Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2323/22.9T8VCT.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DIREITO AO REPOUSO
ANIMAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – São requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento da providência cautelar não especificada:
a) - Probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito - «fumus bonis juris»).
b) - Fundado receio de que a demora natural na solução do litígio causará uma lesão grave e dificilmente reparável (do direito que se pretende fazer valer em ação pendente ou a instaurar - «pericullum in mora»).
c) - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda consideravelmente o dano que, através da providência, se pretenda evitar.
d) - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado.
II – Visando a providência cautelar evitar a lesão de um direito, esta não pode ser decretada se essa lesão já se tiver consumado, salvo se essa lesão fundamentar o receio de ocorrência de outras lesões idênticas e futuras, a produção de lesões de natureza continuada ou repetida ou o agravamento do dano (como seja em caso de lesões ao direito de personalidade resultantes de actividades ruidosas e perturbadoras do direito ao descanso), pois nesse caso tais lesões são merecedoras de tutela cautelar.
III – Estando em causa uma obrigação de prestação de facto infungível com uma vertente positiva – qual seja, que os requeridos recolham e guardem, designadamente na sua casa de habitação, os seus dois cães, entre as 21h00m e as 7h00m, por forma a que não prejudiquem ou perturbem, com o seu latido, o descanso e o sono dos requerentes –, tal constitui uma daquelas situações que justifica plenamente a fixação de uma sanção pecuniária compulsória (art. 829º-A do CC e art. 365º, n.º 2, do CPC)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA e mulher, BB, intentaram, no Juízo Local Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., o presente procedimento cautelar não especificado contra CC e marido, DD, formulando os seguintes pedidos:

1 – Ser decretada a medida cautelar de recolha e de guarda dos 2 (dois) animais de estimação “Serra da Estrela” dos requeridos, um macho e uma fêmea, ou outros quaisquer animais de companhia que os requeridos venham a ter, no topo poente esquerdo da propriedade dos requeridos (o extremo oposto à propriedade dos requerentes) - assinalado no documento nº ... em anexo, com círculo, a cor vermelha - em local a construir/ a adquirir pelos requeridos para o efeito, no prazo máximo de 10 dias após o decretar da presente providência cautelar, no seguinte período:
- Dias úteis: período compreendido entre as 20.30h até às 7.30horas;
- Dias não úteis (fins de semana e feriados): período compreendido entre as 20.30horas e as 9.00horas.
2 – Ser decretada medida cautelar de sanção pecuniária compulsória, no quantitativo diário de 100,00 € (cem euros), por cada dia de incumprimento dos requeridos da obrigação de recolha e guarda dos animais de companhia.
Alegam, para o efeito e em síntese, que os requeridos residem uma casa contígua à sua e que são proprietários de dois cães adultos de raça “Serra da Estrela” que permanecem na propriedade, dia e noite, sendo que, a partir do ano de 2020, os animais em causa passaram a ladrar diariamente, contínua e persistentemente, com início à chegada a casa dos requeridos (pelas 18.30/19.00h), intensificando-se pelas 20.30horas e até as 02.00h da madrugada, comportamento esse que perdura até às 6.00h/6.30h da madrugada, e que o fazem no jardim frontal e no passeio da casa dos requeridos (com cota mais alta que a da casa dos requerentes), de frente para a residência dos requerentes, que fica a menos de cinco metros de distância destes últimos.
A requerente mulher tem uma necessidade acrescida de repouso por força de um grave problema de saúde de que foi acometida em 2018. Cerca de um ano após a privação regular de repouso, provocada pelo ladrar contínuo dos referidos animais, a sua situação clínica agravou-se, sendo que, actualmente, só adormece com o auxílio de medicação para o efeito, e também carece da toma de medicação para o controlo do seu estado de ansiedade diurno.
A situação descrita agita e perturba os dois filhos menores (EE, com 9 anos, e ..., com 4 anos, respectivamente) do casal na hora de dormirem, tanto assim que o mais velho passou a tomar medicação natural para a indução mais precoce do sono, ao que acresce que, em consequência do comportamento dos animais, deixaram de frequentar a sala de estar, onde permaneciam até à hora de se deitarem.
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Citados, os requeridos deduziram oposição, pugnando pela improcedência do procedimento cautelar (ref.ª ...15 - fls. 27 a 33).
Para tanto alegaram, em resumo, que, segundo o alegado pelos requerentes, os factos descritos na petição inicial já ocorrem há vários anos, pelo que não se verifica um dos requisitos de que depende o decretamento das providências requeridas, seja ele o do fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito invocado, ao que acresce que, desde Junho de 2021, os requeridos vêm guardando os seus cães durante a noite, resolvendo a situação.
No mais, impugnam a versão factual descrita pelos requerentes na petição inicial, alegando ser falso que os cães ladram diariamente e de forma ininterrupta, e que ladram, sim, quando vêem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém, como sucedeu com o filho dos requerentes, que, em meados de Junho de 2022, mandou um pau para acertar na cadela, ao que acresce que a mãe e o irmão do requerente, que residem praticamente em frente dos requeridos, são proprietários de um conjunto de gatos que andam continuamente soltos no caminho e frequentemente tentam e passam, muitas vezes, para o quintal dos requeridos, o que faz com que os cães ladrem.
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Foi realizada a audiência final (ref.ªs ...92, ...91 e ...03).
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Posteriormente, o Tribunal “a quo” proferiu decisão, em que, na procedência parcial do procedimento cautelar, decidiu (ref.ª ...42 - fls. 44 a 52):

