Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
26/18.8T8PTL-C.G2
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Para o efeito de saber se uma determinada sentença constitui ou não título executivo, não é relevante apurar se a mesma foi proferida no âmbito de uma ação de simples apreciação, de uma ação de condenação ou de uma ação constitutiva, relevando apenas “saber se tal sentença impõe a alguém, expressa ou tacitamente, o cumprimento duma obrigação, contendo, pois, uma ordem de prestação” (de facere ou de non facere).
II- É possível executar sentenças que apesar de não conterem uma ordem expressa no sentido de praticar ou não praticar determinado ato, declarem, sem dúvida alguma, a existência de um direito e da correspondente obrigação a cargo do réu.
III- Assim, perante ações de natureza real – aquelas em que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (art. 581º, n.º 4, do CPC) –, pode admitir-se a colocação da questão de saber se a sentença que procedeu ao reconhecimento, ainda que implícito, do direito real objeto de apreciação, conterá uma ordem concreta, também ela implícita, de abstenção, no futuro, de todo o comportamento similar àquele que é objeto da expressa ordem emitida pelo Tribunal, sendo, pois, suscetível de fundar uma execução.
IV- É de excluir a extração desse efeito de uma sentença que não efetuou o acertamento de um qualquer direito real, declarando, sem dúvida alguma, a sua existência e, muito menos, uma correspondente obrigação futura de non facere de tal direito decorrente (alegadamente objeto de violação por força do comportamento invocado no requerimento executivo).
V- A sentença de extinção da execução não tem força de caso julgado material, mas o efeito extintivo próprio do facto invocado na ação executiva (e nela provado, por documento ou confissão judicial ou extrajudicial do Exequente), não deixará de se produzir, obstando ao êxito de uma nova ação executiva.
VI- A sentença proferida nos embargos de executado só é vinculativa entre o embargante (ou embargantes) e o exequente, não sendo os restantes executados abrangidos pela eficácia do caso julgado, pelo que, se os embargos forem julgados procedentes, só perante o embargante se produzirá, consoante o caso, o efeito direto de caso julgado da decisão da oposição de mérito ou de caso julgado formal (estendido apenas ao processo executivo) da decisão sobre pressupostos processuais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I - RELATÓRIO:

Por apenso à ação executiva para prestação de facto que A. D. e mulher, M. F., V. F. e mulher, M. D. intentaram contra M. A. e, subsidiariamente, contra R. D., J. A., M. A., A. A., T. M., M. B., J. M., J. V., C. A., R. F., J. D. e M. S., vieram os Executados R. F. (esta, entretanto, absolvida da instância) e C. A. deduzir embargos de executado, invocando, ademais, a inexistência de título executivo, bem como a sua inexequibilidade.
Para o efeito, alegaram, em síntese, que a execução da qual os presentes autos são apenso se funda em sentença condenatória proferida no âmbito da ação n.º 463/2001, que correu termos no extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, sentença essa que havia já sido objeto de outra execução para prestação de facto que correu termos por apenso à referida ação (apenso A), mais alegando que tal execução foi declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, em virtude dos executados voluntariamente terem cumprido a sentença condenatória, pelo que, concluem, tendo o título que serve de fundamento à execução da qual os presentes autos são apenso sido já objeto de execução, inexiste ou é inexequível o título executivo dado à execução.
Mais defenderam os Executados/Embargantes que no requerimento executivo foram alegados factos supervenientes à sentença condenatória que serve de base à execução.
Alegaram ainda existir uma tríplice identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, entre o predito apenso A do processo n.º 463/2001 e a execução relativamente à qual os presentes autos constituem apenso.
Os Exequentes/Embargados contestaram pugnando pela improcedência dos embargos.

No saneador foi, então, proferida a seguinte decisão:
Em face do exposto, tudo visto e ponderado, decide-se:
a) Julgar verificada a excepção dilatória da inexistência do título executivo, quanto aos factos novos alegados no requerimento executivo e, em consequência, determinar a extinção da execução da qual os presentes autos são apenso quanto a tais factos;
b) No mais, julgar verificada a excepção dilatória do caso julgado, abstendo-se este Tribunal de conhecer da acção executiva da qual os presentes autos são apenso, absolvendo-se, em consequência, os executados da instância e determinando-se a extinção da predita execução;
c) Condenar os exequentes/embargados no pagamento das custas.

Inconformado com a decisão da primeira instância, os Exequentes/Embargados interpuseram o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

1. Vem o presente recurso interposto da Douta sentença proferida nos autos, na parte em que julgou procedente a excepção dilatória de falta de título executivo e a excepção de caso julgado e determinou a extinção da execução apensa.
2. A douta sentença recorrida é absolutamente omissa quanto ao acervo factual que considerou provado – sendo certo que se serviu de fundamentos de facto alegados nos articulados para decidir como decidiu, nomeadamente, na parte em que considerou a factualidade alegada em sede de embargos, relativamente à pendência e subsequente extinção de uma anterior acção executiva (cfr. arts. 5.º, 6.º e 7.º do articulado de embargos).
3. A sentença é nula quanto especifique os fundamentos de facto que servem de base à decisão: art. 615.º, n.º 1, al. b) do Cód. Proc. Civil.
4. É essa nulidade que expressamente se invoca e cuja procedência deverá determinar a anulação da decisão recorrida e consequente baixa dos autos à 1.ª Instância, a fim de o Tribunal recorrido suprir tal omissão.
5. A interpretação do título executivo contida na douta decisão recorrida colide invariavelmente com a finalidade visada pela decisão exequenda, ou seja, com a sua teleologia.
6. O entendimento contido na decisão recorrida implicaria, no limite, que, caso os condenados, após a prolação da sentença, removessem as pedras que colocaram e as voltassem a colocar no dia a seguir, com configuração diferente, tivesse de ser instaurada uma nova acção declarativa para discutir a legitimidade de tal actuação.
7. Tal interpretação do segmento decisório contida na sentença dada à execução, em lugar de conduzir à resolução do diferendo que opõe as partes, leva à sua eternização e à sucessiva necessidade de instauração de processos judiciais, em caso de novas actuações ilegítimas dos ali Réus e aqui Exequentes.
8. Desse modo, estar-se-á a frustrar a finalidade visada pela decisão dada à execução (a pacificação da relação entre as partes, através da resolução do diferendo que as opõe), permitindo-se, ao invés, a eternização de tal discussão.
9. Tudo isso com a agravante de se forçar as partes a discutir novamente os mesmos factos (configuração, natureza e largura do caminho de acesso), a produzir as mesmas provas e, invariavelmente, a repetir o julgamento que foi feito, com a agravante de, face à autoridade de caso julgado daquela primeira sentença, estar vedado ao Tribunal recorrido decidir em sentido diverso.
10. Em segundo lugar, o Tribunal recorrido desconsiderou a segunda parte do segmento decisório contido na sentença dada à execução, designadamente, a parte que obriga os aí Réus a desimpedir o caminho de acesso, em toda a sua largura de oito metros.
11. Essa parte do segmento decisório tem subjacente uma obrigação de non facere ou de prestação de facto negativo, traduzido na necessidade de os Réus não impedirem o caminho de acesso em referência, em toda a sua largura de oito metros.
12. Se os Executados estavam obrigados a não impedir (desimpedir) o caminho de acesso ao prédio dos Exequentes em toda a sua largura de oito metros, a partir do momento em que o fizeram, mesmo que depois de inicialmente terem acatado o sentido decisório daquela primeira decisão, violaram o segmento decisório da sentença dada à execução, o que leva a concluir pela existência de título executivo.
13. Nesta parte, a douta sentença recorrida violou, além de outras, a disposição do art. 703.º, n.º 1, al. a) do Cód. Proc. Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue improcedente a excepção de inexistência de título executivo.
14. Só produz caso julgado material a sentença ou despacho saneador que decidam do mérito da causa.
15. Nada disso sucedeu no caso dos autos, já que a sentença que pôs termo à primeira acção executiva apensa não se pronunciou sobre o mérito da mesma, mas antes julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
16. Não se tendo tal decisão pronunciado sobre o mérito da causa, não poderá falar-se em caso julgado material mas, tão-somente, em caso julgado formal – ou seja, tal decisão tem força obrigatória no processo em que foi proferida, determinando definitivamente a extinção daquela instância (art. 620.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil).
17. Não produzindo efeitos fora do processo em que foi proferida, tal decisão não tenha o alcance de caso julgado (material) que o Tribunal recorrido dela retirou.
18. Nesta parte, a decisão recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 619.º, n.º 1 e 620.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
19. Por outro lado, e ainda que assim se não entendesse, essa força de caso julgado nunca poderia abranger factos que não constituíam o objecto daquela primeira acção executiva.
20. A questão da remoção das pedras de menor dimensão (rachão) não foi objecto de apreciação naquela primeira acção executiva, pelo que nunca poderia ser abrangida pela “força de caso julgado” que o Tribunal recorrido dela retirou.
21. E sendo esse o caso (e não se vendo como assim não possa ser),terá também de se concluir que, ao julgar procedente a excepção de caso julgado, na parte em que a acção executiva recentemente instaurada visava a remoção daquelas pedra de menor dimensão, a decisão recorrida não procedeu à devida aplicação do instituto do caso julgado (alargando-a a matéria que não constituiu objecto da primeira acção executiva) e, desse modo, violou, além de outras, a disposição do n.º 1 do art. 619.º do Cód. Proc. Civil.
22. Daí que se imponha julgar procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por Douto Acórdão que julgue improcedente a excepção de caso julgado e, bem assim, os embargos deduzidos pelos Embargantes, que deverão ser julgados improcedentes.
23. Os Recorrentes discordam da douta sentença recorrida, na parte em que estendeu os efeitos da extinção da acção executiva a todos os executados, em lugar de os restringir aos Embargantes.
24. Ainda que concluísse pela procedência dos presentes embargos, o Tribunal recorrido poderia unicamente julgar extinta a instância executiva relativamente aos embargantes que são parte no presente apenso.
25. No processo civil vigora o princípio da autorresponsabilização das partes, o que significa que, salvo nos casos expressamente previstos na lei (como é o caso da contestação apresentada em acção declarativa comum, que aproveita aos réus não constantes – cfr. art. 568.º, al. a) do Cód. Proc. Civil), a apresentação de defesa num qualquer processo (incluindo o executivo) é um ónus das partes, que se sujeitam, em caso de não apresentação, às consequências daí decorrentes.
26. No apenso D, apesar de terem sido deduzidos embargos, os mesmos foram julgados improcedentes, tendo-se decidido pelo prosseguimento da acção executiva quanto aos aí embargantes.
27. Por seu turno, no apenso A ainda não havia sido (nem foi) proferida decisão de mérito, no sentido da sua procedência ou improcedência.
28. Ao decidir em sentido contrário, a douta sentença recorrida violou, além de outras, a disposição do n.º 4 do art. 732.º do Cód. Proc. Civil.
29. Acresce ao exposto, no concreto caso do apenso D, que foi proferida no mesmo decisão final transitada com o seguinte teor: “Pelo exposto se decide julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, julgando-se os embargantes partes legítimas, prosseguindo, consequentemente a execução contra estes” (sublinhado nosso).
30. A partir do momento em que, no âmbito daquele apenso, foi decidido o prosseguimento da execução quanto aos aí embargantes, estava vedado ao Tribunal recorrido extinguir, em relação a estes últimos, a acção executiva, com fundamento na procedência dos presentes embargos, por assim o impor o n.º 1 do art. 619.º do Cód. Proc. Civil – que confere força de caso julgado material àquela decisão.
31. Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou a disposição do art. 619.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
32. Daí que se imponha a procedência do presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença recorrida, na parte em que determinou a extinção da acção executiva relativamente a todos os executados, as qual deverá ser substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que restrinja os efeitos da extinção da acção executiva, tão-somente, aos embargados neste apenso C.

O Executado/Embargante C. A. apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do decidido.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que relevam das conclusões recursórias são as seguintes:
- Saber se a sentença é nula por ausência de especificação dos fundamentos de facto que servem de base à decisão;
- Saber se a sentença dada à execução constitui título executivo, contendo uma condenação implícita à prestação de uma obrigação de non facere, para efeito da execução intentada com fundamento na verificação de factos ulteriores à dita sentença;
- Saber se a decisão que, face ao declarado pelos ali Exequentes no sentido da obrigação exequenda já estar cumprida, declarou extinta por inutilidade superveniente da lide a primeira execução intentada com base na sentença que também serve de fundamento à execução de que estes autos constituem apenso, tem força de caso julgado material e, no caso de a resposta ser negativa, qual o efeito substantivo da declaração a tal sentença subjacente e o reflexo do mesmo na execução contra a qual foram deduzidos estes embargos;
- Saber se a procedência dos embargos de executado deduzidos por apenas um (ou uns) dos executados pode conduzir à extinção da execução quanto a todos os restantes executados.
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III- Da invocada nulidade da sentença recorrida

Defendem os Recorrentes que, atenta a previsão da al. b) do nº 1 do art. 615º do Cód. Processo Civil, a sentença será nula.

Nos termos da referida alínea, é nula a sentença quando, nomeadamente, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do art. 607º, nº 3, do CPC que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
O referido vício determinante da nulidade da sentença corresponde à ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), vício que encerra um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.
A nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, tal como é pacificamente admitido, exige, pois, a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente (cfr. Acórdão desta Relação de 14.05.2015 e Acórdão do STJ de 04.05.2010 ali indicado).
“A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. (Decisão Sumária da Relação de Coimbra de 06.11.2012).
Isso mesmo ensina Alberto dos Reis: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140)
Deste entendimento não se tem desviado a Doutrina mais recente (Lebre de Freitas, in Código Processo Civil, pág. 297; Rodrigues Bastos, in "Notas ao Código de Processo Civil", III, pág.194).

No caso, a decisão recorrida não se pode dizer sem fundamentação, porque, ao contrário do referido pelos Recorrentes, dela constam, embora de forma não autonomizada dos fundamentos jurídicos, os factos considerados relevantes pela primeira instância para efeito da decisão de mérito dos embargos.
Improcede, pois, a arguida nulidade.
Poderá sim perspetivar-se eventual patologia da decisão relativa à matéria de facto por nela não se terem contemplado todos os pontos de facto essenciais para a decisão dos embargos – patologia que, a verificar-se, implicará a necessidade de ampliação da matéria de facto –, bem como por ausência da devida fundamentação da decisão relativa aos pontos fácticos considerados provados – o que, quando muito, poderia ocasionar a remessa dos autos à primeira instância para fundamentação pelo juiz a quo, sendo certo que “a intervenção do Tribunal da Relação nesse âmbito ocorre a título oficioso, independentemente, portanto, da iniciativa da parte interessada na alteração da decisão de facto” (Ac. do STJ de 17.10.2019, Relator – Bernardo Domingos).
Sucede, porém, que, existindo tais patologias e havendo nos autos os elementos que permitam ao Tribunal da Relação supri-las, impõe-se a este fazê-lo, tarefa que, de seguida, entrando na “Fundamentação”, se empreenderá, acrescentando os factos que se entende serem necessários à decisão dos embargos e indicando o fundamento daqueles que não se mostram expressamente fundamentados (aproveitando a oportunidade para os autonomizar, como é devido).

IV. FUNDAMENTAÇÃO

- Os factos
Do documentado na ação declarativa, nos dois autos de execução principais e respetivos processos apensos, resultam os seguintes

Factos Provados:

1. O requerimento executivo tem o seguinte teor:

1. Por douta sentença, transitada em julgado, proferida nos autos principais - proc. n.º 463/2001 -, julgou-se a acção procedente e, em consequência, condenou-se os aí Réus e aqui Executados a retirarem todas as pedras que, abusiva e ilegitimamente, colocaram na entrada de acesso à via pública do prédio dos Autores e aqui Exequentes A. D. e mulher M. F., nos termos expostos nos arts. 32.º, 33.º, 37.º e 38.º da petição inicial desse processo, de modo a esse acesso (abertura) ficar totalmente desimpedida em toda a sua largura de cerca de oito metros e, assim, no preciso estado em que se encontrava antes dessas suas ilegítimas actuações: doc. n.º 1.
2. As pedras referidas nos arts. 32.º, 33.º, 37.º e 38.º da petição inicial daquele processo são:
a) blocos de pedra com cerca de 4,70 metros de comprimento e 0,40 metros de altura;
b) seis pedras em perpianho por cima das pedras acima referidas;
c) pedras de menor dimensão (rachão) por todo o acesso controvertido.
3. Na presente data, a entrada de acesso à via pública do prédio dos Exequentes mantém-se ocupada por pedras e um muro, aí colocadas pelos Executados.
4. Com efeito, os Executados retiraram as pedras referidas na alínea a) e b) do precedente ponto 2, mas nunca retiraram as pedras referidas na al. c) do ponto 2 deste requerimento executivo, ou seja, as pedras de menor dimensão (rachão) espalhadas por todo o acesso controvertido, as quais, na presente data, ainda lá se mantêm.
5. Para além disso, há mais de 2 (dois) anos, os Executados ainda colocaram novas pedras, que acrescentaram a um muro em pedra, preexistente, prolongando-o, ocupando parcialmente a faixa de 8,00 metros referida no segmento decisório identificado no precedente ponto 1 deste requerimento executivo.
6. Pedras essas que foram implantadas sobre o rachão referido na al. c) do precedente ponto 2, o qual, por sua vez, nunca chegou a ser removido.
7. Pelo que se torna necessário o recurso à presente acção executiva, com vista a obter o cumprimento da douta sentença acima referida e, concretamente, a obter a remoção das pedras (rachão) e pedras mais recentemente colocadas, que ocupam parte da entrada para o prédio dos Exequentes, deixando-a desimpedida e colocando essa entrada no estado em que se encontrava antes da actuação dos Executados.
8. O art. 868.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil estabelece que se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem.
9. Os Exequentes optam expressamente pela execução da prestação de facto por terceiro.

