Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3653/15.4T8GMR.G1
Relator: FERNANDA VENTURA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Compete ao tribunal de competência genérica da comarca conhecer da acção em que a seguradora, no exercício do direito de regresso, pede contra a tomadora do seguro de acidentes laborais a condenação no pagamento de quantia que tenha pago, com base em contrato de seguro de acidentes laborais, ainda que para o efeito invoque a concessão desse direito por preceito da Lei dos Acidentes de Trabalho, neste caso violação das regras de segurança por parte da entidade patronal.      
Decisão Texto Integral: Relator: Fernanda Ventura
1º Adjunto: Pedro Alexandre Damião e Cunha
2º Adjunto: Maria João Marques Pinto de Matos

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1ª Secção):
I. Relatório:
1 -Nos autos de acção condenatória sob forma de processo comum, supra identificados em que é Autora AA, e Ré BB, foi por esta deduzida a exceção da competência material do tribunal.
Na resposta a A pugnou pela sua improcedência.
Sobre tal excepção veio recair o seguinte despacho:
Prescreve o artigo 126. º, alínea c) da Lei da Organização do Sistema Judiciário, que compete às secções do trabalho conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
No Código de Processo do Trabalho encontra-se prevista não apenas a tramitação do próprio processo relativo ao acidente, mas também processos para a extinção e para a efetivação de direitos de terceiros conexos com acidente de trabalho, prevendo que estas ações corram por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver (v. g. artº. 154. º do CPT).
Afigura-se-nos, assim, objetivo do legislador, que os tribunais de trabalho tenham competência para as questões decorrentes dos acidentes de trabalho, incluindo também as questões de natureza cível relacionadas com aqueles que prestam apoio ou reparação aos sinistrados de trabalho, de modo a tornar mais simplificado e célere o processo (Ac. RP de 04/06/2012, p. 155/04. 5TTSTS, www. dgsi. pt).
Ora, o pedido deduzido está diretamente ligado ao acidente de trabalho, já discutido em processo próprio, no qual a Autora figura como seguradora do trabalho, que reparou o acidente e que vem agora discutir todo o circunstancialismo do acidente, a fim de pedir o reembolso.
Para a análise deste pedido deduzido, a matéria relativa ao acidente de trabalho não é meramente instrumental, mas sim essencial, consubstanciando a causa de pedir, pelo que não pode deixar de ser essencial à determinação da competência material.
Este processo aliás, e s. m. o., deveria correr por apenso ao referido processo de acidente do trabalho, que correu termos na 3. ª Secção do Trabalho de Braga (Guimarães).
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 26 de junho de 2007 (p. 2410/06. 0TBVIS, www. dgsi. pt), em que se relevou o envolvimento essencial com o Direito do Trabalho, no âmbito dos acidentes de trabalho, julgamos ser a Secção do Trabalho competente, em razão da matéria, para o conhecimento da presente ação, atento o disposto no artigo 126. º, alíneas c), da LOSJ, e não a secção local cível.
Nos termos dos artigos 97. º, 99. º, n. º 1, 278. º, n. º 1 a), 576. º, n. os 1 e 2 e 577. º a) do Código de Processo Civil, a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, o que implica, nesta fase, a absolvição da Ré da instância.
Pelo exposto, julgo procedente a exceção de incompetência em razão da matéria, e, em consequência, absolvo a Ré da instância.
Custas do incidente pela Autora.

2. Inconformada vem a A. apelar de tal decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1) Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Instância Local Cível Guimarães da Comarca de Braga, que absolveu a Ré BB, por entender não ser o tribunal competente, em razão da matéria, para apreciação do pedido formulado, contra esta.
2) O que está em causa no presente processo é a determinação da competência material dos Tribunais Comuns para a decisão da presente causa, sendo que se este Tribunal entender confirmar a decisão de primeira instância, estaremos pois perante um eminente conflito de jurisdição;
3) Entendeu o Tribunal a quo que: “Ora, o pedido deduzido está diretamente ligado ao acidente de trabalho, já discutido em processo próprio, no qual a Autora figura como seguradora do trabalho, que reparou o acidente e que vem agora discutir todo o circunstancialismo do acidente, a fim de pedir o reembolso.
Para a análise deste pedido deduzido, a matéria relativa ao acidente de trabalho não é meramente instrumental, mas sim essencial, consubstanciando a causa de pedir, pelo que não pode deixar de ser essencial à determinação da competência material.
Este processo aliás, e s. m. o., deveria correr por apenso ao referido processo de acidente do trabalho, que correu termos na 3. ª Secção do Trabalho de Braga (Guimarães). ”
4) Não pode a ora Recorrente conformar-se com esta decisão;
5) Desde logo porque a Recorrente tem instaurado, anualmente e desde há muitos anos, ações iguais à dos autos, as quais sempre correram pelos Tribunais Cíveis e não pelo Tribunal do Trabalho;
6) E a razão pela qual a ação deve correr nos Tribunais Cíveis prendesse com os seguintes argumentos:
7) A Autora/Recorrente dedica-se à actividade seguradora e funda o seu pedido no direito de regresso, decorrente da regularização das despesas emergentes do acidente de trabalho, o qual assume a natureza de um verdadeiro direito de crédito e que lhe assiste por força do disposto nos artigos 18. º e 79. º da Lei n. º 98/2009 de 4 de Setembro.
8) Contrariamente ao alegado na sentença que se recorre, o pedido não se baseia no acidente de trabalho per si, nem em factos diretamente decorrentes daquele;
9) A jurisprudência considera materialmente competentes os Tribunais de Competência Genérica, e não os Tribunais de Trabalho, conforme se pode constar nos seguintes Acórdãos:
•Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-06-2006, processo n. º 06B2020, disponível no site www. dgsi. pt,
•Acórdão da Relação de Coimbra de 17-06-2008, processo n. º 74/08. 6YRCBR. C1, disponível no site www. dgsi. pt;
•Acórdão da Relação de Lisboa de 20/04/2010, processo n. º 1030/08. 0TJLSB. L1- 1, disponível no site www. dgsi. pt;
•Acórdão da Relação de Coimbra de 13-09-2011, processo n. º 3415/10. 2TBVIS. C1, disponível no site www. dgsi. pt;
•Acórdão da Relação do Porto de 06-05-2013, processo n. º 1417/11. 0TTBRG. P1, disponível no site www. dgsi.pt.
•Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-04-2016, processo n. º 1663/14. 5T8VCT. G1, disponível no site www. dgsi.pt:
10) O Tribunal a quo mal andou ao decidir pela sua incompetência, desde logo porque para efeitos de determinação da competência do tribunal em razão da matéria, só importa apreciar os termos da causa de pedir e do pedido formulado pela Autora.
11) Ora, para efeitos de determinação da competência do tribunal em razão da matéria, só importa apreciar os termos da causa de pedir e do pedido formulado pela A.
12) Os tribunais de competência genérica têm, segundo a LOSJ (Lei n. º 62/2013 de 26 de Agosto), competência residual: Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional – artigo 40º, nº 1. Daí a necessidade de o tribunal, ao apreciar a questão da competência em razão da matéria, verificar se a lei atribui, em face da causa em exame, tal competência a outra espécie de tribunal, designadamente a um tribunal de competência especializada.
13) A lei atribui aos tribunais do trabalho uma competência especializada.
14) Segundo o artigo 126. º da LOSJ, compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível:
c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
n)Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;
15) Tendo em conta que o pedido de reembolso formulado pela A. não vem cumulado com outro para o qual o tribunal fosse diretamente competente, a alínea n) não aplicação ao caso em apreço.
16) Resta-nos a consideração da alínea c).
17) Diversamente do que a 1ª instância entendeu, a questão apresentada pela A. não implica a análise e a consideração de factos e de normas eminentemente laborais, o que leva à aplicação do dito artigo 126. º, alínea c).
18) Questões emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional são pedidos ou pretensões que emergem, resultam, têm como causa de pedir o acidente de trabalho ou a doença profissional. São objeto daquilo que o Código do Processo de Trabalho designa de processos de acidente de trabalho ou de doença profissional (visando a fixação de pensão, indemnização pecuniária ou prestações em espécie), incluindo os respetivos incidentes de revisão, remissão ou actualização de pensões.
19) Ora, o objeto da ação não se reporta à delimitação da responsabilidade da apelante e da apelada pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo empregado da Ré.
20) Como referiu o acórdão do STJ de 22. 6. 2006, supracitado: «Conforme resulta da factualidade articulada pela agravante na petição inicial, não se trata de apurar a obrigação (…) decorrente do acidente de trabalho e do contrato de seguro no confronto do sinistrado, mas de apurar se aquela (a A.) tem ou não direito de regresso (…) quanto ao montante que pagou em virtude dos mencionados contrato de seguro e acidente de trabalho. Ao invés do que foi entendido nas instâncias, o objecto da acção não se reporta à delimitação da responsabilidade da agravante e da agravada pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo empregado da última. Acresce que a verificação sobre se ocorrem ou não os pressupostos de facto e de direito da procedência da acção de regresso inscreve-se na problemática do próprio mérito da causa e não da competência do tribunal para a sua apreciação».
21) Pelo só podemos concluir que os presente autos não cabem na alínea c) do artigo 126. º da LOSJ.
22) O que a Recorrente visa realizar na ação é o direito de regresso na medida do que pagou por virtude do contrato de seguro celebrado com a Ré e qualquer direito de regresso pressupõe a existência de norma que o permita e o prévio pagamento pelo seu titular. A Autora invocou o pagamento e bem assim o disposto nos artigos
18. º e 79. º da Lei n. º 98/2009 de 4 de Setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho), que vem precisamente subordinado à epígrafe “Actuação culposa do empregador”.
23) Todavia, nenhuma das alíneas do dito artigo 126º prevê o critério da natureza da norma como critério de atribuição da competência material aos tribunais do trabalho.
24) Pela referida norma legal do nº 1 do artigo 40º da LOSJ, o caso cabe na competência residual do tribunal de comarca.
25) Verificasse assim que o Tribunal a quo ao aplicar a alínea c) do artigo 126. º fez uma errónea interpretação das regras de competência, particularmente, do artigo 40º da LOSJ.
26) Assim, entende a ora Apelante que a decisão aqui em crise deverá ser revogada, e reformulada por outra que, julgue o Tribunal a quo materialmente competente para dirimir o pedido vertido nos presentes autos, dando prosseguimento aos mesmos.

3. A R. apresentou contra-alegações no sentido da manutenção do decidido,

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II-Fundamentação.
1. Questão a decidir.
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635. º, n. º 4, e 639. º, n. º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608. º, n. º 2, in fine, e 635. º, n. º 5, CPC), assim, nos autos a questão consubstancia-se em saber se o conhecimento do objecto da acção instaurada pela recorrente se inscreve na competência da instância central da secção especializada do trabalho ou da secção de competência cível do tribunal de comarca.
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2. Factualidade relevante:
- O pedido que a apelante formulou na acção é o de condenação da apelada no pagamento de 12.800,28 euros e juros de mora.
- A causa de pedir em que baseou o supra referido pedido envolve os factos relativos a um contrato de seguro por acidentes de trabalho celebrado entre ela e a apelada, a ocorrência de um acidente de trabalho que afectou um trabalhador da última por culpa desta, por violação de normas de segurança, sendo o pedido correspondente à indemnização prestada pela primeira ao sinistrado pelos danos decorrente daquele acidente.
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3. Apreciação.
Como referido, a questão a dilucidar consiste em saber se, face ao objecto da acção, a competência material é atribuída por lei ao tribunal comum, de competência genérica, ou se é atribuída por lei ao tribunal do trabalho.
O objecto da acção é definido pelo pedido e pela causa de pedir, tal como sucintamente constam descritos no relatório. Em suma, a autora, enquanto seguradora do ramo acidentes de trabalho, faz valer o seu pretenso direito de regresso pelo que pagou ao, sinistrado enquanto trabalhava por conta da ré, segurada.
Discorreu o despacho recorrido:
“”…No Código de Processo do Trabalho encontra-se prevista não apenas a tramitação do próprio processo relativo ao acidente, mas também processos para a extinção e para a efetivação de direitos de terceiros conexos com acidente de trabalho, prevendo que estas ações corram por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver (v. g. artigo 154. º do CPT).
Afigura-se-nos, assim, objetivo do legislador, que os tribunais de trabalho tenham competência para as questões decorrentes dos acidentes de trabalho, incluindo também as questões de natureza cível relacionadas com aqueles que prestam apoio ou reparação aos sinistrados de trabalho, de modo a tornar mais simplificado e célere o processo (Ac. RP de 04/06/2012, p. 155/04. 5TTSTS, www. dgsi. pt).
Ora, o pedido deduzido está diretamente ligado ao acidente de trabalho, já discutido em processo próprio, no qual a Autora figura como seguradora do trabalho, que reparou o acidente e que vem agora discutir todo o circunstancialismo do acidente, a fim de pedir o reembolso.
Para a análise deste pedido deduzido, a matéria relativa ao acidente de trabalho não é meramente instrumental, mas sim essencial, consubstanciando a causa de pedir, pelo que não pode deixar de ser essencial à determinação da competência material.
Este processo aliás, e s. m. o., deveria correr por apenso ao referido processo de acidente do trabalho, que correu termos na 3. ª Secção do Trabalho de Braga (Guimarães).

Vejamos.
A questão não é nova. A jurisprudência tem vindo, ao longo de muitos anos (tanto ao abrigo da actual como da anterior Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), a entender, maioritariamente, que para conhecer de causa versando o direito de regresso fundado em legislação laboral é materialmente competente o tribunal comum e não o tribunal do trabalho. A mais recente jurisprudência dos tribunais superiores é clara nesse sentido.
Citam-se, por exemplo, os acórdãos do STJ de 22. 06. 2006 (Pº 06B2020), da R. Coimbra de 17. 06. 2008 (Pº 74/08. 6YRCBR. C1) e da Relação de Lisboa de 20. 04. 2010 disponíveis em www.dgsi. pt.

Certo é que é entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência que a competência do tribunal, como pressuposto processual que é, determina-se pelos termos em que o autor estruturou o pedido e a causa de pedir. Assim, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pg. 90-1
A nível jurisprudencial e a título meramente exemplificativo, e citando apenas jurisprudência do ST, vejam-se os acórdãos do S. T. J., de 2009. 02. 12, Paulo Sá; de 2008. 12. 15, Salvador da Costa; de 2008. 03. 13, Sebastião Póvoas; 2008. 02. 28, Fonseca Ramos; de 22. 06. 2006, Salvador da Costa; de 2005. 04. 07, Araújo Barros; de 2004. 11. 18, Salvador da Costa.

Posto isto, o acidente de trabalho descrito nos autos é integrante da causa de pedir.
De acordo com o artigo 8º da Lei 98/2009 considera-se acidente de trabalho, aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
A lei prevê a hipótese de agravamento da responsabilidade, por actuação culposa do empregador na hipótese de o acidente de trabalho ter resultado da falta de observação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho (artigo 18º, nº 1).
Nessa hipótese, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos do artigo 79º, n. º 3 da Lei 98/2009.
Ora, o que a apelante visa realizar nesta acção é precisamente o direito de regresso contra a apelada na medida do que pagou em virtude do contrato de seguro celebrado com a apelada, por, segundo afirmou, o acidente de trabalho em causa ter sido causado por omissão da apeladas das regras de segurança.
Trata-se, pois, em nosso entender, de uma relação jurídica autónoma da decorrente do acidente de trabalho, embora com ela conexa.
A partir dos factos integrantes da causa de pedir entendeu o tribunal a quo que as questões relativas ao acidente em causa não se encontram totalmente dirimidas, não constituindo a questão submetida a juízo uma mera questão lateral relativamente ao evento danoso.
De acordo com o disposto no artigo 3º e 581, n. º4, do CPC «a causa de pedir é o facto jurídico concreto integrante das normas de direito substantivo que concedem o direito; e o pedido a pretensão formulada pelo autor ou pelo reconvinte com vista à realização daquele direito ou à sua salvaguarda».
Ora, são os termos da causa de pedir tal como é formulada pela apelante que relevam para efeito de determinação da competência do tribunal em razão da matéria.
O nexo de competência fixa-se no momento da propositura da acção, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, como decorre do artigo 38º, n. º1 da LOSJ.
Como resulta com clareza da factualidade articulada pela apelante na petição inicial, não se trata aqui de apurar a obrigação da apelante decorrente do acidente de trabalho e do contrato de seguro no confronto com o sinistrado, mas de apurar se aquela tem ou não direito de regresso contra apelada quanto ao montante que pagou em virtude dos mencionados contrato de seguro e acidente de trabalho que, no seu entender foi imputável à Ré.
Assim o objecto da acção não se refere à delimitação da responsabilidade da apelante e da apelada pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador desta última.
Acresce que a verificação sobre se ocorrem ou não os pressupostos de facto e de direito da procedência da acção de regresso inscreve-se na problemática do próprio mérito da causa e não da competência do tribunal para a sua apreciação. cfr. o Ac. do STJ de 22. 06. 2006, rel. Conselheiro Salvador da Costa, disponível no site da DGSI.
Como tem sido sublinhado por doutrina e jurisprudência, a distribuição de competência pelos vários tribunais especializados assenta no pressuposto da maior idoneidade desse tribunal para a apreciação das matérias que lhe são atribuídas, de forma a que as causas sejam julgadas por magistrados com a preparação específica adequada (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Processo Civil, Coimbra Editora, vol. I, pg. 107). Trata-se, pois, da habilitação funcional do tribunal relativamente a certa matéria, nas palavras de Neves Ribeiro, acórdão do STJ, de 2004. 03. 19, www. dgsi. pt.
De acordo com o artigo 64º do CPC: «São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».
E o artigo 65º prescreve: «As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência especializada».
Por sua vez, o artigo 40º da LOSJ, subordinado à epígrafe “competência em razão da matéria”, após estabelecer o princípio de que «Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» (n. º1), acrescenta que «a presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os tribunais judiciais de primeira instância, estabelecendo as causas que competem às secções de competência especializada dos tribunais de comarca ou aos tribunais de competência territorial alargada» (n. º 2).
As secções cíveis com a competência definida no artº. 117º daquela lei (de cujo n. º1 resulta que «Compete à secção cível da instância central: a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000»), e as secções do trabalho com a competência definida no artigo 126º da referida lei.
Na sentença sob recurso entendeu-se que é competente para resolver a questão “a Secção do Trabalho competente, em razão da matéria, para o conhecimento da presente ação, atento o disposto no artigo 126. º, alíneas c), da LOSJ, e não a secção local cível”
Para determinação da competência do tribunal em razão da matéria importa considerar, além do mais, como atrás referimos, a estrutura do objecto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulados na acção, no momento em que a mesma é intentada, independentemente da natureza estritamente civil ou laboral das normas jurídicas aplicáveis.
Atentemos agora no âmbito da competência material dos tribunais do trabalho no confronto com a causa de pedir e o pedido formulados na acção.
A referida al. c), do n. º1 do artigo 126 da LOSJ dispõe: que «compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível (…) das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais».
E, na sua al. n) «das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente».
Daqui resulta que a competência em razão da matéria dos tribunais de trabalho abrange as acções que:
- tenham por objecto questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
- versem sobre litígios envolventes de sujeitos de relações jurídicas de trabalho.

Questões emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional são pedidos ou pretensões que emergem, resultam, têm como causa de pedir o acidente de trabalho ou a doença profissional. São objecto daquilo que o Código do Processo de Trabalho designa de processos de acidente de trabalho ou de doença profissional (visando a fixação de pensão, indemnização pecuniária ou prestações em espécie), incluindo os respectivos incidentes de revisão, remissão ou actualização de pensões.
Ora, o objecto da acção não se reporta à delimitação da responsabilidade da apelante e da apelada pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo empregado, mas sim sobre o direito de regresso que a apelante entende ter sobre a apelada entidade patronal por lhe ser imputável em face da violação de normas de segurança.

- e aquelas cujo objecto emirja de uma relação jurídica conexa com a de trabalho em termos acessórios, complementares ou de dependência, envolva um sujeito da relação jurídica de trabalho e um terceiro e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal do trabalho seja directamente competente.

Em vista desta al. n) não é aplicável ao caso, dado que - é claro - esse pedido de reembolso não vem cumulado com outro para o qual o tribunal fosse directamente competente.
Como referiu o acórdão do STJ de 22. 6. 2006: «Conforme resulta da factualidade articulada pela agravante na petição inicial, não se trata de apurar a obrigação (…) decorrente do acidente de trabalho e do contrato de seguro no confronto do sinistrado, mas de apurar se aquela (a A.) tem ou não direito de regresso (…) quanto ao montante que pagou em virtude dos mencionados contrato de seguro e acidente de trabalho. Ao invés do que foi entendido nas instâncias, o objecto da acção não se reporta à delimitação da responsabilidade da agravante e da agravada pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo empregado da última. Acresce que a verificação sobre se ocorrem ou não os pressupostos de facto e de direito da procedência da acção de regresso inscreve-se na problemática do próprio mérito da causa e não da competência do tribunal para a sua apreciação». (Os parêntesis são nossos).
Todavia nenhuma das alíneas do dito artigo 126 prevê o critério da natureza da norma como critério de atribuição da competência material aos tribunais do trabalho. Pelo que, o caso cabe na competência residual do tribunal de comarca.
Vale, de resto, aqui a doutrina do acórdão do STJ de 22. 6. 2006, supracitado, segundo o qual, sumariamente (nº 3) «compete ao tribunal de competência genérica ou ao juízo de competência cível específica, conforme os casos, conhecer da acção em que a seguradora, no exercício do seu direito de regresso, pede contra a tomadora do seguro de acidentes laborais a sua condenação no pagamento de quantia que tenha pago, com base em contrato de seguro de acidentes laborais (…)».
Em síntese final:
Compete ao tribunal de competência genérica da comarca conhecer da acção em que a seguradora, no exercício do direito de regresso, pede contra a tomadora do seguro de acidentes laborais a condenação no pagamento de quantia que tenha pago, com base em contrato de seguro de acidentes laborais, ainda que para o efeito invoque a concessão desse direito por preceito da Lei dos Acidentes de Trabalho, neste caso violação das regras de segurança por parte da entidade patronal)

IV. DECISÃO
Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação de Guimarães em julgar a apelação procedente, revogando a decisão impugnada.

Custas pela apelada

Guimarães, ---------------------
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(Relatora, Fernanda Ventura)
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(1ª Adjunto, Pedro Alexandre Damião e Cunha)
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(2º Adjunto, Maria João Marques Pinto de Matos)