Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2267/18.9T8BCL.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: PRÉDIOS CONFINANTES
ABERTURA DE JANELA
SERVIDÃO DE VISTAS
VALORAÇÃO DAS PROVAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Discutindo-se, entre proprietários de prédios confinantes, a existência de janelas abertas na casa do dos réus, com portadas, alegadamente em violação do disposto nos artºs 1360º, nº 1, e 1344º, nº 1, CC (desrespeito pelo intervalo de metro e meio e ocupação do espaço aéreo do dos autores), impende sobre estes (enquanto vizinhos lesados) provar (artº 342º, nº 1, CC) a exacta localização da estrema do seu prédio. E cabe aos réus provar (artº 342º, nº 2, CC) os factos integrantes da alegada constituição de servidão onerando aquele em benefício do seu.
2) A pertença da controversa faixa de terreno onde os dois prédios confluem, pode ser feita por qualquer meio de prova que demonstre a existência de certos “nexos” (materiais e funcionais) reveladores da “ligação pertinencial” da parcela a um ou a outro.
3) Não são atendíveis, para efeitos do artº 414º, do CPC, as dúvidas que apenas assentem numa apreciação e valoração errada da prova, originada pela adopção de um padrão desmesuradamente exigente, quiçá exacerbado pela hipervalorização de ínfimos detalhes, mas não consentâneo com os padrões jurisprudenciais dominantes nem com regras da experiência comum.
4) Em processo civil, a demonstração da realidade dos factos (artº 341º, CC) não tem de ser feita em termos demasiado exigentes ou absolutos ou mesmo balizar-se por critérios de índole quase científica. Ela deve, apenas, pautar-se por padrões que tenham em conta as variáveis circunstâncias do caso sem perder de vista a ideia de realização da justiça concreta, não podendo relevar todas e quaisquer dúvidas, especulativas, irrazoáveis, sempre passíveis de ser cogitadas, designadamente a pretexto de pequenas incongruências nos depoimentos testemunhais, quantas vezes atestadoras da espontaneidade, fidedignidade, descomprometimento e credibilidade de quem os presta.
5) Com efeito, uma coisa são as regras legais do ónus da prova, cuja finalidade essencial, mais de índole operativa, é estabelecer contra qual das partes deve o tribunal decidir no caso de persistir dúvida relevante quanto à ocorrência de facto controverso, das quais não decorre propriamente uma definição estanque de quem deve provar e daquilo que deve provar (referido artº 414º).
6) Outra, os critérios jurisprudenciais de julgamento, relativos à apreciação e valoração das provas e formação da convicção do julgador sobre os factos discutidos, mormente quando se está ante meios que o tribunal pode apreciar livremente e, portanto, decidir se os considera suficientes ou insuficientes para, com base neles, afastar a dúvida e se convencer, com firme certeza, de uma versão.
7) Não havendo norma jurídica que fixe tal standard ou padrão de prova, é geralmente aceite que um facto deve considerar-se como provado para os efeitos práticos do processo judicial e para os fins próprios deste (decidir sobre uma pretensão ou excepção) quando os meios demonstrem um alto grau de probabilidade (não, claro, apenas verosimilhança ou simples possibilidade) de realmente, de acordo com as regras da experiência e as percepções do homem médio, ele ter acontecido, uma probabilidade razoavelmente muito mais elevada do que a contrária.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Os autores C. N. e S. S. instauraram, em 20-09-2018, no Tribunal de Barcelos, acção declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum, contra os réus J. M. e esposa C. A..

Formularam o pedido de que sejam estes condenados a:

a) Reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial.
b) Taparem a janela, que na fotografia junta tem o n.º 2; e
c) Retirarem as portadas de outras três janelas.

Alegaram, como fundamentos, em resumo, que são proprietários de um prédio urbano, constituído por rés-do-chão, andar e logradouro, que, pelo seu lado nascente, confronta com a parede da casa de habitação que constitui o prédio dos réus. Nesta parede, existiam três janelas. Porém, recentemente, depois de 2006, os réus abriram uma outra, com dimensões idênticas às daquelas três (janela n.º 2 da fotografia junta como doc. 3, que é a segunda a contar do lado norte). Tal janela deita directamente sobre o prédio dos autores (pois entre a habitação daqueles e o prédio destes não há qualquer faixa de terreno, sendo aquela parede o limite). Acresce que, aquando da abertura da referida janela, os réus colocaram portadas exteriores em todas as janelas (quatro), que ao abrir e fechar invadem o espaço aéreo dos autores.

Na contestação, os réus alegaram que sempre (tendo o imóvel mais de 100 anos) existiram quatro janelas e nunca as alteraram (designadamente quando os autores compraram o seu prédio, em 2016, já elas todas se lá encontravam). Acrescentaram que o seu prédio sempre apresentou o telhado, tal como se encontra actualmente, com uma cornija de 50 cm e mais um beiral de telhas com 15 cm, voltados para o lado poente (prédio dos autores), por onde escorrem as águas das chuvas, tudo para lá do limite da parede da habitação. Como os autores, quanto a isto, nada objectam é porque aceitam que tal não ofende o seu direito de propriedade. Argumentaram também que a sua casa (dos réus), no canto sul/nascente, assenta numa base em granito que sai para o prédio dos autores em mais de 10 cm (de tal modo que o umbral do portão da entrada dos autores é recortado para contornar essa saliência) e que, a meio da linha norte/sul, apresenta cerca de 1metro de largura – zona onde se encontra a janela n.º 2.

Em reconvenção, reafirmam que o seu prédio é centenário e sempre lá teve as 4 janelas, nunca alteradas quer nas medidas quer na localização. Em 1994, deu entrada na Câmara um projecto de realização de obras em cujas plantas elas já constam como existentes. Sucede que elas eram resguardadas por portadas em madeira, que abriam para o exterior, e os réus apenas procederam à sua substituição por portadas metálicas (bem como à substituição dos seus suportes metálicos exteriores estragados pela ferrugem), sem invadir o terreno dos autores. As quatro janelas sempre foram utilizadas pelos réus, para através delas se debruçarem, verem, receberem ar e luz, à vista de todos, sem oposição de ninguém e na convicção de que exerciam um direito próprio correspondente ao direito de servidão, pelo menos de vistas, adquirido por usucapião – o que sempre obstaria à pretensão dos autores.

Assim, pediram que a acção seja julgada improcedente e, consequentemente, absolvidos do pedido e que a reconvenção seja julgada provada e procedente e se declare que se acha constituída a favor do seu prédio (identificado no n.º 15 da contestação) e onerando o dos autores (identificado no n.º 1 da petição inicial) uma servidão de vistas que se exerce através das quatro janelas abertas na parede poente do prédio dos réus, descritas no articulado, que os autores sejam condenados a tal reconhecerem, a respeitar tal direito e a abster-se da prática de qualquer acto que obste ao seu exercício do direito de propriedade e ao de servidão de vistas.

Replicando, os autores mantiveram o alegado na petição inicial e, quanto ao mais, acrescentaram que o projecto de obras apresentado na Câmara não correspondia àquilo que existia mas sim àquilo que os réus pretendiam construir e, ainda, que as janelas não tinham portadas em madeira mas sim estores que os réus substituíram por portadas metálicas, conforme fotografia que juntaram. Por isso, os réus litigam com má-fé. Não põem em causa a existência da servidão de vistas, ar e luz relativamente às três outras janelas.

Além da improcedência da reconvenção, pediram que os réus sejam condenados como litigantes de má-fé.

Os réus impugnaram este pedido.

Dispensada a audiência prévia, foi admitida a reconvenção, alterado o valor da causa, saneados tabelarmente os autos, identificado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e admitidos os meios requeridos para tal.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas.

Com data de 20-01-2020, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão:

“A. Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a. Condena-se os réus J. M. e C. A. a reconhecer que os autores C. N. e S. S. são proprietários do prédio urbano descrito como casa de habitação, de rés do chão e andar com logradouro, sito na Travessa ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... do ....
b. Condena-se os réus J. M. e C. A. a tapar a janela descrita em 9) e 10) dos factos provados.
c. Condena-se os réus J. M. e C. A. a retirar as portadas colocadas nas três janelas existentes na parede poente da sua habitação e melhor identificadas em 8) dos factos provados.
d. Absolvem-se os réus J. M. e C. A. do pedido de condenação como litigantes de má fé.
B. Julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolvem-se os autores C. N. e S. S. do pedido reconvencional formulado.
*
As custas da acção e da reconvenção são integralmente suportadas pelos réus/reconvintes.
*
Registe e notifique.
*
Oportunamente, após trânsito em julgado da presente decisão, restitua-se o processo de obras à Camara Municipal ....”

Os réus não se conformaram e apelaram a esta Relação no sentido de alterar a decisão, tendo alegado e concluído assim:

“1-Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida, que julga a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, e com ela não concordando, nem se conformando, vêm os RR. interpor recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, também com impugnação da decisão quanto à matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, a subir imediatamente e nos próprios autos.
2-A questão principal em apreço nos autos é e era apurar, relativamente às quatro janelas existentes na parede da casa de habitação dos Réus, virada para o prédio dos Autores, em que data foram construídas e se o prédio dos Autores estava ou não onerado com uma servidão de vistas a favor do prédio dos Réus, relativamente a essas mesmas quatro janelas.
3-Também interessava ao pedido reconvencional apurar em que datas as portadas metálicas existentes no exterior dessas quatro janelas foram colocadas, nem como o ferro de segurança / fecho exterior que as segura quando abertas.
4-Finalmente, também era dever do Tribunal apurar onde se situa a extrema do terreno do logradouro do prédio dos Autores, ónus de prova que a estes pertencia, pois disso mesmo dependia a aplicação das restrições legais e em defesa do alegado direito de propriedade dos Autores.
5-Relativamente a estas questões era ónus dos Autores:
-fazer a prova da alegada propriedade sobre o prédio que lhes pertence e em especial qual o real limite do seu logradouro, a fim de ser apurado se este terminava junto à parede ou fachada do prédio dos Réus ou em ponto mais afastado e relativamente à localização de cada uma das quatro janelas existentes;
-fazer a prova da data de abertura ou construção de cada uma das quatro janelas, se simultâneas ou em datas diferentes;
-fazer a prova das alterações construtivas das janelas, portadas e fixações destas e datas dessas alterações.
6-Por sua vez era ónus do Réus fazer a prova da data da abertura ou construção de cada uma das quatro janelas, se simultâneas ou se em datas diferentes e bem assim das alterações construtivas das janelas, portadas e fixações destas e datas dessas alterações.
7-Ora, é sabido que os depoimentos das partes e das testemunhas, embora apreciadas livremente pelo Tribunal, valem no seu todo, na dialética que resulta da sequência de perguntas e respostas.
8-O Tribunal fez essa apreciação de forma contraditória: afirma que “as testemunhas – dos autores – apenas foram coerentes no facto que importava ( ou melhor dito, no facto que era essencial à causa e no qual pensariam que o Tribunal se iria ater )”, concluindo contudo que foram “incoerentes no demais”, concluindo que “isto para nós é totalmente incompreensível e retira-lhes qualquer credibilidade”.
9-Porém, a seguir confere-lhes erradamente valor apesar de não merecerem credibilidade. Na verdade, depoimentos que não merecem credibilidade não podem ser aproveitados para nada, face à total contradição entre eles e é certo que as obras não ocorreram nas datas indicadas por estas testemunhas.
10-Por outro lado, o Tribunal ignora partes importantes dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Réus, que vão citadas e transcritas nas alegações, aqui dadas por reproduzidas e com indicação do tempo (minuto e segundo) do suporte digital.
11-Também o Tribunal a quo não atende aos documentos juntos aos autos (designadamente plantas, processo de licenciamento camarário e fotografias registadas na inspeção ao local na audiência de julgamento) bem como a factos importantes não só declarados pelas demais testemunhas, que o Tribunal não valora, como outros relevantes para a cronologia dos factos, que deverão levar a conclusões diferentes das seguidas pelo Tribunal a quo.
12-Começando pelas quatro testemunhas arroladas pelos autores na douta sentença conclui-se pela total contradição entre todas elas, que nem sequer “acertaram” no número de janelas existentes, variando o seu depoimento entre duas ou três, mas mantendo uma “tenaz convicção”, desprovida de factos, de que a quarta janela em causa nestes autos foi construída em data que também não acertam, mas que cirurgicamente pretenderam colocar em data que não permitisse ao Tribunal declarar a existência, também quanto a esta, como as demais, de servidão de vistas constituída por usucapião.
13-Mas tais depoimentos “concertaram” também no “ouvir dizer” e não acertaram na data da realização das obras pelos Réus, como abundantemente foi provado pelos demais depoimentos e pela documentação.
14-Porém, também estas testemunhas revelam total desconhecimento quer dos limites de cada um dos prédios e do real limite ou extrema de cada um, como também faltam à verdade ao omitir ou deturpar a data em que as obras foram efetuadas pelos Réus.
15-É o próprio Tribunal que declara que não merecerem credibilidade.
16-Também tais depoimentos esbarram nos documentos que resultam do processo camarário de licenciamento das obras de restauro da casa dos Réus, quer nas plantas camarárias que identificam o edificado anterior ( no caso as quatro janelas em causa ), quer ainda as próprias fotografias juntas aos autos e em especial as registadas na inspeção realizada na sessão de julgamento de 10.10.2019 (em especial da conjugação das fotografias 7 e 8, 15 e 16 , todas elas das janelas 1, 3 e 4 obtidas do interior da habitação dos Réus, reconstruida, com as fotografias 9, 10, 11 e 12 , estas da janela 2 – a que está em causa nos autos), também estas obtidas do interior da casa de habitação dos Réus.
17-Ora, sabendo-se dos autos (projecto, licenciamento e demais fotos ) que o prédio dos Réus tem paredes em granito de grande largura, resulta á evidência que no seu interior todas as janelas ( incluindo a numero 2 ) estão cavadas na pedra de granito, com medidas idênticas e igual recorte, bem como com iguais materiais, só se evidenciando quanto á janela n,º 1 um parapeito novo, sendo as 2, 3 e 4 em tudo idênticas nas medidas e recorte.
18-Porém, as testemunhas M. G. ( empreiteiro ), A. C. e e M. J. (engenheiro da empresa autora do projecto e licenciamento camarário) esclareceram o Tribunal, de forma que arrasaram e evidenciaram completamente as incongruências e falta à verdade daquelas, que as quatro janelas sempre existiram em momento anterior ao do início das obras.
19-Quer a testemunha M. G., quer a testemunha A. C. revelaram seriedade e objectividade ao esclarecerem, sem margem para qualquer dúvida, que as quatro janelas já existiam com as medidas actuais, em data anterior a 1998, porque já existiam na data da execução da obra do telhado e dos beirais, que não há dúvida de que foi executada entre 1997/1998, pois que em Dezembro de 1998 ao ser dada entrada ao projecto neste já constam fotografias com o novo telhado executado.
20-E a testemunha M. J. confrontado com o projecto e plantas camarárias e o número do processo camarário, confirmou que podia acontecer que qualquer obra fosse iniciada ou executada mesmo antes do licenciamento, bem como a legenda das mesmas, o que é o existente e as alterações a fazer e especificamente quanto á obra em causa, no que se refere às 4 janelas: “O que está a preto é o existente”, significando essa afirmação que já existiam antes.
21-Tudo apreciado de acordo com as regras do ónus da prova e da experiência do homem médio, concordando-se com o Tribunal de que os depoimentos das testemunhas dos Autores não merecem qualquer credibilidade, atentas as contradições e omissões ostensivas que deles resultam, nada permite concluir pela igual falta de credibilidade dos depoimentos das testemunhas dos RR, antes pelo contrário, que quanto á data da obra que esta se situa antes e até ao ano de 1998.
22-Ora, era ónus dos Autores alegar e provar não só as datas das obras, mas também o local da extrema dos dois prédios, não tendo logrado fazer qualquer prova sobre isto.
23-Assim, não logrando os autores provar o local exacto da extrema ou linha delimitadora, também não podia o Tribunal concluir que tal linha delimitadora era a face exterior da parede da casa onde se situam as quatro janelas, carecendo a douta sentença de fundamentação, omissão que nessa parte a inquina de nulidade.
24-Também acresce ainda que é dado por provado que a parede e a casa dos Réus está assente em penedo que na zona intermédia, precisamente na zona vertical da janela 2, se situa até cerca de um metro ou mais daquela face, mas, em violação da experiência e sabedoria popular, sabe-se que ninguém construiria no princípio do século vinte uma casa sobre penedo que pertencesse ao vizinho.
25-Não tendo os Autores logrado fazer a prova de que são proprietários desse penedo ou de parte dele, é de concluir, na falta de prova sobre a linha delimitadora, cujo ónus era dos autores, que a consequência é a total improcedência da acção e não o contrário, como decidido pelo Tribunal, ainda que o Tribunal declare não existir prova segura para fixar essa mesma linha delimitadora.
26-E relativamente ao pedido reconvencional, não é sequer necessária tal prova, pois sendo dado por provado, ao contrário do que o Tribunal concluiu, que em 1998 já se encontravam as 4 janelas na fachada da casa dos Réus, é indiferente apurar-se a que distância ficará tal linha delimitadora.
27-Também não passará pela cabeça de ninguém e tendo como presente um padrão de homem médio que há várias dezenas de anos fosse construída uma casa com beirais a deitar a água das chuvas sobre terreno vizinho, sem que este reagisse em oposição.
28-Aliás, o artigo 1365º do atual Código Civil, que se manteve sem alteração, na sequência do já estatuído no anterior Código Civil, estabelece que o proprietário deve edificar de modo a que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.
29-Assim, considerando o atrás alegado e o ónus de prova que sobre os Autores impendia ( artigos 342 e seguintes do Código Civil ), não pode ser dada por provada a versão destes, pelo que a acção deve ser julgada totalmente improcedente.
30-Pelo que, aplicadas as regras do ónus da prova e efetuada uma criteriosa apreciação dos depoimentos das testemunhas, conjugadas com aquelas fotografias e a demais documentação dos autos:
-Os factos elencados como provados na douta sentença proferida nos seus números 8, 9, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, devem ser dados por não provados, devendo:
Quanto ao 8 ser dado por provado não três mas 4 janelas;
Quanto ao 9 que a janela n.º 2 sempre existiu na fachada poente da casa dos RR.
Quanto ao 11 que a janela n.º 2 está virada para o prédio dos AA, sem que se tenha apurado a que distância se situa a extrema;
Quanto ao 12 somente por provado que não ficou apurado onde se situa a linha da extrema delimitadora;
Quanto ao 13 somente por provado que não ficou apurado onde se situa a linha delimitadora do logradouro do prédio dos AA;
Quanto ao 14 retirar a parte em que se dá por provado “ mas sempre posterior a Dezembro de 1998”, e antes que foram os antepossuidores a colocar os estores..
Quanto ao 16 retirar a parte em que se dá por provado “mas sempre posterior a Dezembro de 1998”.
Quanto ao 17 deverá ser antes dar por provado que a cornija mede entre 40 e 50 cm e o beiral de telhas cerca de 15 cm.
Quanto ao 18, finalmente, dar por provado não que a largura não está concretamente apurada, mas antes, como se refere sobre o número 17, que essa largura é de cerca de 55cm a 65 cm.
31-Por seu lado, o dado por provado sobre as quatro janelas deve levar á correcção dos factos dados por provados e em especial nos números 24, 25, 26, 27 e 28, que devem referir-se sempre ás quatro janelas, sempre existentes.
32-Por seu lado, os factos dados por não provados nas alíneas c), d), e), f), e g) devem antes ser dados por provados.
33-Por tal corresponder á prova que resulta de uma apreciação criteriosa das declarações das testemunhas, cujos depoimentos estão gravados, conjugados com os demais documentos nos autos.
34-Assim, a douta sentença recorrida violou as disposições legais citadas e as regras do ónus da prova, efectuou uma incorrecta apreciação da prova e fixou erradamente a matéria de facto dada por provada e não provada, pelo que deve ser revogada nos termos acima alegados, absolvendo-se totalmente os Réus dos pedidos e julgando-se totalmente procedente a reconvenção.
35- Pois que essa posse e usufruição das vistas através das quatro janelas da fachada da casa dos RR. foi também exercida coincidentemente com a posse sobre o prédio hoje dos RR., ininterruptamente e durante mais de 10, 20, 30 e mais anos, de boa fé, de forma pacífica, sem uso de violência e sem oposição de quem quer que seja, com a convicção de exercício de um direito correspondente ao de servidão de vistas, pelo que existe e constituiu-se uma servidão, inclusive de vistas, que onera o prédio dos AA. a favor do prédio dos RR., que se acha constituída por usucapião, o que o Tribunal não poderá deixar de dar por provado (artigos 1360º a 1362º e 1547º, 1548º e 1549º do C. Civil).
36-Deve, por isso, a reconvenção ser julgada provada e procedente e declarar-se que se acha constituída a favor do prédio que é propriedade dos Réus, identificado no n.º 15 da contestação, e onerando o prédio dos Autores, identificado no n.º 1 da petição inicial, uma servidão de vistas que se exerce através das quatro janelas abertas na parede poente do prédio dos Autores, bem como estes condenados a tal reconhecerem e a respeitar tal direito e a abster-se da prática de qualquer acto que obste ao exercício do direito de propriedade e de servidão de vistas pelos RR.

NESTES TERMOS,
E com o douto suprimento de Vs. Exs.ª deverá ser dado provimento ao recurso e no sentido das conclusões, assim se fazendo J U S T I Ç A”.

Os autores responderam, concluindo deste modo:

“1- Os Autores, ora recorridos, peticionaram que os Réus sejam condenados a tapar a janela identificada nos itens 9), 10) e 11) dos factos provados da douta decisão recorrida, bem como as portadas existentes nas outras três janelas, uma vez que, quando abertas, invadem o espaço aérea do prédio dos Autores.
2- Em reconvenção, os Réus, ora apelantes peticionaram que os Autores, ora apelados sejam condenados a reconhecer que o seu prédio se encontrava onerado com uma servidão de vistas, exercida através de quatro janelas existentes na parede poente do seu prédio, constituída por usucapião, nos termos do disposto nos artº.s 1360º a 1362º do Código Civil.
3- Os Réus, ora apelantes, ao alegarem que, a favor do seu prédio, se encontra constituída uma servidão de vistas, constituída por usucapião, nos termos expostos, estão a dizer que as mesmas janelas deitam directamente sobre o prédio dos Autores, ora apelados.
4- Por isso, também estão a dizer que a parede do seu prédio, onde as mesmas janelas estão abertas, é o limite da sua propriedade com o prédio dos Autores.
5- Em relação às três janelas primitivas, os Autores, ora apelados, não põem, nem nunca puseram em causa a existência de um direito de servidão de vistas, que onera o seu prédio a favor dos Réus, ora apelantes.
6- Em relação à janela identificada nos itens 9), 10) e 11) dos factos provados, resulta do acima alegado, que deita directamente sobre o prédio dos Autores, ora apelados.
7- Por isso, é aos Réus que incumbe o ónus de provar que decorreu o tempo necessário, que lhes permita invocar a existência de uma servidão de vistas, constituída por usucapião.
8- Ora, os Réus, ora apelantes, como muito bem afirma a Meritíssima Juiz na sua douta decisão, não lograram fazer a prova que aquela janela já estava aberta há mais de 15 e 20 anos.
9- Todas as testemunhas dos Autores afirmaram que a aquela janela foi aberta depois da morte do avô do Autor, falecido em 1 de Dezembro de 2004.
10- Pois, o Réu, por várias vezes se dirigiu ao avô do Autor a pedir-lhe que deixasse abrir a referida janela, o que ele sempre recusou.
11- Nesse aspecto, é muito elucidativo o depoimento da testemunha R. C., registada no suporte digital nº93/19, de 00:00.001 a 00:28:47. Disse a testemunha:
”conhece os prédios desde 1977, ano em que casou com o tio do Autor, filho do seu mencionado avô. Nessa altura a casa dos Réus, ora apelantes, na parede que confronta com o prédio dos Autores tinha apenas três janelas com estores e que a mesma se encontrava revestida de massa e cal. O seu sogro várias vezes lhe disse que o senhor J. M.-o Réu- várias vezes lhe pediu que o deixasse abrir outra janela naquela parede, o que o seu sogro sempre se recusou a aceitar.
A instância do ilustre Mandatário dos Réus, acrescentou que depois da morte do sogro, o senhor J. M. –o Réu- foi várias vezes a sua casa pedir ao seu marido, agora falecido, que convencesse os demais herdeiros a deixar abrir a mencionada janela. Pensa que a mesma terá sido aberta nos anos 2006 ou 2007 porque foi nessa altura que os cunhados lhe disseram que o Réu tinha aberto a janela. Pois depois do internamento da sogra, em Março ou Maio de 2005, não voltou à casa que agora é dos Autores”.
12/- Este depoimento é deveras elucidativo, esclarecedor e isento, pra deixar de lhe ser dada a devida relevância. O qual, no que ao objecto da acção concerne, é comprovado pelas demais testemunhas dos Autores.
13/ As fotografias existentes no processo camarário mostram a parede do prédio dos Réus revestida de massa e as janelas com estores, e na referida parede, apenas se vêem duas janelas.
14/- Mas mostram também que a parede traseira dos prédio dos Réus, tem apenas duas janelas. No entanto, na fotografia tirada na inspecção ao local constata-se que essa parede tem mais uma janela que, obviamente, foi aberta posteriormente.
15/- A abertura dessa janela não consta das plantas apresentadas pelos Réus, no processo camarário. Daí, como muito bem observou a Meritíssima Juiz, o processo camarário não pode merecer credibilidade, pois apresenta aberturas que ainda não existiam e não apresenta obras a inovar.
16/- Quanto à prova testemunhal dos Réus, não deixa de ser curioso que a testemunha, cunhado do Réu, A. C., afirme que a parede poente sempre teve quatro janelas e não saber que a aludida parede traseira passou a ter três janelas em lugar de duas, como também muito bem observou a Meritíssima Juiz. A parede traseira, que confronta com a rua e está à vista de toda a gente, e a testemunha não viu a alteração. Mas, quanto à parede que confronta com o prédio dos Autores, que não se vê da rua em toda a sua extensão, não tem dúvidas que sempre teve quatro janelas!
17/- Os Réus, ora apelantes, não lograram fazer a prova de que a mencionada janela foi aberta há mais de 15 e 20 anos, da mesma forma que não lograram provar que as actuais portadas se encontram ali colocadas há mais de 15 e 20 anos como lhes incumbia.
18/- Pelo contrário, os Autores, ora apelados, lograram provar que a janela foi aberta depois dos meses de Março ou Maio de 2005, data da saída da avó do Autor, possivelmente em 2006 ou 2007. Data em que também foram colocadas as portadas nas outras três janelas.
19/- Por isso, na douta decisão recorrida foi feita uma correcta apreciação da prova tanto testemunhal – com o reparo acima deixado-, como documental, devendo manter-se a matéria fáctica, provada e não provada, nos precisos termos da douta decisão recorrida, bem como o seu enquadramento legal, não tendo sido violado qualquer dispositivo legal, designadamente os invocados pelos Apelantes.

Termos em que deverá ser negado provimento ao presente recurso, fazendo-se assim JUSTIÇA ”

O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, importa decidir:

a) Se a matéria de facto dos pontos provados e não provados especificada nas conclusões 30 a 32 deve ser modificada conforme aí pretendido pelos recorrentes.
b) Se, em consequência de tais alterações, a acção deve improceder e a reconvenção proceder, nos termos pedidos nas conclusões 34 a 36, ou seja, totalmente, ou, pelo menos, esta deve proceder quanto a três das janelas.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª Instância, foram considerados relevantes e julgados como provados os seguintes factos:

“1) O prédio urbano descrito como casa de habitação, de rés do chão e andar com logradouro, sito na Travessa ..., da freguesia de ..., a confrontar do norte e nascente com os réus, do sul com caminho público e poente com M. R., inscrito na matriz urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... do ..., está inscrito a favor dos autores, em comum e partes iguais, pela apresentação n.º 815 de 2016/12/15. Acordo doc fls 5v e 6 e 62 e 62v
2) Por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório do Dr. P. C., no dia 9/12/2016 no Livro ..., folhas 77 a 79 verso, M. F., R. C., J. T., J. A., A. L., C. S., M. B., J. L., M. A. e A. F. declararam vender e C. N. e S. S. declararam comprar, pelo preço de €.21.000,00, o prédio urbano composto por casa de rés do chão e andar com a área coberta de 155,35m2 e logradouro com 319,70m2, confrontando do norte e nascente com J. M., do sul com caminho público e poente com M. R., sito na Travessa ..., da freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz sob o artigo ... … não descrito na Conservatória do Registo Predial.
3) Por si e ante possuidores, sempre os autores estiveram na posse do descrito prédio, habitando-o, reparando-o e depositando lenha e apeirias no seu logradouro, à vista de toda a gente e sem a oposição de ninguém, há mais de 20 e 30 anos, sem interrupção, na convicção e exercerem o direito de propriedade sobre o mesmo e de não lesarem direitos de terceiros.
4) Por escritura pública de habilitações e partilha outorgada em 11.08.1994, foram habilitados os herdeiros de M. O. e de F. M., de entre os quais, J. M., filho daqueles e foi ainda acordado que a J. M. era adjudicada, para além do mais, a verba n.º 1, descrita como Casa Torre, com a superfície coberta de 220m2, no Lugar de ..., freguesia do ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz urbana sob o art. … (…) a confrontar do norte com herdeiros de F. M. e M. L. e restantes lados com F. M., a desanexar do descrito na Conservatória sob o n.º ... do Livro ....
5) A partir da celebração da escritura de habilitação e partilha referida em 4) têm sido os réus quem sempre tratou da manutenção do prédio aí descrito, realizando reparações gerais e de reconstrução quer no telhado, quer no interior e exterior da habitação, substituindo ou reparando telhas, portas e janelas, efectuando pinturas gerais e de conservação interiores e exteriores, conservando-o com todas as benfeitorias necessárias e úteis, pagando os respectivos custos e impostos.
6) O que os réus, pelo menos desde 1994, sempre fizeram à vista e com o conhecimento de toda a gente, incluindo os autores e ante possuidores do prédio destes, sem oposição de quem quer que seja, com a convicção de que, com tais actos ou factos, não prejudicavam quaisquer direitos de terceiros e de que exerciam um direito próprio.
7) O prédio dos autores descrito em 1), pelo lado nascente confronta com o prédio dos réus descrito em 4), que é uma casa de habitação, de rés do chão e andar.
8) Na parede do lado poente da casa dos réus, que confronta com o prédio dos autores, existiam três janelas, com as dimensões de cerca de 1,13m de altura e 0,86m de largura.
9) Em data não concretamente apurada, os réus abriram outra janela com 1,14m de altura e 0,89m de largura na parede do lado poente da casa.
10) A janela referida em 9) é a segunda existente na dita parede a contar do lado norte (corresponde à janela com o n.º 2 na fotografia de fls. 10 dos autos).
11) A janela referida em 9) deita directamente sobre o descrito prédio dos autores identificado em 1).
12) A poente da parede do prédio dos réus identificado em 4), o prédio dos réus não tem uma faixa de terreno com metro e meio de largura.
13) O limite nascente do prédio dos autores identificado em 1) é a parede poente do prédio dos réus.
14) As janelas referidas em 8) tinham estores e os réus, em data não concretamente apurada, mas sempre posterior a Dezembro de 1998, colocaram portadas metálicas na parte exterior das aludidas quatro janelas, as quais abrem e fecham para o exterior e que medem até à estrutura metálica onde estão fixadas 44 cm (e apenas 40 cm até ao limite exterior da soleira).
15) As portadas referidas em 14) estão cravadas no interior da parede e umbral das janelas.
16) Os réus, em data não concretamente apurada, mas sempre posterior a Dezembro de 1998, colocaram na parede poente do prédio identificado em 4) uns suportes metálicos exteriores, que seguram as portadas quando abertas.
17) As águas do telhado estão em duas vertentes, poente e nascente, apresentando a virada a poente, em toda a sua extensão, uma cornija de largura não concretamente apurada, crescendo para fora da vertical da parede em causa, terminando ainda com um beiral de telhas que saem ainda mais do limite poente da cornija em largura também não concretamente apurada.
18) Para fora da vertical da parede poente do prédio dos réus estão, como sempre estiveram desde a construção da casa, a cornija e beiral referidos em 17) de largura não concretamente apurada, de onde escorrem as águas das chuvas.
19) A casa identificada em 4) remonta, pelo menos, a 1937, e tem, pelo menos, em parte, os seus alicerces e estrutura de sustentação em granito. (fls. 53)
20) No seu canto sul/poente a base de sustentação em granito trabalhado sai no sentido do prédio dos autores, em medida não concretamente apurada, sendo o umbral do portão dos autores recortado para acompanhar essa saliência.
21) Ao longo da linha norte/sul da parede poente, parte da base de pedra em que assenta a casa dos réus, é mais saliente em relação à parede, sendo que na zona da janela referida em 9) mede cerca de um metro, e volta depois a diminuir até ao canto norte/poente.
22) Em 26.10.1998, os réus deram entrada na Câmara Municipal ... a um projecto para restauro do prédio referido em 4), em cujas plantas do existente constam as quatro janelas na parede poente do prédio.
23) Também nas plantas do existente no piso onde se situam as quatro janelas, estão os respectivos vãos evidenciados nas respectivas divisões, onde a janela referida em 9) se situa num quarto ali delimitado.
24) As três janelas referidas em 8) existem há mais de 20, 30, 40 anos.
25) Actualmente, as janelas referidas em 8) e 9) têm caixilharia e vidros e abrem para o interior do prédio dos réus, sendo que somente as portadas abrem para o exterior.
26) E assim sempre foi não só no tempo dos ante possuidores do prédio dos réus, mas até depois da aquisição que estes fizeram do mesmo em 1994, pois pelas três janelas referidas em 8) sempre entrou ar e luz solar e sobre as mesmas se debruçando quem ali habitou, habitava ou habita, para usufruir das vistas existentes.
27) Os réus e ante possuidores abriam e fechavam as janelas referidas em 8), quando queriam, avistavam-se os telhados das casas e terrenos situados a nível inferior, mais abaixo, para poente.
28) O referido em 24), 26) e 27) sempre foi feito pelos réus e seus ante possuidores, ininterruptamente e durante mais de 10, 20, 30 e mais anos, de boa fé, sem uso de violência e sem oposição de quem quer que seja, com a convicção de exercício de um direito correspondente ao de servidão de vistas.“

Foram julgados não provados os seguintes:

“a) A janela referida em 9) foi aberta pelos réus depois de 2006, mas com um enquadramento diferente.
b) O prédio dos réus tem mais de 100 anos.
c) Na parede poente sempre estiveram abertas as quatro janelas, que nunca foram alteradas, quer nas suas medidas de comprimento e largura, quer na sua implantação ou localização na fachada em causa.
d) Antigamente as quatro janelas eram exteriormente resguardadas por portadas em madeira, que, em cada janela, se abriam para o exterior em duas abas iguais.
e) Os réus procederam à substituição das referidas portadas em madeira por portadas metálicas
f) Os suportes metálicos exteriores, que seguram as portadas quando abertas, porque consumidos pela ferrugem e pelo tempo, foram substituídas por outras com a mesma localização, largura, cumprimento e função.
g) A janela referida em 9) existe há mais de 20, 30, 40 e mais anos e o referido em 26) a 28) também aconteceu nessa janela durante mais de 20, 30 e 40 anos.
O demais alegado pelos autores e pelos réus constitui matéria de direito, de negação ou conclusiva ou é irrelevante para a decisão.”

Para assim decidir, o tribunal a quo explanou na sentença a seguinte motivação:

“Nos termos do disposto no art. 607.º, n.ºs 4 e 5 do Novo Código de Processo Civil, o juiz deve indicar as provas que serviram para formar a sua convicção e bem ainda proceder ao exame crítico das mesmas.
Assim, o tribunal formou a sua convicção, apreciando livremente as provas e analisando de forma crítica e conjugada a totalidade da prova produzida.
Foi, então, valorada a prova documental junta aos autos, nomeadamente a informação predial de fls. 5v e 6, as escrituras de fls. 6v a 9v e 53v a 60, as fotografias de fls. 10 e 31v a 32v, a informação matricial de fls. 53, 62 e 62v, e a informação camarária de fls. 96 a 111 dos autos e ainda o processo camarário apenso por linha (a que demos prevalência relativamente às plantas e fotografias que as partes juntaram de tal processo e que também constam dos autos).
Conjuntamente valorou-se a inspecção judicial ao local, cujas fotografias e dados constam de fls. 90 a 92 dos autos, o depoimento de parte do réu J. M. e as declarações de parte do autor C. N. (prestadas no fim da audiência e depois de ter assistido a todas as sessões da audiência de julgamento conjuntamente com a autora S. S.), e os depoimentos das testemunhas M. F. (prima do autor C. N.), C. S. (tia do autor C. N.), M. F. (mãe do autor C. N.), R. C. (tia do autor C. N.), M. G. (trabalha na construção civil, por conta própria e trabalhou na casa dos réus), A. C. (cunhado dos réus) e M. J. (arquitecto que assinou o projecto da casa dos réus que deu entrada na Câmara de … em 1998).
Quanto às declarações de parte importa referir, tal como resulta do art. 466.º do Código de Processo Civil, que as mesmas são livremente apreciadas pelo Tribunal, salvo se constituírem confissão conforme n.º 3 do art. 466.º. Deste modo, na parte em que as declarações não são confessórias, o tribunal aprecia livremente as mesmas. Com efeito, na parte em que os depoimentos são favoráveis à própria parte, o Tribunal não os valora se não forem corroborados por outro meio de prova, uma vez que as partes têm manifesto interesse na causa e no seu desfecho, pelo que, em regra os mesmos são parciais.
Os factos dados como provados em 1) a 6) resultam do acordo das partes tal como decorre dos articulados, sendo certo que autores e réus aceitam mutuamente que são proprietários dos prédios em causa nos autos, o que se conjugou ainda com as escrituras de compra e venda de fls. 6v a 9v e de habilitação e partilha de fls. 53v a 60 e as informações prediais e matriciais de fls. 5v, 6, 53, 62 e 62v.
Quanto ao facto dado como provado em 7), atendemos à posição das partes tal como decorre dos articulados, pois estão de acordo que o prédio dos autores confronta do lado nascente com o prédio dos réus, o que também resultou evidente da prova testemunhal produzida e da inspecção judicial ao local. Importa apenas explicar que demos como provado que a casa dos réus tem rés-do-chão e andar, porque do lado visível do prédio dos autores é esse o aspecto, ainda que do outro lado, se possa considerar que é cave e rés-do-chão (vide fotografias do processo camarário a fls. 12 a 14).
O facto provado em 8) resultou do acordo das partes, pois autores e réus estão de acordo quanto ao facto de que existiam três janelas na parede poente da casa dos réus (a divergência das partes passa por saber se existiam 4 há mais de 20 anos…). Quanto às medidas das janelas existentes, atendeu-se à inspecção judicial ao local (fotografia n.º 15 e respectiva descrição), onde foi medida a terceira janela existente em tal parede a contar do lado norte e que tem a medida dada como provada.
No que concerne aos factos provados em 9) a 11) e não provados em a), c) e g) o tribunal valorou conjuntamente toda a prova produzida em audiência de julgamento. E considerando a posição das partes, evidente se torna que os réus abriram a janela referida em 9) a 11), com as medidas apuradas – pois que resultaram da inspecção judicial ao local, conforme fotografias n.ºs 9 a 12 e respectiva descrição) e bem ainda que tal janela, como as demais deita directamente para o prédio dos autores, o que também resulta evidente das fotografias de fls. 10, 32 e 32v.
Todavia, e não obstante a prova produzida, o tribunal não viu produzida prova suficientemente segura e consistente da data em que tal janela foi aberta, não tendo resultado certo, nem que a janela foi aberta em 2006, nem que se encontra aberta há mais de 20 anos.
As testemunhas, consoante foram arroladas pelos autores, ou pelos réus, vieram dizer uma coisa ou outra e pelas razões que explicaremos, nenhuma nos mereceu total credibilidade e como tal, ao abrigo do disposto no art. 414.º do Código de Processo Civil, foram tais factos – data da abertura da janela – dados como não provados.
O réu J. M. prestou declarações de parte, confirmando o alegado, com excepção de que antes tinhas portadas de madeira que depois foram substituídas pelas actuais (como alegou no art. 32.º da contestação), para dizer que a casa teve portadas, que o pai substituiu por persianas (que abriam para fora) e que depois, ele, colocou novamente as actuais portadas. Disse ainda que foi Manuel quem fez as obras de chão e telhado e que as mesmas duraram cerca de 6 meses (mas não estava cá e foi o sogro quem acompanhou a sua realização). Começou por dizer que as obras aconteceram em 1995, mas quando confrontado com a data do processo camarário admitiu que seria 1998. A parede foi restaurada por fora, mas isso já estava feito quando ocorreram as obras no telhado. Desde as tais obras – 1998 – não houve outras obras na casa.
C. N. quis e prestou declarações no fim da audiência de julgamento e depois de ter assistido a toda prova, apenas para produzir comentários sobre a prova produzida e tentar explicar algumas incoerências, bem como para dar a sua opinião pessoal sobre os factos. Não sabe se quando o avô faleceu estava lá a janela ou não, mas pelo que me inteirei não estava. Disse ainda que quem abriu a janela foi o próprio réu, pois ele trabalha na construção.
Para começar, M. F., que tem 37 anos, disse que no prédio dos réus apenas existiam duas janelas (as n.ºs 3 e 4 da fotografia de fls. 10) e que as outras duas só foram abertas depois da morte do avô (anterior proprietário da casa dos autores), que aconteceu em 2004. As janelas tinham persianas com caixas de correr, sendo que nunca lá viu portadas antes das que se encontram actualmente.
Por sua vez, C. S. disse que viveu na casa até 1987 e até à morte do seu pai em 2004 (o anterior dono da casa) a janela em questão não tinha sido aberta, pois o pai dizia que o réu pediu várias vezes para abrir e que ele sempre recusou (contava o pai, mas não assistiu). Só foi aberta a janela em discussão, pois as outras três já existiam e foi aberta para aí em 2006/2007 (a janela só foi aberta depois de o pai falecer. Disse ainda que depois do pai falecer, a mãe ainda viveu na casa uns anos, pois faleceu há cerca de 6/7 anos (2012/2013) e esteve num lar cerca de 4 anos (2008/2009), mas não se lembra se a janela já existia quando a mãe foi para o lar ou não. As janelas tinham estores de correr para cima e nunca lá viu portadas. Quanto à abertura também recente da janela n.º 1 de fls. 10, foi a testemunha M. F. que se enganou.
Depois, depôs M. F. (que designaremos apenas como M. B., para não confundir com a 1.ª testemunha) que disse que a janela em discussão só foi aberta depois da morte do pai. Sabia, com segurança, a data da morte do seu pai e disse ainda que no início do ano de 2005, a mãe foi logo para o lar, tendo falecido há 5 anos (no que está tudo correcto conforme fls. 8v). Confrontada com o depoimento de C. S. quanto ao facto de a mãe de ambas ter vivido lá uns anos, disse que foi a irmã que se enganou. Não sabe quando é que o réu abriu a janela, mas foi depois da morte do pai, porque em vida deste, o réu pediu várias vezes ao pai e este nunca deixou (contava o pai, mas não assistiu). As janelas tinham estores de correr para cima e nunca antes tinha visto portadas. O réu colocou as portadas quando abriu a janela em discussão. Disse ainda que também houve obras no telhado, tendo o réu substituído a placa também depois de o pai falecer, mas ainda o pai era vivo (por volta do ano de 1996) e o réu fez obras na parede (colocou a parede a rústico, tirando a tinta/cal que tinha), mas nessa altura não reparou o telhado. O réu arranjou a casa antes e, depois, as portadas meteu quando abriu a janela. Quando o réu fez obras na parede poente – para o que colocou andaimes -, não sabe se fez também nas outras. Disse ainda que o pai tinha construído um galinheiro junto à casa dos réus, mas deixou alguma distância para a parede, pois podia-se passar por trás e quando lhe foi perguntado do porquê de ter deixado tal distancia disse na maré quem andou a fazer aquilo, não soube fazer. A fotografia de fls. 79v (original de fls. 12 do processo camarário) era o estado da parede antes das obras feitas pelo réu ainda o pai era vivo, e depois de tais obras, a parede ficou com a configuração de fls. 10 dos autos.
Por sua vez, R. C. que frequentou a casa desde 1977 até o sogro falecer em 2004. A seguir a sogra veio para um lar e aí viveu 9 anos, e nessa época já não frequentava a casa. Voltou lá quando se reuniram para fazer as partilhas. A casa dos réus sofreu alterações, pois foi aberta uma janela e as persianas foram substituídas por portadas, tudo depois da morte do sogro. Depois da morte do sogro só foi aberta uma janela e sabe que foi depois da sua morte porque o sogro, em vida, dizia que o réu pedia para abrir mais uma janela e que ele dizia enquanto eu for vivo, a janela não se abre. A janela foi aberta ainda a sogra era viva, e foram os cunhados que disseram que viram a janela em 2006/2007, quando iam lá fazer a limpeza. Desde 1977 sempre conheceu na casa persianas e nunca viu portadas. O galinheiro não estava encostado à parede, mas não sabe a razão. As portadas só foram colocadas depois de o sogro falecer. A parede era caiada e passou a rústico também depois de o sogro falecer, sendo que antes de o sogro falecer ia lá muitas vezes e não se lembra da parede a rústico.
Por outro lado, M. G. disse que fez umas obras para o réu há uns anos, pois o réu chamou-o lá para meter a placa de tecto e o telhado na casa. As obras duraram cerca de 3/4 meses e foi entre 1997/1998. Disse que fez toda a obra da parte de cima (ou seja, se andaime) e que na parte da frente já havia placa de tecto, mas como não estava nivelada, teve de a substituir e alteou na parte da frente, pelo que, nessa mesma altura, abriu o janelo que se vê no auto de inspecção na fotografia n.º 5 (janela central, mais pequena) e nas fotografias n.ºs 17 e 18 (vista interior da mesma janela). Na parte de trás, fez a placa de tecto, pois não existia nenhuma. O telhado, nessa época, já tinha alturas diferentes (conforme se vê na fotografia de fls. 10 dos autos de forma clara), sendo que o telhado de trás sempre foi mais baixo do que o da frente. A fotografia de fls. 12 do processo camarário correspondia ao que existia e a de fls. 10 dos autos foi como ficou, foi o telhado que fez. Enquanto fez a obra, andou lá sozinho (não havia outras especialidades). Quando fez a obra, a parede poente da casa dos réus já tinha 4 janelas e tinham estores. Actualmente tem portadas, mas não teve nada a ver com essa parte da obra. Disse que enquanto lá andou, foi lá a fiscalização e pediu a licença e havia licença, mas não sabe se era a licença de obras ou se era apenas uma licença de telhado. No geral, a casa estava ainda toda com cal/tinta e acha que as janelas eram de madeira.
A. C. (cunhado dos réus desde setembro de 1999 e pessoa que viveu próximo do local, mas saiu da aldeia em 1972, onde vinha de forma frequente e depois emigrado de 1981 a 1990), disse que não acompanhou as obras de perto, pois ainda nem estava casado. No telhado, a placa existente foi toda mudada, mas manteve-se o desenho. Não sabe se alguma parede foi alteada. As obras foram todas feitas na mesma altura, porque depois dessas obras não deu por mais ninguém a fazer lá obras. As janelas que lá vê actualmente, são as mesmas que via em criança, não tenho ideia que eram mais ou menos janelas, tenho ideia de que sempre teve 4 janelas. Eram janelas em madeira, em guilhotina, normalmente tinham portadas em madeira que tanto podiam abrir para fora como podiam abrir para o interior. Depois lembro-me dos estores, com rolo e que a parte de baixo também abria para fora. Acha que foi o pai do réu quem colocou as persianas. Na fachada da casa dos réus para o caminho não se apercebeu de qualquer abertura de janela. Confrontado com a fotografia de fls. 14 inferior do processo camarário afirmou que nesta fachada não está nada diferente. A porta está lá, as duas janelas também, a gateira não tenho a certeza. Tenho ideia de que só há duas janelas. Não sabe quando é que as portadas foram colocadas, mas têm mais de 20 anos, pois quando comecei a frequentar a casa, depois de casar, já tinha portadas destas. Em Setembro de 2009, tudo o que se vê do exterior estava pronto. A pedra à vista, foi aquando da intervenção que fizeram quando arranjaram o telhado e lavaram toda a pedra, viu o M. G. (tratado por Manuel) a trabalhar, mas não sabe se foi ele quem fez a parede. Confrontado com a fotografia de fls. 13 superior do processo camarário não sabe se era o estado da casa antes ou depois das obras.
M. J., chamado pelo tribunal por ser a pessoa responsável pelo projecto apresentado pelos réus na Câmara, não tinha conhecimento da situação, mas explicou o projecto apresentado e reconheceu a sua assinatura. Disse ainda que na fotografia de fls. 12 do processo camarário só vê duas janelas.
Posto isto, passamos a explicar porque é que nenhuma das duas versões nos mereceu credibilidade.
Por um lado, as testemunhas arroladas pelos autores são todas familiares do autor C. N. e apesar de terem conhecimento dos prédios (porque disso não temos dúvidas), apenas foram todas muito coerentes ao afirmar que a janela em discussão foi aberta apenas depois da morte do avô do autor (2004). Porque dizer que a janela foi aberta apenas depois da morte do avô/pai todas disseram. O problema, é que no demais, apresentaram diversas incongruências que não são compreensíveis atenta a natureza dos factos. De um lado, M. F. disse que foram abertas duas janelas e os autores na petição inicial e as suas tias, disseram todas que só foi aberta uma. No mínimo, tem de se estranhar tal incoerência, num processo em que a divergência das partes se prende com o número de janelas. As testemunhas C. S., M. B. e R. C. relataram ainda todas, a conversa do falecido pai/sogro de que o réu pedia para abrir mais uma janela e ele não permitiu.
Por outro lado, C. S. que sabia quando o pai faleceu, não soube dizer quando é que faleceu a mãe (pois de acordo com o seu depoimento seria 2012/2013 – quando foi 31.05.2014 - e note-se que é um facto bem mais recente, mas com menos interesse para a discussão do processo…) e ainda disse que a mãe, depois da morte do pai, ficou a viver na casa mais 6/7 anos (no que foi infirmado por M. B. e R. C.), mas não se lembra de a janela estar aberta quando a mãe foi para o lar.
Acresce ainda que M. B. sabia com segurança a data da morte dos pais, e infirmou C. S., dizendo que aquela se equivocou quanto ao facto de a mãe ter permanecido vários anos na casa. Disse ainda que a placa do telhado só foi colocada depois de o pai falecer, mas ainda o pai era vivo quando o réu colocou a parede da casa a rústico (o réu pediu e colocou andaimes no prédio actualmente dos autores), seria por volta de 1996. Ora, quanto à placa do telhado ser posterior a 2004, tal não corresponde à verdade, pois basta atentar à fotografia de fls. 13 inferior e 14 superior do processo camarário para perceber que, pelo menos, a 18.12.1998, a placa do telhado, já era parcialmente nova (e se acreditarmos em M. G. que disse que fez a obra do telhado toda seguida, então a placa do telhado já seria toda nova).
Por último, R. C. que também já estava mais segura das datas do óbito dos sogros, afirmou que a parede sempre foi caiada enquanto o sogro foi vivo, só tendo passado a rústico depois da morte do sogro, sendo totalmente incongruente com M. B..
Posto isto, o que para nós resulta é que estas testemunhas apenas foram coerentes no facto que importava (ou melhor dito, no facto que era essencial à causa e no qual pensariam que o Tribunal se iria ater), mas incoerentes no demais e isto para nós é totalmente incompreensível e retira-lhes qualquer credibilidade. Com efeito, tais depoimentos não nos podem merecer credibilidade, pois as incoerências que apresentaram, não só entre si, mas também com os documentos juntos, retira-lhes a credibilidade quanto ao único facto em que foram coerentes, ou seja, de que a janela só foi aberta depois do óbito do avô do autor. Não se tratam de factos de somenos ou que pudessem ser considerados secundários e de pouco relevo para quem diz que frequenta e conhece os prédios.
Por não nos terem merecido credibilidade, demos como não provado que a janela em discussão só foi aberta em 2006, ao abrigo do disposto no art. 342.º, n.º 1 do Código Civil e art. 414.º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, também a prova dos réus não nos mereceu credibilidade.
Quanto ao facto de no processo camarário constar a dita janela como existente – e que efectivamente consta do projecto apresentado – não significa que a mesma existisse na realidade, pois a janela do quarto de banho existente de facto no prédio, na parede frontal do mesmo (fotografias n.ºs 5, 17 e 18 do auto de inspecção), não existe no projecto, nem como pré-existente, nem como a construir, e sem prejuízo disso mesmo, ela está aberta e existe no prédio. E por isso mesmo, tal documento não nos permite concluir que a janela existisse no local quando o processo de entrada no Município.
Por outro lado, M. G. que apenas fez as obras do telhado e chão disse que andou lá em 1997/1998, durante cerca de 3/4 meses e nada fez nas paredes, mas a parede poente da casa dos réus já tinha 4 janelas, que acha que eram em madeira e havia lá persianas. Disse ainda que quando lá andou, foi lá a fiscalização e apresentou uma licença, mas não sabe qual. Abriu a janela do quarto de banho e acha que deve constar do projecto. Identificou as fotografias do processo camarário de fls. 12 a 14, umas como sendo anteriores à obra e outras posteriores. Ora, quanto a tais fotografias o tribunal não sabe quando é que as mesmas foram tiradas, nem sabe se as mesmas são da mesma data, o que se sabe é que em data anterior a 18.12.1998, a casa dos réus teve aquela configuração. E centrando a nossa atenção em tais fotografias, vemos que em Dezembro de 1998, pelo menos, uma parte do telhado já tinha sido substituído, o que significa que tais obras foram feitas antes da emissão da licença (vide alvará de fls. 5 do processo camarário, datado de 03.01.2000). Por outro lado, na fotografia de fls. 12 de tal processo para a signatária apenas é visível a existência de três janelas (M. J. disse que apenas vê duas), ainda que a que está mais longe, porque está a um nível mais baixo e tenha o arvoredo, seja difícil de ver. Acresce que o que se vê na parte traseira da parede, na parte superior, é que a mesma se encontra mais em rústico, mas na zona em que há diferença de telhados (por referência à fotografia de fls. 10) não é visível a janela em discussão.
Por outro lado, a Câmara Municipal ... a fls. 111 disse que não houve qualquer outro pedido de licenciamento de obras em nome do réu (em resposta ao ponto 2 da acta de fls. 95v), o que infirma o depoimento de M. G. quando afirmou que quando se encontrava a realizar as obras foi lá a fiscalização e apresentou uma licença de obras/telhado.
Ou seja, não duvidamos de que tenha feito a obra, mas o seu depoimento, na parte em que relevava, que era a existência da janela na data em que a obra foi feita, não nos mereceu credibilidade, porque na fotografia de fls. 12 do processo camarário não se vê tal janela e porque foi infirmado pela informação do Município, no único meio de prova credível que poderia confirmar ou infirmar o seu depoimento. A tudo isso acrescem os depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores, contraditórios com este.
Por último, tivemos o depoimento de C. A. que também não mereceu qualquer credibilidade, desde logo porque sabia que sempre houve 4 janelas naquela parede, mas não se lembra da janela existente há cerca de 20 anos na parede frontal da casa (a janela do quarto de banho), sendo que disse que conhece a casa desde a infância porque passava lá, e lembra-se de uma parede à qual não acedia directamente porque no logradouro do prédio dos autores, mas não tem a certeza da configuração da parede principal. A isso acresce que apresentou um depoimento incoerente e com várias inconsistências, que foi adaptando às questões que lhe foram sendo colocadas. Começou por dizer que para além das obras feitas pela testemunha M. G. não se apercebeu de mais ninguém a fazer obras, o que é inverosímil, pois M. G. disse que quando andou lá a casa tinha janelas e estores – e actualmente tem portadas – e por outro lado porque também não foi M. G. quem colocou a casa a rústico e essa é uma obra de envergadura, logo tiveram que existir mais obras. Por outro lado, é também estranho que alegadamente todas as obras tenham sido feitas antes de emitida a licença de obras, mas tendo o pedido já entrado na Câmara. Deste modo, e porque o seu depoimento não foi espontâneo, consistente e seguro, e porque não foi corroborado pelos demais meios de prova, o mesmo não nos mereceu credibilidade.
E por tudo isto, também da prova produzida pelos réus não é possível concluir com segurança que a dita janela já existisse há mais de 20 anos e como tal, ao abrigo do disposto no art. 342.º, n.º 1 do Código Civil e art. 414.º do Código de Processo Civil, foi a mesma dada como não provada.
Relativamente aos factos dados como provados em 12), 13) e 19) a 21) e não provado em b) o tribunal valorou a posição das partes tal como decorre dos articulados, em conjugação com a inspecção judicial ao local. Da inspecção resultou evidente que a parede poente da casa está em cima de uma pedra de granito que ocupa igualmente o logradouro do prédio dos autores, em medida não concretamente apurada (fotografia n.º 4 do auto de inspecção e fotografias de fls. 31v a 32v. Também da inspecção judicial resultou que dos cantos da casa dos réus sai uma sustentação em granito, apresentando o portão dos autores um recorte (vide fotografias n.ºs 1 e 2 do auto de inspecção judicial). Contudo, da prova testemunhal produzida e do facto de a casa dos réus assentar no penedo de granito, ou até mesmo da circunstância de os antecessores dos autores terem construído um galinheiro a cerca de 1 metro da parede a casa dos réus, não ocupando a zona com rocha, não resultou que o prédio dos réus não terminasse na parede (mesmo com recorte), não se apurou qualquer acto dos réus ou seus antecessores sobre a área ocupada pela base de pedra. Acresce que estando o portão de acesso à casa dos autores e respectivo logradouro e tendo resultado da prova testemunhal, de forma coincidente que eram os antecessores que utilizavam aquele logradouro, demos por provado que o prédio dos autores, do seu lado nascente, termina na parede poente da casa dos réus, não havendo qualquer faixa de terreno com 1,5metros.
Por último, quanto à idade da casa, atendemos ao teor da inscrição matricial, de onde decorre que a casa foi inscrita na matriz em 1937 e ninguém se reportou a uma construção mais antiga e, como tal, apenas se deu por provado que remonta, pelo menos, a 1937.
No que respeita aos factos provados em 14) a 16) e 25) e não provados em d) a f), o tribunal valorou a prova já supra referida quanto à abertura da janela em discussão (à data em que a mesma alegadamente foi aberta) e dando a mesma credibilidade, porque congenitamente ligada à mesma. Deu-se, contudo, como provado que as portadas das 4 janelas apenas foi aberta depois de Dezembro de 1998, porquanto o pedido de licenciamento de obras que deu entrada na Câmara Municipal ... alude a «pressiana (será persiana) de cor branca», sendo pouco crível que tendo sido feito tal pedido nessa data, as janelas já tivessem sido substituídas e já estivessem colocadas as persianas. Acresce que M. G. afirmou que quando fez as obras no telhado, a casa ainda apresentava persianas – o que também decorre das fotografias do processo camarário. Deste modo, temos por certo que as portadas apenas foram colocadas depois de Dezembro de 1998.
Quanto ao facto de não se ter dado como provado que as actuais portadas substituíram as antigas portadas em madeira, consideraram-se as fotografias que o próprio réu juntou ao processo na câmara, de onde resulta evidente que o que protegia as janelas em 1998 eram persianas e não quaisquer portadas em madeira. Deste modo, a factualidade alegada pelos réus saiu infirmada por toda a prova produzida e como tal foi a mesma dada por não provada.
No que concerne ao material das janelas, forma como abrem e medidas das portadas, valorou-se a inspecção judicial ao local (fotografias n.ºs 13 e 14).
Relativamente aos factos dados como provados em 17) e 18) resultaram da conjugação da prova testemunhal produzida, nomeadamente os depoimentos de M. F., M. G. e C. A., conjugado com as fotografias de onde resulta que o telhado foi alterado, e que não foram infirmados por qualquer outro meio de prova. É evidente e resulta das regras da lógica e da normalidade que a cornija e o beiral de telhas ficam para da fora da parede. Todavia, não se produziu prova consistente sobre qual a largura de tal cornija e beiral, razão pela qual apenas se deu como provado que é em largura não concretamente apurada.
No que respeita aos factos dados como provados em 22) e 23) atendeu-se ao teor do processo camarário, de onde é possível concluir por tais factos.
Por último, quanto aos factos provados em 24) e 26) a 28) e não provado em g), atendeu-se à posição das partes, tal como decorre dos articulados, pois quanto às três janelas que não estão em discussão, tal factualidade não é posta em causa pelos autores, pois eles próprios reconhecem que os réus têm uma servidão de vistas quanto a tais janelas. Deste modo, atendendo ao disposto no art. 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, foi tal factualidade dada como provada. Já quanto à janela referida em 9), e no que concerne à factualidade dada como não provada em g), a mesma é uma consequência de se ter dado como não provado que no prédio dos réus sempre estiveram abertas 4 janelas.

IV. APRECIAÇÃO

A) MATÉRIA DE FACTO

No essencial, questionam os apelantes a decisão quanto à estrema entre os prédios, quanto à data da abertura da quarta janela e usufruição desta e, bem assim, da colocação das portadas metálicas.

Comecemos por salientar – porque significativo quanto ao espírito de cada uma das partes litigantes – que, enquanto os autores alegaram, clara mas primordialmente, que a estrema, pelo lado nascente, entre o seu prédio urbano (composto por casa e logradouro) e o prédio urbano dos réus, é definida pelo plano vertical da parede da fachada poente da casa destes (sendo ela que assinala o respectivo limite, pois que nenhuma faixa de terreno integrante de tal prédio, e portanto sua propriedade, existe, desse lado, para além da mesma) e daí que, por um lado, admitam implicitamente que, através de três primitivas janelas naquele alçado existentes, é exercida uma servidão de vistas, já os réus, na sua contestação, nada, de modo claro e incisivo, adiantaram, em termos concretos e precisos, quanto aos exactos limites físicos dos prédios e à respectiva demarcação ou implantação, maxime que esta se faça para lá da parede de sua casa (no sentido do prédio daqueles).

Com efeito, por um lado, cingiram-se, em modo de impugnação, a referir que o pelos autores invocado limite (parede poente da casa dos réus) não corresponde à realidade. Tanto assim – acrescentaram eles – que a cornija e o beiral que encimam a mesma se projecta aereamente em cerca de 65 cm para o lado dos autores para este escorrendo as águas pluviais dessa parte (vertente) do telhado, e que tal parede, num canto, assenta em uma base de granito que se alarga para o mesmo lado (dos autores) em mais de 10 cm e, a meio (zona da controversa janela), cerca de um metro de largura. [1]

E, por outro lado, deixando a pairar no processo a sugestão de que tais prolongamentos sugerem ou indiciam que a estrema é definida pelo respectivo plano vertical (estranhamente incerto, em função da forma e largura irregular da referida base granítica) [2] e, assim, sem se esforçaram por afastar qualquer hipótese de dúvida ou sofisma, alegaram a existência e peticionaram o reconhecimento [3], na reconvenção, de uma servidão de vistas através de todas (quatro) janelas, embora, algo contraditoriamente, digam admitir que – apenas – “algumas” [4] poderão não respeitar (parcialmente) a distância legal de 1,5 m em relação à estrema do terreno do prédio dos autores.

Sem embargo, atento o pedido principal da acção, tendo em conta que é pacífica entre as partes a existência da janela aberta no imóvel dos réus (nº 2, do doc. 3, da pi) e das respectivas portadas, é evidente que aos autores cabe, apenas, nos termos do artºs 342º, nº 1, CC, o ónus de provarem que a estrema do seu prédio coincide, como alegaram, com a parede da casa confinante dos réus onde aquelas se encontram (se o conseguirem, resultarão demonstradas as contravenções reais previstas no nº 1, do artº 1360º, e 1344º, nº 1, e, portanto, o seu direito de exigiram a respectiva eliminação, mediante a tapagem e remoção, em conformidade com o disposto no artº 1305º, CC).

Assim como é claro também, atento o pedido reconvencional, que aos réus compete, nos termos do artº 342º, nºs 1 e 2, CC, provaram os factos relativos à constituição da invocada servidão de vistas sobre o prédio dos autores, através da janela referida, bem como das outras três, e ao respectivo modo de exercício (com as alegadas portadas).

Ora, notando-se que inexiste qualquer conflito sobre a existência, aquisição, titularidade e confinância (pelo lado nascente e poente, respectivamente) dos dois prédios (factos provados nºs 1 a 7) e que também é pacífico entre as partes que, na aludida parede da casa dos réus se encontram abertas, além da questionada pelos autores, mais outras três janelas (factos 8 e 9), na sentença deu-se como provado que a janela alvo do pedido dos autores (a assinalada com o nº 2 na fotografia junta à petição como doc. nº 3) “deita directamente” sobre o prédio destes (ponto provado nº 11), isto não só porque, desse lado, o prédio dos réus (casa) “não tem uma faixa de terreno com metro e meio de largura” (ponto 12) mas também porque “o limite nascente do prédio dos autores é a parede poente” da referida casa dos réus (facto 13).

Assim, não obstante o tribunal a quo, nos pontos 20 e 21, ter dado também como provado, na linha do alegado pelos réus do modo apenas sugestivo e impreciso já antes assinalado, que, no canto sul/poente da sua casa, as pedras em granito trabalhado da respectiva base de sustentação saem no sentido do prédio dos autores (em medida não concretamente apurada [5]) e que tais saliências se verificam ao longo de parte da restante base da mesma parede (medindo cerca de um metro na zona da janela questionada pelos autores) – o que não vem impugnado, é óbvio que o tribunal recorrido recusou qualquer efeito indiciário a tais elementos fácticos e não hesitou em confirmar que “o limite nascente do prédio dos autores […] é a parede poente do prédio dos réus” (citado facto 13).

É neste contexto que os apelantes pretendem que sejam alterados os pontos de facto nºs 11 a 13, todos no sentido, resumindo, de que não se apurou o local e, consequentemente, a que distância das janelas da casa dos réus (e da parede respectiva) se situa a estrema ou linha delimitadora entre os prédios, ao que os apelados objectam que aqueles, ao pediram o reconhecimento da servidão de vistas através de todas as janelas que na verdade estes aceitam existir em relação a três delas, reconhecem que as mesmas deitam directamente sobre o prédio dos apelados e que é pela parede poente da casa que se faz e demarca a estrema.

Ora, se a afirmação constante do ponto 11 da sentença de que a janela dos réus em causa “deita directamente sobre o descrito prédio dos autores” poderia ser considerada uma conclusão de facto, por um lado carente de ser traduzida ou decomposta em outros factos concretos mais simples e detalhados expressivos da delimitação e, por outro, poderia parecer até contrariada pela afirmação vertida no ponto 12 de que inexiste entre a parede e o prédio dos autores “uma faixa de terreno com metro e meio de largura” (na medida em que tal poderia sugerir e permitir a inferência de que, na convicção do tribunal a quo, não teria ficado arredada a possibilidade de existir qualquer faixa ainda que com uma menor largura), o certo é que a objectividade e peremptoriedade do concreto ponto 13 afasta não só esta hipótese como aquela necessidade e, portanto, dispensa até qualquer intervenção correctiva ou convalidante (aliás, não peticionada nem cabível ainda que oficiosamente ao abrigo do artº 662º, CPC).

De todo o modo, não temos dúvidas de que realmente a estrema entre os prédios é definida pela referida parede e, portanto, de que, como é lógico, nenhuma distância existe (e consequentemente nenhuma faixa se interpõe) entre o limite do prédio dos autores apelados e tal parede (e, portanto, das janelas).

Como resulta da motivação expressa na sentença, o tribunal a quo não as teve, em função tanto da posição das partes assumida nos articulados como também das provas produzidas, maxime da inspecção judicial realizada in loco, afirmando-se convicto que todas as quatro janelas “deitam directamente para o prédio dos autores”.

Com efeito, sobre isso justificou:

“Relativamente aos factos dados como provados em 12), 13) e 19) a 21) e não provado em b) o tribunal valorou a posição das partes tal como decorre dos articulados, em conjugação com a inspecção judicial ao local. Da inspecção resultou evidente que a parede poente da casa está em cima de uma pedra de granito que ocupa igualmente o logradouro do prédio dos autores, em medida não concretamente apurada (fotografia n.º 4 do auto de inspecção e fotografias de fls. 31v a 32v. Também da inspecção judicial resultou que dos cantos da casa dos réus sai uma sustentação em granito, apresentando o portão dos autores um recorte (vide fotografias n.ºs 1 e 2 do auto de inspecção judicial). Contudo, da prova testemunhal produzida e do facto de a casa dos réus assentar no penedo de granito, ou até mesmo da circunstância de os antecessores dos autores terem construído um galinheiro a cerca de 1 metro da parede a casa dos réus, não ocupando a zona com rocha, não resultou que o prédio dos réus não terminasse na parede (mesmo com recorte), não se apurou qualquer acto dos réus ou seus antecessores sobre a área ocupada pela base de pedra. Acresce que estando o portão de acesso à casa dos autores e respectivo logradouro e tendo resultado da prova testemunhal, de forma coincidente que eram os antecessores que utilizavam aquele logradouro, demos por provado que o prédio dos autores, do seu lado nascente, termina na parede poente da casa dos réus, não havendo qualquer faixa de terreno com 1,5metros.”.

Como temos vindo a defender perante situações em que analogamente se discute a definição de estremas entre prédios confinantes e, consequentemente, a pertença da porção de terreno, onde eles confluem e objecto de controvérsia e disputa pelos litigantes deles proprietários, pode ser feita por qualquer meio de prova que demonstre a existência de certos “nexos” (materiais e funcionais) reveladores da “ligação pertinencial” da parcela a um ou a outro prédio [6].

No caso, tendo em conta quanto a tal facto primordial, a própria posição dos réus já posta em destaque; a por eles peticionada servidão, admitida pelos autores quanto às outras três janelas (que pressupõe o desrespeito pela faixa de metro e meio); tudo aquilo que os meios de prova revelam, designadamente o conjunto de fotos e o percepcionado directamente in loco pelo tribunal recorrido na inspecção; a inexistência de qualquer acesso, sequer de qualquer acto dos réus ou seus antecessores praticado sobre o espaço para lá da parede; a circunstância de o portão visível naquelas, apesar de contornar as pedras salientes do alicerce, encostar, acima delas, à própria parede sem que os réus contra isso alguma vez tivessem esboçado qualquer reacção; e tendo, ainda, em conta que a própria testemunha do autores R. C., quanto a tal aspecto foi muito assertiva dizendo que “não havia estrema”, “a parede da casa é a estrema” e justificando que o pai do réu (anterior dono do prédio deste) até pedia ao seu sogro (anterior dono do prédio dos autores) para entrar no terreno deste quando pretendia pintar ou caiar a parede das traseiras – convencem, segura e afoitamente, com um grau de certeza conforme aos usuais critérios legais e jurisprudenciais e conforme às necessidades práticas do processo e da justiça concreta, que, de facto, é pela parede da casa dos réus que se define a estrema entre os prédios.

Por tudo isso, à falta de melhor e mais assertiva alegação dos apelantes sobre tal questão e, mais ainda, de qualquer prova ou sequer de contraprova minimamente eficaz no sentido de afastar ou ao menos por em causa a estrema alegada pelos autores, e ainda porque não colhe o seu argumento de que as testemunhas revelam total desconhecimento dos limites entre os prédios (como eles próprios referem, pelo menos a testemunha C. S. disse que não havia marcos, o que é coerente e está conforme com tudo o mais apurado no sentido de que, para lá da parede da casa, nenhum acto ou sinal de pertença ou sequer de presença dos réus existe e que pudesse e devesse ser relatado por elas), desconsiderando-se o que a existência das pedras e mesmo da cornija e beiral poderia indiciar mas que todas as demais circunstâncias apuradas infirmam, concluímos que não se encontra nos pontos provados 11, 12 e 13 qualquer erro de julgamento que deva ser corrigido [7], muito menos no sentido de que existe uma qualquer distância (embora não se saiba qual) entre as janelas e a estrema do prédio dos autores (e, assim, uma qualquer faixa integrante do prédio dos réus), muito menos que, por dúvidas, se não tenha apurado onde se situa a linha delimitadora daquela.

Nessa parte, deverá, pois, improceder a impugnação de tal matéria.

Relativamente ao ponto provado nº 8, segundo o qual, na parede “existiam” três janelas, pretendem os apelantes que se altere o mesmo no sentido de que fique a constar “não três mas 4 janelas”.

Sucede que nem eles invocam nem de facto existe qualquer erro de julgamento, directamente incidente sobre esse ponto, que deva ser corrigido em sede de impugnação, nem sequer propriamente ocorre ao nível da mera redacção qualquer lapso ou obscuridade linguística que devam sanar-se. É, apenas, uma questão de narrativa e textual, não merecedora de qualquer modificação, na medida em que perfeitamente compreensível e em harmonia com a demais matéria.

Com efeito, é absolutamente claro que, na referida parede, existem, no tempo presente, 4 janelas, apenas sendo controversa entre as partes a data da abertura de uma delas, na medida em que os autores apelados só relativamente a essa sustentaram não só que ela foi aberta depois das outras mas que o foi depois de 2006.

Por isto, no texto descritivo da factualidade, tendo o tribunal tido em conta o consenso quanto à servidão através de três das janelas e, por isso, desinteressando-se da data exacta a que remonta a sua abertura (contemporânea da edificação da casa ocorrida pelo menos em 1937 – ponto provado 19 – ou há, pelo menos, 40 anos – ponto provado 24, ambos incontestados), localizou-as apenas, segundo o ponto 8, no tempo pretérito mas imperfeito (“existiam”), ao passo que, no ponto 9 seguinte, se diferenciou e situou em momento posterior diverso, mas “não concretamente apurado”, a abertura da outra existente, já pelos réus (que adquiriram o domínio do imóvel apenas em 1994).

Deste modo se vincou não ter ficado esclarecido, no entendimento do tribunal recorrido, desde que momento se verificou a coexistência de todas as (quatro) janelas e se justifica que, no ponto anterior, apenas se tenha consignado que três delas “existiam” antes.

Nada, pois, em princípio e sem prejuízo de implicações que porventura possam vir, aí sim, a resultar da, para o efeito decisiva, impugnação do ponto 9, há que, por ora, modificar no 8.

Pretendem, depois, os recorrentes que se altere a decisão proferida quanto ao ponto 9 – segundo a qual os réus abriram uma outra (quarta) janela em data não concretamente apurada – e que se dê como provado que tal janela “sempre existiu”, ou seja, que é congénita à edificação da fachada poente da casa.

Haviam a esse propósito os autores apelados alegado que os réus a abriram “recentemente”, ou seja, “depois de 2006” e haviam os réus apelantes contestado e reconvencionado no sentido de que tal janela sempre existiu (assim como as demais três) e, pelo menos, que existiu há mais de 20, 30, 40 e mais anos.

Ora, o tribunal a quo, rejeitou que tal abertura tenha ocorrido “depois de 2006” (alínea a), não provada), assim como que na dita parede “sempre estiveram abertas as quatro janelas” (alínea c), não provada) e, bem assim, que a janela em causa “existe há de mais de 20, 30, 40 e mais anos” (alínea g), não provada).

Na motivação, por entre a análise crítica (aliás, muito extensa e pormenorizada) das provas, explicitou-se delas ter resultado “evidente” que “os réus abriram a janela…” mas que, não obstante, “não viu produzida prova suficientemente segura e consistente da data em que tal janela foi aberta, não tendo resultado certo, nem que a janela foi aberta em 2006, nem que se encontra aberta há mais de 20 anos”, ou seja, de nenhuma das versões se convenceu.

Ora, não pode deixar de se notar, no ponto de facto em análise e na motivação subjacente, uma incongruência: se o tribunal se convenceu e deu como provado nela que, realmente, a janela foi aberta “pelos réus”; sendo inquestionável que estes apenas adquiriram a casa por adjudicação em escritura pública de habilitação e partilha celebrada em 11-08-1994; presumindo-se que, só então tendo entrado no domínio e posse do imóvel, teriam agido já nessa qualidade de proprietários (tanto mais que nenhuma referência, muito menos indício, foram aflorados de que houvessem actuado antes e sem legitimidade nenhuma) – então temos de inevitavelmente concluir que, na perspectiva da decisão recorrida e segundo a convicção do próprio tribunal a quo, tal abertura necessariamente teria ocorrido depois daquela mencionada data (1994) – o que se, atenta a data da propositura da acção (20-09-2018), não só exclui a hipótese de que “sempre” existiu como a de que a de que foi aberta há mais de 30, 40 e mais anos” (a versão dos apelantes), porém – contas feitas –, não afasta a de o poder ter sido em momento posterior e diverso (em relação a 1994) e, assim, a de o poder ter sido há 24 anos (2018-1994) ou, até, em data mais próxima (2006, na versão dos autores apelados).

Daí que a “data não concretamente apurada” (ponto 9), resultante das invocadas dúvida e falta de prova credível da versão de ambas as partes, dada a sua patente e ampla vaguidade, não se mostre consentânea com tal evidência e – mais ainda – inquine a decisão de mérito porque, afinal de contas, mesmo que não se prove a existência da janela já antes de 1994 nem se prove, pelos meios apresentados, que a sua abertura teve lugar depois de 2006, sempre se verifica estarem as partes de acordo que, pelo menos a partir desta data, ela já existia e se lá encontrava, o que teria permitido concretizar temporalmente o facto com mais aproximação.

Ainda assim, os réus recorrentes pretendem, ao impugnar o ponto 9, que se dê por provado que ela “sempre existiu” (ou seja, que não foi aberta por eles “em data não concretamente apurada”) e, correspondentemente, ao impugnar também as alíneas c) e g) do elenco dos factos não provados, que “sempre estiveram abertas as quatro janelas” e que a aqui discutida “existe há mais de 20, 30, 40 e mais anos” (isto é, que foi aberta pelos anteproprietários e antepossuidores do imóvel e, se não desde “sempre”, pelo menos “há mais de 20 anos…”).

Ora, que prova temos da data em que tal janela foi aberta e da autoria de tal facto?

Ou que contraprova temos que ela o foi “pelos réus”?

Enquanto que os estes (apelantes) alegaram e continuam a defender que a controversa janela existiu “sempre” (ou seja, que remonta, tal como as outras três da mesma fachada, à edificação da casa), os autores apelados limitam-se a dizer, aliás em termos injustificadamente vagos, que ela foi aberta “recentemente” e “depois de 2006”. Não alegaram e não se encontra referido na motivação nem nas provas qualquer sinal “evidente” de que foram os réus.

Embora os autores apelados tenham apresentado tal abertura como um acto superveniente à edificação das outras janelas e ofensivo do seu domínio – domínio este que só adquiriram em 09-12- 2016 (data da escritura de compra) mas era, antes, titulado pelos seus familiares aos quais competia zelar e defender a sua integridade – o certo é que, estranhamente, nem eles alegaram e nenhum depoimento reproduz em que concretas e precisas circunstâncias (maxime de tempo) tal abertura – a ter acontecido “recentemente” ou depois de 2006 – teve lugar ou, pelo menos, dela se aperceberam (como deveriam ter-se apercebido face ao tipo de acto, sua repercussão e número de interessados herdeiros e presumidamente vigilantes da coisa), muito menos por que razão em 2018, apenas nessa data e através desta acção decidiram reagir contra a mesma.

Curiosamente, na queixa, subscrita pelo autor, apresentada na Câmara, em 26-07-2017, nada consta especificamente mencionado quanto a tal janela e sua questionada abertura, assim como no auto de fiscalização nada a tal se refere, não se percebendo o que terá querido dizer-se com a denunciada “abertura de fachadas na extrema à minha propriedade” e sua referência à foto de folhas 12 do processo camarário (que corresponde à por eles junta com a réplica mas nada elucida), sendo certo que ali se alude, sim, à colocação de portadas mas nada se concretiza quanto à alegada abertura da quarta janela, acto, portanto, curiosa e manifestamente, aí não valorizado nem destacado.

Tal abertura, a ter ocorrido mais recentemente, ou seja, em circunstâncias posteriores e diversas das da edificação das demais, implicando necessariamente obra destrutiva e reconstrutiva da parte da parede onde a janela se insere, deveria deixar sinais, sobretudo porque se trata de uma parede em blocos de pedra granítica irregulares mas justapostos que teria sido necessário esventrar, desmontar e retirar de modo a conseguir o vão necessário à criação e funcionalização da abertura, parte dos quais teriam de ser cortados, trabalhados de modo a talhar e aplainar o peitoril, umbreiras e padieira e recolocados já em forma de janela.

Porém, não se descortinam nas várias fotos e ninguém relata ter presenciado ou existirem quaisquer vestígios dessas operações que temporalmente as diferencie da edificação original. Pelo contrário, olhando ao aspecto exterior e interior fornecido por todas as imagens, verifica-se que as cores, formas, medidas, ajustes e acabamentos das pedras de todas as janelas, se nos apresentam homogéneas, sem qualquer sinal de intervenção em época distinta, e, portanto, sugerem ser todas elas contemporâneas da construção do edifício. Não se percebe, aliás, olhando às fotos nºs 9 a 12 colhidas pelo tribunal recorrido na inspecção e reproduzidas na acta, que razões objectivas tem o autor para dizer, no seu depoimento gravado, que a janela em causa, pelas pedras à sua volta e por se apresentar inacabada, não correspondem ao aspecto exterior da casa, pois não vemos qualquer sinal (interior ou exterior) de onde isso se possa deduzir.

De resto, dando a questionada janela para uma divisão (quarto) presumidamente existente desde a edificação, lógico é que, à semelhança do que sucede nos demais compartimentos, também aquela tivesse sido dotada de janela desde a origem, assim como, lógica e esteticamente, se nos afigura mais verosímil a hipótese de, sendo a parede referida composta de dois “panos” correspondentes a dois telhados de cota diversa, cada um deles tivesse ficado, igualmente, desde o princípio, dotado de duas janelas quase simétricas, tal como mostra a foto junta com a petição inicial.

Aliás, se, desde o princípio, os construtores/donos da casa ousaram – e os vizinhos antecessores dos autores consentiram e ao longo dos anos com tal se conformaram – devassar o prédio destes com a cornija e beiral projectados sobre o respectivo espaço aéreo, com a recepção das águas pluviais dali gotejantes no solo do mesmo e com três janelas a darem para o mesmo, o mais natural é que a dita quarta janela também remonte ao mesmo período e esteja abrangida na mesma atitude cúmplice e complacente.

Por seu turno, a planta integrante do projecto datado de 02-11-98, apresentado na Câmara em 18 de Dezembro seguinte, que deu origem ao processo administrativo 1125/98, assinala – tal como na sua motivação o tribunal recorrido também corrobora ter nele verificado e o próprio autor confirma por a ter verificado em consulta levada a cabo nos serviços municipais – como já existentes, de acordo com a legenda, todas as janelas da referida fachada, bem como todos os quartos. A respectiva memória descritiva não se refere à abertura de qualquer nova janela nem discrimina a construção de qualquer novo quarto. Por seu turno, o arquitecto subscritor desse documento, testemunha M. J., embora não conhecendo as partes nem tendo sido quem fez o levantamento do local e elaborou as peças (foi um outro arquitecto seu colega de gabinete), confirmou-o, explicou as legendas, em função disso afirmou que, relativamente à fachada em causa, a planta assinala como existentes as quatro janelas e que qualquer hipotética alteração do seu número teria de ser indicada.

Ora, não nos parece que as razões tomadas pela Mª Juiza a quo para duvidar desse facto – existência das quatro janelas já em 1998 – sejam suficientemente fortes e devam ser acolhidas como certas.

Com efeito, relativamente à planta, refere-se, na motivação, que o facto de a janela nela se encontrar assinalada “não significa que a mesma existisse na realidade, pois a janela do quarto de banho existente de facto no prédio, na parede frontal do mesmo (fotografias n.ºs 5, 17 e 18 do auto de inspecção), não existe no projecto, nem como pré-existente, nem como a construir, e sem prejuízo disso mesmo, ela está aberta e existe no prédio. E por isso mesmo, tal documento não nos permite concluir que a janela existisse no local quando o processo deu entrada no Município.”

Reconhecendo-se que esta circunstância, de a referida (pequena) janela do WC, apesar de actual e realmente existente (noutro alçado), não estar mencionada na planta do projecto como elemento a construir (pois que realmente ela não exista), é de facto uma falha, não cremos que de tal desconformidade se possa extrapolar e dela retirar como significativa, sequer como plausível, a hipótese inversa de (no outro alçado posterior em causa) relativamente à questionada janela ter acontecido o mesmo, ou seja, de que esta (versão dos autores) também naquela data não existia e, apesar de figurar na planta como já existente, só depois de 2006 teria sido construída.

Tal significa, apenas, em nosso entendimento e como explicou a referida testemunha M. J. que, tratando-se de uma “janelinha” de um WC, de uma “coisa pequenina”, se “facilitou” e acabou por não ser mencionada como devia ter sido (a tracejado) como elemento novo a construir, mas que, embora sem o poder garantir pelas razões sobreditas, crê que “não se ia inventar” (assinalar como existente uma quarta janela sem ela lá estar) e que confia “cegamente” no seu colega que fez o levantamento e elaborou a dita planta.

De facto, apesar daquela omissão justificada pelo desvalor da “janelinha”, não foi nem parece ser de duvidar da fidedignidade do restante teor da planta pois que ninguém a considerou como falsa, nem a própria Câmara e sua fiscalização a pôs em causa e nenhuma das testemunhas a refere como sendo a construir, muito menos no âmbito da obra projectada.

Com efeito, as diversas testemunhas arroladas pelos autores (seus familiares, aliás partes deles herdeiros e vendedores do imóvel), além de revelarem notório interesse e tendência, focaram-se na asserção, enfaticamente repetida, de que a janela foi aberta depois do falecimento em 2004 do de cujus seu ante-proprietário, trauteando em uníssono essa versão e todas a sustentando praticamente no único argumento de cariz justificativo/dedutivo segundo o qual isso não sucedera antes porque aquele, apesar de lhe ter sido solicitado, nunca o permitira, mas sem nenhum facto relatarem que tivesse sido por eles observado e fosse directamente relatado, primeiro, respeitante a tais solicitações/recusas e, depois, à autoria e demais circunstâncias objectivas da suposta abertura (“recentemente”, “após 2006”) e que convencesse da sua razão de ciência e credibilidade, pois que nenhum disse ter visto executar tal obra (apesar da sua inegável notoriedade e potencial conflitualidade). Pelo contrário, instados a pronunciarem-se sobre detalhes de índole acessória mas porventura atestadores da sua genuinidade, contradisseram-se, assim revelando o seu desfasamento quanto à realidade essencial. Por isso, elas não se mostram credíveis nem convincentes, como também entendeu o tribunal recorrido.

Diferentemente, a testemunha dos réus, M. G., empreiteiro de construção civil que, por volta de 1997/98, fez obras na casa dos réus (não todas), especialmente relativas à colocação de uma placa de tecto e de um novo telhado em substituição do velho em madeira e nesse ensejo, ao acertar para o efeito uma outra parede virada para o caminho, abriu o tal janelo da casa de banho, afirmou que, nessa altura, já existiam, na parede do alçado posterior confrontante com o vizinho, quatro janelas, disso não tendo quaisquer dúvidas, pois teve de andar em volta da casa, e foi até pacificamente e de acordo com o falecido dono do prédio dos autores que executou a cornija e beiral mas não mexeu em mais nada, designadamente na dita parede.

O distanciamento desta testemunha em relação às partes e o tom e termos do seu depoimento, não permitem duvidar da razão de ciência e da sua honorabilidade, logo da credibilidade, de tal depoimento, designadamente quanto ao referido facto essencial. A sua afirmação de que então (em 1997/98, quando colocou o novo telhado, obra já visível em algumas das fotografias que instruem o projecto camarário e que deu entrada na Câmara em 18-12-1998) já lá existiam as quatro janelas é fundada, séria e peremptória. Não permite dúvidas, por não haver razões para as mesmas. Teria de haver-se como falso e mentiroso o seu depoimento (tal como as referidas plantas) para não ser valorizado e aceite, para o que não servem os depoimentos, julgados sem qualquer credibilidade, das testemunhas dos autores apelados, nem a fotografia de fls. 12 do processo camarário, correspondente à junta por estes com a réplica.

Ainda a respeito desta fotografia (que a testemunha referiu corresponder ao estado do prédio antes da obra do telhado por ela feita), refere a Mª Juíza, na sua motivação, que “para a signatária apenas é visível a existência de três janelas (M. J. disse que apenas vê duas), ainda que a que está mais longe, porque está a um nível mais baixo e tenha o arvoredo, seja difícil de ver. Acresce que o que se vê na parte traseira da parede, na parte superior, é que a mesma se encontra mais em rústico, mas na zona em que há diferença de telhados (por referência à fotografia de fls. 10) não é visível a janela em discussão.”

Ora, observando-se essas fotografias, ao contrário do tribunal recorrido, não concluímos que a de fls. 12 do processo camarário, retratando embora uma parte da parede traseira e mostrando ainda o telhado como ele era antes da obra executada pela testemunha, demonstra naquela existirem, então, apenas, três janelas e, portanto, que a quarta “não é visível”.

Ao certo e com segurança somente se vêm duas. De resto, não é na parte da parede dessa zona em que há diferença de cota dos telhados e na vertical do respectivo ponto de desnível, como afirma o tribunal a quo, que, segundo a foto de fls. 10 dos autos (doc. 3) se localiza e vê, actual e realmente, a janela discutida e, portanto, ela haveria de ser notada se antes existisse. É que, tendo tal janela 89 cm de largura (medida na inspecção), vê-se, nessa foto, que a distância entre a umbreira mais próxima da vertical do referido ponto corresponde a cerca do dobro dessa largura. Assim, mesmo aceitando-se, por isso, que na foto 12 do processo camarário nenhuma abertura se vê nesta zona, tal não permite, porém, daí concluir que ela não existia, ou seja, excluir a hipótese de, no momento retratado, já existir, como existe agora, embora mais adiante, numa zona contígua da parede e que na foto surge mais obscura, sombreada e, por isso, insusceptível de deixar perceber e elucidar a realidade nela subjacente.

É bem possível, por isso, que a tal janela se lá encontrasse – como diz a testemunha – mas a foto não a mostre, tal como, a nosso ver, não mostra a última (nº 1, na foto junta como doc. 3), apenas observando nós duas janelas, como referiu a testemunha M. J., os próprios autores apelados também referem nas suas contra-alegações e o autor marido confirma nas suas declarações gravadas, apesar de o tribunal recorrido se afoitar na afirmação, a nosso ver temerária mas que considerou relevante e significativa, de que, embora “seja difícil de ver” por causa da distância e pelo desnível em relação às duas primeiras, também aquela última janela lhe é visível (logo, a controversa também o devia ser, se de facto existisse…).

Analisando-se, pois, a foto, diversamente do que fez o tribunal a quo, não percepcionamos, na aludida fachada, a visibilidade desta (a última da imagem) nem a inexistência daquela (a que devia surgir como terceira, segundo a perspectiva do observador), daqui não se podendo deduzir certamente ou sequer admitir como hipótese plausível que a janela questionada então não existia e só posteriormente foi aberta.

Nem, portanto, tal constatação nem a circunstância do dito M. G. referir que a obra por si feita do telhado foi licenciada e fiscalizada nem, ainda, a de a Câmara Municipal informar que não houve qualquer outro pedido de licenciamento em nome do réu permitem por em causa o depoimento daquela testemunha e duvidar de tal facto.

Na verdade, embora esta refira que seguiu um projecto para executar a obra e que houve a tal fiscalização, não o é menos que esclareceu que quem disso tudo tratou, naquela fase foi o falecido Presidente da Junta de então (S. C.), circunstância que, mesmo a ser necessário licenciamento (o que não é certo em face da natureza das obras de mera substituição), conduz à explicação de que a tal projecto, licença e fiscalização foi a Câmara alheia e que tal obra foi executada apenas com o beneplácito da Junta de Freguesia ou do seu Presidente e que, portanto, na perspectiva daquele empreiteiro seguramente pouco dados a tais exigências como era postura e prática corrente nas aldeias, a execução da obra observou os requisitos técnico-legais, o que não é de estranhar em trabalhos pequenos com construtores civis de reduzida dimensão, norteados pelo empirismo, e proprietários não motivados para os cumprir e desinteressados dos respectivos custos inerentes.

Seja como for, não nos parece que tal aspecto, tendo em conta a demais prova, descredibilize tal depoimento e, sobretudo, ponha em causa os demais elementos diversos que apontam convergentemente no sentido da coexistência, já então, das quatro janelas. Não existem nem os que o tribunal a quo refere nos parecem bastantes para, por um lado, proclamar (como fez no decurso da audiência) não ter dúvidas que a testemunha M. G. disse a verdade quando relatou que fez as obras do telhado em 97/98 e já as ter quanto à veracidade da sua afirmação (repetida e de igual modo sempre serena, objectiva e segura) de que, nessa ocasião, existiam as quatro janelas.

Nem mesmo as dúvidas suscitadas, ainda, a propósito de, necessariamente e perante o que mostram as fotos, ter havido obras antes do projecto que deu origem ao processo 1125/98 (as executadas pela testemunha M. G.) e obras na sequência deste (as de reconstrução a que o mesmo se refere) nem sobre o depoimento da testemunha A. C..

O certo é que a testemunha foi peremptória ao afirmar que as quatro janelas existiam quando executou a obra antes do referido projecto e que este as menciona como já existentes, nada provando nem indiciando que a janela questionada apenas tenha sido aberta depois de 2006 (cfr. a prova produzida para tal pelos autores e a desvalorização que dela foi feita pelo tribunal recorrido) e tudo o mais convergindo no sentido de que ela é contemporânea das outras três.

Por tudo o exposto, em divergência com o entendimento firmado pelo tribunal recorrido, convencemo-nos que, na realidade, a janela sempre existiu e que é contemporânea da edificação, pelo menos, em 1937, da casa.

Aquele seu entendimento estribou-se em dúvidas sobre o resultado da prova apresentada por ambas as partes e mesmo sobre a produzida por iniciativa do tribunal recorrido, em função de cuja intensa e extensa escalpelização feita no decurso da audiência de julgamento, que se arrastou (conforme gravação) por quase seis horas, descortinou, salientou e para o efeito relevou algumas falhas de pormenores que considerou motivarem-nas.

Julgamos, porém, que as mesmas assentam numa apreciação e valoração errada da prova, originada pela adopção de um padrão desmesuradamente exigente, quiçá exacerbado pela hipervalorização de ínfimos detalhes, mas não consentâneo com os padrões jurisprudenciais dominantes nem com as regras da experiência comum.

É certo que as provas têm por função demonstrar a realidade dos factos – artº 341º, CC, e que, nos termos do artº 414º, do CPC, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem ele aproveita.

Não pode, contudo, exigir-se que, em processo civil, esta demonstração tenha de ser feita em termos demasiado exigentes ou absolutos ou mesmo balizar-se por critérios de índole quase científica. Ela deve, apenas, pautar-se por padrões que tenham em conta as variáveis circunstâncias do caso sem perder de vista a ideia de realização da justiça concreta, não podendo relevar todas e quaisquer dúvidas, especulativas, irrazoáveis, sempre passíveis de ser cogitadas, designadamente a pretexto de pequenas incongruências nos depoimentos testemunhais, quantas vezes atestadoras da espontaneidade, fidedignidade, descomprometimento e credibilidade de quem os presta.

Uma coisa são as regras legais do ónus da prova, cuja finalidade essencial, mais de índole operativa, é estabelecer contra qual das partes deve o tribunal decidir no caso de persistir dúvida quanto à ocorrência de facto controverso e das quais não decorre propriamente uma definição estanque de quem deve provar e do que deve provar – artº 414º, do Código de Processo Civil (CPC).

Outra, os critérios jurisprudenciais de julgamento, relativos à apreciação e valoração das provas e formação da convicção do julgador sobre os factos discutidos, mormente quando, como neste caso, se está ante meios que o tribunal pode apreciar livremente e, portanto, decidir se os considera suficientes ou insuficientes para, com base neles, afastar a dúvida e se convencer, com firme certeza, de uma versão.

Não havendo norma jurídica que fixe tal standard ou padrão de prova, é geralmente aceite que um facto deve considerar-se como provado para os efeitos práticos do processo judicial e para os fins próprios deste (decidir sobre uma pretensão ou excepção) quando os meios demonstrem um alto grau de probabilidade (não, claro, apenas verosimilhança ou simples possibilidade) de realmente, de acordo com as regras da experiência e as percepções do homem médio, ele ter acontecido, uma probabilidade razoavelmente muito mais elevada do que a contrária.

É na adequação prática ao caso e às suas circunstâncias, nomeadamente as mais ou menos propiciadoras de do facto emanarem diversos meios de prova e com diferente força, que se reflecte a liberdade do julgador, aferida pela prudente convicção mas adversa a uma ampla especulação) e balanceando-se entre o máximo rigor que pode inviabilizar a realização do direito e o facilitismo indutor de injustiça.

Sendo assim, cremos que não pode duvidar-se, em termos bastantes, dos meios de prova de onde (como sucede com a referida testemunha e o projecto) directamente resulta a demonstração de que as quatro janelas já existiam em 1997/1998 nem daqueles que indiciam ser todas elas contemporâneas da edificação da respectiva casa, uma vez que a contraprova produzida pelos autores apelados, face ao seu descrédito (o tribunal a quo retirou-lhes “qualquer” credibilidade), não tem o condão de ilidir estes nem sequer de fazer duvidar daquela.

Os autores apelados, aliás, nas suas contra-alegações, reconhecendo que na foto nº 12 do processo administrativo (a relevada pelo tribunal a quo) apenas se observam duas janelas e ainda com estores e salientando que naquela que foi junta com a petição (doc. 3) se vêm as quatro, com a parede sem qualquer reboco e portadas, pretendem que se deduza “sem margem para dúvidas, que as portadas foram colocadas em data posterior e que a referida quarta janela também foi aberta em data posterior”.

Ora, se a primeira dessas conclusões se nos afigura correcta, já a segunda é manifestamente errada por, como acima dito, não fundamentada, pois que uma coisa não implica a outra. Designadamente, ao contrário do por eles pretendido, não podem basear-se, para tal, nos depoimentos das testemunhas por si arroladas, entre os quais salientam o de R. C., uma vez que todos foram justificadamente desconsiderados na sentença e que esta se limita, de igual modo, a trautear o que disseram as demais e, para o efeito, o que teria ouvido a seu falecido marido e aos cunhados, nada sabendo nem relatando sobre as exactas circunstâncias em que teria sido aberta a quarta janela.

Mesmo quanto a pretensos e sugestivos pedidos de autorização do réu para abrir a janela que o autor refere terem sido dirigidos a seus tios (herdeiros), o certo é que o réu não os confirmou, e nenhum daqueles que foram ouvidos ou qualquer das suas demais testemunhas os presenciou. Todas, na verdade, dizem que o réu várias vezes fez tal pedido ao anterior proprietário e a testemunha R. C. acrescentou mesmo que, depois do falecimento daquele, o réu foi várias vezes a sua casa pedir a seu marido (herdeiro também já falecido). No entanto, inexplicavelmente, nenhuma presenciou qualquer das conversas, escudando-se na justificação de que de tal ouviu falar aos outros, estranhando-se que as mesmas sejam referidas a interlocutores que, infelizmente, já não podem ser sobre elas questionados e reportá-las.

Saliente-se, ainda, que, no seu depoimento titubeante, o próprio autor nada mostrou saber sobre a abertura da janela e respectivas circunstâncias, limitando-se a remeter para o que diz ter indagado e ouviu, sem citar fontes seguras, assim reconhecendo não poder dizer se quando seu avô faleceu, em 30-11-2004, a janela estava lá ou não e baseando-se apenas (tal como aquilo que a propósito alega na petição) nas conclusões pessoais que tirou mas cujas premissas (o que teria ouvido aos tios e observado no processo camarário) são manifestamente incertas. Sinal evidente, aliás, da falta de fundamento da sua tese se encontra na sua afirmação de que, apesar de nada ter visto nem lá se ter deslocado para o efeito na suposta ocasião, foi o próprio réu J. M. quem operou a abertura da janela uma vez que – dedução sua – trabalhava na construção civil, hipótese, porém, que mais ninguém referiu e sem a mínima plausibilidade uma vez que o mesmo era emigrante, só vinha nas férias e sempre contratou as obras com terceiros nada levando a crer que ele próprio empreendesse a abertura e remontagem da janela.

Em consequência de tudo o exposto, alterando o facto provado 9 e harmonizando-o agora com o 8, a redacção ficará assim:

8) Na parede do lado poente da casa dos réus, que confronta com o prédio dos autores, existiam quatro janelas, sendo que três delas tinham as dimensões de cerca de 1,13m de altura e 0,86 m de largura.
9) E que uma outra (a assinalada com o nº 2, na foto junta à petição inicial como doc. 3, a fls. 10 dos autos) mede 1,14 m de altura e 0,89m de largura.

Por sua vez o facto da alínea c) – ressalvados os estores e portadas – e o da alínea g) devem ser julgados como provados.

Do mesmo modo e também logicamente, na redacção dos pontos 24 a 28, deverá atender-se à ora preconizada para os pontos 8 e 9.

No que concerne aos pontos provados 14 e 16 e pontos não provados d), e) e f) – parte relativa aos resguardos anteriores das janelas, à colocação de portadas metálicas e dos respectivos suportes metálicos exteriores –, pretendem os réus que se elimine a expressão “mas sempre posterior a Dezembro de 1998” adversativa da antecedente “data não concretamente apurada” e que se dêem por provadas as referidas alíneas no sentido de que antigamente as janelas eram resguardadas por portadas em madeira que foram substituídas pelas metálicas e que os suportes semelhantemente apenas substituíram os que antes também lá estavam colocados para as segurar e se enferrujaram, mas idênticos.

Ora, em face de toda a prova alusiva, sobretudo das fotos juntas designadamente as que instruem o processo camarário 1125/98, e testemunho de M. G., não há dúvidas que tais portadas metálicas verdes e inerentes suportes, como se expressa na motivação, “foram colocadas depois de Dezembro de 1998”, ignorando-se as demais circunstâncias, maxime a data certa em que tal ocorreu.

Os réus apelantes, aliás, não fundamentam que tal colocação tivesse ocorrido antes nem que tais resguardos e suportes já existissem desde “antigamente”, em madeira aqueles e em metal que se teria enferrujado estes. As referências que da prova oral se extraem a tal hipótese não têm a menor consistência nem credibilidade e, por isso, aquilo que de certo e seguro se sabe, tal como correctamente entendeu o tribunal a quo, é apenas que, até 1998, o que existia eram persianas (ou estores) de enrolar exteriormente à parede.

Não se aduzem, pois, nem se encontram razões para modificar a decisão proferida sobre os aludidos pontos.

Relativamente aos pontos 17 e 18 (largura do beiral e da cornija do telhado), embora seja certo, como refere o tribunal recorrido, que inexiste “prova consistente”, isto é, matematicamente certa, de tais medidas, temos por correcto e aceitável, face ao que se observa nas fotos, atentas as regras da experiência comum na matéria e considerando a limitada relevância do facto, que as larguras pretendidas pelos apelantes, aliás aproximadas, entre 55 e 65 cm no total, compreende as reais, pois que 40 a 50 cm de cornija e 15 cm de beiral correspondem a medidas seguramente plausíveis e consentâneas com o que, a partir das fotos e até por comparação, se pode estimar – à falta de melhor prova objectiva.

Por isso, no ponto 17, substituir-se-á “cornija de largura não concretamente apurada” e “beiral …em largura também não concretamente apurada” e, no 18, “cornija e beiral …de largura não concretamente apurada” por, respectivamente, “cornija medindo entre 40 e 50 cm de largura”, “beiral com 15 cm de largura” e “cornija e beiral referidos em 17) medindo entre 55 cm e 65 cm de largura”.

Havendo que introduzir, nos pontos provados 22 e 26, uma correcção de evidentes lapsos – pois que a data correcta daquele, como resulta dos carimbos de entrada apostos nas plantas e consta da própria motivação, é 18-12-1998, e quando neste se refere que “assim sempre foi...” tal não abrange as portas de abrir para o exterior mencionadas no ponto 25 a que se liga, já que estas apenas foram colocadas depois de Dezembro de 1998, havendo antes estores – importará, por fim, harmonizar esse e os demais pontos, designadamente o 24, 25, 27 e 28, com as alterações ora decididas, considerando sobretudo o pressuposto de que, tendo existido, segundo a nossa convicção, a quarta janela desde sempre, a sua função e utilização ocorreram nos mesmos termos e circunstâncias das outras três, alterando-se para provada, consequentemente, a alínea g) e mantendo-se como não provadas as alíneas d), e) e f).

Assim, na procedência parcial da impugnação da decisão da matéria de facto, a provada e relevante passará a ser a seguinte:

1) O prédio urbano descrito como casa de habitação, de rés-do-chão e andar com logradouro, sito na Travessa ..., da freguesia de ..., a confrontar do norte e nascente com os réus, do sul com caminho público e poente com M. R., inscrito na matriz urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... do ..., está inscrito a favor dos autores, em comum e partes iguais, pela apresentação n.º 815 de 2016/12/15. Acordo doc fls 5v e 6 e 62 e 62v
2) Por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório do Dr. P. C., no dia 9/12/2016 no Livro ..., folhas 77 a 79 verso, M. F., R. C., J. T., J. A., A. L., C. S., M. B., J. L., M. A. e A. F. declararam vender e C. N. e S. S. declararam comprar, pelo preço de €.21.000,00, o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e andar com a área coberta de 155,35m2 e logradouro com 319,70m2, confrontando do norte e nascente com J. M., do sul com caminho público e poente com M. R., sito na Travessa ..., da freguesia de ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz sob o artigo ... … não descrito na Conservatória do Registo Predial.
3) Por si e ante possuidores, sempre os autores estiveram na posse do descrito prédio, habitando-o, reparando-o e depositando lenha e apeirias no seu logradouro, à vista de toda a gente e sem a oposição de ninguém, há mais de 20 e 30 anos, sem interrupção, na convicção e exercerem o direito de propriedade sobre o mesmo e de não lesarem direitos de terceiros.
4) Por escritura pública de habilitações e partilha outorgada em 11.08.1994, foram habilitados os herdeiros de M. O. e de F. M., de entre os quais, J. M., filho daqueles e foi ainda acordado que a J. M. era adjudicada, para além do mais, a verba n.º 1, descrita como Casa Torre, com a superfície coberta de 220m2, no Lugar de ..., freguesia do ..., concelho de Barcelos, inscrito na matriz urbana sob o art. … (…) a confrontar do norte com herdeiros de F. M. e M. L. e restantes lados com F. M., a desanexar do descrito na Conservatória sob o n.º ... do Livro ....
5) A partir da celebração da escritura de habilitação e partilha referida em 4) têm sido os réus quem sempre tratou da manutenção do prédio aí descrito, realizando reparações gerais e de reconstrução quer no telhado, quer no interior e exterior da habitação, substituindo ou reparando telhas, portas e janelas, efectuando pinturas gerais e de conservação interiores e exteriores, conservando-o com todas as benfeitorias necessárias e úteis, pagando os respectivos custos e impostos.
6) O que os réus, pelo menos desde 1994, sempre fizeram à vista e com o conhecimento de toda a gente, incluindo os autores e ante possuidores do prédio destes, sem oposição de quem quer que seja, com a convicção de que, com tais actos ou factos, não prejudicavam quaisquer direitos de terceiros e de que exerciam um direito próprio.
7) O prédio dos autores descrito em 1), pelo lado nascente confronta com o prédio dos réus descrito em 4), que é uma casa de habitação, de rés do chão e andar.
8) Na parede do lado poente da casa dos réus, que confronta com o prédio dos autores, existiam quatro janelas, sendo que três delas tinham as dimensões de cerca de 1,13m de altura e 0,86 m de largura.
9) E que uma outra (a assinalada com o nº 2, na foto junta à petição inicial como doc. 3) mede 1,14 m de altura e 0,89m de largura.
9-A) Na parede poente da casa dos réus sempre estiveram abertas as quatro janelas que, salvo quanto à substituição dos estores por portadas, nunca foram alteradas quer nas suas medidas de comprimento e largura, quer na sua implantação ou localização nessa fachada.
10) A janela referida em 9) é a segunda existente na dita parede a contar do lado norte.
11) Tal janela referida em 9) deita directamente sobre o descrito prédio dos autores identificado em 1).
12) A poente da parede do prédio dos réus identificado em 4), este não tem uma faixa de terreno com metro e meio de largura.
13) O limite nascente do prédio dos autores identificado em 1) é a parede poente do prédio dos réus.
14) As janelas referidas em 8) e 9) tinham estores e os réus, em data não concretamente apurada, mas sempre posterior a Dezembro de 1998, colocaram portadas metálicas na parte exterior das aludidas quatro janelas, as quais abrem e fecham para o exterior e que medem até à estrutura metálica onde estão fixadas 44 cm (e apenas 40 cm até ao limite exterior da soleira).
15) As portadas referidas em 14) estão cravadas no interior da parede e umbral das janelas.
16) Os réus, em data não concretamente apurada, mas sempre posterior a Dezembro de 1998, colocaram na parede poente do prédio identificado em 4) uns suportes metálicos exteriores, que seguram as portadas das quatro janelas quando abertas.
17) As águas do telhado estão em duas vertentes, poente e nascente, apresentando a virada a poente, em toda a sua extensão, uma cornija medindo entre 40 e 50 cm de largura, crescendo para fora da vertical da parede em causa, terminando ainda com um beiral de telhas com 15 cm de largura que saem ainda mais do limite poente da cornija.
18) Para fora da vertical da parede poente do prédio dos réus estão, como sempre estiveram desde a construção da casa, a cornija e beiral referidos em 17) medindo entre 55cm e 65 cm de largura, de onde escorrem as águas das chuvas.
19) A casa identificada em 4) remonta, pelo menos, a 1937, e tem, pelo menos, em parte, os seus alicerces e estrutura de sustentação em granito. (fls. 53)
20) No seu canto sul/poente a base de sustentação em granito trabalhado sai no sentido do prédio dos autores, em medida não concretamente apurada, sendo o umbral do portão dos autores recortado para acompanhar essa saliência.
21) Ao longo da linha norte/sul da parede poente, parte da base de pedra em que assenta a casa dos réus, é mais saliente em relação à parede, sendo que na zona da janela referida em 9) mede cerca de um metro, e volta depois a diminuir até ao canto norte/poente.
22) Em 18-12-1998, os réus deram entrada na Câmara Municipal ... a um projecto para restauro do prédio referido em 4), em cujas plantas do existente constam as quatro janelas na parede poente do prédio.
23) Também nas plantas do existente no piso onde se situam as quatro janelas, estão os respectivos vãos evidenciados nas respectivas divisões, onde a janela referida em 9) se situa num quarto ali delimitado.
24) As quatro janelas referidas em 8) e 9) existem há mais de 20, 30, 40 anos.
25) Actualmente, as quatro janelas referidas em 8) e 9) têm caixilharia e vidros que abrem para o interior do prédio dos réus e, desde que foram substituídos os estores por portadas (conforme ponto 14), estas abrem para o exterior.
26) Ressalvada esta substituição dos estores por portadas, assim sempre foi não só no tempo dos ante possuidores do prédio dos réus, mas até depois da aquisição que estes fizeram do mesmo em 1994, pois pelas quatro janelas referidas em 8) e 9) sempre entrou ar e luz solar e sobre as mesmas se debruçando quem ali habitou, habitava ou habita, para usufruir das vistas existentes.
27) Os réus e ante possuidores abriam e fechavam as quatro janelas referidas em 8) e 9), quando queriam, avistavam-se os telhados das casas e terrenos situados a nível inferior, mais abaixo, para poente.
28) O referido em 24), 26) e 27) sempre foi feito pelos réus e seus ante possuidores, ininterruptamente e durante mais de 10, 20, 30 e mais anos, de boa-fé, sem uso de violência e sem oposição de quem quer que seja, com a convicção de exercício de um direito correspondente ao de servidão de vistas.

Do mesmo passo, mantêm-se como não provado que:

a) A janela referida em 9) foi aberta depois de 2006, pelos réus, mas com um enquadramento diferente.
b) O prédio dos réus tem mais de 100 anos.
c) Nenhuma alteração foi feita nas janelas.
d) Antigamente as quatro janelas eram exteriormente resguardadas por portadas em madeira, que, em cada janela, se abriam para o exterior em duas abas iguais, existindo para as segurar abertas uns suportes metálicos fixados no exterior da parede.
e) Os réus procederam à substituição das referidas portadas em madeira pelas portadas metálicas
f) Os suportes metálicos exteriores existentes são substitutos de outros anteriores com a mesma localização, largura, cumprimento e função, consumidos pela ferrugem e pelo tempo, foram substituídas por outras.

B) MATÉRIA DE DIREITO

O primeiro pedido formulado pelos autores/apelados na acção, aliás julgado procedente conforme alínea a) da decisão recorrida, era o de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio acima identificado no ponto de facto nº 1.

Trata-se de questão aparente sobre a qual não existia – nem existe – qualquer controvérsia na medida em que jamais os réus/apelantes puseram em causa a titularidade pelos autores do direito real sobre a referida coisa e que, por isso mesmo, apenas tendo sido alegado como pressuposto dos demais pedidos, era escusado, por falta de interesse e utilidade e, portanto, não carecia de qualquer acção, apreciação e decisão jurisdicional, nem de integrar formalmente no petitório.

Assim, da longa excursão teórico/abstracta feita na sentença incidente sobre o conteúdo do direito de propriedade, os modos de aquisição respectivos, as exigências de alegação e prova e, a respeito da usucapião e seus requisitos, sobre a matéria da posse, importa notar, apenas, que, como expressou o tribunal recorrido e aqui não está obviamente em causa:

“Revertendo ao caso em apreço, e atendendo à posição das partes tal como decorre dos articulados, não há uma verdadeira divergência quanto ao facto de os autores serem proprietários do prédio identificado em 1) e de que os réus são proprietários do prédio referido em 4) dos factos provados.
Autores e réus estão, mutuamente, de acordo quanto ao facto de serem proprietários dos referidos prédios, mas mesmo que assim não fosse, atendendo aos factos provados em 1) a 3) sempre se concluiria que os autores são donos/proprietários do prédio identificado em 1) dos factos provados, não só porque beneficiam da presunção que resulta do registo de tal prédio a seu favor na Conservatória do Registo Predial, como também porque sempre teriam adquirido tal direito por via da usucapião.
Assim sendo, o primeiro pedido formulado pelos autores tem de ser julgado procedente.”

Importa, depois, reter, isso sim, que, apesar das quatro janelas da casa dos réus/apelantes deitarem para o prédio dos autores apelados – na medida em que a respectiva parede onde estão inseridas, de harmonia com os pontos provados 11 a 13, demarca a estrema entre os dois prédios confinantes e, assim, o limite do logradouro destes; de sobre o espaço aéreo deste se projectarem (numa extensão total estimada entre 55cm a 65cm), há mais de duas décadas, de forma invasiva, a cornija e o beiral do telhado que pende para esse lado e de as respectivas águas pluviais daí escorrerem para o prédio dos autores/apelados (pontos 17 a 19); importa salientar, dizíamos, que estes não puseram em causa, na acção, a evidente oneração que para o seu prédio resulta de três das janelas (artsº 1360º, nº 1, e 1362º, nº 2, CC) nem da devassa que daquele remate do telhado para o mesmo advém (artºs 1305º, 1344ºº, nº 1, e 1365º, CC), antes, implicitamente, aceitaram e se mostram conformados com ela.

Com efeito, eles apenas questionaram uma das janelas, por esta, em sua perspectiva, ter sido aberta “recentemente” (depois de 2006) e, bem assim, as portas metálicas entretanto colocadas nas quatro, por todas elas abrirem para o exterior (sobre o espaço aéreo do seu prédio, assim também invadindo o respectivo espaço aéreo, embora menos que o próprio beiral do telhado).

Ora, como, a seguir, se nota na sentença, não há dúvida que, conforme dispõe o nº 1, do artº 1360º, do CC, “O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção, não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho, sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.”

Assim, situando-se a janela alvo do pedido na parede delimitadora e deitando ela directamente sobre o logradouro do prédio dos autores/apelados sem que, por isso, tenha sido respeitada e preservada a faixa (interstício) legal de metro e meio, prima facie teria de concluir-se, “facilmente” como a sentença refere, que ocorre violação legal e consequentemente do seu direito e que, portanto, o respeito deste teria de ser imposto.

À parte as considerações legais, doutrinais e jurisprudenciais despiciendas tecidas sobre o conceito de janela e sua distinção do de frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, pois que o próprio tribunal a quo reconhece ser uma evidência pacífica que, no caso aqui em apreço efectiva e indiscutivelmente se trata de uma janela, importa, porém, apurar, em face da factualidade com que os réus/apelantes excepcionaram (artº 576º, nº 3, CPC) e fundamentaram a sua reconvenção (artºs 1362º, nº 1, e 1543º, e sgs., CC), se, afinal, por a mesma sempre ter existido e relativamente a ela e igualmente às demais, ocorre servidão de vistas por um lado legitimadora da sua manutenção e, por outro, impeditiva do seu pretendido fecho.

Neste ponto, também divergimos decisivamente da conclusão a que se chegou em 1ª instância.

Ali, com efeito, se julgou provado que a tal janela foi aberta pelos réus mas “em data não concretamente apurada” – ponto 9 da sentença – e que, portanto, em relação a essa, não se verificaram os requisitos, na sentença bem escalpelizados, de constituição da alegada servidão.

Como ali consta:

“Na verdade, tal como resulta da factualidade provada, existe uma janela na parede da casa de habitação dos réus que se encontra em contravenção do disposto na lei, pois que deita directamente para o logradouro dos autores, não se encontrando a 1,50 metros de distância do limite do prédio. Daqui resulta que a abertura, a janela situada na parede exterior da casa dos réus, que deita directamente para o logradouro dos autores, permite, ao abrigo do disposto nos artigos 1362.º e 1363.º do Código Civil, a constituição do direito de servidão de vistas.
Todavia, os réus não lograram provar a data em que tal janela foi aberta, ou melhor, os réus não provaram que a referida janela foi aberta em tal parede há mais de 20,30 ou 40 anos.
Ora, a data em que a janela foi aberta era um facto constitutivo da aquisição do direito de servidão de vistas por usucapião e como tal competia aos réus a prova do mesmo (art. 342.º do Código Civil).
Não tendo os réus provado que a janela já se encontra aberta há mais de 15 ou 20 anos, e não se tendo apurado qual a data em que a mesma foi aberta, não estão preenchidos os factos constitutivos do direito de servidão de vistas por usucapião sobre tal janela e como tal, o pedido reconvencional improcede nesta parte.
Considerando que os réus não provaram ter adquirido o direito de servidão de vistas por usucapião relativamente a tal janela e tendo a mesma sido aberta em violação do preceituado no art. 1360.º do Código Civil, não resta outra solução que não seja a de determinar que a mesma seja tapada pelos réus, tal como é pedido pelos autores.”

Sucede que, diversamente, em virtude das modificações de facto introduzidas, decidiu este tribunal, sintetizando, que:

-na parede em causa, cuja edificação remonta a 1937 pelo menos, existiam e sempre estiveram abertas, ou seja, há mais de 20, 30, 40 anos, tanto a controvertida janela como as demais três, nunca qualquer delas tendo sido alterada (factos 8, 9, 9-A, 19 e 24);

-por isso, todas constam já como existentes na planta do projecto apresentado à Câmara em 18-12-1998 (pontos 22 e 23);

-embora tanto aquela como estas deitem directamente sobre o prédio dos autores e sem respeito pela obrigatória faixa de metro e meio em relação às mesmas e à estrema (factos 11 a 13), através de todas elas sempre entrou ar e luz, sobre as mesmas se debruçou quem ali habitou ou habita para usufruir das vistas existentes, sendo que os réus e os antepossuidores da casa sempre, ininterruptamente, durante mais de 30 anos, abriram e fecharam as quatro janelas quando queriam, através delas avistando os telhados das casas e terrenos situados a nível inferior para o lado poente, agindo de boa fé, sem uso de violência e sem oposição alguma, na convicção de exercerem direito correspondente a servidão de vistas (pontos 26, 27 e 28).

Tendo isto em conta, conclui-se, que a janela em causa não foi aberta nem pelos réus nem recentemente (depois de 2006) mas que o foi, tal como quanto às outras três, aquando da edificação da casa e que, portanto, estando reunidos os demais factos exigidos por lei, tanto em relação a ela como às outras três, se constituiu servidão de vistas.

Com efeito, nos termos do artº 1362º, nº 1, CC, “ A existência de janelas […] em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.

Olhando ao tempo decorrido, aos actos de posse praticados, à sua aparência, ao espírito em que agiram os réus e seus antecessores e demais circunstâncias apuradas, resulta pacífico, visto também o disposto nos artºs 1543º, 1544º, 1547º, 1548º e 1293º, alínea a) (estes a acontrario), 1251º, 1258º, 1260º a 1262º, 1287º e 1296º, que também quanto à janela discutida, como quanto às demais, estão preenchidos os pressupostos legais.

Assim sendo, como é, a sentença recorrida, quanto às alíneas b) e B., tem de ser revogada e, consequentemente, julgar-se a acção improcedente quanto ao pedido de tapamento (fecho) da aludida janela e deste absolver os réus/apelantes; e a reconvenção julgar-se procedente quanto ao pedido de que se declare que se acha constituída a favor do prédio dos réus/reconvintes/apelantes e onerando o dos autores/reconvindos/apelados uma servidão de vistas que se exerce através das quatro janelas abertas existentes na parede poente do prédio daqueles e, ainda, condenar estes a tal reconhecerem, a respeitar tal direito e a abster-se da prática de qualquer acto que obste ao seu exercício.

Relativamente às portadas cuja retirada os autores/apelados peticionaram quanto a três das janelas que sempre consideraram como pré-existentes e reconheceram como onerantes do prédio com servidão de vistas e, por inerência, quanto às da quarta janela que alegaram ser inovação contravencional e em cujo pedido de tapamento se subtende o de igual eliminação dos fechos exteriores, a sentença recorrida entendeu, embora tendo em conta só aquelas (uma vez que decidiu ordenar o fecho desta):

“Atendendo à posição das partes, tal como resulta dos articulados, autores e réus estão de acordo que se constituiu uma servidão de vistas relativamente às três janelas identificadas em 8) dos factos provados.
Tais três janelas abertas na parede poente da casa de habitação dos réus, deitam directamente para o prédio dos autores, e não havendo uma faixa de terreno com um metro e meio para o prédio dos autores, estamos perante três aberturas que violam a lei (concretamente o disposto noa rt. 1360.º do Código Civil) e como tal, oneram o prédio dos autores com uma servidão de vistas, em benefício do prédio de que os réus são proprietários (art. 1362.º, n.º 1 do Código Civil).
Acresce que de harmonia com o preceituado no art. 1544.º do Código Civil «podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.»
Simplesmente, constituída a servidão de vistas por usucapião, o proprietário dominante só pode exercer o seu direito em harmonia com o respectivo título ou de acordo com o que é necessário para o seu uso e conservação. Em caso de dúvida, entende-se constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente, tal como é preceituado pelo art. 1565.º, n.º 2 do mesmo código.
Ora, na situação em apreço, as três janelas tinham estores e em data não concretamente apurada, mas sempre posterior a Dezembro de 1998, colocaram portadas metálicas na parte exterior das aludidas quatro janelas, as quais abrem e fecham para o exterior e que medem até à estrutura metálica onde estão fixadas 44 cm (e apenas 40 cm até ao limite exterior da soleira), tudo conforme facto provado em 14).
Em consequência, se essa servidão se constituiu em relação a certo tipo de janela - janela com estore - não pode o proprietário dominante retirar o estore e colocar duas portadas metálicas a abrir para o exterior, uma vez que tal corresponde a uma alteração, quer do modo de exercício da servidão, quer da extensão da mesma (cfr. Arts. 1564.º e 1565.º, ambos do Código Civil).
Acresce que, os autores, embora sendo proprietários do prédio serviente, ficam sujeitos à limitação estabelecida na lei quanto à faculdade de construir no espaço correspondente ao interstício legal, ou seja, numa faixa de um metro e meio, conforme art. 1362.º, n.º 2 do Código Civil, mas não perdem o seu direito de propriedade sobre este. Como tal, a colocação das aludidas portadas metálicas de forma a abrirem para o exterior (ocupando o espaço aéreo do prédio dos autores, traduz também uma violação do seu direito de propriedade (arts. 1305.º e 1344.º do Código Civil).
Consequentemente, têm os réus de retirar as portadas colocadas nas três janelas existentes na parede poente da sua habitação e melhor identificadas em 8) dos factos provados.
Procede assim este pedido.”

Ora, os réus/apelantes limitaram-se, no recurso, em termos de facto e quanto a tal questão, a impugnar a respectiva decisão quanto aos pontos provados 14 e 16 – no segmento afirmativo de que as portadas que substituíram os estores, tal como os suportes de fixação que as seguram, foram colocados em data incerta posterior a Dezembro de 1998 – e, bem assim, quanto aos pontos não provados das alíneas d), e) e f) – continentes da versão obviamente peregrina de que outrora já existiram portadas de madeira similares com fechos idênticos consumidos entretanto pela ferrugem e se limitaram a tudo substituir.

Relativamente a isso, a impugnação foi julgada improcedente e a decisão de facto mantida.

E relativamente à subsunção jurídica quanto a tal questão feita dos respectivos factos, designadamente quanto ao concreto entendimento de que a modificação das portadas importa uma alteração da servidão quer quanto à sua extensão quer quanto ao modo do seu exercício (pois, segundo o título constitutivo, elas, pelo menos até Dezembro de 1998, tinham estores e nada de relevante se provou quanto à modificação do mesmo) e, de qualquer modo, sempre implicam uma violação do direito de propriedade (apesar da restrição deste já resultante das outras onerações), nenhuma concreta questão recursiva os apelantes suscitam e fundamentam contra tal juízo de modo a que, em função dela e do eventual mérito, este possa e deva ser reapreciado pela Relação.

Na verdade, as únicas alusões que se encontram na peça que estrutura a apelação referem-se aos factos e, no pressuposto indemonstrado de que a estrema entre os prédios não se faz pela parede da casa, e que as portadas e ferros não invadem e, por isso, não violam, a propriedade (espaço aéreo) do prédio dos autores/apelados.

Deste jeito, aplicando-se o decidido quanto às portadas das três janelas, mutatis mutandis, também à quarta, não resta senão, nesta parte, confirmar a sentença, designadamente a alínea c), da decisão, embora quanto a todas as janelas.

Assim, na medida exposta, procede em parte o recurso, devendo alterar-se a sentença em conformidade, inclusivamente quanto às custas, em função do vencimento/decaimento e nos termos legais.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar em parte procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, alteram a decisão recorrida, nos seguintes termos:

A. Julga-se a acção apenas parcialmente provada e procedente e, em consequência:

a) Condenam-se os réus J. M. e C. A. a reconhecer que os autores C. N. e S. S. são proprietários do prédio urbano referido no ponto de facto provado nº1 supra, descrito como casa de habitação, de rés-do-chão e andar com logradouro, sito na Travessa ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... do ....
b) Condenam-se os réus J. M. e C. A. a retirar as portadas colocadas nas quatro janelas existentes na parede poente do seu prédio referido no ponto de facto provado nº 4 supra, portadas essas (e respectivos suportes exteriores de fixação quando abertas) referidas nos pontos provados 14 a 16, supra.
c) Absolvem-se os mesmos réus do pedido de tapamento da janela identificada nos pontos provados nºs 9 e 10, supra.

B. Julga-se a reconvenção provada e procedente e, em consequência:

a) Declara-se que se acha constituída a favor do prédio dos indicados réus/reconvintes (referido no ponto de facto provado nº 4 supra) e onerando o dos mencionados autores/reconvindos (identificado no ponto de facto provado nº 1 supra) uma servidão de vistas que se exerce através das quatro janelas abertas na parede poente do prédio daqueles (mencionadas nos pontos provados nºs 8 e 9, supra).
b) Condenam-se os autores C. N. e S. S. a tal reconhecerem, a respeitar tal direito e a abster-se da prática de qualquer acto que obste ao exercício, pelos réus/reconvintes, de tal servidão de vistas.
*
Custas da acção pelos autores e réus, na proporção que se fixa em 1/3 por estes e 2/3 por aqueles.

Custas da reconvenção pelos autores/reconvindos.

Custas da apelação pelos réus/apelantes e pelos autores apelados, na proporção de 2/3 por estes e 1/3 por aqueles – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
*
*
*

Notifique.
Guimarães, 10 de Setembro de 2020

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral

Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Eduardo José Oliveira Azevedo


1. Com base nessas aventadas premissas, concluíram que nem as portadas (apesar de abrirem para o exterior mas face à sua dimensão) nem os fechos de segurança das mesmas fixados na face externa da parede invadem o espaço aéreo do prédio dos autores.
2. Sugestão alimentada ainda porque, apesar do gotejamento, se abstiveram de alegar a existência e titularidade de qualquer servidão de estilicídio (que pressuporia o reconhecimento de que as águas caem sobre o prédio vizinho e não sobre o seu), assim apenas insinuando, não afirmando, que à parede se segue o “intervalo mínimo de cinco decímetros” a que alude o artº 1365º, nº 1, CC.
3. Além de não explicitarem cabalmente se o fazem a título principal ou meramente subsidiário, os réus admitem e assim parecem conceder, no item 35 da sua oposição, que “algumas dessas quatro janelas poderão não respeitar 1,5 metros de distância à extrema do terreno dos AA”. Esquecem, porém, que, mesmo de acordo com a sua sugerida estrema (pelo plano vertical do beiral ou das pedras que alicerçam a parede), todas elas desrespeitam esse intervalo, uma vez que tal estrema, no máximo, só iria além da parede um metro (correspondente à medida das pedras mais largas ou salientes).
4. Os autores, em coerência com a sua tese, admitiram que tal servidão existe quanto às três primitivas janelas, mas pressupondo que o desrespeito pelo “intervalo de metro e meio” a que alude o nº 1, do artº 1365º, CC, é completo, enquanto que os réus, admitem que tal desrespeito será apenas parcial (ou seja, como se extrai do item 35 da sua contestação) na medida que ultrapasse a largura das pedras que alicerçam a parede – que calculam em cerca de um metro, no máximo e que, como se disse, insinuam delimitarem o seu prédio.
5. Não se percebe como medidas de objectos físicos facilmente percepcionáveis e registáveis in loco, quer pelo próprio tribunal na inspecção realizada, quer por meio de perito se necessário fosse, são consideradas relevantes e, por isso, seleccionadas mas resultam “não concretamente apuradas”.
6. Sobre isso, podem ver-se, entre outros, os Acórdãos desta Relação, de 01-03-2018, processo nº 4546/15.8T8VCT.G1, e de 10-10-2019, processo nº 555/18.3T8PTL.G1.
7. Observe-se que, ao contrário do que incorrectamente afirmam os recorrentes, não encontramos na sentença qualquer declaração do tribunal a quo expressiva sequer indicativa de “não existir prova segura para fixar essa mesma linha delimitadora”. Pelo contrário: fixou-a na parede da casa dos réus.