2. A sentença apresentada à execução tem o seguinte teor:
“R. S. as e marido J. G., residentes na Rua …, freguesia de …, Concelho de Oeiras, e;
A. D. e mulher, M. F. e, residentes no Lugar do …, da freguesia de … deste Concelho e Comarca; vieram instaurar contra:
A. G. e mulher R. J., residentes no Lugar …, da freguesia de …, deste Concelho e Comarca a presente Acção DECLARATIVA, de condenação com processo sumário, pedindo que os Réus sejam condenados a de imediato, retirarem todas as pedras que. Abusiva e ilegitimamente, colocaram na entrada de acesso à via pública do prédio dos 2º AA. desta petição – nos termos que foram concretamente expostos nos artigos 32º, 33º,37, e 38 da p.i e de modo a esse acesso (abertura) ficar assim totalmente desimpedida em toda a sua largura de cerca de oito metros e, assim, no preciso estado em que se encontrava antes dessas sua ilegítimas actuações (dos Autores)
Regularmente citados os Réus contestaram e em sua defesa alegam que as referidas pedras foram colocadas em terreno que lhes pertence e daí concluem pela improcedência da acção.
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Elaborou-se o despacho saneador do qual os factos assentes e a base instrutória não sofreram qualquer reclamação.
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Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.
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Mantém-se os pressupostos de validade e regularidade da instância.

Fundamentação de facto

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos.
DOS FACTOS ASSENTES

1. Os 1.º s AA. são legítimos proprietários do seguinte imóvel urbano: “ Casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar, com logradouro sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, descrito no Registo Predial sob o n.º … e inscrito na respectivo matriz predial urbana sob o art.0 …
2. Por sua vez os 2.0s AA. são os legítimos proprietários do seguinte imóvel rústico: "terreno de mato e pinheiros sito no Lugar ..., da freguesia de ..., Concelho de Ponte de Lima, descrito no Registo Predial sob o número … e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo n.0 …".
3. A aquisição de uma oitava parte de cada um dos dois prédios descritos nos artigos antecedentes resultou, quer num caso, quer no outro da respectiva aquisição em comum feita a favor dos ora 1.ºs e 2.º s AA e ainda de outros seis adquirentes (num total de oito e cabendo a cada um uma oitava parte), a saber: J. L. , casado com Maria, M. H., casada com Manuel, M. C. casada com A. S., Maria F. ou Maria F., casado com J. S. e MD. , sendo 3/8 por partilha da herança de M. M. casada com Manuel C. e 5/8 da doação de Manuel C..
4. A aquisição pelos e 2.º s AA. das restantes sete oitavas partes de cada um desses mesmos prédios, resultou, quer num caso, quer noutro, da sua respectiva compra, titulada em ambos os casos, pelas respectivas escrituras públicas de compra e venda outorgadas no dia 15 de Novembro de 2000, no Cartório Notarial de Ponte de Lima.
5. Desde tempos imemoriais que ambos constituíram uma unidade predial, encontrando-se não só o prédio urbano situado na continuação para nascente do prédio rústico, mas também "acabando" o prédio rústico onde começa" o logradouro daquele prédio urbano, ou "começando" o prédio rústico onde "acaba" aquele logradouro -, numa difícil, e até mais teórica que prática, "divisão" desses dois prédios.
6. Desde há mais de 30, 40, 50 e mais anos que os AA., por si e seus antecessores, vêm possuindo o prédio atrás identificado, e no ânimo de quem é dono e exerce esse direito.
7. Desde há mais de 30, 40, 50 e mais anos que os AA., por si e seus antecessores, em exclusivo, vêm cultivando os prédios em causa - plantando e semeando e depois colhendo os respectivos frutos, utilizando-os para seu consumo directo ou comercializando-os, cedendo o seu uso a título oneroso ou gratuito, procedendo a diversas obras de conservação e melhoramentos, pagando as respectivas contribuições e gozando de todas as suas utilidades de modo ininterrupto , com justo título, à vista de toda a gente, e sem oposição de ninguém.
8. Daí que os AA., por si e seus antecessores, desde há mais de 30,40,50 e mais anos, estejam na posse pública, pacífica, de boa fé e titulada dos prédios identificados nos artigos e 2 desta petição. 9. O aludido prédio rústico dos 2.0AA, confronta com um prédio rústico pertença dos ora RR, pelo seu lado Norte (lado Sul deste prédio dos RR.)
10. No dia 6 de Abril de 2001, os RR. colocaram grandes blocos de pedras no terreno que constituía a referida abertura de acesso ao prédio dos 2.0AA à via pública (aludida estrada camarária), e mais concretamente em cerca de um terço (do lado Norte) da referida largura total dessa abertura.
11. Blocos de pedra esses com cerca de 4.70 metros de comprimento e 0.40 metros de altura -tudo conforme se alcança das fotografias juntas como doc. 9, l0, 11, 12, 13, 14 e 15 e aqui dados como integralmente reproduzidos para os todos os legais efeitos. ( A fotografia junto como doc. n09 apresenta assinalada com um "x" sensivelmente o local onde foram depois colocadas as pedras).
12. O que, determinou, como consequência directa e inevitável, que essa abertura ficasse reduzida em cerca de 2.5 metros da sua largura, isto é, ficasse restringida a cerca dos restantes 5.5 metros de largura (do seu lado Sul naturalmente).
13. O que, por sua vez, veio determinar que, desde então, está muito mais dificultado o acesso (de e para) a via pública em causa (estrada camarária que vem sendo aludida), e mesmo impedindo de um modo absoluto e inultrapassável o acesso a tractores e veículos automóveis pesados.
14. No dia 30 de Julho do corrente ano os RR. amontoaram seis pedras em perpianho por cima das outras pedras que haviam colocado no dia 6.04.2001 nos termos atrás expostos, e assim alteando o obstáculo constituído por essas mesmas pedras, embora de modo solto, isto é, não configurando um qualquer muro.