«1. Determinar que os requeridos CC e DD recolham e guardem, designadamente na sua casa de habitação, entre as 21h00m e as 7h00m, por forma a que não prejudiquem ou perturbem, com o seu latido, o descanso e o sono dos requerentes, os dois cães identificados no elenco de factos sumariamente provados.
2. Condenar os requeridos CC e DD no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 100,00 € (cem euros) por cada dia que violem o dever referido em 1. 3. Indeferem-se os restantes pedidos formulados pelos requerentes.
Custas por requerentes e requeridos, na proporção de 1/5 e de 4/5, respectivamente.
Registe e notifique, sendo ainda os requeridos de que incorrem na pena do crime de desobediência qualificada se infringirem a providência cautelar decretada, considerando o disposto no artigo 375.º do CPC».
*
Inconformados com esta decisão, os requeridos dela interpuseram recurso e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (ref.ª ...52 - fls. 53 a 96):
«1. O presente recurso tem como objeto a declaração de nulidade da sentença, a reapreciação da matéria de facto e a incorreta aplicação do Direito aos factos dados como provados.
2. O tribunal “a quo” deu como provados entre outros os seguintes factos:
13. Em data não concretamente apurada do ano de 2020, os referidos cães passaram a ladrar diariamente, de forma persistente, o que sucede quando os requeridos chegam a casa, ou seja, pelas 18h30m/19h00m, até às 6h00m/6h30m da madrugada
14. Os dois cães ladram num volume muito alto e, por vezes, em uníssono.
15. E fazem-no habitualmente no jardim frontal da casa dos requeridos, de frente para a residência dos requerentes, ou no passeio da propriedade dos requeridos, de frente para a residência dos requerentes.
16. Os jantares dos requerentes são sempre perturbados pelo ladrar dos referidos cães, o que dificulta a comunicação da família no horário de reunião familiar, obrigando-os a jantar apressadamente, com desagrado e com tristeza.
17. Por não conseguirem suportar o ladrar dos dois cães dos requeridos, os requerentes deixaram de frequentar a sala de estar, como costumavam fazer, ou seja, após o jantar e o adormecer das crianças, onde costumavam ver televisão juntos e onde permaneciam até à hora de se deitarem, acabando por colocaram televisão no seu quarto de dormir, um pouco mais afastado do local de onde os dois animais ladram.
18. A requerente mulher só adormece após a toma da medicação que foi forçada a iniciar para o efeito, fruto do comportamento dos referidos animais.
19. Por outro lado, o ladrar diário dos dois cães, no horário de adormecer dos dois filhos dos requerentes, agita e perturba o mais velho, impedindo-o de adormecer quando se prepara para o fazer, deixando-o agitado.
20. A requerente mulher, no ano de 2018, sofreu um aneurisma cerebral.
21. Tal situação de saúde deixou a requerente mulher em risco de vida, tendo sido hospitalizada por um período não concretamente apurado, deixando sequelas.
22. Em consequência disso, a requerente mulher é portadora de uma incapacidade permanente global, susceptível de variação futura, de 61%.
23. A requerente mulher, por força do referido, tem uma necessidade acrescida de repouso.
24. Cerca de um ano após a privação regular de repouso da requerente mulher, provocada pelo ladrar dos dois cães dos requeridos, a requerente mulher começou a acordar, diariamente, com vómitos, tonturas e com náuseas.
25. A requerente mulher precisou também de recorrer a ajuda médica especializada em virtude de ter sido afectada no seu estado geral de saúde, fruto do estado de ansiedade causado pela impossibilidade do suficiente descanso à sua reparação diária, atenta a sua condição de saúde.
26. Assim, a requerente mulher iniciou a toma de psicofármacos em Agosto de 2021, que mantém até hoje.
27. E teve necessidade de recorrer a acompanhamento de psiquiatria, para além do acompanhamento de neurologia que mantém desde que sofreu o aneurisma.
28. A requerente mulher temer o agravamento do seu estado de saúde e, inclusive, teme pela sua vida, caso esta impossibilidade de repouso/descanso se prolongue.
29. Os cães dos requeridos apenas ladram quando veem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém.
30. Os requeridos trabalham todo o dia e têm filhos menores em idade escolar.
31. A partir do mês de Junho de 2021, os requeridos passaram a guardar os cães durante a noite, entre as 23h00m e as 7h00m, pelo que durante esse período os animais não ladram.
3. Os factos considerados provados estão em clara oposição entre si e alguns deles com a decisão, consubstanciando a nulidade prevista no artº615º nº1 al.c) do C.P.C..
4. No facto 13 considerou-se provado que: “Em data não concretamente apurada do ano de 2020, os referidos cães passaram a ladrar diariamente, de forma persistente, o que sucede quando os requeridos chegam a casa, ou seja, pelas 18h30m/19h00m, até às 6h00m/6h30m da madrugada”
5. Por seu turno nos factos 29 e 31 consignou-se apurado que: “29. Os cães dos requeridos apenas ladram quando veem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém”.
6. Ora, não é possível que os cães ladrem diariamente de forma persistente (facto 13) e ladrem apenas quando veem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém (facto 29), ou seja em circunstâncias normais e inevitavelmente ocasionais.
7. Mas mais grave neste juízo de desconformidade, não é possível que os cães ladrem persistentemente entre as 18h30m/19h00m, até às 6h00m/6h30m da madrugada (facto 13) e “A partir do mês de Junho de 2021, os requeridos passaram a guardar os cães durante a noite, entre as 23h00m e as 7h00m, pelo que durante esse período os animais não ladram (facto 31).
8. Existe também e ainda uma contradição clara e por isso uma oposição irremediável entre o considerado provado nos factos 24 e 26 e o apurado nos factos 29 e 31.
9. É obviamente impossível e por isso falso que ladrando os cães apenas ocasionalmente (facto 29 ) e sobretudo que não ladrando os cães entre as 23 e as 7 da manhã desde Junho de 2021 a requerente tenha começado a ter vómitos cerca de um ano depois dos cães terem começado a ladrar e tenha tido que tomar psicofármacos a partir de agosto de 2021, quando pelo menos desde junho de 2021 beneficia de noites bem dormidas e reparadoras.
10. E esta oposição que se transmuda em verdadeira impossibilidade de julgar provados em simultâneos factos contraditórios entre si determina causalmente não apenas a nulidade da decisão sobre matéria de facto, como inquina de forma irremediável a própria decisão de direito.
11. A única forma de suprir essa nulidade é considerar como não provados os factos 13; 16 a 19 e 24 a 28 e, em consequência, considerar improcedente a providência.
12. A requerente mulher, conforme se refere na sentença “a quo”, não prestou declarações no início da audiência final e assistiu a grande parte das prestadas pelo marido, saindo da sala de audiências no decurso das mesmas, mas quis prestá-las já depois de produzida toda a prova testemunhal.
13. Os intervenientes na audiência de discussão e julgamento para prova testemunhal dos factos, testemunhas ou depoimento de parte, não podem estar presentes na sala de audiência antes dos respetivos depoimentos/ declarações.
14. A requerente, conforme descrito na sentença “a quo”, não quis prestar declarações no início da audiência, entrando na sala para assistir ás declarações do requerente/marido, tendo ouvido as mesmas, saindo na parte final, muito incomodada/chateada pelo facto de considerar que o requerente/marido não estava a depor em conformidade com o que ela entendia que ele devia referir, de tal forma que o Mmo Dr. Juiz teve de intervir, conforme se transcreve.
[00:16:17] Meritíssimo Juiz: Pronto, não tem problema nenhum, também não é um problema. O senhor indicou aqui o início do ano de 2020. Não está também muito afastado, portanto, da altura concreta em que pandemia… pois, tem de estar em silêncio. Não leve a mal, as pessoas prestam as suas declarações, uns de uma maneira, outros de outra, portanto têm que estar em silêncio, está bem?
 [00:16:38] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Doutor, a BB está a ponderar a possibilidade de prestar declarações de parte, e eu estou-lhe a dizer que se quiser prestá-las tem que sair.
 [00:16:48] Meritíssimo Juiz: À partida já…
 [00:16:50] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): A senhora já está aqui, já ouviu.
 [00:16:51] Meritíssimo Juiz: Senhora doutora, assistiu praticamente à matéria toda, não é?
15. Segundo o artigo 512º nº1 do CPC “Antes de começar a inquirição, as testemunhas são recolhidas a uma sala, donde saem para depor pela ordem em que estiverem mencionadas no rol, primeiro as do autor e depois as do réu, salvo se o juiz determinar que a ordem seja alterada ou as partes acordarem na alteração. Sendo que esta norma se aplica também às declarações das partes.”
16. O depoimento prestado por quem tenha estado presente na sala de audiências deve ser declarado nulo., não podendo assim ser minimamente valorado para efeitos de prova a favor da parte que o efetua, na presente situação, da requerente.
17. E tendo este depoimento sido essencial para considerar provados os factos 16 a 19 e 23 a 26, designadamente os problemas da requerente em matéria de saúde alegadamente causados pelo ladrar dos cães, devem tais factos ser considerados não provados.
18. Os factos considerados provados pelo tribunal “a quo” sob os nºs 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 24, 25, 26, 27, 28, da sentença deviam ter sido considerados não provados;
19. Com base nas declarações de parte do requerente marido que consubstanciam confissão, na total falta de fidedignidade e apego à verdade das declarações da requerente mulher, na irrelevância dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores e tendo presente o depoimento credível e desinteressado das testemunhas arroladas pelos requeridos, vizinhas de ambos – requerentes e requeridos – assim como nas declarações dos requeridos.
20. Devem também ser aditados quatro factos aos factos considerados provados, com a seguinte redação:
a) Desde junho de 2021 os requerentes e os filhos têm passado noites bem dormidas e reparadoras.
b) As casas de requerente e requerido situam-se numa aldeia onde a maior parte dos habitantes têm cães, sendo normal que os cães ladrem ocasionalmente, designadamente quando passam pessoas ou veem outros animais como gatos.
c) A mãe do requerente, HH, tem vários gatos que circulam pela vizinhança e suscitam reação dos cães dos vizinhos, entre eles os dos requeridos.
d) A requerente mulher com a pandemia Covid19 ficou muito tempo em casa, alterou os hábitos de vida e sofreu com a situação.
Em conformidade com o referido pela requerente mulher:
 [00:32:41] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Com a pandemia não ficou bastante tempo em casa?
 [00:32:44] BB: Fiquei. Ainda hoje me pergunto como é que seria se fosse a pandemia agora.
 [00:32:50] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Portanto, ficou em casa retida doente bastante tempo? Atirou os seus hábitos de vida?
 [00:32:57] BB: Na pandemia?
 [00:32:59] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Sim, alterou os seus hábitos [sobreposição de vozes].
 [00:33:00] BB: Toda a gente alterou os seus hábitos de vida.
 [00:33:02] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Pronto, ou seja, nessa altura a D. II, alterou os hábitos de vida que tinha anteriormente porque ficou em casa ou não?
 [00:33:10] BB: Claro.
 [00:33:11] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Pronto, começou a ficar sempre em casa que levou a alterar os hábitos pessoais em casa?
 [00:33:19] Meritíssimo Juiz: Senhor doutor já disse que sim, senhor doutor.
Ou seja, confessa que sofreu com a pandemia, ficou em casa bastante tempo, alterou os seus hábitos de vida dizendo mesmo que não sabe como seria se fosse a pandemia agora.
21. Estes factos devem ser considerados provados com recurso às declarações de parte (confessórias) dos requerentes, quanto às noites reparadoras e alteração dos hábitos de vida com a pandemia; ao depoimento das testemunhas indicadas pelos requeridos, quanto à existência de cães em toda a vizinhança e à posse de gatos pela mãe do requerente e ainda o depoimento da mãe do requerente quanto a essa posse.
22. Quanto aos documentos juntos aos autos, trata-se de meros documentos particulares e foram devidamente impugnados pelos requeridos, conforme vertido na sua contestação.
23. Ora, os documentos ... e ... apenas referem os problemas de saúde da requerente, derivados do aneurisma que sofreu e a incapacidade dai decorrente, nada referem relativamente a ruídos dos cães.
24. O documento 10, de maio de 2022, refere problemas de saúde que a requerente continua a ter atualmente, derivados do aneurisma.
25. No restante designadamente insónia inicial e durante a noite, que se mantem há mais de um ano pela mesma causa, problemas de ruídos com vizinhos por presença de animais ruidosos e mantem vómitos matinais após noites com sono não reparador, o próprio documento baseia esta informação em “relato da paciente”
26. Quer este documento, datado de junho de 2022, quer o documento ...1 datado de outubro de 2021 quanto aos problemas sentidos pela requerente em virtude da ação dos cães baseiam-se exclusivamente em relatos da requerente que são infirmados desde logo pelo facto (aliás considerado provado pelo tribunal “a quo” ) de que, pelo menos desde junho de 2021 os requeridos guardam os cães entre as 23h e as 7 h o que permite aos requerentes noites bem dormidas e pelas declarações do marido que corroboram esta asserção de que desde que os cães são guardados dormem bem.
27. Quanto aos documentos do 12 em diante, comprovam que terão existido diligências dos requerentes até junho de 2021, tendo essas diligências cessado nessa data porque os requeridos começaram a guardar os cães;
28. Estando assim inelutavelmente provado (até pela prova documental junta pelos requerentes) que não existe desde junho de 2021 qualquer prejuízo para os requerentes o que os levou a cessar as diligências empreendidas até então e, por isso, não se justifica a necessidade de qualquer providência.
29. O que aliás é corroborado pelas declarações do requerido [00:28:50] Meritíssimo Juiz: Foram todas… Essas diligências que relatou, junto do SEPNA e por aí fora, foram todas feitas até ao verão de 2021, daí para a frente houve mais alguma diligência?
[00:28:59] AA: Daí para a frente depois cessámos porque, entretanto, houve alguma… O facto de nós termos ido às autoridades levou a que, pelo menos, eles começassem a guardar no horário que é dado por lei das 23h00 às 07h00.
30. O tribunal “a quo” também considerou importante, na sentença proferida, o depoimento da testemunha JJ, que salvo o devido respeito para além de confessar não frequentar a casa dos requerentes, denotando uma total falta de razão de ciência, foi manifestamente parcial no seu depoimento;
31. Já que localizou os problemas da requerente em 2020, 2021, quando o problema mais grave que esta teve e por ela reconhecido, foi em 2018
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Tempo áudio:  00:15:42
Data: 27/09/2022
Observações: JJ designado(a) como JJ:
[00:02:32] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Sr. JJ, o senhor doutor Juiz já antecipou muitas das minhas perguntas, portanto, já sabemos que é colega de trabalho há 9 anos do Sr. KK e também conhece a esposa. Eu pergunto-lhe se só conhece desta relação de trabalho ou se também frequenta a casa, conhece a casa deles?
 [00:02:52] JJ: Não, conheço da relação de trabalho.
 [00:02:53] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Certo. Sim senhor. Portanto, não costuma frequentar a habitação deles.
 [00:02:57] JJ: Não senhora
 [00:03:25] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Sim senhor. Então o que é que o senhor nos sabe dizer sobre esses distúrbios, sobre essas relações de vizinhança?
 [00:03:35] JJ: Eu o que posso dizer é que trabalho com o KK já há 9 anos e era uma pessoa dedicada, concentrada, disposta a trabalhar, e mais ou menos não sei precisar agora datas, finais de 2020, inícios de 2021, 1, 2 anos, 1 ano e meio, 2 anos, ele perdeu essa concentração a nível de trabalho
 [00:05:48] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): E ele então falou-lhe então na esposa, na Dra. BB, foi?
 [00:05:50] JJ: Sim, sim, sim[00:05:52] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): O que lhe disse ele então a respeito da Dra. BB?
 [00:05:55] JJ: Eu sabia que a mulher dele tinha tido um problema de saúde e ele começou a comentar que ela para além disso ainda tinha de tomar medicação para poder descansar.
 [00:07:00] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Sim. Portanto, o senhor começou a notar essas diferenças de comportamento em fins de 2020, 2021.
 [00:07:09] JJ: Sim, mais ou menos por essa data.
 [00:11:19] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Pronto, o Sr. JJ diz que o Sr. KK que andava preocupado. Mas diga-me uma coisa: o problema dele vinha, a preocupação dele não tem a ver com o facto de, segundo o que aqui é referido, a esposa ter uma doença grave com eventual tendência de poder agravar, não tem a ver com isso?
 [00:11:42] JJ: Eu deduzo que não. A preocupação dele é uma parte que só ele poderá responder. Essa parte… Eu posso-lhe dizer que ele falava…
 [00:12:03] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Pronto. Mas o problema de a esposa ter de tomar medicação não tem a ver com o facto de ela ter problemas de saúde delicados?
 [00:12:15] JJ: Não, porque ela já tinha problema de saúde, que eu saiba, anterior a isto. A esta situação que se está de desenrolar.
 [00:12:20] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): E não continua a ter? E não continua a ter?
 [00:12:23] JJ: O problema de saúde?
 [00:12:24] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Sim.
 [00:12:25] JJ: Provavelmente.
 [00:12:26] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Ai não sabe se continua a ter. Não sabe.
 [00:12:30] JJ: Não, isso faz parte da vida deles de casal, eu sou um colega de trabalho, que a gente comenta o nosso dia a dia.
……….
 [00:13:29] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Mas já vem… pronto, isso foi o que já disse, foi o que ele lhe disse. Pronto. Agora eu estou-lhe a perguntar se o Sr. JJ sabe em concreto além do diz que disse, que se os cães ladram muito ou não, no concreto.
 [00:13:43] JJ: Não. Eu não fui lá ver.
 [00:13:44] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Não sabe, não tem ideia nenhuma.
 [00:13:45] JJ: Não, não, não, não, nada, eu não vou lá, eu não vou lá dormir a casa dele, portanto, não sei.
 [00:13:50] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Portanto, não conhece. Sabe se atualmente o proprietário dos cães guarda os cães de noite ou não?
 [00:14:01] JJ: Se ele atualmente guarda?
 [00:14:03] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Sim.
 [00:14:03] JJ: Segundo informações do Sr. KK, do meu colega de trabalho, do Sr. KK, está a guardá-los às 23h00. Depois deste processo ter sido começado.
 [00:14:15] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Portanto, segundo ele lhe disse.
 [00:14:16] JJ: Sim, mas eu não fui lá confirmar.
32. Esta testemunha, conforme o próprio afirma, apenas refere o que o requerente lhe disse, não sabe se os cães ladram ou não, nunca lá foi, não tem qualquer conhecimento diretos dos factos.
33. E é mesmo desmentido pela requerente quanto ao fundamento e tempo em que o marido terá andado preocupado
Declarações de parte de BB
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Tempo áudio:  00:43:17
Data:   04/10/2022
Observações: BB designado(a) como BB:
[00:42:34] Meritíssimo Juiz: Não, mas responda só.
 [00:42:36] BB: Depois em 2018 foi o pior ano das nossas vidas, claro, porque eu estive entre a vida e a morte, mas eu e ele claro que ele esteve mal, é normal, não é? Ele foi o meu pilar e que conseguiu fazer com que eu superasse tudo, depois ele conseguiu ultrapassar, ele tinha que ultrapassar eu consegui ultrapassar porque tinha que ultrapassar.
34. Trata-se, pois de um depoimento parcial, sem conhecimento direto dos factos e que não devia ter sido valorado.
35. . O tribunal “a quo” para dar como provados os factos que considerou como tal valorou ainda o depoimento prestado pela mãe do requerente marido, testemunha HH,
36. Ora esta testemunha também não depôs de forma espontânea, objetiva, isenta, coerente e credível, fazendo-o de forma subjetiva, interessada, incoerente e sem isenção, demonstrando preocupação em responder de acordo com o que os requerentes alegaram na PI, tentando por vezes lembrar-se do que eles lhe disseram, de tal forma que o tribunal “a quo” na sentença recorrida refere mesmo que vinha industriada, nomeadamente quanto á questão da data em que os requeridos começaram a guardar os cães.
37.
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Tempo áudio:  00:47:32
Data:   27/09/2022
Observações: LL designado(a) como KK:
00:02:34] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Para eu me situar e situar melhor este Tribunal, a casa da Sra. KK fica mais ou menos de frente para a casa do seu filho, é isso?
 [00:02:46] KK: Sim, sim.
 [00:02:47] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): E fica, quem está de frente para a sua casa, tem a casa da Sra. CC e do Sr. DD um bocadinho mais à direita.
 [00:02:51] KK: Sim, sim, fica mais um bocadinho… sim.
 [00:11:08] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Então, a senhora, na sua casa, tem queixas?
 [00:11:11] KK: Oiço-os bem. Sim, na nossa casa, temos. Só que nós nunca fomos falar com o Sr. DD nem com a D. CC porque eu acho que na casa deles também se deve de ouvir o mesmo, doutora.
 [00:11:23] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Isso não me interessa, eu não lhe perguntei isso. Eu perguntei-lhe se a senhora está incomodada com o ladrar dos cães.
 [00:11:27] KK: Sim, sim, sim, sim, doutora, sim, estamos incomodados. Até que agora, (quando?) começaram a fechá-los à noite, a gente consegue… que eles ladravam toda a santa noite, eu acordava às 02h00, às 03h00, às 04h00, às 05h00 (da manhã) e os cães sempre a ladrar.
 [00:11:44] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): E desde quando é que eles começaram, a senhora começou a descansar, a partir…
 [00:11:47] KK: A descansar a partir de… eu não sei se foi 5 de junho. Acho que foi 5 de junho é que agora, sim, agora dorme-se no céu, no céu.
38. Ora, não é sequer minimamente credível que a testemunha diga que reside ali perto, ouve bem os cães em casa, que se sente incomodada com o barulho deles de noite e depois não saiba minimamente quando é que os requeridos começaram a guardá-los, dizendo mesmo que foi agora em junho/22, tentando fazer crer que ladravam de noite e da forma que refere, até essa data, quando se encontra devidamente provado que foi em junho/21.
39. Esta testemunha, tinha total conhecimento e consciência que estava a mentir, não estava a dizer a verdade dos factos, mas a tentar iludir o tribunal “a quo”, alegando de forma interessada, incoerentes factos totalmente diferentes da realidade pela razão óbvia que sendo mãe do requerente tinha interesse direto no desfecho da causa.
40. Assim este depoimento, tem de ser considerado sem qualquer credibilidade e não pode servir como meio de prova minimamente credível para efeitos da decisão, como erradamente aconteceu na decisão “a quo”.
41. De salientar que estes depoimentos de parte e os destas testemunhas, afirmando que, a partir do ano de 2020, os animais em causa passaram a ladrar diariamente, contínua e persistentemente e que só foram guardados a partir de junho/julho de 2022 também foram devidamente contrariados pelas testemunhas MM, NN e OO e pelos requeridos CC e DD conforme adiante se demonstra e pelo facto dado como provado no quesito 29.
42. A testemunha vizinha e com conhecimento direto dos factos: Testemunha MM
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20220927121138_1635236_2871835.wma
Tempo áudio:  00:08:53
Data:   27/09/2022
MM designado(a) como MM:
 [00:01:32] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Concretamente a D. MM reside em que local?
 [00:01:36] MM: Eu resido na estrema, a meio do caminho, a 50 m mais ou menos
. [00:01:43] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): E é em frente à Rua ....
 [00:01:43] MM: Em frente à Rua [impercetível].
[00:01:44] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Ah, ou seja, da sua casa consegue, do seu portão consegue ver a Rua ..., pronto, onde fica a casa do Sr. KK…
 [00:01:52] MM: Sim, sim.
 [00:01:53] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Pronto. Diga-me uma coisa, D. MM, normalmente diz que trabalha fora e costuma chegar a casa por que horas?
 [00:02:04] MM: 22h20, 22h30, a partir das 22h00 para a frente, até às 22h30.
 [00:03:03] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Quando eles ladram, da sua casa, ouve-se ou não?
 [00:03:07] MM: Ouve-se, ouve-se ladrar.
 [00:03:15] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Quando chega a casa, pronto, vamos esquecer o dia, pelas 22h00, 22h30, costuma ouvir os cães do Sr. DD a ladrar?
 [00:03:24] MM: Não, eu à noite não ouço cão nenhum ali a ladrar.
00:03:26] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): À noite não costuma?
 [00:03:28] MM: Não. Não costumo ouvir cão nenhum. Ali todo o vizinho tem cães.
 [00:03:34] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Diga?
 [00:03:35] MM: Todos os vizinhos ali têm cães todos e nenhum, não oiço nenhum animal a ladrar.
 [00:03:40] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Não costuma ouvir quando chega a casa.
 [00:03:41] MM: Não, não.
 [00:04:52] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): A única coisa que sabe é que não costuma ouvir de noite.
 [00:04:55] MM: Não, não ouço cão nenhum de noite.
[00:07:53] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): E que disse que por ali toda a gente tem cães.
 [00:07:56] MM: Toda a gente tem cão.
 [00:07:57] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): E que a senhora não os ouve.
 [00:07:59] MM: Ouço, se estiver em casa ouço.
 [00:08:00] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Ai ouve. Depois das 22h30, a senhora disse 22h30, 23h30…
 [00:08:04] MM: À noite não ouço cães a ladrar.
 [00:08:23] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Mas mora a 70 m e não os ouve.
 [00:08:26] MM: Não os ouço à noite.
 [00:08:27] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Senhor doutor Juiz, que maravilha.
 [00:08:28] MM: À noite não oiço os cães a ladrar.
43. A testemunha também vizinha:
Testemunha NN referiu:
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20221004140647_1635236_2871835.wma
Tempo áudio:  00:19:58
Data:   04/10/2022
Observações: NN designado(a) como NN:
[00:00:30] Meritíssimo Juiz: E a D. BB? Conhece este casal?
 [00:00:34] NN: Sim. Conheço, são meus vizinhos.
 [00:00:35] Meritíssimo Juiz: São seus vizinhos. Mora ali perto, é isso?
 [00:00:37] NN: Sim.
[00:02:22] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Boa tarde, D. NN. A D. NN mora perto do Requerido, o Sr. DD?
 [00:02:32] NN: Sim.
 [00:02:32] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Conhece os cães do Sr. DD?
 [00:02:37] NN: Conheço.
 [00:02:53] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Portanto, diga-me uma coisa: estes cães… sabe, portanto, a que hora é que costuma chegar a casa ao fim da tarde? Mais ou menos.
 [00:03:03] NN: Aí por volta das… sim. 19h30, 20h00 (da noite).
 [00:03:08] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Pelas 19h30, 20h00. E estes cães, quando chega a casa ao fim da tarde, ladram muito? Estão sempre a ladrar? Portanto, o que é que acontece, na realidade?
 [00:03:23] NN: É assim, na realidade, chego a casa, não ouço propriamente nenhum cão a ladrar quando eu estou em casa. A não ser que eles ladram quando passa alguém.
 [00:03:37] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Portanto, por motivo específico?
 [00:03:39] NN: Sim, mas não ouço, não…
 [00:03:41] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Mas quando eles ladram, na sua casa, consegue ouvir?
 [00:03:46] NN: Sim, sim. É um ladrar…
 [00:03:47] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Consegue ouvir?
 [00:03:47] NN: Sim, sim, sim.
 [00:04:09] NN: Não. (Doutor?), ladram se houver alguém a caminhar, é natural. Isso eu ouço longe, ao longe, um ladrar, mas nunca… [impercetível].
 [00:04:24] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Se for alguém estranho que vejam, é isso?
 [00:04:27] NN: Sim, sim, sim. [inaudível].
 [00:04:28] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Portanto, a gatos, por exemplo, sabe se também costumam ladrar?
 [00:04:31] NN: Sim, [impercetível].
44. Ainda a testemunha vizinho
A Testemunha: OO referiu:
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20221004142727_1635236_2871835.wma
Tempo áudio:  00:16:49
Data:   04/10/2022
Observações: OO designado(a) como OO:
 [00:00:25] OO: Sim. Conheço os 2.
 [00:00:27] Meritíssimo Juiz: E ali o Sr. AA também e a esposa?
 [00:00:29] OO: Sim, sim. São vizinhos. São vizinhos.
 [00:00:30] Meritíssimo Juiz: Por que razão? Ai o senhor mora ali também?
 [00:00:32] OO: Sim, sim, moro mesmo na rua. São vizinhos.
 [00:00:34] Meritíssimo Juiz: Como é que se chama a rua?
 [00:00:35] OO: É a Rua ...
 [00:03:26] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Normalmente a que horas é que costuma no dia a dia chegar a casa?
 [00:03:31] OO: Chegar, 18h00, 19h00. Nunca é a uma hora certa.
 [00:03:41] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Pronto. Mora ali pertinho. Quando chega a casa e a partir daí, os cães do DD costumam estar sempre a ladrar de forma contínua e ininterrupta, muito tempo?
 [00:03:55] OO: Não. Isso não.
 [00:03:56] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Quando acontece na realidade ali?
[00:03:59] OO: Não, isso não.
00:04:09] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Portanto, ladram normalmente, o que é isso de ladrar normalmente?
 [00:04:13] OO: Se vir um gato, se vir um carro a passar ele vai ladrar.
 [00:04:20] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Barulhos estranhos?
 [00:04:22] OO: É. [impercetível] isso, porque de resto.
 [00:05:38] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Mas e o que é o ladrar normal?
 [00:05:40] OO: O normal é, foi o que eu disse ao senhor doutor, se passar lá um cão ou um gato, ou um carro, ou gente desconhecida, ladram.
 [00:05:47] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): E depois quando a pessoa passa, continuam a ladrar ou não?
 [00:05:51] OO: Não. Não.
45. Esta testemunha, afirmou, em resumo, que reside perto das partes no processo, chega a casa pelas 19h, ouve os cães dos requeridos quando ladram e tal só acontece quando passa alguém desconhecido, gatos ou cães, calando-se logo que passam.
46. A requerida PP igualmente prestou o seu depoimento de forma clara, espontânea, objetiva e credível e no seu depoimento de parte referiu:
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20220916145505_1635236_2871835.wma
Tempo áudio:  00:27:48
Data:   16/09/2022
Observações: CC designado(a) como CC:
 [00:03:01] Meritíssimo Juiz: E, portanto, o que aqui, portanto, os seus vizinhos alegam e a senhora já sabe, como é evidente, é que os animais, portanto, ladram muito, e que, portanto, que isso prejudica o descanso do casal em causa, dos filhos que têm que ainda são pequenos, 9 e 5 anos, aparentemente, e eu queria saber naturalmente o que é que se passa, se é verdade, se não é.
 [00:03:26] CC: Não é verdade. Porque eu também tenho filhos pequenos e os meus cães fazem o ruído normal de cães,… ladram quando estão perante situações que os fazem ladrar, como qualquer animal. Quando vêm gatos, por exemplo, que é uma situação muito comum lá naquela rua, quando alguém se aproxima do portão, ou quando alguém passa junto do portão
[00:10:07] Meritíssimo Juiz: Muito bem, muito bem. Portanto, relativamente ao comportamento dos animais, designadamente quando estão no quintal da casa, penso que se pode dizer assim, diz a senhora que ladram ocasionalmente, é isso?
 [00:10:29] CC: Sim.
 [00:10:32] Meritíssimo Juiz: Os cães ladram já se sabe por vários motivos, sabe identificar algum motivo que os façam…
 [00:10:39] CC: Sei identificar, sei, sei identificar porque aquilo é assim, o irmão do Sr. AA tem uma colónia de gatos em frente.
[00:11:49] Meritíssimo Juiz: Os seus cães reagem, é isso?
 [00:11:50] CC: Reagem, sim. E reagem também quando passa alguém estranho, ou quando alguém toca à campainha. Ou quando andam a fazer caminhadas em frente ao meu portão, porque aquilo é uma rua que realmente anda sempre ali muita gente a caminhar ou de bicicleta e eles ladram. Mas eu acho que isso é o normal dos cães. E também lhes ladram a eles agora mais porque eles também porque eles também próprios atiçaram os cães para que essa situação acontecesse.
47. Assim face a esta prova testemunhal constante dos presentes autos, uma correta análise, avaliação e valoração da mesma impõe que relativamente a estes factos dados como provados, nºs 13, 14, 29 e 31 seja decidido que:
48. Os factos 13 e 14 têm de ser considerados totalmente como não provados, porquanto ficou devidamente provado que os cães ladram apenas ocasionalmente, nas situações referidas no quesito 29 dos factos provados e que não ladram de forma persistente, nem ladram durante o período noturno, conforme também refere o quesito 31 dos factos provados.
49. Ao dar-se como provado como se deu que os cães ladram apenas ocasionalmente (facto 29) e que entre as 23h e as 7 horas da manhã não ladram porque estão guardados dúvidas não restam também que os factos, erradamente, dados como provados nos quesitos 13 a 28 dos factos dados como provados têm de ser dados como não provados.
50. Por outro lado, o aditamento dos factos:
51. Desde junho de 2021 os requerentes e os filhos têm passado noites bem dormidas e reparadoras.
52. As casas de requerente e requerido situam-se num aldeia onde a maior parte dos habitantes têm cães, sendo normal que os cães ladrem ocasionalmente, designadamente quando passam pessoas ou veem outros animais como gatos.
53. A mãe do requerente, HH, tem vários gatos que circulam pela vizinhança e suscitam reação dos cães dos vizinhos, entre eles os dos requeridos.
54. A requerente mulher com a pandemia Covid19 ficou muito tempo em casa, alterou os hábitos de vida e sofreu com a situação.
55. Devem ser considerados provados, o primeiro pelas declarações de parte do requerente que confessou expressamente tal facto; o segundo entre outros pelo depoimento da testemunha MM supra transcrito, o terceiro pelo depoimento da própria HH e das declarações de parte da requerida e o último por declarações de parte da requerente mulher.
56. Senão vejamos:
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20220927105424_1635236_2871835.wma
Tempo áudio:  00:47:32
Data:   27/09/2022
Observações: LL designado(a) como KK:
[00:20:04] KK: Em 2020, duas gatas apareceram-me com duas ninhadas, dei a uns amigos do meu filho mais novo, quis dar à D. CC também, a D. CC, “sim, sim, sim”, depois não quis, e peguei na…
 [00:20:17] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Mas espere lá. A senhora teve duas ninhadas em 2020?
 [00:20:21] KK: Em 2020, nasceram duas ninhadas. Uma…
 [00:20:24] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): O que é que é uma ninhada? Quantos gatos tem?
 [00:20:27] KK: Uma ninhada tem… uma gata teve três e outra teve quatro.
 [00:21:23] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): E que altura é que apareceram outra vez ninhadas?
 [00:21:24] KK: Apareceram aí por maio, 1 de maio, mais ou menos. Apareceram mais
 [00:23:01] KK: Dessa ninhada ficou o B....
 [00:23:03] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Ficou um gato?
 [00:23:04] KK: Ficou um gato e as gatas, as outra gatas, as mães.
 [00:24:11] Mandatária dos Requerentes (Dra. FF): Em 2021, havia… nasceram mais gatos?
 [00:24:14] KK: Nasceram mais.
00:36:08] KK: Não, de estimação, só tenho o B.... O B... é que é de estimação que é o que vai para casa, que anda em casa connosco. Agora, o resto…
 [00:36:16] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): O festo, a senhora já disse aqui várias vezes que lhes dá de comer, que no fundo cuida deles. Pronto.
 [00:36:23] KK: Sim, dou, dou. Não cuido deles, dou-lhes de comer. Deito-lhes os restos das comidas. Vou deitar ao quintal e eles comem.
 [00:36:31] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Pronto, ou seja, a senhora é que assume-os como seus, então. Pronto, mas os gatos são ou não também animais de estimação?
 [00:36:40] KK: Sim.
 [00:37:37] Mandatário dos Requeridos (Dr. GG): Olhe, mas os seus gatos… os gatos andam ou não andam no caminho, saltam ou não salta para o quintal do DD, os gatos?
 [00:37:42] KK: Os que andam… os que andam… não. Os meus gatos saltarem para o quintal do Sr. DD, não, porque os cães nem admitiam isso.
Deste depoimento resulta claro que os gatos são alimentados e pertencem a esta testemunha, que são animais de estimação e que andam no caminho, em frente á casa dos [00:14:58] Meritíssimo Juiz: Olhe, mas os gatos ficam dentro da casa do Sr. QQ ou andam pela rua, como é que é?
A Requerida CC referiu quanto a esta matéria:
 [00:15:04] CC: Os gatos andam pela rua, os gatos vão comer a comida dos meus cães à noite.
 [00:15:11] Meritíssimo Juiz: Portanto, dentro da sua propriedade.
 [00:15:13] CC: Sim, na minha varanda da cozinha.
57. Os requerentes alegaram na sua PI a violação do regulamento do ruido e do direito de personalidade afirmando que os requeridos são proprietários de dois cães adultos de raça “Serra da Estrela” que permanecem na propriedade dia e noite, sendo que, a partir do ano de 2020, os animais em causa.
58. Passaram a ladrar diariamente, contínua e persistentemente, com início à chegada a casa dos requeridos (pelas 18.30/19.00h), intensificando-se pelas 20.30horas e até as 02.00h da madrugada, comportamento esse que perdura até às 6.00h/6.30h da madrugada,
59. Percebe-se a cumulação da invocação da violação do regulamento do ruído com a lesão do direito de personalidade.
60. A violação do regulamento é condição da ilicitude do comportamento que gera o dano no direito de personalidade.
61. Ora prescrevendo este regulamento como período noturno o período entre as 23h e as 7h da manhã, e estando provado (sem necessidade sequer de alteração da matéria de facto) que nesse período os cães não ladram não existe no comportamento dos requeridos que mereça a adoção de qualquer medida corretiva.
62. Tanto mais que é o próprio requerente que confessa que desde que os requeridos guardam os cães entre as 23h e as 7 da manhã a família tem dormido de forma tranquila e reparadora;
63. Pelo que também fica afastada a invocação de violação dos direitos de personalidade no que poderia constituir um dano reparável.
64. Mas desde logo, quer para a existência da violação do regulamento do ruído, quer para a lesão dos direitos de personalidade seria essencial que o ruído fosse, como os requerentes alegam um ladrar diário, contínuo e persistente, com início à chegada a casa dos requeridos (pelas 18.30/19.00h), intensificando-se pelas 20.30horas e até as 02.00h da madrugada, comportamento esse que perdura até às 6.00h/6.30h da madrugada,
65. Ora, o que se provou foi que (facto 29) o ladrar é ocasional perante factos concretos e normais – assomar ao portão, passagem de pessoas e gatos e cessa completamente às 23h
66. Pelo que não existe qualquer comportamento lesivo que deva ser prevenido.
67. Nas impressivas palavras do acórdão do STJ de 30/09/2010 in Processo 1229/05.0TVLSB 1.S1 in www.dgsi.pt:
I - Só a violação ilícita e culposa dos direitos fundamentais dos Autores (direito à saúde e ao repouso) é susceptível de fundamentar a condenação dos Réus.
II- Para que se verificasse a ilicitude da sua conduta na permissão de que os seus cães ladrassem à noite, era necessário que os Autores lograssem provar a relação de causalidade entre os latidos do cães e a sua falta de sono, o que não lograram provar, tanto mais que esta ocorre só em algumas noites.
IV- Ainda que se entendesse, numa atenuação do rigor interpretativo, que a afirmação conjectural da Relação sobre a possibilidade ou probabilidade de os episódios de insónia dos AA, em algumas noites, serem consequência do ladrar dos cães referidos, equivaleria ao estabelecimento da exigível conexão causal, admitindo-se que tal juízo seria bastante para preencher o conceito de causalidade adequada entre a conduta permissiva dos Autores e as insónias comprovadas dos Réus, verificar-se-ia, relativamente à colisão dos direitos fundamentais já referidos no Acórdão, a falta dos princípios de proporcionalidade e proporcionalidade e de adequação (também referido como de razoabilidade) essenciais para a determinação do direito prevalente no caso em apreço.
VI- Trata-se da conhecida figura dogmática da área do Direito Penal, transponível, vantajosamente, para a jurídico-civil, designada por adequação social (do alemão sozial Adäquanz, expressão cunhada por Hans Welzel), que constata a tolerância comunitária para certos condutas que, em abstracto se poderiam considerar como infracções, mas que, em homenagem às concretas necessidades da convivência social e aos valores preponderantes na interacção comunitária, em dado momento histórico, são comummente suportadas como toleráveis.
VII -Isto porque, como é sabido, na convivência social em núcleos populacionais densos, impõem-se algumas restrições de interesses individuais, para que todos possam      viver em conjunto em espaços necessariamente limitados.
VIII- -Daí que não baste falar-se in abstracto na prevalência ou preponderância de uma espécie de direitos fundamentais em relação a outra, como parece ser a tese dos Recorrentes, condensada na conclusão j) das suas alegações e acima transcrita, antes se exigindo a avaliação concreta do circunstancialismo fáctico de cada situação, tendo em pauta os referidos princípios.
IX- Por isso mesmo, no Acórdão deste Supremo Tribunal de 15.03. 2007, desta mesma Secção Cível, de que foi Relator, o Exmº Conselheiro Oliveira Rocha, decidiu-se, na parte que ora interessa: «Caso a caso, importa averiguar se a prevalência dos direitos relativos à personalidade não resulta em desproporção intolerável, face aos interesses em jogo, certo que o sacrifício e compressão do direito inferior apenas deverá ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante
68. O que se diz para meios densos é aplicável por maioria de razão aos meios rurais, onde existe espaço e, por isso muitos cães, que naturalmente ladram ocasionalmente.
69. Sendo especialmente mobilizável neste caso o princípio da adequação social já que numa localidade onde a maioria dos vizinhos tem cães os requeridos são mesmo os únicos que para prevenir a “embirração” dos requerentes guardam os seus cães entre as 23h e as 7h, evitando que eles ladrem seja a pessoa, carro, gato, cão ou pau.
70. Quanto ao restante motivo que provoca o ladrar dos cães, a presença de gatos, contrariamente ao que acontece com os requeridos, está no âmbito das possibilidades dos requerentes terminar o mesmo, logo que assim o queiram.
71. Basta combinarem com a proprietária dos mesmos, mãe do requerido, para cuidar de que eles não saiam do seu quintal.
72. Conforme estabelecido no artigo 362 co CPC
1 - Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do seu direito ameaçado------------------------------
Para ser decretada a providência cautelar é necessário que se verifiquem cumulativamente três requisitos, o fumus boni iuris, o periculum in mora e a proporcionalidade.
73. O fumus bonni iuris traduz se na probabilidade seria da existência do direito que se alega ser violado.
74. O periculum in mora, ou seja, o perigo na demora da decisão.
75. A proporcionalidade.
76. Quanto ao primeiro requisito, os requeridos não contestam a existência do direito ao repouso por parte dos requerentes.
77. Conforme supra demonstrado na presente peça processual, não se mostra provado, nem suficientemente indiciado nos autos que existe da parte dos requeridos a violação do direito alegada pelos requerentes, não se cumprindo assim este requisito para ser decretada a providência requerida.
78. O Periculum In Mora – perigo da ocorrência de lesão ou dano para o requerente resultante da demora da tutela do seu direito na ação principal, perigo que a tutela cautelar visa prevenir com a urgência que se encontra associada.
79. O carater de urgência das providências implica que a pessoa que sinta lesão grave de algum direito, instaure de imediato o procedimento cautelar para evitar o perigo da demora da tutela principal.
80. Tal implica que se os requerentes entendessem que o seu direito estava a ser lesado e que havia o perigo de a situação se agravar se não fosse resolvida rapidamente, deveriam instaurar este procedimento cautelar logo que terminaram com as diligencias que efetuaram, o que não aconteceu por vontade e decisão deles.
81. Na presente situação, pelo que os requerentes alegam e está vertido nos autos, verifica-se que:
a) A requerente sofre de doença provocada pelo aneurisma desde 2018
b) Os requerentes alegam que os cães dos requeridos ladram, desde 2020, diariamente, contínua e persistentemente, com início à chegada a casa dos requeridos (pelas 18.30/19.00h), intensificando-se pelas 20.30horas e até as 02.00h da madrugada, comportamento esse que perdura até às 6.00h/6.30h da madrugada.
c) Desde o verão de 2021 os requerentes não efetuaram quaisquer diligências, judicial ou outras, relacionada com a situação de ladrar dos cães alegada nos autos, não existindo assim qualquer urgência.
d) Não efetuaram qualquer diligência, neste período de um ano, porque entenderam que tal não era sequer necessário, conforme refere o requerente no seu depoimento de parte dizendo:
82. Verifica-se assim que os factos alegados pelos requerentes nos presentes autos, segundo os próprios, já decorrem há alguns anos, nem sequer são recentes.
83. Dado o período de tempo já decorrido, os requerentes podiam ter instaurado competente ação para salvaguardar e impedir a lesão dos direitos que alegam nos presentes autos se o quisessem fazer, a qual na presente data já estava decidida.
84. Os requeridos nada fizeram, porque na verdade não existe a lesão que alegam dos seus direitos, nem o perigo do seu agravamento, ou se entendiam que existe essa lesão, por inércia.
85. Assim na presente situação, não se verifica a existência nem de “fumus bonus iuris” nem Periculum in Mora, requisitos para poder ser decretado o procedimento cautelar tendo de ser decidida a improcedência total da presente ação de procedimento cautelar, por incumprimento dos respetivos requisitos.
86. A sentença “a quo” condenou também os requeridos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 100,00 € (cem euros) por cada dia que violem o dever referido em 1., fazendo-o com base no artigo 365, nº2 do CPC, que admite a sua aplicação.
87. Para ser aplicada uma sanção não basta que seja legal, tem de ser adequada a cada situação concreta, proporcional e possível de ser cumprida, sob pena de ser inútil e desproporcional como é neste caso claramente.
88. Pelo que para além de improcedente a providência o que determinará a insubsistência da sanção mesmo que se mantivesse a providência (o que nem sequer se admite) esta sanção deve pura e simplesmente ser revogada.
89. Deve assim ser a decisão “a quo” ser revogada “in totum”.
Nestes termos e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente recurso ser declarado procedente por provado e, em consequência, ser integralmente revogada a decisão do tribunal “a quo” julgando-se improcedente a providência».
*
Contra-alegaram os requerentes, pugnando pela improcedência do recurso de apelação e confirmação da sentença recorrida (ref.ª ...03  - fls. 98 a 110).
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Por despacho de 16/12/2022, o Mm.º Julgador “a quo” julgou inverificada – e por conseguinte, improcedente – a invocada nulidade da sentença. Mais admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (ref.ª 49693592 - fls. 112).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:               

1.ª – Da nulidade da sentença com fundamento na al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC;
2ª – Da nulidade das declarações de parte da requerente mulher;
3ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
4ª – Da (in)verificação dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar não especificada;
5ª – Dos pressupostos da fixação da sanção pecuniária compulsória.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A decisão recorrida deu como sumariamente provados os seguintes factos:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...88, a favor dos requerentes, o prédio urbano situado na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...04.º.
2. Os requerentes habitam o referido prédio urbano, onde residem com os seus dois filhos (EE, de 9 anos de idade, e ..., de 4 anos) e onde, diariamente, fazem as suas refeições, de onde partem para os seus locais de trabalho, para onde regressam no final do dia de trabalho, onde estudam, onde dormem e descansam, onde recebem familiares e amigos, onde recebem a sua correspondência.
3. Contígua à casa dos requerentes, situa-se a casa do requeridos, com o número de polícia ...79.
4. A casa dos requerentes é de ..., térrea, e tem toda a parte social e de dormitório de frente para a Rua ...: sala e quartos de dormir.
5. A casa dos requeridos tem três andares, tendo a sua “frente”, tal como um jardim frontal, de frente para a Rua ..., sendo que este jardim tem uma cota superior relativamente ao solo onde está edificado o prédio referido em 1.
6. A frente da casa e a lateral esquerda da propriedade dos requeridos tem vedação de metal, ao contrário da casa dos requerentes, cuja vedação é em pedra.
7. A separar as propriedades de requerentes e de requeridos existe um muro em pedra, com uma altura aproximada de 0,5 m.
8. Muro em que, actualmente, assenta uma vedação em rede e em chapa de ferro galvanizado.
9. A casa dos requerentes dista cerca de 5,00 m do referido muro. 10. A casa dos requeridos dista cerca 4,00 m do referido muro.
11. Os requeridos são proprietários de dois cães, adultos, de raça “Serra da Estrela”, um macho e uma fêmea.
12. São animais de grande porte, que não saem da propriedade dos requeridos, aí permanecendo de dia e de noite.
13. Em data não concretamente apurada do ano de 2020, os referidos cães passaram a ladrar diariamente, de forma persistente, o que sucede quando os requeridos chegam a casa, ou seja, pelas 18h30m/19h00m, até às 6h00m/6h30m da madrugada.
14. Os dois cães ladram num volume muito alto e, por vezes, em uníssono.
15. E fazem-no habitualmente no jardim frontal da casa dos requeridos, de frente para a residência dos requerentes, ou no passeio da propriedade dos requeridos, de frente para a residência dos requerentes.
16. Os jantares dos requerentes são sempre perturbados pelo ladrar dos referidos cães, o que dificulta a comunicação da família no horário de reunião familiar, obrigando-os a jantar apressadamente, com desagrado e com tristeza.
17. Por não conseguirem suportar o ladrar dos dois cães dos requeridos, os requerentes deixaram de frequentar a sala de estar, como costumavam fazer, ou seja, após o jantar e o adormecer das crianças, onde costumavam ver televisão juntos e onde permaneciam até à hora de se deitarem, acabando por colocaram televisão no seu quarto de dormir, um pouco mais afastado do local de onde os dois animais ladram.
18. A requerente mulher só adormece após a toma da medicação que foi forçada a iniciar para o efeito, fruto do comportamento dos referidos animais.
19. Por outro lado, o ladrar diário dos dois cães, no horário de adormecer dos dois filhos dos requerentes, agita e perturba o mais velho, impedindo-o de adormecer quando se prepara para o fazer, deixando-o agitado.
20. A requerente mulher, no ano de 2018, sofreu um aneurisma cerebral.
21. Tal situação de saúde deixou a requerente mulher em risco de vida, tendo sido hospitalizada por um período não concretamente apurado, deixando sequelas.
22. Em consequência disso, a requerente mulher é portadora de uma incapacidade permanente global, susceptível de variação futura, de 61%.
23. A requerente mulher, por força do referido, tem uma necessidade acrescida de repouso.
24. Cerca de um ano após a privação regular de repouso da requerente mulher, provocada pelo ladrar dos dois cães dos requeridos, a requerente mulher começou a acordar, diariamente, com vómitos, tonturas e com náuseas.
25. A requerente mulher precisou também de recorrer a ajuda médica especializada em virtude de ter sido afectada no seu estado geral de saúde, fruto do estado de ansiedade causado pela impossibilidade do suficiente descanso à sua reparação diária, atenta a sua condição de saúde.
26. Assim, a requerente mulher iniciou a toma de psicofármacos em Agosto de 2021, que mantém até hoje.
27. E teve necessidade de recorrer a acompanhamento de psiquiatria, para além do acompanhamento de neurologia que mantém desde que sofreu o aneurisma.
28. A requerente mulher temer o agravamento do seu estado de saúde e, inclusive, teme pela sua vida, caso esta impossibilidade de repouso/descanso se prolongue.
29. Os cães dos requeridos apenas ladram quando vêem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém.
30. Os requeridos trabalham todo o dia e têm filhos menores em idade escolar.
31. A partir do mês de Junho de 2021, os requeridos passaram a guardar os cães durante a noite, entre as 23h00m e as 7h00m, pelo que durante esse período os animais não ladram.
32. Em data não concretamente apurada, mas durante o ano de 2022, o filho dos requerentes mandou um pau para acertar num dos cães dos requeridos.
*
E deu indiciariamente como não provados os seguintes factos: 

- Para além do referido em 13, o latido dos cães dos requeridos é contínuo e intensifica-se pelas 20h30m e até às 02h00m da madrugada.
- Para além do referido em 16, o latido dos cães obriga os requeridos e os seus filhos a “gritarem” uns com os outros durantes as refeições/jantares.
- O referido em 16 sucede também quando os requerentes convidam familiares ou amigos, tornando-lhes o convívio desagradável e penoso, acabando as visitas por saírem antes do momento esperado, atenta a dificuldade em comunicarem e o desagrado da permanência.
- Para além do referido em 18, a requerente mulher adormece com “fones” nas orelhas para “abafar” o ruído dos cães.
- O referido em 19 também acontece à filha dos requerentes.
- Para além do referido em 21, a requerente mulher esteve hospitalizada cinco semanas, uma das quais em estado de coma.
- O aneurisma que a requerente mulher sofreu afetou-lhe particularmente a região do ..., a qual, desde então, possui um dispositivo médico/espiral na região da nuca.
- O filho dos requerentes, em virtude de ter passado a ter dificuldade em adormecer, passou a tomar medicação natural para a indução mais precoce do sono desde Janeiro de 2022.
- Como toda a propriedade dos requeridos (na parte que rodeia a casa, onde os animais habitualmente ladram) tem vedação com metal, o ruído do ladrar dos dois cães é ainda mais exponenciado, ecoa e é projetado para a casa dos requerentes.
- Os requerentes, durante o ano de 2021 e até meados de Junho de 2022, arremessaram contra os cães, para o quintal dos requeridos, várias bolas de golfe, paus e pedras, visando atingir, magoar e provocar os cães dos requeridos, levando estes a ladrar-lhes quando os vêem.
- O referido em 32 ocorreu, concretamente, em meados de Junho de 2022.
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V. Fundamentação de direito.

1. – Nulidade da sentença com fundamento na al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
1.1. Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto acto jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC[1].
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito[2].
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC. 
Nos termos do art. 615º, n.º 1, al. c), do CPC, a sentença é nula quando «[o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
A referida causa de nulidade corresponde a um vício lógico da sentença que a compromete; «se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença»[3]. Não se trata de um simples erro material (em que o juiz, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia escrever - contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direção diferente (contradição ou oposição real)[4]. O que não é, também, confundível com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstrata, nem, tão pouco, a uma errada interpretação desta, vícios estes só sindicáveis em sede de recurso jurisdicional[5]. Na verdade, quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade[6].
Subjacente a esta causa de nulidade está a ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos provados a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão[7].
Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e a causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial, posto que em ambos os casos falta um nexo lógico entre as premissas e a conclusão[8] (art. 186º, nºs 1 e 2, al. b) do CPC).
No tocante à 2ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC – vícios que tornem a sentença ininteligível –, como ensina Remédio Marques[9], “a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”, e “a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença”.
A sentença é obscura quando contém um passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos[10].
Na verdade, a sentença tem de ser entendida pelos destinatários. Por isso a sentença tem de ser clara, de forma que na sua interpretação se não hesite entre dois sentidos e se conheça claramente o seu alcance[11].
Com vista a fundamentar a invocada nulidade da sentença recorrida defendem os recorrentes que os factos considerados provados estão em clara oposição entre si e alguns deles com a decisão, consubstanciando a nulidade prevista no art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC.
Em concreto, no que concerne aos factos provados, dizem, por um lado, verificar-se contradição entre o ponto 13 e os pontos 29 e 31; por outro lado, advogam existir “também e ainda uma contradição clara e por isso uma oposição irremediável entre o considerado provado nos factos 24 e 26 e o apurado nos factos 29 e 31”.
Manifestamente, os recorrentes carecem de razão no vício que apontam à sentença impugnada.
Lançando mão da judiciosa explicitação aduzida pelo Mm.º Juiz “a quo” aquando da prolação do despacho que alude o art. 617º, n.º 1, do CPC, datado de 16/12/2022[12], dir-se-á que os factos que os recorrentes colocam em confronto não podem ser lidos de um modo isolado, mas sim articulada e sequencialmente.
Na verdade, conforme resulta da prova produzida, existem dois momentos temporalmente distintos no que tange com o comportamento dos dois cães dos recorrentes: um primeiro, cujo início se reporta ao ano de 2020, «durante o qual os animais andavam soltos dia e noite na propriedade dos donos (ponto 13); o segundo», cujo início é reportado ao mês de julho de 2021, e que se verificou na sequência da troca de mensagens por TM entre a requerente mulher e o requerido marido, bem como duma abordagem verbal que o requerente AA fez ao requerido DD dando-lhe conta dos incómodos que o latir dos cães provocava no repouso, sono e tranquilidade dos membros do agregado familiar dos requerentes, em especial na mulher e nos filhos, momento a partir do qual os cães apenas passaram a andar «soltos durante uma parte do dia, sendo colocados dentro da habitação dos donos entre as 23h00m e as 7h00m (ponto 31)». Ora, o «facto de o Tribunal ter dado como provado que os animais ladram “de forma persistente” não contradiz o facto, também dado como provado, de que “apenas” o fazem “quando vêem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém”. “Persistentemente” não quer dizer continuamente, ou seja, ininterruptamente». E a circunstância de “apenas” ladrarem quando sujeitos àqueles estímulos não quer dizer que o façam ocasionalmente». Daqueles factos sumariamente apurados o que resulta «é que os cães ladram quando se encontram perante aqueles estímulos, e não que ladram de forma contínua, constante, ininterrupta, como vinha alegado na petição inicial, mas que, apesar disso, naquele contexto – ou seja, quando os cães se encontram perante aquelas situações –, o seu latido é persistente».
Acresce que o facto de, a partir do mês de junho de 2021, os cães passarem a ser recolhidos pelos donos a partir das 23h, não significa que no período horário antecedente, ao ladrarem num volume muito alto e persistentemente, não continuem a perturbar o sossego e o descanso dos requerentes, causando-lhes perturbações e mal estar.
Feita esta interpretação articulada dos factos em confronto, a qual se subscreve por inteiro, dúvidas não subsistem de que os enunciados fundamentos de facto não apresentam, entre si, qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, além de que a decisão alcançada na sentença recorrida está em perfeita sintonia lógica com os fundamentos que lhe servem de suporte, inexistindo qualquer oposição entre o segmento decisório e a respetiva fundamentação.
Nesta conformidade, conclui-se pela improcedência da nulidade da sentença arguida pelos recorrentes com fundamento na al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
*
2 – Da nulidade das declarações de parte da requerente mulher.
Em abono da invocada nulidade processual das declarações de parte da requerente mulher sustentam os recorrentes que os intervenientes na audiência de discussão e julgamento para efeitos de produção de prova dos factos, sejam testemunhas ou depoentes de parte, não podem estar presentes na sala de audiência antes dos respetivos depoimentos/declarações, aplicando-se o disposto no art. 512º do CPC também aos depoimentos das partes.
Mais referem que o depoimento prestado por quem tenha estado presente na sala de audiências deve ser declarado nulo, não podendo assim ser valorado para efeitos de prova a favor da parte que o efetua, na presente situação da requerente mulher, pois esta não prestou declarações no início da audiência final e assistiu a grande parte das prestadas pelo marido, saindo da sala de audiências no decurso das mesmas, mas quis prestá-las já depois de produzida toda a prova testemunhal.

Decidindo.

Sob a epígrafe “Prova por declarações de parte”, prescreve o art. 466º CPC:

«1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão»

Decorre, do n.º 1 do citado normativo, que são pressupostos legais da admissibilidade da prestação de declarações de parte:
a) Requerimento formulado pela própria parte que irá prestar as declarações (e não pela parte contrária ou por um comparte do depoente).
b) Formulado até ao início da fase das alegações orais na audiência de discussão e julgamento em 1ª. instância; e
c) Que as declarações se reportem a factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto.
A densificação legal deste meio de prova, para lá da legitimidade e da definição do respetivo objeto (a prestação de declarações de parte tem por objeto factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto - art. 466º, nº 1 do CPC), é estabelecida pelas duas remissões efetuadas pelo n.º 2 do art. 466º do CPC: uma remissão solitária para o disposto no art. 417º do CPC e uma remissão colectiva, com as necessárias adaptações, para a prova por confissão[13].
Esta segunda remissão permite desenhar o procedimento das declarações de parte sobre o procedimento do depoimento de parte, com exclusão de preceitos para os quais haja regulação privativa no art. 466º (como seja, quanto à legitimidade, objeto, e oportunidade da declaração) ou que contrariem a natureza de livre intervenção oral da parte, apenas sujeita ao art. 417º do CPC[14].
Nas palavras de Isabel Alexandre[15], a remissão do n.º 2 do art. 466º do CPC para o regime da prova por confissão das partes significará que à prova por declaração de parte são aplicáveis as regras respeitantes à produção da prova por confissão das partes (por ex. a que estabelece a prestação de depoimento em audiência final, a que exige a prestação de juramento ou a que determina que a parte seja interrogada pelo juiz e não pelos mandatários das partes), mas já não aquelas regras que digam respeito aos requisitos de admissibilidade do depoimento de parte (por ex., a regra que estabelece a possibilidade de requerer o depoimento de compartes ou os factos sobre os quais o depoimento pode recair).
Ora, no caso sub júdice, contrariamente ao propugnado pelos recorrentes, não é diretamente aplicável o regime da produção da prova testemunhal consagrado no art. 512º do CPC, no qual, no seu n.º 1, se estatui que “antes de começar a inquirição, as testemunhas são recolhidas a uma sala, donde saem para depor pela ordem em que estiverem mencionadas no rol, primeiro as do autor e depois as do réu, salvo se o juiz determinar que a ordem seja alterada ou as partes acordarem na alteração”.
O sentido deste normativo justifica-se porque “é condição de garantia de alguma pureza do depoimento que as testemunhas que ainda não depuseram não assistam aos depoimentos anteriores nem do seu conteúdo tenham informação[16].
 Sucede que, ao contrário da prova testemunhal (e da generalidade dos meios de prova), que, por regra, carece de ser indicada em momento prévio na petição inicial e na contestação (arts. 552º, n.º 2 e 572º, al. d), do CPC), podendo o rol de testemunhas ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data da realização da audiência final (art. 598º, n.º 2, do CPC) , o requerimento relativo à prova por declarações de parte pode ser apresentado “até ao início das alegações orais em 1.ª instância” (n.º 1 do art. 466º do CPC).
Ou seja, enquanto o regime aplicável à prova testemunhal permite o estrito cumprimento do disposto no art. 512º, n.º 1, do CPC, o mesmo pode já não suceder com a prova por declarações de parte, atento o momento tardio em que é lícito requerer esse meio de prova, pelo que pode bem dar-se o caso de só no final da produção da prova, à qual assistiu, a parte expressar formalmente a vontade no sentido de pretender prestar declarações de parte[17].
No caso, depreende-se das actas da audiência final que a requerente, BB, esteve presente durante parte das declarações de parte prestadas pelo requerente marido, RR, tendo-se ausentado antes do fim das mesmas[18].
Nessa situação, e inexistindo fundamento legal para indeferir a requerida prova por declarações de parte da requerente mulher, restaria ao Julgador tomar em consideração aquela circunstância na valoração (sujeita à livre apreciação) que viesse a fazer desse meio de prova. 
Isso mesmo foi explicitado pelo Mm.º Julgador “a quo” no despacho em que admitiu esse meio de prova, aduzindo para o efeito que, para efeitos de aferição da credibilidade das declarações de parte da requerente mulher, a circunstância supra explicitada “não poderá deixar de ser tida em consideração aquando da análise da prova que decorrer das declarações de parte que a mesma prestará de seguida (…)”.
Em suma, inexistindo a invocada nulidade processual da prova por declarações de parte da requerente mulher, improcede o referido fundamento da apelação.
*
3. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
3.1. Em sede de recurso, os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que os recorrentes indicam quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, especificando igualmente a redação que entende dever ser proferida quanto à factualidade que entendem estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à respectiva transcrição de excertos dos depoimentos de parte e testemunhais que considera relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640º. 
Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
*
3.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros[19]:
- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. A prova “visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto[20]. O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança[21].
*
3.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que os recorrentes/requeridos pretendem:
i) – A alteração das respostas negativas para positivas dos pontos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 24, 25, 26, 27 e 28 dos factos provados da decisão recorrida;
ii) – o aditamento ao rol dos factos provados dos seguintes factos:
a) Desde junho de 2021 os requerentes e os filhos têm passado noites bem dormidas e reparadoras.
b) As casas de requerente e requerido situam-se numa aldeia onde a maior parte dos habitantes têm cães, sendo normal que os cães ladrem ocasionalmente, designadamente quando passam pessoas ou veem outros animais como gatos.
c) A mãe do requerente, HH, tem vários gatos que circulam pela vizinhança e suscitam reação dos cães dos vizinhos, entre eles os dos requeridos.
d) A requerente mulher com a pandemia Covid19 ficou muito tempo em casa, alterou os hábitos de vida e sofreu com a situação.

Cumpre, pois, analisar das razões de discordância invocadas pelos apelantes e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos por si invocados.
Para o efeito, e a fim de ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação da prova pessoal produzida em audiência final (depoimentos testemunhais, declarações/depoimentos de parte), não nos tendo restringido aos trechos parcelares e/ou truncados (de tais depoimentos) invocados na apelação como justificadores da impugnação da decisão da matéria de facto.
Para além disso, foram analisados todos os documentos carreados aos autos.
Disto isto, e à semelhança do propugnado na motivação da sentença recorrida, importa sobrelevar desde logo as declarações de parte prestadas pelo requerente marido, o qual explicitou a alteração comportamental verificada nos (dois) cães pertença dos requeridos no início do ano de 2020. Tais cães, a partir das 18.30h/19h, passaram a ladrar de um modo persistente, emitindo latidos permanentes, intervalados por curtos períodos de acalmia, logo seguidos da emissão de novos latidos, com as consequências (negativas) repercutidas ao nível do repouso, socialização e interação das rotinas familiares dos membros do seu agregado familiar, atenta a contiguidade/proximidade das duas propriedades; reconheceu que a partir de determinado período os requeridos passaram a recolher os cães durante a noite (pelas 23h), o que tem permitido ter sossego e não acordar durante a noite, se bem que no momento antecedente à recolha dos cães, devido aos latidos por estes emitidos, não lhes é permitido ter um momento de lazer ou de usufruir da sala de estar. Explicitou as repercussões que essa situação tem causado, sobretudo ao nível da saúde da sua mulher, a qual, no ano de 2018, sofreu um aneurisma cerebral, que a deixou em risco de vida, padecendo de sequelas, que a deixaram mais sensível (“o psicológico dela está muito abalado”), com menos paciência, mais irritabilidade, carecendo de maior descanso, tendo-lhe sido prescrita medicação quer para dormir, quer “para se acalmar”, tendo explicitado a sintomatologia de que a mesma padece (vómitos matinais recorrentes e dores de cabeça), sintomas, estes, que ressurgiram fruto das noites mal dormidas; também o filho mais velho toma um suplemento natural para lhe induzir o sono.
Mais explicitou todas as diligências que fez – junto das autoridades policiais, sanitárias e camarárias – com vista à resolução da referida questão, sem que tenha obtido qualquer solução satisfatória.
Tendo embora prestado um depoimento emocionado, sobretudo quando aludia à particular situação de saúde da sua mulher - chegando mesmo a chorar aquando da sua prestação -, o seu depoimento revelou-se coerente e sincero, abstendo-se de traçar um quadro exagerado na versão fáctica narrada em audiência.
A testemunha JJ, empregado fabril e colega de trabalho do requerente marido há cerca de 9 (nove) anos, explicitou que, em finais de 2020/inícios de 2021, notou uma manifesta alteração comportamental no seu colega de trabalho, apercebendo-se que este perdeu concentração ao nível do trabalho, quando até aí sempre havia sido uma pessoa profissionalmente dedicada e concentrada, salientando que a atividade por ambos exercida corresponde a uma profissão de elevado risco.
Em conversa mantida com o requerente marido este relatou-lhe, por variadas vezes, que não conseguia descansar por causa do ruído dos cães dos vizinhos, que ladravam a noite toda, desestabilizando-o a si e à mulher, manifestando receio de recaída por parte desta.
 Esclareceu que esse tema de conversa – falta de descanso e distúrbios por causa dos cães – é recorrente e permanente no requerente marido, o que é conhecido da generalidade dos colegas na empresa, sendo que até aí nunca se tinha queixado dos animais.
Deu conta da felicidade manifestada pelo requerente quando lhe contou que os cães passaram a ser recolhidos pelas 23h, dizendo não ser o que pretendia, “mas já era um início”.
Embora não tendo conhecimento directo da situação em discussão – isto é, se os cães ladram em com que intensidade, pois não é visita da casa dos requerentes, lidando apenas com ele no trabalho –, o depoimento da indicada testemunha mostrou-se relevante para nos elucidar no sentido de que as preocupações manifestadas pelo requerente marido extravasam o problema de saúde sofrido pela sua mulher em 2018, tendo também a ver com as repercussões sintomalológicas que o barulho resultante do ladrar dos cães nela estava a ter, estando a testemunha, sim, ao corrente da perda de concentração do requerente marido no trabalho.
Releva também o depoimento prestado em sede de declarações de parte pelo requerido DD, o qual apesar de ter referido que os cães ladravam, mas não persistentemente, acabou por confirmar que os cães efetivamente ladravam, ou seja, tal como concluiu o Mm.º Juiz “a quo”, “reconhecendo assim que perturbavam o sossego dos vizinhos”. Só assim se compreende que, na sequência do pedido feito pelos requerentes há cerca de um ano por a requerente mulher se queixar dos ruídos emitidos pelos cães, tenha acedido a guardar/recolher os cães, no interior da casa, durante o período noturno (entre as 22h ou 22.30h e as 7.15 /7.20h) e de ter procurado o veterinário a fim deste lhe facultar uma pastilha para administrar aos cães com vista a tentar acalmá-los, tendo igualmente providenciado pela aquisição de uma coleira para o mesmo fim.
Em sede de declarações de parte, há a assinalar as declarações prestadas pela requerida CC, a qual negou que os seus cães ladrassem muito, dizendo que os cães emitem o ruído normal e não incomodam, ladrando ocasionalmente e apenas quando estão perante situações que os fazem ladrar, como qualquer animal, nomeadamente quando veem gatos, que é uma situação muito comum lá naquela rua ou quando alguém se aproxima do portão.
Confirmou que, na sequência de queixas feitas ao seu marido pela requerente mulher, através de mensagens por TM, a reportar os incómodos/perturbações causados pelos cães, a partir de junho de 2021 decidiram começar a guardar os animais em casa, desde as 22h30/23h até as 7h da manhã seguinte.
A propósito deste reconhecimento, valem aqui as considerações tecidas a propósito das declarações de parte do seu marido, o requerido DD, mormente no que à ilacção extraída do reconhecimento de os latidos emitidos pelos cães perturbarem o sossego/tranquilidade dos vizinhos.
No que concerne às declarações de parte da requerente BB, importa destacar as perturbações por esta relatadas em consequência da emissão de ruídos por parte dos cães dos requeridos, cuja intensidade aumentou a partir de 2020 (“os cães começaram a ladrar em excesso”), tendo entrado em contacto com o requerido marido para este recolher os cães, o que este fez entre as 23h e as 7h, embora nalguns períodos tenha deixado de o fazer, tendo voltado a recolhê-los a partir de 6 de julho de 2022, na sequência da efetivação da citação na presente providência cautelar. Explicitou, também, o problema de saúde que a acometeu em 2018 (aneurisma cerebral), tendo recuperado com graves sequelas, que se exacerbam se tiver uma noite agitada ou ficar sem dormir, padecendo de vómitos matinais. Em consequência do ruído dos cães, o seu sistema nervoso ficou alterado, não conseguindo dormir sem medicação. Disse também tomar um ansiolítico para a ansiedade, cuja toma iniciou em agosto de 2021; ao filho mais velho administra produtos naturais para este adormecer mais facilmente. Habitualmente, deita os filhos pelas 21h30m, o que coincide com a hora em que os cães ladram com mais intensidade.
Há a destacar, também, o depoimento da testemunha SS, treinador de cães, que caracterizou as várias especificidades dos cães da raça Serra da Estrela, afirmando ser uma raça muito rústica e independente, mas muito vocacionada para dar o alerta (mediante o ladrar) quando detecta algo estranho. A principal característica desta raça é o facto de ser um cão de trabalho, vocacionado para trabalhar, para fazer uma atividade, no caso guardar rebanhos, e tendo uma audição apurada (“espetacular”). Tem um latir fácil e forte, sendo suficientes estímulos simples para o fazer ladrar.
Numa das deslocações a casa dos requerentes, no ano de 2022, visualizou e observou, ao ar livre, os dois cães dos requeridos, sendo que nessa ocasião os cães estiveram constantemente a ladrar (latiam demasiado, de um modo muito persistente e muito continuado), afirmando não serem, estes concretos dois cães, tranquilos ou serenos.
Explicitou que, mesmo para ele, que lida com cães e os ouve a ladrar o dia todo, é incomodativo/perturbador se chegar a casa e tiver constantemente cães a ladrar.
Esclareceu que o comportamento do cão pode mudar em função dos estímulos a que está sujeito. Deu como exemplo o período da pandemia, fruto da mudança de rotina. Isto porque o cão antes estava habituado a estar só; durante a pandemia passou a conviver mais com os donos e posteriormente, após a cessação do confinamento, voltou a estar só e pode não saber lidar com essa alteração, tornando-se agressivo. A permanência dos donos em casa e a conjugação de outros factores poderá ter alterado o comportamento dos animais, porque houve alteração de rotinas e de comportamento dos cães.
A testemunha MM, vizinha das partes, que reside distanciada cerca de 70 metros, revelou ter parcos conhecimentos sobre a matéria em discussão, sabendo, sim, que os cães dos requeridos são da raça serra da estrela e que quando está em casa os ouve ladrar, embora de noite não ouça nenhum cão a ladrar.
A testemunha NN, vizinha, que reside a cerca de 50 metros, numa travessa, afirmou que de sua casa ouve ladrar os cães dos requeridos, mas que tal só sucede quando passa alguém e não é um ladrar constante.
A testemunha OO, que mora distanciado cerca de 25/30 metros da casa dos requeridos, entre as quais apenas se interpõe uma casa, disse que os cães dos requeridos ladram normalmente, o que sucede se virem um gato ou se passar um carro, sendo tal percetível quando está no exterior da sua casa.
Certo é que acabou por reconhecer que os requeridos guardam os cães no interior da casa durante a noite, sabendo desse facto porque falou com a requerida mulher uma vez que deixou de os ouvir, tendo estranhado.
Ora esta afirmação contraria o alinhamento do depoimento por si prestado no sentido do latido dos cães não ser audível durante a noite, pois se assim fosse não se compreenderia a razão da sua estranheza ao ter-se apercebido que, afinal, aqueles deixaram de fazer barulho no período nocturno, ao ponto de ter questionado a requerida mulher sobre esse facto.
 Como se refere na motivação da sentença recorrida, residindo tais intervenientes acidentais (MM, NN e OO) distanciados cerca de 70, 50 e 30 metros, respectivamente, da casa dos requeridos, é evidente que a audição do latir dos cães dos requeridos não tem o mesmo impacto que a vivenciada pelos requerentes, já que o prédio destes é contíguo ao daqueles onde estão guardados os canídeos (pontos 2, 3, 6, 7, 8 e 9 dos factos provados).
Feita esta enunciação dos enunciados meios de prova, é de subscrever por inteiro a judiciosa valoração feita na motivação da sentença recorrida a respeito das regras da lógica e da experiência comum, quando nela se refere afigurar-se “claro que dois cães com o porte daqueles que estão em causa nos autos, e independentemente de os gatos que deambulam nas imediações das habitações das partes pertencerem ou não a familiares dos requerentes, soltos durante a noite na propriedade dos requeridos, ladrarão com frequência e em alto e bom som durante a noite. Com efeito, seja pela passagem de pessoas ou de carros na rua, do trânsito de gatos ou de outros animais (como a coruja mencionada nas mensagens de “WhatsApp” trocadas entre a requerente mulher e o requerido marido), na rua ou nas propriedades em questão, bem se sabe que os cães em particular são sensíveis a tais estímulos, reagindo imediatamente aos mesmos com a voz que com que a natureza os aparelhou. Naturalmente que, tratando-se de cães de grande porte, o som do seu latido é muito mais alto do que seria o de cães de menor porte. Por outro lado, o impacto sonoro do latido dos animais é também mais incomodativo para os requerentes do que para outros vizinhos se tivermos em conta que o espaço que fica entre a propriedade dos seus donos e a da dos requerentes é, junto ao muro que as separa, bastante curto: cerca de 4,00 metros para a fachada da habitação dos requerentes. Como é evidente, se os cães ladrarem nesse espaço – que (…) acompanha quase toda a extensão da fachada da habitação de requerentes e requeridos –, os seus latidos serão bem mais audíveis por quem se encontre na casa contígua, dos requerentes. Note-se que no termo daquele espaço fica o portão da casa dos requeridos (portão que, por sua vez, também fica muito próximo da habitação dos requerentes, como as fotografias de fls. 13, 13, reverso e 14 bem demonstram), não sendo por isso estranho que os animais se concentrem nesse local uma vez que é aí que sentem mais a passagem de pessoas, veículos ou animais que circulem pela rua”.
Urge ter ainda presente a prova documental produzida, em particular os documentos médicos/clínicos constantes de fls. 15 verso a 19, referentes aos problemas de saúde de que a requerente mulher padece; na declaração médica constante de fls. 18, datada de 7/06/2022, é feita menção às sequelas que aquela apresenta, donde se destaca a insónia inicial e durante a noite, a manutenção de vómitos matinais após noites com sono não reparador, a medicação prescrita, bem como o facto de ser seguida por neurocirurgia e psiquiatria; por sua vez, na informação clínica do psiquiatra assistente, de 19/10/2021 (cfr. fls. 19), consta a descrição das alterações de sono vivenciadas desde janeiro de 2021, motivadas por ausência de silêncio nas horas noturnas provocadas por cães, existindo agravamento do quadro psicopatológico, motivado por essa privação de sono, mais se indicando a razão da procura de ajuda psiquiátrica, o que motivou iniciação terapêutica com psicofármacos e que, apesar de medicada, o quadro tem sido de difícil controlo dada a manutenção dos factores desencadeantes, verificando-se o surgimento de sintomas somatoformes (equivalentes ansiosos), e que vai continuar a ser acompanhada em consultas de psiquiatria.
Esta prova documental é relevante para dar sumariamente provada a facticidade objeto dos 24 a 28 dos factos provados (contrariando, assim, o juízo impugnatório deduzido pelos recorrentes).
Não obstante tais documentos (particulares) terem sido validamente impugnados pelos requeridos[22], esse meio de prova podia – tal como foi – ser livremente apreciado pelo julgador, pois, como decorre do art. 607º, n.º 5 do CPC, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção a cada facto”, sendo que a prova da factualidade em questão não era suscetível de ser provada unicamente por documento (vide ainda a segunda parte do referido nº 5 do referido art. 607º). Encontrando-se perante a prova documental, o julgador pode dele retirar as ilações e inferências que julgue apropriadas e pertinentes face ao seu conteúdo, ou seja, avalia, estima e determina o seu valor probatório, fixando a materialidade adequada conforme a sua convicção (normalmente conjugada com os outros elementos probatórios produzidos)[23].
Nesta conformidade, por referência à prova produzida nos autos e nos termos supra explanados, não se evidenciam razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar a apreciação crítica feita pelo tribunal recorrido sobre os pontos fácticos impugnados [pontos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 24, 25, 26, 27 e 28 dos factos provados].
De facto, a fundamentação que serviu de base a essas conclusões dadas pela 1.ª instância – que integralmente subscrevemos, nos termos explicitados –, baseando-se na livre convicção e sendo uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, revela-se convincente e sustentada à luz da prova auditada e não se mostra fragilizada pela argumentação probatória dos impugnantes, não se impondo decisão sobre os referidos pontos da matéria de facto diversa da recorrida (art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC).
Por fim, quanto aos factos cujo aditamento é propugnado pelos recorrentes, em termos sintéticos e esquemáticos, dir-se-á o seguinte:
Quanto à al. a) – desde junho de 2021 os requerentes e os filhos têm passado noites bem dormidas e reparadoras –, embora seja certo que, com a recolha dos cães pelos requeridos por volta das 23h, a qualidade de repouso e de sossego dos requerentes melhorou substancialmente, a verdade é que essa melhoria não assume a extensão que os recorrentes invocam ou pretendem ver demonstrada, posto que o latir dos cães continuou (continua) a prejudicar a pernoita dos filhos dos requerentes e o serão dos requerentes, na medida em que até à hora da recolha dos cães tiveram (e têm) de continuar a suportar os persistentes latidos por aqueles emitidos.
A matéria fáctica objeto das als. b) e d) não foi alegada e, mesmo que o tivesse sido, não influi na decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito;
Quanto à al. c), importa o que consta da resposta ao ponto 29 dos factos provados.
Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pela Mm.º Juiz “a quo”, impõe-se-nos confirmar a decisão da 1ª instância, e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida. 
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4 – Da (in)verificação dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar não especificada.
4.1. Dispõe o art. 2º, n.º 2, do CPC que a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo (...), bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação”.
As providências cautelares têm a sua justificação naquele princípio do nosso sistema processual civil segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte que tem razão[24] ou naquela consideração de que o processo deve dar ao Autor, quando vencedor, a tutela que ele receberia se a decisão fosse proferida no preciso momento da instauração da lide.
Conforme assinala Manuel Andrade Domingues de Andrade, através do mecanismo próprio dos procedimentos cautelares pretendeu "a lei seguir uma linha média entre dois interesses conflituantes: o de uma justiça pronta, mas com o risco de ser precipitada; e o de uma justiça cauta e ponderada, mas com o risco de ser platónica, por chegar a destempo"[25].
As providências cautelares são, assim, o tipo de medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito. “Tais medidas visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o pericullum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica[26].
Segundo o explícito ensinamento de Alberto dos Reis[27], que apesar do tempo entretanto já decorrido se mantém plenamente atual, «o traço típico do processo cautelar está, por um lado, na espécie de perigo que ele se propõe conjurar ou na modalidade dano que pretende evitar e, por outro, no meio de que se serve para conseguir o resultado a que visa».
«O perigo especial que o processo cautelar remove é este: pericullum in mora, isto é, o perigo resultante da demora a que está sujeito um outro processo (o processo principal) ou, por outras palavras, o perigo derivado do caminho, mais ou menos longo, que o processo principal tem de per­correr até à decisão definitiva, para se dar satisfação à neces­sidade impreterível de justiça, à necessidade de que o julga­mento final ofereça garantias de ponderação e acerto».
«Uma vez que o processo cautelar nasce para ser posto ao serviço dum processo principal, a fim de dar ensejo a que este processo siga o seu curso normal sem o risco da decisão final chegar tarde e ser, por isso, ineficaz, vê‑se claramente que a função do processo cautelar é nitidamente instrumental; o processo cautelar é um instrumento apto a assegurar o pleno rendimento do processo definitivo ou principal. Não satisfaz, por isso mesmo, o interesse da justiça; não resolve definitivamente o litígio; limita‑se a preparar o terreno, a tomar precauções para que o processo principal possa realizar completamente o seu fim».
O procedimento cautelar comum reveste um âmbito residual, quer no plano das regras adjetivas, quer no plano das providências que nele se podem integrar[28]. Dito doutro modo, o processo cautelar comum surge como um procedimento base ou modelar, aplicável sempre que à pretensão não caiba um procedimento cautelar especificado[29].

Dispõe o n.º 1 do art. 362º do CPC que, “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor” – n.º 2 do citado preceito legal.

Daqui resulta que são requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento desta providência:
1. - Probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito - «fumus bonis juris»).
2. - Fundado receio de que a demora natural na solução do litígio causará uma lesão grave e dificilmente reparável (do direito que se pretende fazer valer em ação pendente ou a instaurar) - «pericullum in mora».
3. - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda consideravelmente o dano que, através da providência, se pretenda evitar.
4. - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado.
O requerente tem de convencer o tribunal da previsível procedência da ação que define a pretensão que o procedimento visa proteger[30].
O art. 368º do CPC, sob a epígrafe “Deferimento e substituição da providência”, prescreve, no seu n.º 1, que a “providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Atendendo, porém, a que a lei manda que os requisitos das providências sejam aferidos mediante prova sumária, isto é, não aprofundada, mas, em todo o caso, minimamente consistente (“summaria cognitio” modo de averiguação dos seus fundamentos), “as providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus da prova entre o requerido e o requerente observe as regras gerais” enunciadas nos n.ºs. 1 e 2 do art. 342º do Código Civil (CC)[31].
Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta um «fumus boni iuris»[32].
Como adverte Miguel Teixeira de Sousa[33],o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem qualquer tradução numa discricionariedade do Tribunal quanto aos fundamentos do decretamento da providência”. Das duas uma: se tal requisito se mostrar provado, o Tribunal deve decretar a providência; “se isso não suceder, o Tribunal não a deve decretar, ainda que isso se pudesse justificar por outros factores (como, por exemplo, o manifesto interesse do requerente ou o pouco incómodo causado ao requerido).
Na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente.
Por sua vez, o fundado receio de que outrem cause lesão grave e irreparável ou de difícil reparação de um determinado direito, quer pelos danos que possam advir dessa conduta, quer pela demora na obtenção de uma decisão tendente à tutela definitiva do seu direito, constitui a manifestação do requisito comummente apelidado de «pericullum in mora».
Não é, contudo, qualquer consequência desvantajosa que previsivelmente ocorra antes da uma decisão definitiva que justifica o decretamento de uma medida provisória. “Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade de permitir ao Tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão[34].
Como critério aferidor da gravidade da lesão previsível ter-se-á de entrar em linha de conta com a repercussão negativa ou desvantajosa que a mesma determinará na esfera jurídica do interessado lesado[35].
O requisito do fundado receio prende-se com a necessidade de o receio dever ser alicerçado em factos que permitam aferir, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas[36]. E, como propugna Alberto dos Reis[37], a aferição do justo receio deve fazer-se a partir de um “juízo de certeza, de verdade, de realidade”.
As circunstâncias em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras devem ser apreciadas objectivamente pelo juiz que, para o efeito, terá em conta o interesse do requerente que promove a medida e o requerido, que com ela é afectada, as condições económicas de um e outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores[38].
A lei não se basta com simples dúvidas ou conjecturas precipitadas. O juiz deve estar perfeitamente convicto da necessidade em adotar medidas tendentes a esconjurar o prejuízo[39].
Assim, enquanto a aparência do direito se basta com um juízo de verosimilhança ou de probabilidade, o requisito do fundado receio de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação exige um juízo, senão de certeza e segurança absoluta sobre a sua realidade, pelo menos de probabilidade mais forte e convincente, para convencer o julgador acerca da necessidade de decretamento da providência[40].
A norma do n.º 2 do art. 368º do CPC – nos termos da qual a “providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” –, contém a consagração do princípio da proporcionalidade, visando-se desta forma pôr cobro a decisões formalmente adequadas, mas materialmente injustas[41].
Por fim, segundo o n.º 3 do art. 362º do CPC, “[n]ão são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte”.
Determinando o não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado, o normativo citado estabelece no domínio dos procedimentos cautelares o princípio da legalidade das formas processuais, o qual, no que diz respeito aos processos com carácter definitivo, se depreende do disposto no n.º 2 do art. 546º do CPC.
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4.2. Feitos estes considerandos jurídicos acerca dos pressupostos que condicionam o deferimento do procedimento cautelar comum, vejamos, agora, mais em detalhe o caso trazido à nossa apreciação.
Como bem se refere na sentença recorrida, no caso concreto emerge a lesão de bens imateriais, estando em causa os direitos ao repouso, ao sossego e ao sono tranquilo, com protecção jurídica, seja a nível das Convenções Internacionais, seja a nível da Lei Fundamental e com tutela na lei ordinária.
Desde logo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem realça que «[t]odo o indivíduo tem direito à vida (...)» (art. 3º), estabelecendo o seu art. 24.º que «[t]oda a pessoa tem direito ao repouso (…)» e o seu art. 25º, n.º 1 que «[t]oda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem estar (...)», acrescentando a Convenção Europeia dos Direitos do Homem[42], no seu art. 2º, nº 1, que «o direito de qualquer pessoa à vida é protegido por lei ...», e no seu art. 8°, nº 1, que ««[q]ualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio  (…)».
E a nossa Constituição estabelece, no seu art. 1º, que a República Portuguesa, é «baseada na dignidade da pessoa humana», afirmando, no seu art. 25º, n.º 1 da CRP, que «a integridade moral e física das pessoas é inviolável»[43], referindo-se, no seu art. 66º, ao ambiente e qualidade de vida, frisando, no seu n.º 1, que “[t]odos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
Por sua vez, o nosso Código Civil, no seu art. 70º, contempla a tutela geral da personalidade dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física[44] ou moral, permitindo ao ameaçado ou ofendido requerer, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação de ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
Aceitando o ensinamento de Rabindranath Capelo de Sousa[45], “poderemos definir positivamente o bem da personalidade juscivilisticamente como o real e o potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientalmente integrados”.
Importa aqui salientar que “a lei ordinária visa proteger o direito à saúde, à integridade física e moral das pessoas, como um direito eminentemente pessoal, não como um bem jurídico genérico respeitante a certa humanidade – mas antes como bens jurídicos que vê concretamente corporizados na pessoa de A, B, C, etc., ou seja, como bens eminentemente pessoais[46].
Com efeito, a nossa lei tutela cada homem em si mesmo, concretizado na sua específica realidade física e na sua particular realidade moral[47]. Em consonância com este princípio, a doutrina[48] e a jurisprudência[49] têm entendido que, no julgamento destes casos, o julgador não deve atender a um tipo de pessoa médio, ao cidadão normal e comum, mas a cada pessoa em concreto. O poder-utilizar de cada fracção autónoma (extensível à propriedade plena) deve respeitar os que lhe estão próximos, e o poder-ser do outro, com tudo o que este tem de fraqueza ou contingência. Se o ladrar de um cão é suportável por uma pessoa normal, mas no edifício habitam uma pessoa idosa, um doente ou um bebé, a quem o ladrar causa prejuízos intoleráveis, então o tribunal deve agir de acordo com esta concreta ofensa à personalidade do vizinho.
A fundamentação legal para a prevalência do direito de personalidade do vizinho sobre o direito de propriedade, de carácter patrimonial do detentor do animal, encontra-se no art. 335.º, n.º 2, segundo o qual, havendo colisão de interesses desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior[50].
Acrescenta Rabindranath Capelo de Sousa que a lei civil reconhece protecção às pessoas, “tutela civil esta que se consubstancia quer no direito de exigir do infractor responsabilidade civil nos termos dos arts. 483º e segs. do Código Civil quer ainda no direito de «requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa cometida» (…)[51]
O art. 70º do Código Civil contém, assim, uma norma tutelar geral de personalidade, da qual se pode desentranhar um direito à vida, à integridade física e moral, à liberdade e à honra.
E quando hoje se fala no direito à vida, enquanto direito à existência biológica, isso tem um corolário elementar: o direito à qualidade de vida.
E, este, é um direito de cariz superior, porque inerente à qualidade humana, mesmo face a outros direitos, se for caso disso e na medida do adequado, à luz, inclusive, da lei ordinária[52].
Quer dizer e para o que aqui importa, o referido art. 70º do CC constitui uma norma geral de tutela da personalidade física e moral de uma pessoa, possibilitando a esta a reacção contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça à sua vida, à sua integridade física, à liberdade e à honra. A simples possibilidade de dano justifica a tutela decorrente do dispositivo. Evidentemente que na tutela da integridade física de uma pessoa se deve inscrever o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono. É sabido que a violação destes direitos, leva à degradação da saúde física e moral de um indivíduo[53]. Neste sentido referiu-se no acórdão do STJ de 7/04/2011 (relator Lopes do Rego) www.dgsi.pt., que “sendo óbvio e inquestionável que o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade de vida na sua própria casa se configuram manifestamente como requisitos indispensáveis à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação do referido direito fundamental de personalidade”.
Por conseguinte, no âmbito da tutela dos seus direitos de personalidade, uma pessoa poderá usar e requerer as providências adequadas às circunstâncias concretas de forma a evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos das ofensas cometidas à sua integridade física e moral. E foi, precisamente, isto que pretenderam os AA. ao instaurar o presente procedimento cautelar inominado.
Dito isto, é altura de nos debruçarmos sobre as concretas objecões invocadas pelos requeridos quanto ao mérito da sentença recorrida.
Antes de encetarmos tal apreciação urge, porém, fazer duas breves considerações, tendo em conta não só a extensa (e repetida) argumentação explanada pelos recorrentes, mas também o modo como estruturam as suas alegações no tocante ao alegado erro de julgamento quanto à decisão de mérito:
i) Parte do raciocínio desenvolvido baseia-se em circunstâncias factuais que não fazem parte do acervo de factos provados e noutras que não foram demonstradas, pois tinham como pressuposto a procedência da impugnação da decisão da matéria de facto, condição esta que se tem por inverificada;
ii) Na explanação do(s) invocado(s) erro(s) de julgamento da sentença impugnada constata-se que os recorrentes socorrem-se constantemente da citação de diversos excertos de depoimentos (testemunhais e declarações de parte) tendo em vista a alteração do aí decidido.
Tais meios probatórios, tendo sido apreciados/valorados aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto, nenhuma relevância revestem para efeitos de eventual alteração da decisão de fundo.
Não será despiciendo lembrar que os meios probatórios não têm por função a prova de realidades normativas ou de factos jurídicos abstratos, mas tão só a demonstração de factos concretos (art. 341º do CC). Na verdade, contrariamente ao subentendido pelos recorrentes, da prova produzida jamais o tribunal poderá diretamente inferir a decisão a proferir sobre, por exemplo, a (in)verificação dos pressupostos do procedimento cautelar inominado. A produção de tais meios de prova assume relevo ao nível do julgamento da matéria de facto, posto que será com base neles que o tribunal terá de discriminar os factos materiais julgados (sumariamente) provados e não provados, motivando a sua convicção, pois que só ulteriormente procederá à subsunção destes factos à realidade normativa vigente (fundamentação de direito). Esta fundamentação de direito situa-se a jusante do apuramento da matéria de facto, sendo que somente em função da delimitação da facticidade apurada é que fará sentido subsumi-los ao direito aplicável, efectuando a sua qualificação e enquadramento jurídico, bem como aplicando as normas jurídicas correspondentes, com vista a proferir a decisão final da causa.
Fica assim explicada a razão por que nos absteremos de incidir a nossa análise sobre os diversos e reiterados excertos dos depoimentos reproduzidos ou invocados nesta sede.
Quanto ao recurso propriamente dito, aduzem os recorrentes que, contrariamente ao erradamente decidido na sentença “a quo”, não viola(ra)m o regulamento do ruído quanto ao ruído de vizinhança, nomeadamente os seus arts. 2º, n.º 2 e 3º, al. f).
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos infundado o referido fundamento, posto que na sentença recorrida não se concluiu que os requeridos violaram o Regulamento Geral do Ruído (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro).
O que aí se expressou, isso sim, foi que o referido Regulamento se aplica ao denominado “ruído de vizinhança” (cfr. art 2.º, n.º 2) e que o “ruído provocado pelo latido de um cão insere-se na definição de “«Ruído de vizinhança»”: “o ruído associado ao uso habitacional e às actividades que lhe são inerentes, produzido directamente por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja susceptível de afectar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança” (…) – artigo 3.º, alínea r)”.
Mais se reproduziu o teor das alíneas i) a iii) do art. 3.º do citado diploma legal, que definem os períodos do dia, balizados por determinados horários[54].
Depois de salientar que as normas transcritas apenas podem ser tomadas como referência para se poder perceber as medidas que o legislador vem tomando para compatibilizar direitos em conflito, a sentença esclarece, com apoio em Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, Almedina, 2006, págs. 71 e 72, que «a compatibilização jurídica do Regulamento com os direitos de personalidade com eles conexos – maxime com o direito ao repouso – “deve ser feita no sentido de que todos devem limitar e emissão de ruídos, em geral, ao estabelecido no Regulamento; mas desse Regulamento não resulta um “direito a fazer ruído” e muito menos a ilicitude do impedimento do repouso alheio. […] O direito de personalidade prevalece sobre o regulamento do ruído» (sublinhado nosso).
Nesse seguimento concluiu que, «apesar de o Regulamento (…) ser um instrumento relevante no que tange com a definição das soluções adequadas a compatibilizar direitos em conflito no âmbito do ruído de vizinhança, só casuisticamente é que os Tribunais podem realizar essa essa conciliação».
Ora, a posição explicitada na sentença recorrida corresponde a uma orientação jurisprudencial constante e que se tem por correcta, no sentido de que o ruído que impeça o sono constitui violação do direito de personalidade, direito ao repouso, ainda que o nível do ruído não exceda os limites fixados no respectivo Regulamento do Ruído, dado que o direito de personalidade não pode ser restringido por um simples regulamento. Isto porque seria inconcebível admitir que um qualquer regulamento do ruído ou mesmo uma deliberação camarária pudesse contrariar o direito de personalidade[55].
No mesmo sentido, o Ac. do STJ de 17/01/2002 (relator Quirino Soares), in www.dgsi.pt., decidiu que a “ilicitude de um comportamento ruidoso, que prejudique o repouso, a tranquilidade e o sono de terceiros, está no facto de, injustificadamente e para além dos limites do socialmente tolerável, lesar tais baluartes de integridade pessoal”, sendo que a “ilicitude, nesta perspectiva, dispensa a aferição do nível do ruído por padrões legais estabelecidos”.
 Por conseguinte, não se subscrevendo o entendimento preconizado pelos recorrentes de que a violação do regulamento é (a única) condição da ilicitude do comportamento que gera o dano no direito de personalidade, importa julgar improcedente o referido fundamento da apelação.
Considerando que as demais asserções aduzidas pelos recorrentes estão, direta ou indiretamente, conexionadas com a inverificação dos requisitos do procedimento cautelar comum, a elas nos pronunciaremos conjuntamente.
Sendo assim, e a fim de nos atermos/restringirmos ao circunstancialismo concreto, importa ter presente a facticidade sumariamente apurada:
- Os requerentes habitam o prédio urbano situado na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., no qual residem com os seus dois filhos (EE, de 9 anos de idade, e ..., de 4 anos) e onde, diariamente, fazem as suas refeições, de onde partem para os seus locais de trabalho, para onde regressam no final do dia de trabalho, onde estudam, onde dormem e descansam, onde recebem familiares e amigos, onde recebem a sua correspondência (pontos 1 e 2 dos factos provados);
- Contígua à casa dos requerentes, situa-se a casa do requeridos, constituída por três andares, tendo a sua “frente”, tal como um jardim frontal, de frente para a Rua ..., sendo que este jardim tem uma cota superior relativamente ao solo onde está edificado o prédio urbano dos requerentes (pontos 3 e 5 dos factos provados);
- A casa dos requerentes dista cerca de 5,00 m do muro que separa a sua propriedade da dos requeridos, distando cerca 4,00 m a casa dos requeridos ao referido muro (pontos 9 e 10 dos factos provados);
Os requeridos são proprietários de dois cães, adultos, de grande porte, de raça “Serra da Estrela”, que não saem da propriedade dos requeridos, aí permanecendo de dia e de noite (pontos 11 e 12 dos factos provados);
- Em data não concretamente apurada do ano de 2020, os referidos cães passaram a ladrar diariamente, de forma persistente, num volume muito alto e, por vezes, em uníssono, o que sucede quando os requeridos chegam a casa, ou seja, pelas 18h30m/19h00m, até às 6h00m/6h30m da madrugada (pontos 13 e 14 dos factos provados);
- E fazem-no habitualmente no jardim frontal da casa dos requeridos, de frente para a residência dos requerentes, ou no passeio da propriedade dos requeridos, de frente para a residência dos requerentes (ponto 15 dos factos provados);
- Os jantares dos requerentes são sempre perturbados pelo ladrar dos referidos cães, o que dificulta a comunicação da família no horário de reunião familiar, obrigando-os a jantar apressadamente, com desagrado e com tristeza (ponto 16 dos factos provados);
- Por não conseguirem suportar o ladrar dos dois cães dos requeridos, os requerentes deixaram de frequentar a sala de estar, como costumavam fazer, ou seja, após o jantar e o adormecer das crianças, onde costumavam ver televisão juntos e onde permaneciam até à hora de se deitarem, acabando por colocaram televisão no seu quarto de dormir, um pouco mais afastado do local de onde os dois animais ladram (ponto 17 dos factos provados);
- A requerente mulher só adormece após a toma da medicação que foi forçada a iniciar para o efeito, fruto do comportamento dos referidos animais (ponto 18 dos factos provados);
- Por outro lado, o ladrar diário dos dois cães, no horário de adormecer dos dois filhos dos requerentes, agita e perturba o mais velho, impedindo-o de adormecer quando se prepara para o fazer, deixando-o agitado (ponto 19 dos factos provados);
- A requerente mulher, no ano de 2018, sofreu um aneurisma cerebral e tal situação de saúde deixou a requerente mulher em risco de vida, tendo sido hospitalizada por um período não concretamente apurado, deixando sequelas (pontos 20 e 21 dos factos provados);
- Em consequência disso, a requerente mulher é portadora de uma incapacidade permanente global, susceptível de variação futura, de 61% (ponto 22 dos factos provados);
- Por força do referido, a requerente mulher tem uma necessidade acrescida de repouso (ponto 23 dos factos provados);
- Cerca de um ano após a privação regular de repouso da requerente mulher, provocada pelo ladrar dos dois cães dos requeridos, a requerente mulher começou a acordar, diariamente, com vómitos, tonturas e com náuseas (ponto 24 dos factos provados);
- A requerente mulher precisou também de recorrer a ajuda médica especializada em virtude de ter sido afectada no seu estado geral de saúde, fruto do estado de ansiedade causado pela impossibilidade do suficiente descanso à sua reparação diária, atenta a sua condição de saúde (ponto 25 dos factos provados);
- A requerente mulher iniciou a toma de psicofármacos em agosto de 2021, que mantém até hoje (ponto 26 dos factos provados);
- E teve necessidade de recorrer a acompanhamento de psiquiatria, para além do acompanhamento de neurologia que mantém desde que sofreu o aneurisma (ponto 27 dos factos provados);
- A requerente mulher teme o agravamento do seu estado de saúde e, inclusive, teme pela sua vida, caso esta impossibilidade de repouso/descanso se prolongue (ponto 28 dos factos provados);
- Os cães dos requeridos apenas ladram quando vêem alguém estranho, quando existem barulhos estranhos, quando alguém bate ao portão, quando estão na presença de gatos no quintal ou no caminho, ou quando são provocados por alguém (ponto 29 dos factos provados);
- A partir do mês de Junho de 2021, os requeridos passaram a guardar os cães durante a noite, entre as 23h00m e as 7h00m, pelo que durante esse período os animais não ladram (ponto 31 dos factos provados).
Na apelação interposta, quanto ao primeiro requisito do procedimento cautelar decretado, depois de afirmarem não contestarem a existência do direito ao repouso por parte dos requerentes, contrapõem os recorrentes afirmando não se mostrar provado, nem suficientemente indiciado nos autos, que existe da sua parte a violação do direito por aqueles alegada, não se cumprindo assim este requisito para ser decretada a providência requerida.
Ora, face à abundante matéria de facto sumariamente provada não existe dúvida que tais direitos dos apelados foram violados pela conduta dos apelantes.
Com efeito, basta ter presente os enumerados pontos 13 a 21, 24 a 26 e 28 dos factos provados para desde logo se aquilatar da violação e afetação do direito à saúde, ao repouso, descanso e tranquilidade dos requerentes, em particular da requerente mulher, atenta a sua especial condição de saúde (mercê do aneurisma cerebral sofrido em 2018, que a deixou com graves sequelas e lhe impõem uma necessidade acrescida de repouso), bem como dos filhos menores do casal, na medida em que estes revelam sinais de agitação e de perturbação, sobretudo no momento de se deitarem.
Mais resulta (sumariamente) demonstrada a repercussão (sintomatológica) na saúde da requerente mulher de tais barulhos/ruídos provocados pelo latir dos cães dos requeridos, obrigando-a inclusivamente a recorrer a ajuda médica e medicamentosa.
Por conseguinte, é de concluir pela conexão causal entre o ladrar dos cães dos vizinhos e as dificuldades de dormir que a requerente mulher e os filhos patenteiam.
Parafraseando Sandra Passinhas[56] diremos que o poder-utilizar de um entra em colisão com o respeito pelo poder-ser do outro, na situação em que os requeridos têm na sua propriedade cães que ladram persistentemente no período do entardecer (bem como, antes de serem recolhidos a partir das 23h, pela noite dentro), impedindo ou dificultando o repouso, o descanso e o sono dos requerentes. Na apreciação e julgamento de tais efeitos nos lesados, como se disse, o critério que o julgador deve seguir não é do tipo de pessoa médio, cidadão normal e comum, mas antes o de cada pessoa em concreto. Mesmo que o ladrar de um cão seja suportável por uma pessoa normal, mas habitando no prédio vizinho como é o caso uma pessoa que sofreu um aneurisma cerebral, que lhe deixou várias sequelas e limitações, tendo uma necessidade de repouso acrescido, como acontece com a requerente mulher, a quem o ladrar causa prejuízos intoleráveis, então o tribunal deve agir de acordo com esta concreta ofensa à personalidade do vizinho. Deve prevalecer o direito de personalidade dos requerentes sobre o direito de propriedade, de carácter patrimonial, dos requeridos detentores dos animais, devendo por isso o conflito ser decidido a favor do direito de personalidade.
E se é certo que a vivência nos meios rurais impõe que nas relações de vizinhança seja de tolerar os ruídos provocados pelos animais domésticos, e a suportar algumas contrariedades e incomodidades daí advenientes, certo é também que essa tolerância e limitação deverá apenas ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante, para que todos possam continuar a viver em sociedade no ambiente rural que escolheram[57]. Essa tolerância deixa de se impor quando, como na situação dos autos, é elevado o atentado ao descanso e sossego dos recorridos.
De facto, quando esses incómodos ultrapassam o grau de razoabilidade e de tolerabilidade – como bem explicitou o Mm.º Juiz “a quo”, quando os latidos são persistentes e, pela sua intensidade, impeçam os requerentes de descansar e de dormir, como é o caso –, fica a presente providência plenamente justificada.
De todo o exposto, resulta à saciedade, a violação ilícita por parte dos apelantes, do direito à integridade física e moral, à saúde e ao repouso dos requerentes, isto é, a violação do seu direito de personalidade.
Donde, ao contrário do propugnado pelos recorrentes, é de secundar a verificação do requisito da probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito - «fumus bonis juris»).
Dizem também os recorrentes não se verificar a existência do “periculum in mora”, posto que se entendessem que havia o perigo de a situação se agravar se não fosse resolvida rapidamente, deveriam instaurar este procedimento cautelar logo que terminaram com as diligências que efetuaram, o que não aconteceu por vontade e decisão deles.
Vejamos.
Para que o recurso à tutela cautelar possa ser considerado justificado exige-se que o periculum in mora seja actual e iminente.
Deste modo, a providência cautelar deve ser indeferida, porque injustificada, nos casos em que o requerente se tenha conformado com a situação de perigo que ameaça afetar o seu direito, assumindo uma conduta inerte e passiva perante esse facto.
Ou seja, visando a providência cautelar evitar a lesão de um direito, esta não pode ser decretada, porque injustificada, se essa lesão já se tiver consumado (ainda que grave e de difícil reparação), salvo se essa lesão fundamentar o receio de ocorrência de outras lesões idênticas e futuras, a produção de lesões de natureza continuada ou repetida ou o agravamento do dano[58]. Nestes casos, as lesões que revistam carácter de continuidade ou de repetição são merecedoras do âmbito de protecção cautelar.
No mesmo sentido, sustenta Abrantes Geraldes[59] que “não deixam de ser tuteladas situações em que o evento é anunciado por uma série de elementos de facto ou em que o evento danoso já verificado continua a produzir efeitos que se prolongam no tempo, agravando o estado de insatisfação”.
Estando, pois, “fora da proteção concedida pelo procedimento cautelar comum as lesões de direitos já inteiramente consumadas, ainda que se trate de lesões graves, mas já nada obsta a que, relativamente a lesões continuadas ou repetidas, seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de actos lesivos , v.g em casos de lesões ao direito de personalidade resultantes de actividades ruidosas e perturbadoras do direito ao descanso (…)”. (sublinhado nosso).
Para além do mais, “as lesões já verificadas não são inócuas. Elas servem ainda para dar maior seriedade e, assim, justificar a concessão de uma providência destinada a evitar a repetição ou a persistência de situações lesivas, admitindo o deferimento de uma providência cautelar se e enquanto subsistir uma situação de perigo de ocorrência de novos danos ou de agravamento dos danos entretanto ocorridos”.
Como tivemos já oportunidade de salientar, em consequência dos ruídos e barulhos persistentes e intensos emitidos pelos cães dos requeridos, os requerentes veem afetado o seu sossego, tranquilidade e descanso, em especial no período do entardecer[60].
Trata-se de uma situação de violação efectiva e actual do direito ao repouso, descanso e tranquilidade dos requerentes e do seu agregado familiar que, a manter-se, lesa a sua saúde física e psicológica dado que, em termos de experiência comum, é sabido que a privação reiterada do repouso e o “stress” causado pelos ruídos de certa intensidade é susceptível de afectar seriamente o bem estar físico e a saúde, designadamente no foro psicológico.
Existe, pois, no caso dos autos um dano imaterial evidente que, além de revestir especial gravidade por atentar contra os direitos de personalidade, se acumula e tende a agravar-se, pois que é contínuo e repetido, e que acarreta grave prejuízo aos requerentes e ao seu agregado familiar.
Por outro lado, o facto de tal situação já perdurar desde o ano de 2020 e de os requerentes só em meados de 2022 terem intentado o presente procedimento cautelar também não constitui fundamento de rejeição da providência requerida, pois não podemos descurar que, ao longo deste período de tempo, e depois de goradas as tentativas encetadas diretamente junto dos requeridos para recolherem mais cedo os canídeos, aqueles, em 2021 – porventura julgando ser esse o caminho mais célere e eficaz para verem resolvido o seu problema –, expuseram já a questão em apreço a diversas entidades com poderes para intervir[61], mas desde então a situação mantém-se.
Por conseguinte, o comportamento de insatisfação e de busca duma solução institucional para o problema de que os requerentes se vêem afetados não coincide temporalmente com a propositura do presente procedimento cautelar, já que tal “calvário” começou bem antes.
De todo o modo, como se disse, estando em causa a lesão de um direito imaterial, que assume a forma continuada ou repetida resultante de actividades ruidosas e perturbadoras do direito ao descanso em virtude dos latidos dos cães dos requeridos, nada obsta ao decretamento de providência cautelar tendente a prevenir a continuação ou a repetição de actos lesivos.
Em suma, é de subscrever a afirmação explicitada na sentença recorrida no sentido de ser indiscutível que o comportamento dos requeridos, ao deixarem os dois cães, de grande porte, soltos, no quintal da sua propriedade, durante a noite – numa primeira fase toda a noite e a partir do mês de junho de 2021 até às 23 horas – levando-os a ladrar diária, persistente e ruidosamente, causa lesão grave e dificilmente reparável a tais direitos (periculum in mora).
Bem andou, por isso, a decisão recorrida ao julgar procedente a providência cautelar requerida, pelo que tal decisão tem de se manter, com a consequente improcedência, nessa parte, da apelação.
*
5. Dos pressupostos da fixação da sanção pecuniária compulsória.
A sentença recorrida condenou também os requeridos no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 100,00 € por cada dia que violem o dever referido em 1., fazendo-o com base no art. 365º, n.º 2 do CPC, que admite a sua aplicação.

Aduzem os recorrentes que para ser aplicada uma sanção não basta que seja legal, tem de ser adequada a cada situação concreta, proporcional e possível de ser cumprida, sob pena de ser inútil e desproporcional como é neste caso claramente, pelo que, mesmo a manter-se a providência, esta sanção deve ser revogada.
Sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória”, prescreve o art. 829.º-A do CC:

«1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
(...)».

Como refere Calvão da Silva[62], “o legislador confinou esta sanção às obrigações de carácter pessoal, fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar”.
A sanção pecuniária compulsória é uma condenação acessória duma condenação principal, cuja finalidade essencial é o exercício de uma ameaça sobre o réu, preventiva de um possível incumprimento futuro da obrigação por parte deste, pelo que, pela sua própria natureza, deve ser aplicada concomitantemente com esta última condenação, desde que, antes, tenha sido requerida pelo credor.
Só se aplica a obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo e tem por finalidade típica compelir/constranger o devedor a cumprir as comuns prestações de facto infungíveis, positivas ou negativas duradouras, dada a ausência de um mecanismo executivo[63], e consiste na ameaça de pagamento de uma quantia pecuniária suplementar, segundo critérios de razoabilidade,  por cada dia de atraso no cumprimento de uma obrigação judicialmente reconhecida ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
A sanção pecuniária compulsória tem um fim coactivo (e não repressivo), visa o cumprimento (e não a execução) e é alheia a qualquer pretensão indemnizatória.
Visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
Parece, por conseguinte, que a sanção pecuniária compulsória, cujo “fim não é (nem atenta a sua natureza de adstreinte” (…), o poderia ser), o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência” (…) constitui “um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça (…)[64].
A sanção pecuniária compulsória constitui, assim, um meio intimidatório de pressão sobre o devedor, por forma a que este cumpra a sua obrigação.
O seu escopo visa exclusivamente constranger o devedor nos termos e para os sobreditos efeitos, e não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora.
Ademais, para que o escopo legal seja efectivamente alcançado, torna-se mister que a sanção assuma um montante economicamente relevante, para o que importa fundamentalmente considerar a capacidade económica do devedor.
No caso em apreço, está em causa uma obrigação de prestação de facto infungível (a exigência de um comportamento que só os requeridos podem ter) com uma vertente positiva, qual seja, que os requeridos “recolham e guardem, designadamente na sua casa de habitação, entre as 21h00m e as 7h00m, por forma a que não prejudiquem ou perturbem, com o seu latido, o descanso e o sono dos requerentes, os dois cães identificados no elenco de factos sumariamente provados”.
A argumentação ensaiada pelos recorrentes no sentido de não terem possibilidade de cumprir a obrigação judicialmente reconhecida não se mostra ancorada na facticidade sumariamente apurada, pelo que é um exercício argumentativo fadado ao insucesso.
Por outro lado, a apreciação e valoração dos dois interesses jurídicos em confronto – os direitos de personalidade dos requerentes, na vertente do sossego e descanso e o direito de propriedade dos requeridos sobre os animais – foi já objeto de tomada de posição, tendo-se inequivocamente decidido pela prevalência daquele em relação ao segundo.
Parecem os recorrentes olvidar que os requerentes não são obrigados a tolerar e suportar os incómodos e prejuízos causados pelo latir dos cães quando, como no caso, se mostra excedido o grau de razoabilidade e de tolerabilidade aceitável.
As aduzidas necessidades dos animais, sejam elas de ordem fisiológica ou de outra natureza, não podem perigar e atentar contra os enunciados direitos de personalidade dos requerentes.
 Aliás, a atender-se a tais ponderações dos recorrentes, o efeito útil da decisão cautelar ficaria substancialmente comprometido, atenta a inexistência de qualquer meio tendente a compelir os requeridos ao cumprimento da referida prestação de facto infungível.
Por outro lado, a argumentação delineada pelos recorrentes deixa antever que os mesmos ponderam a hipótese de não cumprir a decisão judicial, respaldando-se numa alegada – mas não comprovada – impossibilidade de cumprir.
Ora, parafraseando a fundamentação do Ac. da RL de 11/03/2021 (relator Pedro Martins), www.dgsi.pt., dir-se-á que uma condenação judicial numa obrigação existe para ser cumprida. O devedor não tem a alternativa de não cumprir, como decorre do art. 817 do CC: “Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento […].” Os requeridos, ao recorrerem, nos termos em que o fazem, afirmando não terem possibilidades de cumprir, por razões a si não imputáveis, implicitamente estão a dizer que ponderam não cumprir a obrigação em confronto com o valor da sanção para esse incumprimento, como se tivessem a alternativa de não cumprir. Isto demonstra a necessidade da sanção, e do valor fixado, para prevenir a vontade de os requeridos não cumprirem a condenação. Aliás, para os requeridos não terem de pagar a sanção diária, bastar-lhe-á providenciar para que os cães não fiquem no exterior da casa de habitação, entre as 21h00m e as 7h00m,
Em suma, a situação dos autos (em que está em causa uma prestação de facto infungível) constitui sem dúvida uma daquelas que justifica plenamente a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, pelo que é de manter a sanção decretada.
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6. Das custas (fixadas na decisão recorrida).
Embora no corpo das alegações os recorrentes manifestem discordância quanto à proporção das custas fixadas na decisão recorrida, a verdade é que essa matéria não foi incluída no âmbito das conclusões da apelação, o que exclui o seu conhecimento por este Tribunal (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 26 de janeiro de 2023

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)

[1] Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nelson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo n.º 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf.
[3] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 736.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 141 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 690.
[5] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371.
[6] Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 383.
[7] Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra editora, p. 258/259.
[8] Cfr. Luís Correia de Mendonça/Henriques Antunes, Dos Recursos (regime do Dec. Lei n.º 303/2007), Quid Iuris, 2009, p. 117.
[9] Cfr. Ação Declarativa À Luz do Código Revisto, 3.ª ed., Coimbra Editora, p. 667.
[10] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil (…), vol. V, p. 151.
[11] Cfr. Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 15ª ed., 2020, Almedina, p. 409.
[12] Cfr. Ref.ª 49693592 - fls. 112.
[13] Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, p. 675 e o Ac. da RG de 23/04/2020 (relator João Ramos), in www.dgsi.pt..
[14] Cfr. Rui Pinto, obra citada, p. 676.
[15] Cfr. A fase da instrução e os novos meios de prova no Código de Processo Civil, Revista do Ministério Público, n.º 134/2013, p. 31.
[16] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2º, Almedina, 3ª ed., pp. 387/388.
[17] Como refere Paulo Pimenta, sendo a prestação de declarações de parte requerida em tempo útil, ou seja, até à audiência prévia ou no decurso desta, deverá ser considerada na programação dos actos a praticar na audiência final. Nos demais casos, assim que for confrontado com tal requerimento, caberá ao juiz enquadrar esta diligência nos atos a praticar na audiência (cfr. Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 388).
[18] Durante a prestação de tais declarações de parte por 16m51s, sendo que a duração total de tais declarações foi de 31m45s.
[19] Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, 2017 – reimpressão, p. 384 a 396, Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33, e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[20] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 435/436.
[21] Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil. Conceito e princípios fundamentais à luz do código revisto, 3ª ed., Coimbra 2013, p. 200.
[22] Art. 14º da oposição.
[23] Cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 14/02/2017 (relator Garcia Calejo), in www.dgsi.pt.
[24] Cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. 1, Almedina, p. 130 e segs.
[25] Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, p. 10.
Segundo Alberto dos Reis, "convém que a justiça seja pronta; mas, mais do que isso, convém que seja justa. O problema fundamental de política processual consiste exactamente em saber encontrar o equilíbrio razoável entre as duas exigências: a celeridade e a justiça" (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 1982, p. 624).
[26] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 23 e ss.
[27] Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 3, pp. 42 e 45.
[28] Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, Vol. III, Almedina, p. 56.
[29] Cfr. Maria Adelaide Domingos, Procedimentos Cautelares Laborais, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. V, Almedina, p. 40.
[30] Cfr. Ac. RL de 11.3.86, CJ, Ano XI, T. II, pág. 98 e Ac. do STJ de 23-09-1997 (relator Fernandes Magalhães), in www.dgsi.pt.
[31] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre O Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, p. 233.
[32] Cfr. Ac. STJ, de 24/5/1983, BMJ, n.º 327, p. 353 e Ac. STJ, de 23/1/1986, BMJ, n.º 353, p. 376.
[33] Cfr. obra citada, p. 234.
[34] Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, p. 83.
[35] Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, p. 84, Ac. da RL de 19.2.87, CJ, T. I, p. 141 e Ac. do STJ de 13.3.86, BMJ, n.º 355º, p. 356.
[36] Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, p. 87.
[37] Cfr. Código …, Vol. I, p. 683.
[38] Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, p. 88.
[39] Cfr. Paulo Sousa Pinheiro, o Procedimento Cautelar Comum no Direito Processual do Trabalho, 2ª ed., Almedina, p. 50.
[40] Cfr. Marco Filipe Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, Almedina, 3.ª ed., 2017, p. 207 e Ac da RP de 2011/11/22 (relator Manuel Pinto dos Santos), in www.dgsi.pt.
[41] Cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, p. 210.
[42] Aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13/10.
[43] A respeito desta disposição, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem que o “direito à integridade pessoal (…) abrange as duas componentes, a integridade moral e a integridade física, de cada pessoa (n.º 1). Consiste, primeiro que tudo, num direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais” (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª ed. - 2014, Coimbra Editora, p. 454).
[44] Segundo Menezes Cordeiro, a integridade física pode ser diretamente atingida, através de actuações que visem a própria pessoa enquanto unidade biológica ou indiretamente, mediante atuações que venham bulir com aspetos circundantes ou ambientais (Tratado de Direito Civil, IV, Parte Geral/Pessoas, 4ª ed. Almedina, 2017, p. 174).
O círculo de bens e valores a abranger pela protecção tem vindo a aumentar, pois inicialmente a integridade física era apenas posta em causa por agressões pessoais físicas. Hoje, fica claro que ela é questionada pelo ruído, pela trepidação, pelos cheiros e pela degradação do ambiente (p. 177).
[45] Cfr. O Direito Geral de Personalidade, 1995, Coimbra Editora, p. 117.
[46] Cfr. Ac. RL de 19/02/87, CJ, XII, T. I, p. 142;  Ac. RC de 6/02/90, CJ, XV, T. I, p. 94 e Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infracções, p. 37
[47] Cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, obra referida, p. 116.
[48] Cfr. Sandra Passinhas - Os animais e o regime português da propriedade horizontal, Revista da Ordem dos Advogados (ROA), https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-2006/doutrina/sandra-passinhas-os-animais-e-o-regime-portugues-da-propriedade-horizontal/
[49] Cfr. Ac. RL de 19/02/1987, CJ, T. I, p. 141 e Ac. da RP de 6/02/1990, in CJ, Tomo I, p. 92.
[50] Cfr. Sandra Passinhas, estudo e local citados.
[51] cfr. obra referida, p. 104.
[52] Cfr. Ac. do STJ de 26/04/95, CJSTJ, Ano III, T. I, p. 158.
[53] Cfr. Ac. do STJ de 1/03/2016 (relator Garcia Calejo), in www.dgsi.pt.
[54] Entendendo-se por:
Período diurno - das 7 às 20 horas;
Período do entardecer - das 20 às 23 horas;
Período nocturno - das 23 às 7 horas.
[55] Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª ed., 2019, Almedina, p. 65.
[56] Estudo citado.
[57] Cfr. Ac. do STJ de 3/10/2019 (relatora Rosa Tching), in www.dgsi.pt.
[58] Cfr. Marco Filipe Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, Almedina, 3.ª ed., 2017, p. 202/204 e 205.
[59] Cfr. António Abrantes Geraldes, Temas …, Vol. III, pp. 89/90.
[60] Isto porque, a partir de junho de 2021, os requeridos passaram a guardar os cães durante a noite, entre as 23h00m e as 7h00m, deixando os animais de ladrar durante esse período.
[61] Autoridades policiais, camarárias e veterinárias (cfr. fls. 23 a 25).
[62] Cfr. Cumprimento e Sanção Compulsória, p. 450.
[63] Cfr. José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, pp. 208/209.
[64] Cfr. Ac. do STJ de 12/04/2012 (relator Pinto Hespanhol), in www.dgsi.pt.