. Ou seja, a própria decisão judicial condenatória, apesar da pluralidade de ações e a sua persistência temporal, formulou um juízo favorável de conformidade futura do arguido para com o ordenamento penal. Daí que não tenha determinado a execução da pena de prisão e tenha feito uma opção pela menor das penas de substituição, a de multa. Assim sendo, as ditas circunstâncias coetâneas do crime apontam para a inexistência demonstrada de perigos de continuação da actividade criminosa.».
Na verdade, bastaria atentar-se no que fora ajuizado na sentença proferida para determinação da medida concreta da pena, designadamente quanto à substituição da pena de prisão: «(…) In casu, ponderando o facto complexivo total, aferindo-se que o arguido não possui condenações anteriores e que os vertentes factos não induziram danos em terceiros, emite-se um juízo de procedência no sentido da substituição da pena de prisão, sendo que se inviabiliza a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade por carência do consentimento do arguido, postulando-se, assim, a substituição por uma pena de multa, a qual se prefigura como adequada para a salvaguarda das exigências de prevenção especial».
Tendo em vista as regras de funcionamento do registo criminal, maxime, que este, neste âmbito de acesso, se fundamenta em razões de prevenção especial negativa, deduzidas de uma ideia de defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas, em princípio, devem ser atendidos os princípios de necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade em qualquer decisão sobre a possibilidade de determinar a não menção de condenações transcritas no registo.
Ora, perante os fins visados com a restrição do acesso ao conteúdo transcrito no registo e apelando ao já ponderado em sede da sentença quanto à (reconhecida) salvaguarda das exigências de prevenção especial, sob a perspectiva de não permitir a produção de um entrave adicional à visada inserção social do mesmo, nomeadamente no âmbito invocado pelo requerente, o do acesso ao mercado de trabalho, em tese, poderia ter sido encarada uma eventual pretensão do arguido condenado fundada na necessidade de exercício de uma qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade (cf. nº 6 do citado art. 10º da Lei 37/2015).
Contudo, assentando, de todo o modo, a pretensão do arguido apenas na não transcrição para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão e não para quaisquer outros fins, os certificados do registo criminal que o mesmo venha a requerer nunca conterão a condenação proferida nos presentes autos, por força do disposto no nº 5 do mesmo artigo, aliás explicitamente por ele invocado no recurso. Na verdade, como mera decorrência desse normativo, «A transcrição da condenação no CRC não é mencionada nos certificados de registo criminal que sejam requeridos para efeito de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública, em que por força de lei, se não exija ausência de quaisquer antecedentes criminais, ou apenas de alguns, para o exercício de determinada profissão ou actividade, desde que o requerente do certificado invoque no acto do pedido o fim a que o mesmo se destina» (Ac. da RL de 12-01-2016 (3)).
A transcrição da condenação no CRC não significa que a mesma seja mencionada nos certificados de registo criminal que sejam requeridos para efeito de emprego, público ou privado, ou para o exercício de qualquer profissão ou actividade. Tal só sucede nos certificados que sejam requeridos para os efeitos aludidos no citado nº 6.
Na verdade, não pode confundir-se o que é (sempre) transcrito para o registo criminal, tal como é determinado pelo tribunal em consequência de uma condenação, com o que poderá (ou não) vir a ser mencionado no certificado que venha a ser pedido pelo interessado. Sendo duas realidades diferentes, a possibilidade da não menção de uma condenação só se coloca se o certificado se vier a destinar ao exercício de uma profissão ou actividade em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais, ou apenas de alguns, ou seja, nos casos em que a transcrição integral do registo criminal será contida em tal certificado, a não ser que o tribunal tenha determinado o contrário, deferindo a pretensão que o condenado formule com tal sentido, depois de ter lugar a ponderação acima mencionada, na qual, obviamente, terá de possuir uma significativa proeminência a natureza dos factos que subjazeram à condenação transcrita.
Portanto, quer a decisão recorrida, quer o recurso dela interposto, laboram num patente equívoco: a questão suscitada pelo recorrente só seria de ponderar se o mesmo tivesse estruturado a sua pretensão – naturalmente perante a 1ª instância – como estando relacionada com o exercício de uma profissão ou actividade em que, por força de lei, se exija ausência de quaisquer antecedentes criminais, ou apenas de alguns. O que, não tendo sucedido, manifestamente, torna inúteis o seu requerimento e o subsequente recurso, porquanto a inerente pretensão não está carecida de tutela judicial.
Na verdade, se é certo que o Sr. Juiz não poderia indeferir uma pretensão que resulta directamente da lei, como sua mera decorrência, também não é menos exacto que, não tendo o ora recorrente alegado que essa pretensão se conexiona com a obtenção de emprego para o qual seja legalmente feita uma qualquer exigência quanto aos antecedentes criminais, a satisfação da mesma não dependeria do Tribunal porquanto a tutela do respectivo objecto já se encontra assegurada legalmente: para obter um certificado nos moldes almejados, sem que nele seja mencionada a condenação que sofreu nestes autos, bastar-lhe-á pedi-lo junto da entidade competente com a indicação de que o mesmo se destina para efeitos de emprego público ou privado.
A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde um meio processual adequado a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil do processo. Daí que, consubstanciando-se o interesse em agir na necessidade de tutela jurisdicional do direito subjacente à intervenção processual requerida, para a sua aferição ter-se-á de atender ao elemento objectivo do processo, o qual não se esgota na pretensão formulada pois compreende ainda o facto jurídico que está na base desta pretensão: o interesse em agir ou o interesse em desencadear um meio processual consiste na necessidade de o usar, de instaurar ou fazer prosseguir o processo.
Trata-se de pressuposto processual de verificação necessária em todas os procedimentos, incluindo os recursos, exigindo-se, por força do mesmo, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de o fazer seguir.
Como refere Anselmo de Castro (4), o interesse em agir constitui um pressuposto processual autónomo e inominado que «consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial, o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo … um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece». E acrescenta que o interesse em agir «não se destina a assegurar eficácia à sentença; o que está em jogo é antes a sua utilidade: não fora exigido o interesse, e a actividade jurisdicional exercer-se-ia em vão».
Também Antunes Varela (5) preconizou que a legitimidade e o interesse em agir são pressupostos processuais autónomos: «Uma coisa é, de facto, a titularidade da relação material litigada, base da legitimidade das partes; outra substancialmente distinta, a necessidade de lançar mão da demanda, em que consiste o interesse em agir».
Ou M. Teixeira de Sousa (6) que escreveu que «o interesse em agir pode ser definido como o interesse da parte activa em obter a tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela» (…) «o autor não tem interesse em demandar quando não extrair nenhuma vantagem da concessão da tutela judiciária». Devendo aferir-se da necessidade da tutela judicial objectivamente perante a situação subjectiva apresentada pelo requerente, tendo este «interesse processual se, dos factos apresentados, resulta que essa parte necessita da tutela judicial para realizar ou impor aquela situação», apresentando-se mesmo (o interesse em agir) como uma restrição ao exercício do direito à jurisdição, constitucionalmente garantido (cf. art. 20º, nº 1, da CRP).
Não definindo a lei o conceito de interesse em agir, também a jurisprudência, no âmbito penal, tem ensaiado algumas contribuições sobre o tema.
Assim, o acórdão do STJ de 7/05/2009 (7) ponderou: «(…) Enquanto que a legitimidade do assistente se avalia para efeito de recurso, à partida, face ao seu posicionamento no processo perante a decisão proferida, assumindo pois um carácter mais subjectivo e formal, o interesse em agir resultará da análise da pretensão do recorrente, em concreto, quando confrontada com a respectiva necessidade ou indispensabilidade para fazer vingar um direito ou interesse seu. Em matéria de legitimidade averiguamos quem pode recorrer, e no domínio do interesse em agir apreciamos que interesse tem a pessoa que quer recorrer, em interpor aquele concreto recurso.».
Resumindo, o interesse em agir, como pressuposto de qualquer procedimento, significa a necessidade que um sujeito tenha de usar tal meio, designadamente, tratando-se dum recurso, para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correcção da decisão.
A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que um sujeito pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo.
Ora, como vimos, resulta dos autos que o recorrente não evidencia qualquer especial interesse na tutela judicial pretendida e, por conseguinte, o recurso é legalmente inadmissível porque o mesmo não tem interesse em agir.
*
Decisão:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, sem prejuízo de o recorrente, nos termos legais, poder obter o certificado nos moldes almejados, sem que nele seja mencionada a condenação que sofreu nestes autos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em rejeitar o recurso por ser inadmissível.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC´s.

Guimarães, 22/05/2017
Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado
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1 Segundo o Ac. do STJ de 17-09-2014 (1015/07.3PULSB.L4.S1 - Armindo Monteiro), a «A fundamentação das sentenças judiciais é a forma que o legislador se serve para a sua explicação aos sujeitos processuais e aos cidadãos: através dela o julgador presta conta a ambos, proclama as razões de facto e de direito, por que optou por certa solução, ao fixar os factos e ao assentar neles o direito». Também Perfecto Ibañez, no estudo “Sobre a formação racional da convicção judicial”, publicado na Revista do CEJ, 1.º semestre, 2008, p. 167, citado no Ac. do STJ de 8-01-2014 (7/10.0TELSB.L1.S1 - Armindo Monteiro), considera que «motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o “iter“ seguido no tratamento valorativo da prova».
2 In DR nº 193/2016, I, de 7-10-2016.
3 P. 466/07.8GAACB-A.L1-5 - Maria José Machado. No mesmo sentido, o Ac. da RC de 03-11-2004, citado pelo recorrente (P. 921/2004 - Elisa Sales).
4 In “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. II, Almedina, 1982, a pp. 251 a 255.
5 cfr. “Manual de Processo Civil”, p. 172.
6 In “As Partes, O Objecto E A Prova Na Acção Declarativa”, Lex, 1995, pp. 97 a 99.
7 P. 09P0579 - Conselheiro Souto de Moura.