Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1288/12.0TBVVD-A.G1
Relator: HENRIQUE ANDRADE
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
EMPREITADA
FINANCIAMENTO PÚBLICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Para conhecer do pedido de indemnização, por alegado incumprimento de contrato de empreitada, deduzido pela empreiteira contra a dona da obra, entidade privada com um financiamento, do projecto, superior a 50%, por parte de um instituto público, é competente o tribunal administrativo e não o judicial, por força conjugada do disposto nos artigos 343.º do Código dos Contratos Públicos, 2.º, nº5, e 3.º, nº1, alínea b), do DL 59/99, e 4.º, nº1, alínea f), do ETAF.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – “S…, S.A., intentou a presente acção contra Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de…, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 390.924,18, (…).
Em sede de contestação, veio a ré, desde logo, arguir a excepção de incompetência material deste Tribunal (o judicial de Vila Verde), defendendo que, o contrato celebrado com a autora assume as características de um contrato administrativo e, portanto, competente para a apreciação do seu cumprimento será a jurisdição administrativa.
Como resposta (…), veio a autora defender, em suma, que, não tendo as partes contraentes (em especial a ré, definida como pessoa jurídica de direito canónico privado) natureza de ente público (…), nem sendo a obra objecto do contrato do domínio público (…), serão este Tribunal o competente (…).”.
Em 18-12-2013, no despacho saneador, julgou-se, doutamente, improcedente aquela excepção.

Inconformada, a ré apela do assim decidido, concluindo, em síntese, que:
1 – “A obra objecto do contrato de empreitada, porque respeitante a investimento financiado em mais de 50% pelo Instituto da Segurança Social, IP, foi equiparada a obra pública, como previsto no artº2.º, nº5 do DL 59/99, tendo, por essa imposição legal, adoptado o concurso público no procedimento de formação do contrato e, na vinculação das partes, a forma de contrato administrativo de empreitada de obras públicas.
2 – Subsume-se, pois, o litígio em presença às alíneas e) e f) do nº1 do artº 4º do ETAF, que atribui a competência aos Tribunais Administrativos.”.
Nas contra-alegações, pugna-se pela manutenção do julgado.

O relator exarou, então, a seguinte decisão sumária:
“O recurso é o próprio, nada obstando ao conhecimento do seu objecto, o que se fará em decisão sumária, atenta a respectiva simplicidade.
II – As questões a decidir são as que abaixo se enunciam.

III – Fundamentação:
i) Factualidade assente:
1 – As partes celebraram, em 15-01-2009, o “contrato administrativo da empreitada de construção de lar de idosos, creche, centro de dia e SAD”, transcrito a fls. 71 a 73, e aqui dado por integralmente reproduzido, dizendo-se aí, entre o mais, que a deliberação de adjudicação da empreitada foi antecedida de concurso público;
2 – A ré e o Instituto de Segurança Social, I.P. celebraram, em 11 (salvo erro)-04-2008, o “acordo de comparticipação financeira”, transcrito a fls. 16 a 19 e 12 a 14, e aqui dado por integralmente reproduzido, dele resultando um financiamento do projecto, pelo Instituto, superior a 50% do investimento total estimado – ver cláusula 2ª;
3 – A ré foi demandada, pela autora, nos termos relatados, no Tribunal Judicial de Vila Verde.

ii) A decisão de direito:
Foi, como se disse, no sentido da competência do tribunal judicial, por, em suma, se ter entendido que “o caso vertente não se enquadra na previsão do artº4, nº1, alínea f), do ETAF.”, contra o que se insurge a recorrente, pelas razões acima, sucintamente, vistas.
Quid juris:
O DL 59/99 aprova o novo regime jurídico das empreitadas de obras públicas (espécie de contrato publico, ut artº343.º do código respectivo), dizendo, no nº5 do seu artº2.º, que “o regime do presente diploma aplica-se ainda às empreitadas que sejam financiadas directamente, em mais de 50 %, por qualquer das entidades referidas no artigo seguinte”, sendo uma destas, justamente, os institutos públicos – ver artº3.º, nº1, alínea b).
Ao contrário do que pretende a autora/recorrida, trata-se de um regime legal imperativo, o que bem se compreende pelo interesse que a entidade pública envolvida tem, na defesa do interesse público do correcto aproveitamento e dispêndio dos recursos do Estado, em sujeitar a empreitada a algum tipo de tutela da sua parte.
Também o requisito que se prende com a percentagem do financiamento deve ter-se por verificado, visto que o custo estimado do projecto permitia tal asserção.
E á a este custo que deve atender-se, pois, dele, depende a decisão sobre o financiamento, e, consequentemente, o tipo de contrato a propor aos empreiteiros.
Por fim, a convenção no sentido de o foro competente ser o da comarca de Vila Verde, constante do contrato de empreitada e a que a recorrida, aliás de passagem, alude, tem, como se sabe, nulo significado, visto o que, à data, dispunha o artº100.º, nº1, do anterior CPC.
Estamos, pois, ao contrário do que se decidiu, no âmbito da previsão do artº4.º, nº1, alínea f), do ETAF, sendo, pois, o tribunal administrativo o competente para a acção, devendo, assim, o recurso proceder.

Em síntese:
Para conhecer do pedido de indemnização, por alegado incumprimento de contrato de empreitada, deduzido pela empreiteira contra a dona da obra, entidade privada com um financiamento, do projecto, superior a 50%, por parte de um instituto público, é competente o tribunal administrativo e não o judicial, por força conjugada do disposto nos artigos 343.º do Código dos Contratos Públicos, 2.º, nº5, e 3.º, nº1, alínea b), do DL 59/99, e 4.º, nº1, alínea f), do ETAF.

IV – Decisão:
São termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, julga-se o Tribunal Judicial de Vila Verde incompetente, em razão da matéria, e declara-se a competência do Tribunal Administrativo respectivo.
Custas pela recorrida.

• Os trechos entre aspas são transcritos ipsis verbis.
• Entende-se que a reclamação para a conferência, nos termos do artº652.º, nº3, do actual CPC, está sujeita a custas [tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, in fine (0,25 a 3)], devendo observar-se o disposto no artº14.º, nº1, deste.”.

Vem, agora, requerido, pela recorrida, com exposição de motivos, que, sobre o objecto do recurso, recaia um acórdão.
A recorrente pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Em conferência, o tribunal revê-se na decisão vinda de transcrever, que, por isso, avoca e, por inteiro, faz sua, com o que, julgando a apelação procedente, revoga a decisão recorrida, julga o Tribunal Judicial de Vila Verde incompetente, em razão da matéria, e declara a competência do Tribunal Administrativo respectivo, não se pronunciando sobre a dita exposição, por estar fora de questão que, desse modo, se possa, de algum modo, alterar a configuração do recurso.
Custas pela recorrida, no recurso e na reclamação, fixando-se, para esta, a taxa de justiça de 150,00 €.

Guimarães, 12-06-2014
Henrique Andrade
Eva Almeida
António Beça Pereira