DA BASE INSTRUTÓRIA

15. Sem prejuízo do constante em 9 supra ambos estes prédios confrontam pelo lado poente, com uma estrada camarária que ali corre e, assim, os delimita a ambas por esse referido lado poente.
16. Desde tempos imemoriais que a linha de confrontação entre esses dois prédios nesse referido lado poente de ambos era feita através de marcos e que tinham como constituindo o último marco, já apenas a cerca de dois metros de distância da aludida estrada, camarária, uma amarra (prisão em arame para fixar o lateiro), colocada sobre uma pedra (esteio) aí existente.
17. Desde tempos imemoriais que o acesso à via pública deste prédio dos 2º AA e o prédio urbano dos 1.º AA. era feita através dessa ligação à referida estrada camarária e mais exactamente através de um espaço – uma abertura – no seu total com cerca de oito metros de largura, medidos cerca da berma da mesma estrada.
18. E ainda desde tempos imemoriais, mais concretamente desde o ano de 1957. Que foi através da abertura referida no facto anterior que transitavam (entravam a saiam) não só pessoas, como carros de bois, alfaias agrícolas, tractores e veículos automóveis, incluindo camiões.
19. Desde tempos imemoriais, o aludido prédio dos RR. na sua confrontação pelo lado poente com a mesma estrada camarária e paralelamente, para o lado sul, à confrontação do prédio dos 2º AA com a mesma estrada, apresenta uma área de cerca de 6 (seis) metros quadrados em que não existem quaisquer árvores, plantações ou mesmo ervas ou silvas e em que o respectivo piso se encontra não só livre de qualquer obstáculos como liso e térreo e ,por isso, propício a que por cima dele circulem não só pessoas com também carros de bois e veículos automóveis.
20. O que, determina que a abertura do prédio dos 2.0s AA referida no facto 16 supra sempre tivesse tido uma continuação natural" para esse lado norte (e sempre em relação à estrada camarária) através dessa área referida no quesito antecedente e integrante do prédio dos RR .
21. Desde tempos imemoriais, essa ligação à via pública dos prédios dos AA. através dessa estrada camarária em causa, fosse feita através de uma abertura com os cerca de oito metros de largura, medidos cerca da berma da estrada que se aludiu no facto 17 supra.
22. A partir dessa estrada camarária e em direcção ao interior do prédio dos AA. em causa -, isto é, no sentido poente/nascente -, haja essa abertura global muito mais ampla, de cerca dos atrás referidos oito metros, e que permite melhores e mais fáceis manobras aos veículos designadamente se forem veículos pesados -, que pretendam entrar para o prédio dos 2.º AA ou quando dele venham a sair e pretendem entrar nessa estrada camarária.
23. No ano de 1997, os AA. e RR. celebraram um acordo que teve a ver por um lado, com uma redefinição da confrontação dos dois prédios atrás referidos confrontação Norte - Sul referido no artigo 10º desta petição), e por outro lado, com a ratificação expressa de que por ambas as partes sempre fora entendido como sendo o acesso à via pública dos prédios dos AA. através da aludida estrada camarária com que confronta o prédio dos 2.0AA pelo lado poente e conforme nos factos 17 a 22 supra.
24. Este acordo levou, por um lado, e em benefício dos RR, a que os 2.0AA cedessem aos RR. e em toda a extensão dessa confrontação dos dois prédios (no referido sentido Sul 1 Norte) uma faixa de terreno com cerca de 0, 50 metros e foi objectivada e concretizada com a edificação de um muro em blocos de cimento ao longo dessa mesma confrontação e portanto edificado já dentro do (anterior) terreno do prédios dos 2.0AA , nessa acordada medida de 0.50m.
25. Com esta parte do referido acordo, AA. e RR quiseram assim pôr termo a um problema que vinha até aí subsistindo e que consistia no facto de os RR., possuindo um coberto, mesmo junto à anterior linha de confrontação dos dois prédios, não conseguirem evitar que as águas das chuvas, provindas do telhado desse coberto, não viessem a cair para dentro do prédio dos AA..
26. Por outro lado, e agora em "benefício" dos AA., os RR. aceitavam que a aludida abertura de acesso à estrada camarária dos prédios dos AA. tivesse - por esse seu lado poente -, efectivamente, e medida cerca da berma da estrada , os oito metros de largura a que atrás se aludiu , isto é, ratificavam e aceitavam expressamente, para futuro, essa realidade que já era vivida e praticada desde tempos imemoriais ( e nos exactos termos atrás expostos nos factos 17 a 22 supra), e que abrangia e invadia", pois o próprio terreno (dos RR) igualmente na sua confrontação também com a estrada camarária em causa.
27. A partir dessa entrada para o prédio dos 2.0AA.- desde a aludida estrada camarária -, e por toda a extensão do caminho que nos leva desde esse acesso à via pública até ao interior do mesmo prédio - e em direcção , pois, ao prédio dos1.ºs AA, no sentido poente/nascente -' existe um lateiro , naturalmente com esteios -em pedra, e com mais de dois metros de altura -, colocados paralelamente ao longo desse mesmo caminho.
28. Considerando agora esse caminho e esse lateiro no sentido nascente/poente – isto é, a partir do interior do prédio dos 2.0s AA. e em direcção à aludida estrada camarária – os dois últimos esteios desse lateiro do lado sul -' ou seja do lado do prédio dos RR. -, não estão colocados na mesma direcção ou melhor no mesmo alinhamento ou enfiamento de todos os outros esteios anteriores.
29. O penúltimo desses esteios – desse referido lado do prédio dos RR., e relativamente ao antepenúltimo (e que é o último dos esteios que se encontram perfeitamente alinhados entre si), se encontra desviado cerca de um metro para o lado do prédio dos RR. fazendo assim um alinhamento oblíquo em relação ao referido antepenúltimo esteio.
30. E o último desses esteios encontra-se por sua vez colocado ainda mais desviado, também cerca de mais um metro, para o lado do prédio dos RR. (relativamente a todos os outros esteios, até ao aludido antepenúltimo), e já que se encontra colocado, mais à frente, no exacto alinhamento obliquo que já foi referido no artigo antecedente entre os penúltimo e antepenúltimo desses esteios.
31. Nesse acordo dos AA. e RR foi então estabelecido e fixado, um ponto colocado cerca de um metro e meio à frente desse último esteio - sempre , pois na direcção nascente /poente, ou seja na direcção da estrada camarária -, e colocado ainda exactamente no mesmo alinhamento oblíquo a que atrás nos referimos e que se prolonga desde o antepenúltimo até ao último dos esteios do lateiro em causa, e nos termos atrás expostos.
32. O que determinava que esse ponto fosse fixada pois, e necessariamente, dentro do prédio dos RR., naquela sua área de terreno confrontante com a estrada camarária e a que se aludiu no facto 19 supra.
33. E a aludida abertura de acesso dos prédios dos AA. à aludida estrada camarária tinha então, a aludida largura de cerca de oito metros e que era compreendida, precisamente entre esse ponto assim fixado no prédio dos RR. e o limite sul do próprio prédio dos 2.0s AA. e medidos assim, junto da berma da mesma estrada.
34. Este acordo foi conduzido e patrocinado, pela parte dos RR., por eles próprios, e pela parte dos AA., por José L., um tio dos AA. e que é pessoa de bem e muito respeitada e conceituada na freguesia de ....
35. O referido de 10 a 14 supra vem desde então causando prejuízos e incómodos aos AA., privando-os de usufruir, em pleno de todas as utilidades de que tais prédios são susceptíveis.
36. Ainda nesse mesmo dia, 30 de Julho de 2001, os RR. espalharam ainda pedras de menor dimensão ("rachão") por todo o acesso controvertido que ao longo desta petição foi sendo referido com a intenção de apropriação daquele espaço e mais dificultar o livre acesso que os AA. ali vinham praticando.

O direito.
No essencial a questão a resolver reconduz-se no fundamental a saber se os Réus colocaram as referidas pedras em terreno que lhes pertence, ou se pelo contrário em terreno de que os autores são donos e, assim prejudicaram o seu direito de propriedade e de uso da servidão de passagem, configurando assim uma situação de restituição de uma posse.
Sem prejuízo dos factos referidos de 23 a 33 no que diz respeito ao acordo efectuado entre Autores e Réus, com relevância para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos.
Sem prejuízo do constante em 9 supra ambos os prédios pertencentes aos 1ºs e 2.º Autores confrontam pelo lado poente, com uma estrada camarária que ali corre e, assim, os delimita a ambas por esse referido lado poente.
Desde tempos imemoriais que a linha de confrontação entre esses dois prédios nesse referido lado poente de ambos era feita através de marcos e que tinham como constituindo o último marco, já apenas a cerca de dois metros de distância da aludida estrada, camarária, uma amarra (prisão em arame para fixar o lateiro), colocada sobre uma pedra (esteio) aí existente.
Desde tempos imemoriais que o acesso à via pública deste prédio dos 2º AA e o prédio urbano dos 1.º AA. era feita através dessa ligação à referida estrada camarária e mais exactamente através de um espaço – uma abertura – no seu total com cerca de oito metros de largura, medidos cerca da berma da mesma estrada.
E ainda desde tempos imemoriais, mais concretamente desde o ano de 1957. Que foi através da abertura referida no facto 17 supra que transitavam (entravam a saiam) não só pessoas, como carros de bois, alfaias agrícolas, tractores e veículos automóveis, incluindo camiões.
Desde tempos imemoriais, o aludido prédio dos RR. na sua confrontação pelo lado poente com a mesma estrada camarária e paralelamente, para o lado sul, à confrontação do prédio dos 2º AA com a mesma estrada, apresenta uma área de cerca de 6 (seis) metros quadrados em que não existem quaisquer árvores, plantações ou mesmo ervas ou silvas e em que o respectivo piso se encontra não só livre de qualquer obstáculos como liso e térreo e ,por isso, propício a que por cima dele circulem não só pessoas com também carros de bois e veículos automóveis.
O que, determina que a abertura do prédio dos 2.0s AA referida no facto 16 supra sempre tivesse tido uma continuação natural" para esse lado norte (e sempre em relação à estrada camarária) através dessa área referida no quesito antecedente e integrante do prédio dos RR .
Desde tempos imemoriais, essa ligação à via pública dos prédios dos AA. através dessa estrada camarária em causa, fosse feita através de uma abertura com os cerca de oito metros de largura, medidos cerca da berma da estrada que se aludiu no facto 17 supra.
A partir dessa estrada camarária e em direcção ao interior do prédio dos AA. em causa -, isto é, no sentido poente/nascente -, haja essa abertura global muito mais ampla, de cerca dos atrás referidos oito metros, e que permite melhores e mais fáceis manobras aos veículos designadamente se forem veículos pesados -, que pretendam entrar para o prédio dos 2.º AA ou quando dele venham a sair e pretendem entrar nessa estrada camarária.
Assim sendo a presente acção terá de proceder na integra por provada pelo facto de desde logo ter sido violado o direito de propriedade dos AA., sob a sua forma de direito subjectivo absoluto, nos termos dos artigos 1311º e segs. do Código Civil.
E mais. especificamente foi violado o direito real de gozo (dos AA.) consubstanciado numa servidão predial de passagem, no caso em apreço, constituída por usucapião e também por contrato – conforme o que resultou provado -, e nos termos do disposto nos artigos 1543.º, 1.544° e 1.548° , todos do Código Civil.

DECISÃO

Em face do exposto julga-se apresente acção totalmente procedente por provada e, em consequência, se decide condenar os Réus a de imediato, retirarem todas as pedras que. abusiva e ilegitimamente, colocaram na entrada de acesso à via pública do prédio dos 2º AA. desta petição – nos termos que foram concretamente expostos nos artigos 32º, 33º,37º, e 38º da p.i e de modo a esse acesso (abertura) ficar assim totalmente desimpedida em toda a sua largura de cerca de oito metros e, assim, no preciso estado em que se encontrava antes dessas suas ilegítimas actuações (dos Autores).
Custas pelos Réus.
Registe e notifique”;

3. A referida sentença serviu já de base/título executivo a uma outra ação executiva para prestação de facto que correu termos sob o n.º 463-A/2001 do extinto Tribunal Judicial de Ponte de Lima, instaurada por apenso àquela ação de processo sumário, na qual figuram como exequentes A. D., M. F., R. S. e J. G. (autores na ação de processo sumário n.º 463/2001) e executados A. G. e R. J. (réus na mesma ação).
4. Na aludida ação executiva n.º 463-A/2001 foi proferida sentença, já transitada em julgado, na qual se decidiu julgar extinta a instância executiva, por inutilidade superveniente da lide, “uma vez que o facto já foi prestado”.
5. A referida sentença foi proferida na sequência da declaração prestada nos autos pelos ali Exequentes no sentido de que “as pedras em causa foram retiradas e deixado livre a propriedade dos exequentes” (sic) (cfr. documento junto com a petição de Embargos).

- Subsunção jurídica dos factos:

Antes de mais, um breve enquadramento da execução para prestação de facto a que os presentes autos de embargos de executado se encontram apensos.
Como se sabe, a prestação de facto pode ser positiva ou negativa, consoante se traduz numa ação ou numa abstenção, omissão ou mera tolerância.
E pode ser instantânea ou duradoura, sendo esta a que se protela no tempo, podendo ser de execução continuada ou periódica.
As prestações de facto negativo constituem, de um modo geral, exemplos típicos de prestações de execução continuada.
Não obstante a execução para prestação de facto negativo se basear “na violação de uma obrigação negativa, no sentido lato que o termo obrigação tem na acção executiva”, certo é que, “mesmo quando na sua base esteja um direito absoluto”, o seu objeto corresponde “ao facto positivo da reparação, embora esta possa (e deva, sempre que possível) consistir na reconstituição natural da situação anterior à violação” (Lebre de Freitas, “A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 465).
Para Lebre de Freitas, “uma vez que o ato ilícito do executado tem sempre neste tipo de obrigações, natureza positiva, a sua prova tem sempre de ser efectuada, por aplicação analógica do art. 715º, na fase liminar da execução”, frisando, a este propósito, o referido autor que “as normas gerais sobre o ónus da prova têm aqui total aplicação” (obra citada, pág. 467 e nota 39).
Neste sentido, veja-se também o Ac. do STJ de 25.11.1993, no sumário do qual se pode ler: “Na execução para prestação de facto negativo, pela natureza das coisas, a violação é sempre comprovada na própria execução”, havendo também quem entenda ser aplicável o regime do incidente da liquidação (Relação de Coimbra 25.03.1996, CJ 96/2, 18).
Em tais situações e continuando a recorrer à analogia defendida por Lebre de Freitas, “se a execução prosseguir sem que a falta do pressuposto seja sanada, fica sempre salva a possibilidade de (o executado) se opor à execução (art. 729º - e)” (Lebre de Freitas, obra citada, pág. 116).
Havendo controvérsia sobre a matéria, suscitada no âmbito da oposição à execução, nada obsta a que, nos embargos de executado e face aos princípios enunciados nos artigos 6.º, n.º 2 (dever de gestão processual), e no artigo 547.º (princípio da adequação formal), se produza a prova pertinente para o efeito (nesse sentido decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 12.01.2015).
Daí que, a reconhecer-se à sentença dada à execução, força de título executivo, nada impediria a alegação no requerimento executivo de factos ocorridos em momento ulterior ao da aludida decisão, sucedendo apenas que, em tais casos, “em conformidade com a lógica inerente ao preceituado nos artigos 876.º e 877.º do C.P.Civil e uma vez que a nova factualidade alegada pelos exequentes não se encontra abrangida pela força de caso julgado”, forçoso é “averiguar, através da produção de meios de prova, se efectivamente a executada não cumpriu ou continua a não cumprir a obrigação de abstenção” (Acórdão desta Relação de 29.09.2016), cumprindo as exequente provar a verificação do facto positivo consubstanciador do incumprimento da alegada obrigação (ou seja, produzir a denominada prova complementar do título), indicando no próprio requerimento executivo os meios com que se propõe provar o alegado (por analogia com o previsto no art. 724º, h), do CPC).

Isto sublinhado, averiguemos então se a sentença dada à execução constitui, para efeito da execução ora em causa, em que os Exequentes alegam que os Executado colocaram novas pedras, que acrescentaram a um muro em pedra, preexistente, prolongando-o, ocupando parcialmente a faixa de 8,00 metros referida no segmento decisório e pretendem obter a remoção das pedras (rachão) e pedras mais recentemente colocadas, que ocupam parte da entrada para o prédio dos Exequentes, deixando-a desimpedida e colocando essa entrada no estado em que se encontrava antes da actuação dos Executados, título executivo.
Como se sabe, o título executivo é um pressuposto processual específico da ação executiva, requisito de admissibilidade desta, sem o qual não têm lugar as providências executivas que o tribunal deverá realizar com vista à satisfação da pretensão do exequente e que são, no processo executivo, o equivalente à decisão de mérito favorável no processo declarativo (José Lebre de Freitas, in A Acção Executiva - À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª edição, páginas 39 a 44).
Como questão que poderia ter determinado, se apreciada nos termos do art. 726º, nº 2, a), do CPC, o indeferimento liminar (ainda que parcial – nº 3 do citado artigo) ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, o juiz pode conhecer oficiosamente da falta ou insuficiência do título executivo até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados – art. 734º, nº 1, do CPC.
O juiz deve, pois, rejeitar a execução “logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações susceptíveis de fundar o indeferimento, quer ela fosse já manifesta à data do despacho liminar, quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou mesmo no processo declarativo de embargos de executado” (Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, pág. 225, citando Acórdão desta Relação de 12.10.2005, com indicação de múltiplos acórdãos no mesmo sentido).
Por outro lado, caso tal não suceda, prevê a lei a possibilidade de o executado invocar a inexistência de título executivo em sede de embargos à execução – art. 729º, alínea a), ex vi art. 731, ambos do CPC.
No caso, à falta de título executivo, se reconduz o invocado pelo ora Recorrido nos embargos deduzidos.
Em causa está uma sentença, mas nem todas as sentenças constituem título executivo: só às “sentenças condenatórias" confere a lei força executiva (art. 46.º, n.º 1, a), do CPC).

O que é, então, uma sentença condenatória?

Segundo Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 62, é condenatória “toda a sentença que, reconhecendo ou prevenindo o inadimplemento duma obrigação (cuja existência certifica ou declara), determina o seu cumprimento; é a que contém uma ordem de prestação”.
No caso, não há dúvidas de que em causa está uma sentença condenatória que impôs aos ali Réus um determinado comportamento, a prática de um determinado ato : de imediato, retirarem todas as pedras que abusiva e ilegitimamente, colocaram na entrada de acesso à via pública do prédio dos 2º AA. desta petição – nos termos que foram concretamente expostos nos artigos 32º, 33º,37º, e 38º da p.i e de modo a esse acesso (abertura) ficar assim totalmente desimpedida em toda a sua largura de cerca de oito metros e, assim, no preciso estado em que se encontrava antes dessas suas ilegítimas actuações.
Todavia, a mesma só o é, pelo menos explicitamente, no que toca à dita ordem contida no respetivo segmento decisório, sendo certo que, como infra melhor se verá, no que a tal específica determinação concerne, a ordem dada já se mostra satisfeita.
Diz, porém, o Recorrente que o Tribunal recorrido desconsiderou a segunda parte do segmento decisório contido na sentença dada à execução, designadamente, a parte que obriga os aí Réus a desimpedir o caminho de acesso, em toda a sua largura de oito metros porquanto essa parte do segmento decisório tem subjacente uma obrigação de non facere ou de prestação de facto negativo, traduzido na necessidade de os Réus não impedirem o caminho de acesso em referência, em toda a sua largura de oito metros.
E, dizem ainda, se os Executados estavam obrigados a não impedir (desimpedir) o caminho de acesso ao prédio dos Exequentes em toda a sua largura de oito metros, a partir do momento em que o fizeram, mesmo que depois de inicialmente terem acatado o sentido decisório daquela primeira decisão, violaram o (referido) segmento decisório da sentença dada à execução, o que leva a concluir pela existência de título executivo.

Quid iuris?

Ao contrário do que defendem os Recorrentes, manifestamente, a sentença não contém, no seu segmento decisório e de forma expressa, duas decisões distintas, uma que impõe uma obrigação de facere e outra uma de non facere, certo que o segundo segmento da decisão a que aludem se limita a concretizar os termos em que a prestação do facto positivo – a retirada das pedras do local em questão – deveria ser feita.
Mas, para além da condenação expressa de facere a que acima aludimos, conterá a sentença dada à execução uma condenação – implícita – a uma prestação de non facere, uma condenação numa abstenção de colocação, no concreto espaço ali descrito, de obstáculos ao livre acesso ao prédio em referência, decorrente do reconhecimento, também ele implícito, da existência de um direito real, prevenindo, desse modo, a sentença proferida possíveis violações de tal direito através de comportamentos como os invocados pelos Exequentes no respetivo requerimento executivo?
Começará por se dizer que, como ponto de partida, se afigura correto o entendimento expresso no Acórdão da Relação de Lisboa, de 28.05.2013 (Relator - Roque Nogueira), no sentido de que, “para o efeito de saber se uma determinada sentença constitui ou não título executivo, não é relevante apurar se a mesma foi proferida no âmbito de uma acção de simples apreciação, de uma acção de condenação ou de uma acção constitutiva. O que releva, no fundo, é saber se tal sentença impõe a alguém, expressa ou tacitamente, o cumprimento duma obrigação, contendo, pois, uma ordem de prestação”.

Por outro lado, a respeito das condenações implícitas, temos como paradigmático o Acórdão do STJ de 08.01.2015 (proc. 117-E/1999.P1.S1; Relator – Abrantes Geraldes) que, dada a aprofundada e exaustiva abordagem desta matéria, com a devida vénia, a seguir se reproduz na parte que para nós releva:

“Nos termos do art. 703º, nº 1, al. a), do NCPC (de teor idêntico ao art. 46º, nº 1, al. a), do anterior CPC), são exequíveis as sentenças que condenem na satisfação de uma obrigação, a par do reconhecimento explícito ou implícito do correspectivo direito de crédito.
O preceito não afasta alguma dúvida a respeito da possibilidade de enquadrar no seu âmbito não apenas as sentenças explicitamente condenatórias (proferidas no âmbito de acções declarativas de condenação ou de acções de natureza mista), mas também as que apenas de forma implícita contenham uma imposição ao demandado do cumprimento de uma obrigação.
As dúvidas têm surgido fundamentalmente a respeito de sentenças proferidas em determinadas acções constitutivas, como a acção de preferência ou a acção de execução específica, mas são extensivas às sentenças proferidas em acções de simples apreciação positiva.
Num caso ou noutro é legítimo perguntar se, malgrado a existência de uma sentença proferida em processo de natureza contraditória recognitivo da existência de uma obrigação e do correspondente direito de crédito, ainda será necessária a instauração de outra acção com o único objectivo de formalizar a expressa condenação do réu no cumprimento dessa obrigação ou se, ao invés, a exequibilidade imediata de tal sentença pode emergir de uma condenação implícita.
A jurisprudência e a doutrina maioritárias vêm assumindo a exequibilidade de tais sentenças, como o revela, por exemplo, o Ac. do STJ, de 18-3-97, CJSTJ, tomo I, pág. 160, segundo o qual "a sentença proferida em acção de preferência, apesar de constitutiva, constitui título executivo para obter a entrega de coisa certa".
Na doutrina, já Alberto dos Reis defendera tal solução, invocando um argumento de ordem histórica ligado à modificação da redacção do preceito na reforma de 1961 que passou a reportar-se a “sentenças condenatórias” e não a “sentenças de condenação” (CPC anot, vol. I, pág. 152, e Processo de Execução, vol. I, pág. 128).
Também Anselmo de Castro advogava que a sentença constitutiva pode constituir título suficiente para iniciar o processo executivo para entrega de coisa certa, desde que contenha implícita tal obrigação, nomeadamente nos casos de acções de preferência ou de divisão de coisa comum (Processo Civil Declaratório, vol. I, págs. 112 e 113, e Acção Executiva, pág. 16).
Mais preciso foi Ary Elias da Costa que considerou exequíveis as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impusesse a alguém determinada responsabilidade, o que acontece, nomeadamente, nas sentenças homologatórias de transacção ou de confissão (CPC anot. vol. I, pág. 391).
No mesmo sentido se pronunciou Lopes Cardoso para o qual bastava que na sentença ficasse declarada ou constituída a obrigação para ser viável a instauração de processo de execução (Manual da Acção Executiva, pág. 43).
Também Teixeira de Sousa defende a exequibilidade das sentenças que, “de forma implícita”, contenham um “dever de cumprimento”, assim acontecendo quando o pedido de condenação, “se tivesse sido cumulado com o pedido de mera apreciação ou constitutivo”, formasse com este uma “cumulação aparente”, por se referir à mesma realidade económica (Acção Executiva, pág. 73).
Remédio Marques adere à mesma solução, admitindo a execução de sentenças de onde apenas implicitamente resulte uma obrigação (Curso de Processo Executivo Comum, pág. 62).
Igualmente Lebre de Freitas acaba por aceitar a exequibilidade de sentenças proferidas no âmbito de acções constitutivas, desde que contenham a condenação implícita como resposta também a um pedido de condenação implícito (Acção Executiva, 6ª ed., págs. 47 e 48, e CPC anot., vol. I, 2ª ed., pág. 92).
(…)
É da natureza do título executivo conter o acertamento do direito. Por isso, se perante o acto jurídico – maxime a sentença de onde emerge uma condenação implícita no cumprimento de uma obrigação - for possível concluir que aquela finalidade já se encontra assegurada, é de todo inútil a interposição de nova acção declarativa, sendo a mesma dotada de exequibilidade.
Se a exequibilidade intrínseca se verifica relativamente a documentos autênticos e autenticados que constituam ou reconheçam a existência de uma obrigação (art. 707º do NCPC), a recusa desse pressuposto a uma sentença, só porque da mesma não emerge uma condenação explícita no cumprimento de uma obrigação que pela mesma é reconhecida ou constituída, revelar-nos-ia uma incongruência sistémica. Na verdade, malgrado a maior solenidade que rodeia a prolação da sentença e as garantias do contraditório que são asseguradas em todo o percurso processual para a atingir, acabaria por produzir menos efeitos do que os emergentes da apresentação de um daqueles documentos.
Se com base numa escritura pública de compra e venda de um prédio é possível executar, segundo as circunstâncias, a obrigação pecuniária (do comprador) ou a obrigação de entrega da coisa (do vendedor), não se descortinam razões que impeçam a extracção de idêntico efeito a partir de sentenças que, por exemplo, sejam constitutivas do direito de propriedade, por decorrência do direito real de preferência ou do direito potestativo de execução específica de contrato promessa de compra e venda, ou declarem, sem dúvida alguma, a existência de um direito e da correspondente obrigação a cargo do réu.”
A esta posição aderiu também o Acórdão da Relação de Coimbra, de 12.04.2018 (Relator - Isaías Pádua).
Em nada nos repugna esta orientação: com efeito, como o referido Conselheiro já havia defendido em artigo acessível em https://trc.pt/exequibilidade-da-sentenca-condenatoria-quanto-aos-juros-de-mora/, “a evolução histórica dos preceitos referentes aos títulos executivos revela uma persistente intenção do legislador de abrandar nas exigências formais em detrimento da substância, assim se compreendendo as diversificadas intervenções legislativas que vêm ampliando os títulos executivos e dispensando cada vez mais o recurso à ação declarativa”, desformalização essa que “foi logo sentida pela doutrina que da expressão “sentenças de condenação” foi retirando um conteúdo que não correspondia inteiramente ao elemento literal até ao ponto de defender, com louvável pragmatismo, a exequibilidade de sentenças em que a condenação apenas implicitamente se apresenta”, ao passo que, por seu turno, o legislador foi “respondendo favoravelmente aos avanços que a doutrina e a jurisprudência se permitiram, tanto assim que optou por restringir cada vez mais os casos em que se impunha o recurso a uma ação declarativa” e “sempre que a experiência permitiu demonstrar que determinados documentos transportam consigo um razoável grau de certeza e de segurança quanto à existência das obrigações neles mencionadas, não hesitou em conferir-lhes o necessário revestimento executivo que possibilita “abrir as portas da ação executiva” sem passar necessariamente pela intermediação do tribunal no âmbito de uma ação declarativa.”
E somos também sensíveis ao argumento de que “numa ocasião em que a morosidade da resposta judiciária constitui o principal alvo das críticas advindas da sociedade, aqueles que no sistema desempenham as tarefas de aplicação da lei não poderão deixar de integrar, no leque de argumentos, os que melhor reflitam os fatores da eficácia e da economização de meios e de processos quando nada de útil se extraia dessa duplicação.”
Por último, é de aceitar a ideia de que, como se defende no Acórdão da Relação de Lisboa, 01.02.2011 (Relator - Pedro Brighton) “nas acções condenatórias sobre direitos reais reúnem-se dois juízos, um de apreciação (implícito) e outro de condenação (explícito). O Tribunal não pode condenar o eventual infractor sem que antes se certifique da existência e violação do direito do demandante. No entanto a “apreciação” e a “condenação”, não gozam de independência.
Por isso se vem aceitando que se o autor se limita a pedir a restituição da coisa, não formulando expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, este pedido deve considerar-se implícito naquele (cf. entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 2/3/1978, in B.M.J. nº 275, pg. 219 e Acórdãos da Relação de Coimbra de 20/10/1987 e de 21/2/1995, respectivamente in B.M.J. nº 370, pg. 619 e nº 444, pg. 715).
Já se tem entendido, aliás, que o autor pode optar entre a cumulação de pedidos (de declaração e de condenação) ou cingir-se à mera dedução deste último, por aquele estar implícito neste (veja-se Abílio Neto in “Código de Processo Civil Anotado”, 17ª edição, pg. 37, nota 2 ao artº 4º).”
Expressando idêntica opinião Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 1987, 2ª edição, revista e atualizada, 113.
Assim sendo, nada impede que numa ação em que, por exemplo, apenas se peça a condenação à restituição, se veja um pedido implícito de reconhecimento do direito de propriedade e, na sentença favorável em tal ação proferida, se considere a existência de uma decisão implícita de reconhecimento do invocado direito.
Por tudo isto, perante ações de natureza real – aquelas em que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (art. 581º, nº 4, do CPC) –, pode admitir-se a colocação da questão de saber se a sentença que procedeu ao reconhecimento – ainda que implícito – do direito real objeto de apreciação, conterá uma ordem concreta, também ela implícita, de abstenção, no futuro, de todo o comportamento similar àquele que é objeto da expressa ordem emitida pelo Tribunal, sobretudo se, através da interpretação da petição inicial, for possível concluir pela existência de um pedido de condenação, ainda que não expresso, com essa abrangência, a que a dita condenação implícita se destinou a dar resposta.
Hipótese que se admite colocar sem, porém, deixar de se recordar que, vigorando entre nós, como vigora, o princípio do dispositivo, para a maioria dos autores e, ao que se crê, para a maioria da jurisprudência, no que toca às sentenças de mérito proferidas em ações de simples apreciação – e ao contrário da abertura pela doutrina demonstrada no que toca às ações constitutivas –, não se pode falar de título executivo porquanto nelas “ao tribunal apenas foi pedido que apreciasse a existência dum direito ou dum facto jurídico e a sentença nada acrescenta quanto a essa existência, a não ser o seu reconhecimento judicial”, “sem prejuízo de a decisão proferida constituir caso julgado prejudicial numa posterior ação de condenação, cuja sentença, ela sim, sendo de procedência constituirá título executivo” (Lebre de Freitas, obra citada, pág. 51), dessa orientação sendo exemplo o Acórdão da Relação de Coimbra de 31.01.2012 (Relator – António Beça Pereira), onde, num caso em que a decisão que se queria executar se havia limitado a reconhecer que os ali exequentes adquiriram por usucapião, o direito de servidão de passagem, em benefício do seu prédio, à custa dos autores, a qual se exerce sobre a faixa de terreno identificada nos itens 28 e 29 dos factos dados como provados na sentença recorrida, se considerou que “nela não se impôs, mesmo indirectamente, aos executados o cumprimento de uma qualquer obrigação que agora se diga não estar a ser cumprida” e que “para que pudéssemos estar na presença de um sentença condenatória era necessário que fosse possível encontrar no acórdão a imposição de não se praticar algum facto que, nesta execução, se dissesse ter sido praticado e que, por isso mesmo, havia sido violada a "obrigação do devedor" a que se refere o n.º 1 do artigo 941.º.”, consideração esta na esteira do decidido no Acórdão da Relação do Porto de 08.03.2007 (Relatora – Deolinda Varão), publicado na CJ, Ano XXXII, t. II, p. 157-159, onde se pode ler que “(…) a violação da obrigação negativa que está na base da execução para prestação de facto regulada nos art. 940º e 941º não é a obrigação geral e abstracta derivada da norma do nº 2 do art. 1.362º do CC de respeitar o direito de servidão de vistas. Mas é sim a violação da obrigação concreta de não construir uma determinada obra nos termos definidos na sentença declarativa (ou noutro documento dotado de força executiva)”, pelo que, segundo o citado acórdão da Relação de Coimbra, “Não há dúvida de que, face ao n.º 1 do artigo 941.º, "a obrigação do devedor (…) em não praticar certo facto", que em sede de execução se diz ter sido violada, tem que figurar no título que se pretende executar.”
Porém, independentemente do que se deixou dito, a verdade é que, relativamente ao caso em apreço, não se pode esquecer que, como se entendeu no Acórdão anteriormente proferido no âmbito dos presentes autos, acórdão que, com esse fundamento, reconheceu legitimidade processual passiva na execução ao ora Recorrido/Embargante – sucessor do Réu/devedor condenado na sentença dada à execução –, “o que decorre do título é que os Réus figuram como obrigados, como devedores do aí determinado – tendo sido condenados a retirar as pedras que haviam colocado na entrada de acesso à via pública do prédio dos 2º AA., de modo a que esse acesso (abertura) fique totalmente desimpedido em toda a sua largura de cerca de oito metros (…)”, tendo tal obrigação sido imposta, pessoalmente, aos Réus “por terem sido autores de facto ilícito”, não revestindo a ação em que foi proferida a sentença ora dada à execução, “carater real, mas sim pessoal, pois que a pretensão não decorre dum direito real mas sim da prática dum facto ilícito, causador de danos e que, por isso, gera um direito dos autores à sua reparação.”

Tudo para concluir:

“Estamos sim perante uma obrigação de indemnização, não decorrente da titularidade de direito real mas proveniente de responsabilidade civil extra contratual, de responsabilidade extraobrigacional subjetiva (art. 483º, do CC). E, por violação do direito dos Autores, estando os Réus obrigados a reparar o dano que causaram, ao colocar as pedras, limitando o exercício do seu direito, impõe-se-lhes o dever de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do CC)) – a restauração natural.”
E foi em função dessa natureza reconhecida à ação onde foi proferida a sentença dada à execução que no citado acórdão proferido nestes autos se aceitou que a satisfação por via judicial de uma tal obrigação de reparação poderia ser dirigida contra o ora Executado/Recorrido, na qualidade de sucessor de um Réu/devedor condenado na sentença dada à execução.
Acresce que, para além de a ação em causa não revestir natureza real, nela não existindo qualquer formulação, ainda que implícita, de um pedido de reconhecimento de um direito de propriedade ou qualquer outro direito real, em abono da verdade e face aos termos da sua elaboração – que tanto se refere à violação de um direito de propriedade, como à de um direito de servidão de passagem, sem em algum momento se debruçar sobre a verificação de facto jurídico de onde cada um deles pudesse derivar, como a uma restituição de posse –, nunca se poderia dizer da sentença dada à execução ter a mesma efetuado o acertamento de um qualquer direito real dos aqui Exequentes, declarando, sem dúvida alguma, a sua existência e, muito menos, uma correspondente obrigação futura de non facere de tal direito decorrente (alegadamente objeto de violação por força do comportamento invocado no requerimento executivo da ação de que os presentes embargos constituem apenso).
Face ao exposto, improcede a apelação no que concerne à falta de título executivo para basear o pedido de remoção das “novas pedras” a que alude o requerimento executivo.

Mas vejamos, agora, se deverá a execução prosseguir no que toca às pedras de menor dimensão (rachão) por todo o acesso controvertido que os Exequentes alegam no seu requerimento executivo ainda se manterem no local não obstante a anterior execução intentada.
Desde já se dirá que não assiste razão à primeira instância quando diz que a sentença que declarou extinta a anterior execução por inutilidade superveniente da lide tem força de caso julgado na execução a que os presentes embargos de executado se encontram apensos.
Sobre esta matéria, recorreremos às palavras de José Lebre de Freitas, in Acção Executiva e Caso Julgado, pág.´s 246 e 247, acessível em http://www.oa.pt/upl/%7Bd7d8c8e7-0470-4607-9c33-4fea041db89f%7D.pdf.
“O atributo de caso julgado material é circunscrito às decisões sobre a relação material controvertida (art. 671º - 1 CPC) e estas pressupõem uma actividade processual desenvolvida em contraditoriedade. Pela sentença de extinção da execução é tão-só verificado o termo da acção executiva e, mesmo quando tal ocorre, por extinção da obrigação exequenda, a sua estrutura continua a ser a duma providência da esfera executiva, cuja característica de definitividade se coloca tão-só no plano da relação processual, por ela extinta com a mera eficácia de caso julgado formal (art. 672º), sem assim atingir a eficácia do caso julgado material.
Sendo assim, a sentença de extinção da execução não surtirá eficácia fora do processo executivo. Quanto ao efeito extintivo próprio do facto (pagamento ou outro) invocado na acção executiva (72 – E nela provado, por documento ou confissão judicial ou extrajudicial do Exequente), não deixará de se produzir, obstando ao êxito de uma nova acção executiva (73- Mediante a dedução nela de embargos de executado com o fundamento do art. 813º - h) CPC).”
Aplicando o que se acabou de expor ao caso em apreço, apesar de não coincidirmos com a sentença recorrida no que respeita à verificação do caso julgado – na medida em que uma sentença que declara extinta a instância por inutilidade superveniente da lide não conhece do fundo da causa, da relação material controvertida, e, por essa razão, não tem força de caso julgado material, sendo, por isso insuscetível de conduzir à absolvição da instância na segunda execução intentada com base no mesmo título executivo –, não podemos deixar de considerar que o invocado cumprimento da sentença condenatória dada à primeira execução se mostra demonstrado – mediante o documento ali junto em que os próprios Exequentes declararam que “as pedras em causa foram retiradas” – e, assim sendo, forçoso é reconhecer o efeito extintivo da obrigação exequenda de tal cumprimento resultante, com a inerente extinção da instância executiva no que às pedras referidas na sentença executiva respeita.
Nessa medida, ainda que por via diversa da seguida pela sentença recorrida, a extinção da execução na parte a tais pedras relativa sempre seria inelutável, pelo que, também neste aspeto, improcede a apelação.

Por fim, dizem os Recorrentes que discordam da sentença recorrida, na parte em que estendeu os efeitos da extinção da acção executiva a todos os executados, em lugar de os restringir aos Embargantes, considerando que o Tribunal recorrido poderia unicamente julgar extinta a instância executiva relativamente aos embargantes que são parte no presente apenso.
E, neste ponto, assiste inteira razão aos Recorrentes.

Quanto à extensão dos efeitos dos presentes embargos aos restantes Executado, de novo nos socorremos de José Lebre de Freitas, obra citada, pág.´s 233 e 234:

“Um dos corolários da autonomia estrutural dos embargos de executado relativamente à acção executiva é a possibilidade de não serem as mesmas partes num e noutro processo. (…)
Em tal caso, a sentença proferida nos embargos de executado só é vinculativa entre o embargante (ou embargantes) e o exequente, não sendo os restantes executados abrangidos pela eficácia do caso julgado. Consequentemente, se os embargos forem julgados procedentes, só perante o embargante se produzirá, consoante o caso, o efeito directo de caso julgado da decisão da oposição de mérito ou de caso julgado formal (estendido apenas ao processo executivo) da decisão sobre pressupostos processuais. Os restantes executados, terceiros relativamente ao processo de embargos, não são abrangidos pela eficácia directa do caso julgado que nele se forma, pelo que as situações jurídicas de que são titulares se limitam a registar, se for caso disso, as repercussões indirectas que lhes possam caber segundo o direito substantivo, em nada mais lhe aproveitando a dedução dos embargos (…).”
Assim sendo, só relativamente ao aqui Embargante a execução poderá ser julgada extinta.
Procede, pois, relativamente a esta questão, o presente recurso, com a consequente pretendida revogação da sentença recorrida, na parte em que determinou a extinção da ação executiva relativamente a todos os executados, que será substituída, nessa parte, por decisão que restrinja os efeitos da extinção da ação executiva ao, neste momento – após a absolvição da instância da Embargante R. F. –, único embargante neste apenso, o Executado C. A..

Sumário:

I - Para o efeito de saber se uma determinada sentença constitui ou não título executivo, não é relevante apurar se a mesma foi proferida no âmbito de uma ação de simples apreciação, de uma ação de condenação ou de uma ação constitutiva, relevando apenas “saber se tal sentença impõe a alguém, expressa ou tacitamente, o cumprimento duma obrigação, contendo, pois, uma ordem de prestação” (de facere ou de non facere);
II – É possível executar sentenças que apesar de não conterem uma ordem expressa no sentido de praticar ou não praticar determinado ato, declarem, sem dúvida alguma, a existência de um direito e da correspondente obrigação a cargo do réu;
III – Assim, perante ações de natureza real – aquelas em que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (art. 581º, nº 4, do CPC) –, pode admitir-se a colocação da questão de saber se a sentença que procedeu ao reconhecimento, ainda que implícito, do direito real objeto de apreciação, conterá uma ordem concreta, também ela implícita, de abstenção, no futuro, de todo o comportamento similar àquele que é objeto da expressa ordem emitida pelo Tribunal, sendo, pois, suscetível de fundar uma execução;
IV – É de excluir a extração desse efeito de uma sentença que não efetuou o acertamento de um qualquer direito real, declarando, sem dúvida alguma, a sua existência e, muito menos, uma correspondente obrigação futura de non facere de tal direito decorrente (alegadamente objeto de violação por força do comportamento invocado no requerimento executivo);
V – A sentença de extinção da execução não tem força de caso julgado material, mas o efeito extintivo próprio do facto invocado na ação executiva (e nela provado, por documento ou confissão judicial ou extrajudicial do Exequente), não deixará de se produzir, obstando ao êxito de uma nova ação executiva;
VI – A sentença proferida nos embargos de executado só é vinculativa entre o embargante (ou embargantes) e o exequente, não sendo os restantes executados abrangidos pela eficácia do caso julgado, pelo que, se os embargos forem julgados procedentes, só perante o embargante se produzirá, consoante o caso, o efeito direto de caso julgado da decisão da oposição de mérito ou de caso julgado formal (estendido apenas ao processo executivo) da decisão sobre pressupostos processuais.
*
V. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, em, mantendo a procedência dos embargos, revogar a sentença recorrida na parte em que determinou a extinção da ação executiva relativamente a todos os Executados, determinando, em sua substituição, a extinção da referida ação executiva apenas relativamente ao Embargante neste apensoC. A..
Custas pelos Recorrentes e pelo Recorrido na proporção de, respetivamente, 90% e 10%.
Guimarães, 11.02.2021

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues