Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2256/19.6T8BCL-B.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: ARROLAMENTO
DEPOSITÁRIO
OPOSIÇÃO À NOMEAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- No arrolamento preliminar ou incidente do processo de divórcio, são arrolados os bens que o requerente alegue pertencerem ao casal, descrevendo-se os mesmos, para conservação de tais bens, existentes à data da realização do arrolamento.

II- O art. 408º do C. P. Civil indica como depositário o possuidor dos bens, salvo se houver manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues, nomeadamente quando existam razões para recear pela efetiva dissipação dos bens na pendência da ação principal.

III- Efetuada a operação descritiva dos bens, nomeadamente dos valores garantidos pelas apólices em discussão, está efetuado o arrolamento, que não tem por finalidade a apreensão efetiva dos bens, com a consequente retirada dos mesmos do domínio efetivo dos seus titulares.

IV- Caso o/a Requerente do arrolamento entenda que existe perigo efetivo de extravio ou dissipação dos valores em causa, deverá requerer fundamentadamente que o seu titular não seja nomeado depositário, sem que o arrolamento implique a movimentação de valores para contas de Requerente e/ou Requerido, já que o arrolamento não visa a partilha dos bens mas sim a sua conservação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da relação de Guimarães:

Relatório:

J. P. instaurou procedimento cautelar de arrolamento, como preliminar de ação de divórcio, contra A. J., pedindo o arrolamento dos bens do casal.

Por sentença proferida em 15 de Julho de 2019 (ref. 80304363) foi julgado procedente por provado o procedimento cautelar de arrolamento instaurado pela requerente e nessa conformidade decidiu-se:

“Decretar o arrolamento dos bens identificados nos artigos 51, 52, 53, 54 (os bens que se encontram no interior do cofre), 55, 56, 58, 59 (descritos nos documento 12), 60 (descritos no documento 13), 61 (descritos no documento 14) e 62 e, ainda, quaisquer saldos credores, valores mobiliários ou aplicações financeiras de qualquer natureza existentes em contas tituladas ou co-tituladas em nome da requerente e/ou do requerido e os seguros de capitalização que vierem a ser identificados através da notificação, respectivamente do Banco de Portugal e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.
Pela mesma decisão foram requerente e requerido daquele procedimento cautelar nomeados depositários, na proporção de metade para cada um, dos saldos bancários das contas à ordem e a prazo, das aplicações financeiras e valores mobiliários, designadamente de títulos, unidade de participação de fundos e apólices de seguros depositados naquelas identificadas no artigo 53 da pi., e ainda de todas aquelas que vierem a ser identificadas na sequência das notificações às várias entidades identificadas na pi (vide fls. 13v a 14v).
Efetuadas as comunicações e diligências do procedimento de arrolamento pela Senhora Agente de Execução, a … Companhia Portuguesa de Seguros de Vida S.A. remeteu ofício à Senhora Agente de Execução pelo qual, entre o mais, exarou que: “Mais esclarecemos que lamentavelmente não é possível não dar cumprimento ao ordenado por V. Exa. no que respeita a serem considerados fieis depositários os Requerente e Requerido, na proporção de 50%. Isto porque, as apólices respeitam a contractos individuais, titulados apenas por uma pessoa, pelo que a movimentação dos mesmos apenas pode ser efetuada pelos respetivos titulares e/ou da agente de execução.
Como tal, questionamos se pretende que a Companhia retire ao domínio efetivo dos titulares as respetivas Apólices a fim de impedir o eventual pedido de resgate antecipado e pagamento dos RPP trimestrais aos titulares”.

Na sequência deste ofício, enviado pela Companhia da Seguros, a requerente veio apresentar requerimento, a 3/9/19, pedindo o seguinte:

“Tendo em atenção o declarado pela Companhia de Seguros (impossibilidade de consideração da Requerente e do Requerido como fieis depositários das apólices e movimentação das mesmas apenas pelos respectivos titulares individuais e/ou instrução da Agente de Execução) e a fim de o compatibilizar com o doutamente decidido na sentença que determinou o arrolamento, requer que seja determinado por V. Exa. que,
2. O produto dos resgastes parciais e totais das apólices e pagamento dos PPR’s trimestrais que ocorram por força de ordens dos seus respectivos titulares, devem ser transferidos em metade para a Requerente (para a conta aberta pela Requerente no Banco ... com o nº 0033 0000 455728... 05) e a outra metade para a conta bancária para a qual eram transferidos ou para a conta que o Requerido vier a indicar.
3. Assim se mantendo a disponibilidade por cada um, Requerente e Requerido, dos créditos arrolados.
4. O que se Requer a V. Exa. ordene e o subsequente ofício à referida Companhia de Seguros.”

Foi proferida decisão nos seguintes termos:

“Fls. 86 e ss.: Como resulta do disposto no artigo 403º n.º 1 do CPC “Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou documentos, pode requerer-se o arrolamento deles”.
A providência cautelar de arrolamento prevista nos artº.s 403.º e seguintes do Código de Processo Civil visa conferir tutela urgente e acauteladora a direitos a brandir ulteriormente em situações de «receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos», pelo que logra proteger os direitos de ex-cônjuge que vise obviar à dissipação de depósitos bancários e dinheiro alegadamente pertencentes a ambos os elementos do casal – cfr. Ac da RL de 23-4-2015, proferido no processo nº. 3376/14.9T8FNC-A.L1-6, disponível na internet, no site do ITIJ.
O arrolamento incide sobre os bens que devam vir a ser partilhados e tem como finalidade essencial garantir que tais bens existam no momento em que se efectue a partilha – cfr. Ac do STJ de 25.11.98, proferido no processo n.º 1249/96 Relator Conselheiro Pinto Monteiro.
Diga-se ainda que com o arrolamento pretende-se conservar “bens” ou “documentos”, evitando-se a sua perda, ocultação, extravio, destruição ou dissipação, servindo, pois, o arrolamento tais finalidades - garantir que no momento da partilha os bens existentes sejam os que existem actualmente e que se pretendem ver arrolados – é manifesto que o arrolamento implica a indisponibilidade dos bens sendo, nesta medida, um procedimento conservatório - cfr Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in Código de Processo Tributário, p. 370, nota 4.
Ora, como supra se refere o arrolamento visa essencialmente garantir que tais bens existam no momento em que se efectue a partilha, mas não visa a partilha dos bens, pois essa tem processo e trâmites próprios, sendo que aquilo que a requerente pretende é já uma (partilha) divisão antecipada, o que não deixaria de ser uma fraude ao instituto do arrolamento.
Assim sendo, sem outras considerações, vai indeferido o requerido.
Notifique”.
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Inconformada veio a Requerente recorrer formulando as seguintes conclusões:
1. O arrolamento não impede a utilização e gozo dos bens e direitos arrolados.

2. No caso de arrolamento dos depósitos bancários, os mesmos não devem ficar à ordem do tribunal (nem nomeada depositária a instituição bancária), de forma a não poderem ser movimentados. Por isso, e no tocante aos saldos bancários, deve nomear-se como depositários desses saldos requerente e requerido, cada um na proporção de metade do respetivo valor, tratando-se de bens comuns, a fim de não inviabilizar a sua utilização normal e evitar que um dos cônjuges administre os mesmos de forma a comprometer definitivamente os interesses patrimoniais do outro (art. 408º do CPC) – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.10.2006,

3. Nos presentes autos, por sentença que decretou o arrolamento, foram nomeados a requerente (recorrente) e requerido depositários, na proporção de metade cada um, dos saldos bancários das contas à ordem e a prazo, das aplicações financeiras e valores mobiliários, designadamente de títulos, unidade de participação de fundos e apólices de seguros depositados.

4. Pelo que, em execução da nomeação de requerente e requerido como depositário na parte de metade de todos os depósitos bancários e aplicações financeiras deverá ser ordenado à companhia de seguros onde se mostram constituídas aplicações financeiras arroladas, por serem bens comuns do casal, que o produto dos resgastes parciais e totais das apólices e pagamento dos PPR’s trimestrais que ocorram por força de ordens dos seus respetivos titulares, devam ser transferidos em metade para a Requerente (para a conta aberta pela Requerente no Banco ... com o nº 0033 0000 455728... 05) e a outra metade para a conta bancária para a qual eram transferidos ou para a conta que o Requerido vier a indicar.

5. Fez o despacho recorrido menos feliz interpretação do disposto no art. 406º do Cód. Proc. Civil.

Como tal, na procedência das acima expostas conclusões, deverá o mesmo ser revogado e substituído por outro que defira o requerido pela Recorrente tal como elencado na conclusão 4 e no requerimento apresentado nos autos em 03.09.2019 (ref. 33289290).
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foi proferida decisão singular julgando improcedente o recurso. A Recorrente, não se conformando com a mesma, vem pedir que sobre a matéria objeto do recurso, recaia um acórdão, concluindo o seu requerimento da seguinte forma:

1. O arrolamento não impede a utilização e gozo dos bens e direitos arrolados.
2. No caso de arrolamento dos depósitos bancários, os mesmos não devem ficar à ordem do tribunal (nem nomeada depositária a instituição bancária), de forma a não poderem ser movimentados. Por isso, e no tocante aos saldos bancários, deve nomear-se – como o foi no caso dos autos – requerente e requerido como depositários desses saldos, cada um na proporção de metade do respetivo valor, tratando-se, como se tratam, de bens comuns, a fim de não inviabilizar a sua utilização normal e evitar que um dos cônjuges administre os mesmos de forma a comprometer definitivamente os interesses patrimoniais do outro (art. 408º do CPC) – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12.10.2006,
3. Nos presentes autos, por sentença que decretou o arrolamento, foram nomeados a requerente (recorrente) e o requerido (Recorrido) depositários, na proporção de metade cada um, dos saldos bancários das contas à ordem e a prazo, das aplicações financeiras e valores mobiliários, designadamente de títulos, unidade de participação de fundos e apólices de seguros depositados.
4. Dado que a Recorrente requereu que não obstante as apólices de seguro em causa fossem da titularidade do Recorrido, a par de saldos bancários e outras aplicações financeiras, que fossem nomeados depositários desses valores Requerente e Requerido na proporção de metade para cada um, o que foi ordenado nestes autos conforme decorre da sentença de arrolamento, tal significa que no caso concreto foi afastada a regra da nomeação de depositária do titular e possuidor desses bens (ao contrário do que se considera na douta decisão singular).
5. Pelo que, em execução da nomeação de requerente e requerido como depositário na parte de metade de todos os depósitos bancários e aplicações financeiras e face à posição tomada nos autos pela seguradora, deverá ser ordenado à companhia de seguros onde se mostram constituídas aplicações financeiras arroladas, por serem bens comuns do casal, que o produto dos resgastes parciais e totais das apólices e pagamento dos PPR’s trimestrais que ocorram por força de ordens dos seus respetivos titulares, devam ser transferidos em metade para a Requerente (para a conta aberta pela Requerente no Banco ... com o nº 0033 0000 455728... 05) e a outra metade para a conta bancária para a qual eram transferidos ou para a conta que o Requerido vier a indicar.
6. Fez o despacho recorrido menos feliz interpretação do disposto no art. 406º do Cód. Proc. Civil.

Como tal, na procedência das acima expostas conclusões, deverá ser proferido Acórdão revogando o despacho recorrido e substituindo-o por outro que defira o requerido pela Recorrente tal como elencado na conclusão 5 e no requerimento apresentado nos autos em 03.09.2019 (ref. 33289290).
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Cumpre apreciar e decidir:

Nos termos do disposto no art. 403º do C.P. Civil, havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se arrolamento deles.

Por seu turno, esclarece o art. 406º, nº 1 do mesmo Código que “O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens.”

Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 3ª ed., pág. 183 a 193), “Arrolar significa “inscrever em rol”. A ideia de arrolamento está por isso ligada à de existência de uma pluralidade de bens que se pretende acautelar. Para isso eles são descritos, avaliados e depositados. (…).”

No arrolamento preliminar ou incidente do processo de divórcio, são arrolados os bens que o requerente alegue pertencerem ao casal, descrevendo-se os mesmos, para conservação de tais bens, existentes à data da realização do arrolamento (v. art. 408º, nº 1 do C. P. Civil).

O art. 408º do C. P. Civil indica como depositário o possuidor dos bens, salvo se houver manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues, nomeadamente quando existam razões para recear pela efetiva dissipação dos bens na pendência da ação principal (v. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 480).

Como é referido no Ac. RL de 12/11/2014 (in www.dgsi.pt), com este arrolamento não pretendeu o legislador impedir a normal utilização dos bens arrolados pelos cônjuges, isto é, não se pretendeu que os bens ficassem impedidos de os utilizar.

Deste modo, efetuada a operação descritiva dos bens, nomeadamente dos valores garantidos pelas apólices em discussão, está efetuado o arrolamento, que não tem por finalidade a apreensão efetiva dos bens, com a consequente retirada dos mesmos do domínio efetivo dos seus titulares.

Caso a Requerente entenda que existe perigo efetivo de extravio ou dissipação dos valores em causa, deverá requerer fundamentadamente que o seu titular, no caso o requerido, não seja nomeado depositário, mas sim, por exemplo, a respetiva Companhia de Seguros, sem que tal implique a movimentação de valores para contas de Requerente e/ou Requerido, já que o arrolamento não visa a partilha dos bens mas sim a sua conservação.

Em face do exposto, não pode pois, lograr obter provimento a pretensão da Requerente.

Há pois que confirmar a decisão singular proferida pela Relatora.
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DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes desta Relação em confirmar a decisão sumária da Relatora.

custas a cargo da Recorrente.
Guimarães, 30 de janeiro de 2020

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira