Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
786/19.9T8VRL.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO
TRABALHO SUPLEMENTAR
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O tribunal da relação não deve alterar a resposta à matéria de facto quando a prova produzida, mormente as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas, não imponham uma decisão diferente.
II - O disposto no artigo 38º, 2, da LCT, com subsequente equivalência nos artigos 381º, 2, CT/03 e 337º, 2, CT/09, não consagra um regime de prescrição, mas tão só uma exigência especial de prova e somente relativamente aos créditos ali enunciados.
III - Cabe ao trabalhador o ónus da prova de que não gozou férias como facto constitutivo do seu direito à correspondente retribuição em contrapartida da ausência do seu gozo, incluindo no início do ano subsequente. Acrescida da prova de que foi o empregador que obstou culposamente ao seu gozo enquanto facto constitutivo do seu direito de compensação por violação do direito a férias.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

M. P. intentou acção de processo comum contra Herança Aberta e Indivisa por Óbito de M. N..

PEDIDO: a condenação da ré a: a) reconhecer a existência do contrato de prestação de serviço doméstico que caducou face ao falecimento da Empregadora ; b) no pagamento do total de €149.422,80 (a título de férias vencidas e não gozadas a quantia de €22.156,20; a titulo de subsidio de férias a quantia de € 22.156,20; a titulo de sanção por férias não gozadas a quantia de €38.269,80; a titulo de subsidio de Natal a quantia de €14.099,40; a titulo de folgas por gozar a quantia de €23.275,20; a titulo de horas extras a quantia de €15.066,00; a titulo de indemnização equivalente ao subsidio de desemprego a quantia de €14.400,00); c) nas quantias que lhe liquidarem em execução de sentença pelo trabalho efectuado em dias de feriado; d) nos juros vincendos desde a notificação / citação.

CAUSA DE PEDIR: a autora foi admitida, através de contrato de trabalho de serviço doméstico verbal, a tempo inteiro e indeterminado, em Julho de 1985, para trabalhar ao serviço da falecida M. N., exercendo as funções de empregada doméstica de segunda – feira a sexta – feira, das 08h 30m até ás 18h00m, mediante retribuição mensal equivalente a € 224,00 euros, incluindo todas as refeições, ficando alojada em dependência, fora da casa de habitação da empregadora, destinada para o efeito, mobiliada pela Autora, obrigando-se esta a prestar à ré a sua actividade destinada a satisfação das necessidades próprias do agregado familiar daquela, constituído pelo falecido marido, a saber, arrumo da casa de habitação, limpeza da mesma, fazer as camas, confeccionar as refeições como o pequeno almoço, almoço, lavagem e tratamento da loiça e da roupa. Sem interrupções e limite contratual de tempo, sob as ordens, direcção autoridade e fiscalização da Ré, exerceu essas ditas funções de 04 de julho de 1985 até ao dia 29/01/2019, altura em que recebeu uma carta a denunciar do contrato, por caducidade, em virtude do falecimento da sua empregadora. À data da cessação do contrato de trabalho, auferia a retribuição mensal de €671,40, correspondendo €581,40 ao salário base e a quantia de € 90,00 euros ao subsidio complementar.
A autora nunca gozou férias, de 1985 a 2019, por culpa da ré, porquanto sempre lhe atribuiu tarefas diárias na lide da casa e outras, como fazer comida a tomar conta de animais. Pede a título de compensação o triplo da retribuição correspondente ao período em falta de €38.269,80, atinentes aos anos de 2000 até 2019 (quanto aos restantes anteriores anos não dispõe de documento idóneo para provar a culpa da Ré, como é exigido legalmente) e, ainda, a quantia de €22.156,20 a título de férias vencidas e não gozadas (33 meses à última remuneração de €671,40), e igual quantia de € 22.156,20 a título de subsidio de férias (33 meses à remuneração de €671,40).
A Ré também nunca lhe pagou qualquer subsidio de Natal até 2006, devendo-lhe a quantia de €14.099,40, (€671,40 por 21 anos).
Laborou todos os dias dos anos de 1985 até ao ano 2015 de segunda-feira a domingo, não lhe tendo a Ré proporcionado o gozo das folgas pelo trabalho efectuado no dia do descanso semanal, reclamando o pagamento inerente a 1040 dias de folga, o equivalente a €23.275,20 (€671,40: 30 dias = € 22,38 /dia).
A Autora ao longo dos anos 1985 a 2015 executou trabalho para além das 8h diárias e das 40h semanais, durante cerca de 3 meses (época da Páscoa e das vindimas) em cada ano, trabalhando nesse período, em cada ano civil, mais de três horas diárias, reclamando a esse título €15.066,00.
Trabalhou também em dias de feriado ao longo de 25 anos – 1985 a 2015-, reclama por isso o seu pagamento a liquidar em execução de sentença.
Não obstante a Autora receber de acordo com o salário mínimo nacional, a entidade empregadora não efectuava as contribuições de acordo com essa remuneração e por essa conduta privou a Autora em obter o subsídio de desemprego, facto que lhe está a causar extremas dificuldades de sobrevivência e transtornos, omissão essa geradora de indemnização por danos patrimoniais, devendo por isso ser condenada no pagamento de indemnização equivalente ao subsidio de desemprego na quantia mínima de € 400,00/ mês, e pelo menos durante 36 meses, a que teria direito o equivalente a 14.400,00.
CONTESTAÇÃO: admite-se ter vigorado o contrato de trabalho aludido pela Autora de empregada doméstica, mas apenas com efeitos a 01-10-1999, conforme contrato de trabalho celebrado por escrito e que juntou aos autos. Antes a autora apenas lhe prestou alguns trabalhos rurais/agrícolas indiferenciados, à jorna e como independente, e de forma intermitente e errática. Invoca, em todo o caso, a excepção de prescrição relativamente a eventuais créditos respeitantes a essa anterior relação. Alega, ainda, que no âmbito do celebrado contrato de trabalho escrito, a Autora foi admitida ao serviço da Dª M. N., nele se tendo feito menção das condições, incluindo sobre os descontos para a Segurança Social. Sempre satisfez à autora o pagamento de todas as remunerações contratadas e a que a autora tinha direito, nada devendo. Os descontos efectuados foram os combinados no contrato, i.e., 21% a cargo da empregadora e 8% a cargo da trabalhadora, que não conferem direito ao subsídio de desemprego. Ainda a admitir-se a hipótese de não gozo de férias, do não recebimento de subsídio de Natal e do trabalho suplementar, sempre esses créditos, vencidos há mais de 5 anos, reportados a 22/01/2019, estariam prescritos (337º,2, CT). De resto, a Dª M. N. apenas se deslocava á Quinta cerca de 2 meses no ano, vivendo o resto do ano no Porto. Sendo, pois, a autora livre de organizar o seu tempo como queria durante o resto do ano, vivendo, aliás, alojada, com o seu marido e filha, num espaço urbano à parte que lhe foi cedido e situado na Quinta e onde cultivava uma horta para seu consumo dela e criava animais para consumo doméstico da autora e seu agregado. Organizando o tempo como bem entendia, nunca tendo ocupado o palacete/moradia da Dª M. N., apenas ali trabalhando nas épocas em que a proprietária ali se deslocava e de forma mitigada dado que a aquela, nas suas estadias, se fazia acompanhar de outra empregada, a Sr. A. T.. De resto, a alegada prestação de trabalho suplementar não está minimamente circunstanciada (no tempo e no tipo de tarefas que o justifiquem).

Seguiu-se a prolação de despacho saneador, no âmbito do qual se procedeu à identificação do objecto da lide e à enunciação dos temas de prova.
Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO):

“Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, declarando-se que entre Autora e Ré vigorou um contrato de trabalho de serviço doméstico e, em consequência, decide-se:
1.- Condenar a ré “HERANÇA ABERTA E INDIVISA POR ÓTIBO DE M. N.”, a pagar à aurora M. P., a quantia de €1.686,68 (mil seiscentos e oitenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos), a título de subsídio de Natal respeitante ao período de 01/10/1999 a Dezembro de 2006, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação da ré para a acção e até integral pagamento.
2.-Absolver do pedido a ré quanto ao demais peticionado.
Custas a cargo da autora e da ré, na proporção do decaimento e vencimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a autora - 527º, nºs. 1 e 2 do Cod. Proc. Civil.”

FOI INTERPOSTO RECURSO PELA AUTORA -CONCLUSÕES:
Conclusões : ( 6 ) – SOBRE MATÉRIA DE FACTO . ( 639º. Nº 1 ) C.P.C.

I - Conforme estabelece o Artº. 640º,nº 1,al.a) do C. P. Civil , o concreto ponto de facto que considera a Recorrente incorretamente julgado é, desde logo ;

· Quanto ao facto nº 1 ,
1. “ A Autora prestou trabalho para a autora da Herança Ré, Dª. M. N., como trabalhadora rural independente, sem vinculo permanente, à jorna e assim pago ao dia, desde o inicio de 1980 a 30/09/1999. “

· Conclusão Primeira - O Tribunal tinha todas as provas para dar como provado que a Autora celebrou com a Ré, contrato individual de trabalho verbal de prestação de serviços domésticos em Julho de 1985, que formalizado em 1999.
E, ao não ter considerado a existência de contrato verbal de prestação de serviço doméstica
· No mínimo resultou pela prova enunciada ( documentos e depoimento de parte e testemunhos ) a existência de contrato individual de trabalho a tempo inteiro, ainda que agrícola, desde 1985 até 1999.
Ora, Parece á Recorrente decisão errada, ( Tribunal )
Considerar provado no ponto nº 1 que “ Autora prestou trabalho para a autora da Herança Ré, Dª. M. N., como trabalhadora rural independente, sem vínculo permanente, à jorna e assim pago ao dia, desde o início de 1980 a 30/09/1999.
Mas que o Tribunal não o considerou ( contrato laboral ) atenta as considerações que o Mm.Juiz teceu.
** Conclusão segunda :Só por errada valoração da prova e de deficiente análise critica do documento nº 4º, e 5º , é que pôde dar como provado, que a Autora prestou trabalho para a autora da Herança Ré, Dª. M. N., como trabalhadora rural independente, sem vínculo permanente, à jorna e assim pago ao dia, desde o início de 1980 a1999.
Fundamentou o Mm. Juiz;
“ como trabalhadora eventual no período de Julho de 1985 a 31/10/1999, uma relação de trabalho rural, independente e sem vínculo permanente, no âmbito da qual a Autora prestou actividade de trabalhadora agrícola para Ré, à jorna ou à jeira, como trabalhadora eventual, desempenhando a sua actividade, por conta e em benefício da Ré, quando esta, em função das tarefas agrícolas que importava realizar, a chamava para esse efeito, relação laboral esta que cessou a 30/09/1999; “
Do qual não se pode concordar;
1º O próprio documento ( Docº. nº 4 da Pi. ) é demostrativo que a Recorrida trabalhou a tempo inteiro e todos os dias , veja-se o documento que a titulo exemplificativo, consta;
Que no ano … trabalhou … e recebeu ;

a) 1985/240 dias,recebeu a remuneração de € 658,41,
b) 1986/360 dias,recebeu a remuneração de € 1.137,26,
c) 1987/360 dias,recebeu a remuneração de € 1.293,12,
d) 1988/360 dias,recebeu a remuneração de € 1.465,90,
e) 1989/360 dias,recebeu a remuneração de € 1.717,58,
f) 1990/360 dias,recebeu a remuneração de € 1.724,12,
g) 1991/360 dias,recebeu a remuneração de € 1.724,12,
h) 1992/360 dias,recebeu a remuneração de €2.510,02,
i) 1993/360 dias,recebeu a remuneração de € 2.772,35,
j) 1994/362 dias,recebeu a remuneração de € 2.916,76,
k) 1995/363 dias ,recebeu a remuneração de € 3.069,09,
l) 1996/363 dias,recebeu a remuneração de € 3.167,65,

SENDO-LHE PAGAS AS QUANTIAS MENSALMENTE, E NÃO DIÁRIAMENTE.

Nessa medida se conclui;

A) Por um lado, pela existência de um contrato individual de trabalho, que pode ser de prestação de serviço doméstico, como se defende, ou mesmo contrato individual de trabalho que poderá ser agrícola, com as implicações/efeitos que dai advém,
B) Por outro lado, se extrai que o pagamento do subsídio de férias e férias nunca podiam ser pagas á Recorrente aquando o alegado pagamento das jeiras/jornas, como defende o Tribunal de 1ªinstância.
C) Como de facto nunca o foram.
D) Que apenas por errada valoração da prova testemunhal que não foi conjugada com o documento oportunamente junto, pela Recorrente, aos autos sob doc. Nº 4 .,decidiu dessa forma.
E) Alguma vez é possível um trabalhador á jorna trabalhar aqueles dias e durante vários anos?
F) Esse registo na segurança social não se coaduna, com trabalho á jorna, mas sim de um contrato de prestação de serviço doméstico .

Ademais,
Nunca esquecer que a entidade empregadora é sempre a mesma.
Quanto ao Concreto Ponto nº 2 ( artº. 640º. nº1.al.a) C. P. Civil

2. Em Julho de 1985, a Autora trabalhava com o seu então marido, J. C., nas actividades agrícolas na Quinta da ..., no Pinhão, onde aquele J. C. sempre trabalhou durante muitos anos, na agricultura como trabalhador agrícola indiferenciado, prestando trabalho na vinha.
Mencionados em lugar próprio ( motivação ) os concretos meios probatórios ( artº. 640º. nº1. al. b) , depoimento de parte da Autora e depoimento das testemunhas e a decisão,
*** CONCLUSÃO TERCEIRA : A Autora trabalhava muito raramente em actividades agrícolas, que não foram especificadas em audiência, até pelas testemunhas da Recorrida.
Porque o contrato celebrado foi mesmo de empregada doméstica, o mesmo pode englobar trabalhos de cariz agrícola,….
…QUANTO AOS PONTOS :
*** CONCRETO PONTO 3 - Mantendo nesse período um regime estatuído de descontos, e sem uma vinculação permanente em termos laborais, já que era contratada na medida das necessidades dos trabalhos agrícolas naquela Quinta.
**** CONCRETO PONTO 4 - Sendo que, nesse regime laboral, o montante relativo a férias e respectivos subsídios eram e são pagos em função do tempo de trabalho efectivamente prestado.
16. CONCRETO PONTO 16 - Fora nos períodos referidos em 9º, a Autora geria, com total autonomia e sem que tivesse a “direcção efectiva e permanente da sua entidade patronal”, a gestão do seu trabalho e dos seus períodos de descanso.
17. CONCRETO PONTO – 17 - A ré processou e pagou à autora a retribuição respeitante aos períodos de férias, bem como aos respectivos subsídios de férias.
**** A CONCLUSÃO QUARTA ( 4 ) - Não resulta provado matéria factual que levasse o Tribunal a considerar o vertido nos pontos 3,4,16,17
A Autora sempre teve vínculo permanente, como doméstica, como defende , ou no limite, com outro tipo de contrato laboral.( Doc.nº 4 ) -
E, nessa medida as remunerações, sempre foram pagas mensalmente, conforme doc. Nº 4,
Porém, as atinentes ao subsidio de ferias e ferias, bem como outros subsídios, como o de natal, não foram pagas.
Muito menos da maneira defendida pelo Tribunal.
Considerando trabalho á jorna/jeira.

Devendo ser retirado da matéria provada e incluída na não provada.

Quanto ao que não resultou provado ( al. a,b,c,d,d,e,h,j,l,m e n ),

***** A CONCLUSÃO QUINTA ( 5 ) Pelos motivos enunciados e sobejamente dados a conhecer é manifesta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento para que o tribunal tivesse dado por provado as alienas,a,b,c,d,d,e,h,j,l,m,n,o : ( Devendo ser elencadas na matérias dos factos provados ).
Não se pode esquecer a argumentação por nós apresentada na anteriores conclusões ( 1,2,3,4 ) que para aqui valem, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para os legais e devidos efeitos.
Que não se repete, não só por economia processual, mas sobretudo para evitar repetição.

De facto,existe prova bastante para dar os factos constantes das alíneas, a,b,c,d,d,e,h,j,l,m, e n .,que aqui se reproduzem :

a) A Autora foi admitida ao serviço da Ré em Julho de 1985, através de contrato de trabalho de serviço doméstico verbal, a tempo inteiro e indeterminado, para trabalhar ao serviço da Ré, exercendo as funções de empregada doméstica de segunda – feira a sexta – feira, das 08h 30m até ás 18h00m, mediante retribuição mensal equivalente a €224,00 euros, incluindo todas as refeições;

b) Nessa data se obrigou, mediante aquela remuneração, a prestar à Ré a sua actividade destinada a satisfação das necessidades próprias do agregado familiar daquela, constituído pelo falecido marido, nomeadamente, arrumo da casa de habitação, limpeza da mesma, fazer as camas, confeccionar as refeições como o pequeno almoço, almoço, lavagem e tratamento da loiça e da roupa;

c) No âmbito desse verbal contrato de trabalho de serviço doméstico ficou acordado que a autora ficaria alojada em dependência, fora da casa de habitação da empregadora, destinada para o efeito, mobiliada pela Autora.

d) A Autora, sem interrupções e limite contratual de tempo, sob as ordens, direcção autoridade e fiscalização da Ré, exerceu essas ditas funções de 04 de Julho de 1985 até ao dia 29/01/2019.

d) Desde a data da admissão (em Julho de 1985) e até à cessação do contrato (29/01/2019), a autora não gozou férias;

e) A Ré não proporcionou à Autora o gozo das férias que se venceram de 1985 a 2019, porquanto sempre a Ré lhe atribuiu tarefas diárias na lide da casa, bem como deu instruções à Autora para alimentar diariamente e por várias vezes, os animais como os cães, galináceos e gatos etc., tendo de confeccionar os alimentos para esse fim;

f) A Ré efectuou o pagamento à Autora do subsídio de Natal devido no período compreendido entre 01/10/1999 (data do início do contrato de serviço doméstico) e 2006.

h) A Autora laborou todos os dias dos anos de 1985 até ao ano 2015 de segunda-feira a domingo;
j) Nesse período (1985 a 2015) a Ré não proporcionou a Autora o gozo das folgas pelo trabalho efectuado no dia do descanso semanal.
l) A Autora ao longo dos anos 1985 a 2015 executou trabalho para além das oito horas diárias e das quarenta horas semanais, nos períodos, meses, correspondentes à época da Páscoa (1 mês) e das vindimas (2 meses) de cada ano, em cada ano civil;
m) Nesses períodos, a Autora trabalhou mais de três horas diárias para além do seu horário de trabalho;
n) A autora trabalhou em dias de feriado ao longo dos vinte e cinco anos – 1985 a 2015;
Quanto ao que não resultou provado. Al. ( O )
****** CONCLUSÃO SEXTA (6), - referente á alínea ( o ) dos factos que não resultaram provados -
A Autora pessoa modesta, não tinha ao tempo ( 1999 ), nem hoje tem capacidade para entender o clausulado de um contrato, e neste caso, os termos do mesmo, e em particular, o vertido na cláusula 5 .
Foi com inusitada surpresa, que soube não ter acesso ao subsidio de desemprego.
O que lhe causou muitos dissabores, a sua própria subsistência perigou, socorreu-se do subsídio, rendimento mínimo garantido.
Sendo severamente prejudicada patrimonialmente, que se não fosse demonstrado, porque o foi, documento junto pela segurança social, nesta acção, sempre o Tribunal deveria relegar o quantum para ( ou ) / em execução de sentença, que o seria
De facto, aos trabalhadores mais ingénuos, procuram-se ( patrões menos escrupulosos ) extrair vantagens, numa tentativa de prejudicar os trabalhadores.
Que neste caso, não pode resultar como admitido pela Autora, fosse declarado para a Segurança social remuneração inferior aquela que efectivamente auferia.
Sabendo, como nunca soube, que em caso de desemprego não tinha proteção social, vulgo subsídio de desemprego.
É descabido, não tem logica admitir-se uma coisa destas.
Mas algum trabalhador, aceita ver declarado menos para a S. Social, sabendo que não tem acesso ao subsídio de desemprego?
Nenhum de bom senso.
Aliás, será que lei para o sector, neste particular, pode impulsiona e incentiva a fraude.
Julgamos que não.
Porque o ordenado, conforme recibo junto aos autos pela Autora, ( docº.nº3 ) , era bem superior .
São maiores as vantagens para a Entidade Patronal, declarar menor remuneração, já paga menos contribuições.
Moral e legalmente, não faz sentido, e “ in casu “ em particular, que sendo a remuneração superior ao constante nos extractos de remunerações e quiçá ao ordenado mínimo para o sector – serviços domésticos - .
Daí que;
Não se possa concordar com o que na – alínea o – concluiu.
A ré, ao longo da vigência do contrato de trabalho de serviço doméstico, iniciado em 01/10/1999, não procedeu aos descontos para a Segurança Social em conformidade com o acordado e vertido na cláusula 5ª do contrato de serviço doméstico transcrito no ponto 5º da factualidade assente, privando, por esse motivo, a Aurora de obter o subsídio de desemprego.

Conclusões ( 2 ) de recurso sobre matéria direito ( Artº. 639º. ,nº 2.als. a) e b).
Nº 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
* CONCLUSÃO PRIMEIRA ( 1 )
Ao não proceder corretamente, o Tribunal “ a quo “ , violou;
a) quanto ao não reconhecimento de existência de contrato doméstico,1985-1999, ainda que verbal, o artigo 2º,nº 1 ,do Decreto-Lei nº 235/92, de 24 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 14/99,de 03/08,
b) Quanto ao menos, ao não reconhecimento da existência sequer, de contrato de trabalho ( individual agrícola ) 1985-1999,ainda que verbal, o artigo 11 e 12 do Código do Trabalho.
E por inerência as normas legais aplicáveis aos pedidos formulados;
Pagamento subsidio de férias e férias não gozadas de férias de 2000 até 2019 , artigo Código do Trabalho,
Pagamento compensação pelo não gozo de férias, de 2000 até 2019, artigo 246º.n.1 do Código do Trabalho,
Pagamento subsidio de Natal 1985 até 2006 ,artigo 12º.nº.2 do Decreto-Lei nº 235/92,
Pagamento gozo das folgas de 1985 até 2015,artigo = 268.nº2= Código do Trabalho,
Pagamento de trabalho extraordinário de 1985 até 2015, artigo = 268 = Código do Trabalho,
Pagamento de trabalho em dias de feriado de 1985 até 2015, artigo = 269 = Código da Estrada,
Tinha o Mm. Juiz, prova mais que suficiente para decidir de modo diverso, aplicando estes normativos ,desde que fosse aquela prova devidamente analisada criticamente e conjugada com os documentos juntos na PI. ,
Com efeito;
Fez errada apreciação / valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e dos documentos junto aos autos.
Aconteceu que;
Pela interpretação e subsunção dos factos e do direito que fez, quanto á relação laboral ( trabalhadora rural independente, sem vinculo permanente, á jorna / jeira ) estendendo-se á sua própria qualificação jurídica, afecta, como afectou a Recorrente, viciando a decisão proferida pelas consequências que acarreta em resultado de um desacerto, de um equivoco ou de uma inexacta qualificação jurídica ou, como enuncia a lei de um erro.
Erros que originam violação de lei substantiva.
Dando origem a erro de julgamento.
1º. O Tribunal “ a quo “ ,Não reconheceu a existência de celebração verbal de um contrato de trabalho prestação de serviços domésticos,
2º. Nem mesmo, considerou sequer, existência de contrato individual de trabalho agrícola verbal estabelecido entre a Recorrente e Recorrida.
Que só ,
Por errada valoração da prova;
- depoimento de parte da Recorrente,
- depoimento e das testemunhas,
- dos documentos juntos nº4 e nº5 ,
- ausência da análise CRITICA QUE SE IMPUNHA SOBRE OS MESMOS, que inculca na violação dos artigos 607º.,nº4 e nº 5 do Código Processo Civil .
** CONCLUSÃO SEGUNDA ( 2 ) Devendo ser reposta a legalidade, na justa medida do que se procura ainda provar, como a existência de um contrato ( 1985-1999 ),por via disso e pelos motivos, quiçá repetidamente alegados, procedendo os pedidos constantes da petição inicial, corrigindo-se o erro, com a aplicação dos artigos violados .
Termos em que,
Deve o presente recurso ser ADMITIDO e PROVIDO e afinal revogar-se a decisão recorrida substituindo-se por outra que dê por procedente e por provada a acção.

CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ:
Defende a improcedência da apelação.
Requer a ampliação do âmbito do recurso nos termos do preceituado no nº. 1 do artº. 636º do CPC relativamente à prescrição alegada na contestação dos créditos referentes aos subsídios de Natal peticionados até 2006, conforme nº 2 do artº. 337º do Cód. do Trabalho.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – propugna-se pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência da ampliação do recurso ou do recurso subordinado da ré, esta figura que melhor se adequará ao recurso.
Ambas as partes responderam ao parecer e propugnaram pela manutenção do referido nos recursos.
O recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)): impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e sua interferência na matéria de direito (antiguidade da relação de trabalho doméstico, pagamento de férias não gozadas e de subsidio de férias e compensação em triplo, pagamento de trabalho suplementar de 3h/dia durante 3 meses ao ano, em dia de descanso obrigatório –domingo - e em feriados, indemnização por não recebimento de subsidio de desemprego por falta de pagamento das contribuições à SS); recurso subordinado da ré quanto a prescrição dos subsídios de natal vencidos até 2006.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS

Foram julgados provados os seguintes factos:

1. A Autora prestou trabalho para a autora da Herança Ré, Dª. M. N., como trabalhadora rural independente, sem vínculo permanente, à jorna e assim pago ao dia, desde o início de 1980 a 30/09/1999.
2. Em Julho de 1985, a Autora trabalhava com o seu então marido, J. C., nas actividades agrícolas na Quinta da ..., no …, onde aquele J. C. sempre trabalhou durante muitos anos, na agricultura como trabalhador agrícola indiferenciado, prestando trabalho na vinha.
3. Mantendo nesse período um regime estatuído de descontos, e sem uma vinculação permanente em termos laborais, já que era contratada na medida das necessidades dos trabalhos agrícolas naquela Quinta.
4. Sendo que, nesse regime laboral, o montante relativo a férias e respectivos subsídios eram e são pagos em função do tempo de trabalho efectivamente prestado.
5. A partir de 01/10/1999, a Autora passou a prestar serviços de empregada doméstica (serviço doméstico) àquela Dª. M. N., por contrato celebrado por escrito entre ambas, denominado “CONTRATO DE TRABALHO DE SERVIÇO DOMÉSTIVO”, com as seguintes cláusulas:

1º Entre a primeira outorgante na qualidade de entidade patronal e Segunda outorgante na qualidade de empregada doméstica é celerado o presente contrato de serviço doméstico que se regre pelas seguintes cláusulas
2ºA Segunda outorgante é admitida ao serviço da 1ª outorgante para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de empregada doméstica mediante a retribuição mensal ilíquida de 43.478$00.
3ºA Segunda outorgante desempenhará as seguintes funções: varrer e lavar escadas e pátios, regar plantas, alimentar os animais, confeccionar as refeições, servir à mesa e limpeza da casa quando a entidade patronal estiver na Quinta.
4ºTal contrato é prestado com o seguinte horário: das 10 horas e 30 minutos até às 14 horas e 15 minutos e das 19 horas até às 22 horas, perfazendo um total de 40 horas e 30 minutos semanais.
5ºOs descontos para a Segurança Social são 21% para a entidade empregadora, ficando os restantes 8% a cargo da empregada doméstica, que serão alterados consoante houver aumentos na trabalha fixada pela Segurança Social.
6ºTais descontos serão obrigatórios para a entidade patronal enquanto a empregada se mantiver ao serviço da entidade patronal.
7ºO presente contrato terá o seu início em 01/10/99.
8ºO presente contrato de serviço doméstico é celebrado com retribuição em dinheiro e retribuição em espécie designadamente alojamento e alimentação.
9ºO contrato é justificado por ausência e incerteza do regresso da entidade patronal a título definitivo para a Quinta.
10ºO presente contrato caducará, quando prevendo-se a ocorrência do facto que ponha termo à actuação prevista na cláusula anterior, o primeiro outorgante comunique, por escrito, ao segundo o seu termo com a antecedência mínima de 7, 30 ou 60 dias, conforme o contrato tiver durado até 6 meses, de 6 meses a 2 anos ou por período superior, respectivamente.
11ºO dia de descanso semanal é ao Domingo.
12ºA actividade do 2º outorgante será exercida na Quinta da ..., sita no … e na Praça .. no Porto.
13ºEste contrato é feito de boa-fé, e manifesta a vontade das partes que ambas são assinar. (…).” .

6. A Ré, no âmbito desse contrato, cedeu à Autora e seu marido um espaço urbano adjacente à habitação existente naquela Quinta, bem com uma horta para eles poderem cultivar produtos agrícolas e espaço para criarem animais para o seu consumo doméstico.
7. Local onde a Autora, marido e uma filha do casal sempre residiram e que equiparam com mobiliário próprio, aí fazendo as refeições para si e seu agregado familiar.
8. Os custos da água e a electricidade necessária a essa habitação sempre foram suportados pela Ré, para além desta disponibilizar produtos alimentares à Autora para a sua alimentação.
9. A Autora manteve a utilização do espaço para habitação que lhe foi cedido na Quinta mesmo após dissolvido o seu casamento, por divórcio, com aquele J. C..
10. O palacete (moradia) existente naquela Quinta era apenas utilizado pela Srª. Dª. M. N. durante a Páscoa – cerca de três meses por ano, nos períodos da Páscoa e das vindimas.
11. A Dª. M. N., nunca viveu permanentemente na Qtª. de ..., fazendo-o na cidade do Porto, na Praça …, …, onde residia com seu marido, Sr. M. D., - entretanto falecido em 1991 – e depois, sozinha, na companhia de uma Tia e de uma empregada.
12. A Autora visitava a sua família era habitual receber aos fins-de-semana familiares seus na Quinta, com os quais ali tomava as refeições.
13. No âmbito do contrato de serviço doméstico e do respectivo acervo funcional, a Autora apenas confeccionava as refeições, servia à mesa e limpava a casa principal da Quinta quando a entidade patronal, Dª M. N., permanecia na Quinta, nos períodos referidos no ponto 10º.
14. Mesmo nesses períodos, a Autora prestava esses serviços de forma mitigada, já que, durante um tempo significativo dessa permanência anual na Quinta pela Dª. M. N., parte desses serviços (limpeza na casa e serviço à mesa) eram efectuados por uma outra empregada desta que também a acompanhava nessas estadias e que com ela residia no Porto.
15. A Autora nos últimos 3 a 4 anos a passou a viver num andar no …, raramente pernoitando na Quinta.
16. Fora nos períodos referidos em 9º, a Autora geria, com total autonomia e sem que tivesse a “direcção efectiva e permanente da sua entidade patronal”, a gestão do seu trabalho e dos seus períodos de descanso.
17. A ré processou e pagou à autora a retribuição respeitante aos períodos de férias, bem como aos respectivos subsídios de férias a partir de 2002 inclusive em diante.- alterado de acordo com a decisão do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto.
18. A Autora recebeu, em consequência da caducidade do contrato de serviço doméstico, o mês de Janeiro de 2019 e, bem assim, um mês de férias vencidas em 1/1/2019, os proporcionais de férias e respectivo subsídio, bem como do subsídio de Natal.
19. O contrato de trabalho de serviço doméstico a que alude o ponto 5º da factualidade assente cessou, por caducidade, no dia 29/01/2019, em virtude do comunicado falecimento da empregadora.
20. A autora auferia uma retribuição mensal de acordo com o salário mínimo nacional, sendo que à data da cessação do contrato de trabalho essa retribuição mensal era de €671,40, correspondendo €581,40 ao salário base e a quantia de € 90,00 euros ao subsidio complementar.
21. A autora encontra-se a auferir a quantia mensal de €186,66, a título de prestação de rendimento social de reinserção.
22. Em 2009 a Autora apresentou uma queixa nos Serviços do Ministérios Público junto do Tribunal de Trabalho de Vila Real, reclamando, então, à Dª. M. N., o montante de 3.700,00€ provenientes de folgas desde 1992.

Factos não provados pela 1ª instância:

a)A Autora foi admitida ao serviço da Ré em Julho de 1985, através de contrato de trabalho de serviço doméstico verbal, a tempo inteiro e indeterminado, para trabalhar ao serviço da Ré, exercendo as funções de empregada doméstica de segunda – feira a sexta – feira, das 08h 30m até ás 18h00m, mediante retribuição mensal equivalente a €224,00 euros, incluindo todas as refeições;
b)Nessa data se obrigou, mediante aquela remuneração, a prestar à Ré a sua actividade destinada a satisfação das necessidades próprias do agregado familiar daquela, constituído pelo falecido marido, nomeadamente, arrumo da casa de habitação, limpeza da mesma, fazer as camas, confeccionar as refeições como o pequeno almoço, almoço, lavagem e tratamento da loiça e da roupa;
c)No âmbito desse verbal contrato de trabalho de serviço doméstico ficou acordado que a autora ficaria alojada em dependência, fora da casa de habitação da empregadora, destinada para o efeito, mobiliada pela Autora.
d)A Autora, sem interrupções e limite contratual de tempo, sob as ordens, direcção autoridade e fiscalização da Ré, exerceu essas ditas funções de 04 de Julho de 1985 até ao dia 29/01/2019.
d)Desde a data da admissão (em Julho de 1985) e até à cessação do contrato (29/01/2019), a autora não gozou férias;
e) A Ré não proporcionou à Autora o gozo das férias que se venceram de 1985 a 2019, porquanto sempre a Ré lhe atribuiu tarefas diárias na lide da casa, bem como deu instruções à Autora para alimentar diariamente e por várias vezes, os animais como os cães, galináceos e gatos etc., tendo de confeccionar os alimentos para esse fim;
f) A Ré efectuou o pagamento à Autora do subsídio de Natal devido no período compreendido entre 01/10/1999 (data do início do contrato de serviço doméstico) e 2006.
h)A Autora laborou todos os dias dos anos de 1985 até ao ano 2015 de segunda-feira a domingo;
j) Nesse período (1985 a 2015) a Ré não proporcionou a Autora o gozo das folgas pelo trabalho efectuado no dia do descanso semanal.
l)A Autora ao longo dos anos 1985 a 2015 executou trabalho para além das oito horas diárias e das quarenta horas semanais, nos períodos, meses, correspondentes à época da Páscoa (1 mês) e das vindimas (2 meses) de cada ano, em cada ano civil;
m)Nesses períodos, a Autora trabalhou mais de três horas diárias para além do seu horário de trabalho;
n)A autora trabalhou em dias de feriado ao longo dos vinte e cinco anos – 1985 a 2015;
o)A ré, ao longo da vigência do contrato de trabalho de serviço doméstico, iniciado em 01/10/1999, não procedeu aos descontos para a Segurança Social em conformidade com o acordado e vertido na cláusula 5ª do contrato de serviço doméstico transcrito no ponto 5º da factualidade assente, privando, por esse motivo, a Aurora de obter o subsídio de desemprego.

B) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

O tribunal da relação deve modificar a decisão de facto se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC. Não se trata de a prova possibilitar outra interpretação. A utilização do verbo “impor” aponta para um elevado grau de exigência. Assim, a decisão só deve ser alterada se sobressair de forma nítida, clara e inequívoca uma diferente valoração, reportando-nos à prova testemunhal, suporte principal da presente impugnação.

A autora pretende que os factos provados nos artigos 1, 2, 3, 4, 16 e 17 sejam não provados:

Isolamos os mesmos para melhor perceção:

1. A Autora prestou trabalho para a autora da Herança Ré, Dª. M. N., como trabalhadora rural independente, sem vínculo permanente, à jorna e assim pago ao dia, desde o início de 1980 a 30/09/1999.
2. Em Julho de 1985, a Autora trabalhava com o seu então marido, J. C., nas actividades agrícolas na Quinta da ..., no …, onde aquele J. C. sempre trabalhou durante muitos anos, na agricultura como trabalhador agrícola indiferenciado, prestando trabalho na vinha.
3. Mantendo nesse período um regime estatuído de descontos, e sem uma vinculação permanente em termos laborais, já que era contratada na medida das necessidades dos trabalhos agrícolas naquela Quinta.
4. Sendo que, nesse regime laboral, o montante relativo a férias e respectivos subsídios eram e são pagos em função do tempo de trabalho efectivamente prestado.

16. Fora nos períodos referidos em 9º, a Autora geria, com total autonomia e sem que tivesse a “direcção efectiva e permanente da sua entidade patronal”, a gestão do seu trabalho e dos seus períodos de descanso.
17. A ré processou e pagou à autora a retribuição respeitante aos períodos de férias, bem como aos respectivos subsídios de férias.

A autora pretende também que sejam dados como provados os factos não provados constantes das alíneas a), b), c), d), d), e), h), j), l), m), n), e o) acima já transcritos.
Em suma respeitam estes aos seguintes temas ; à antiguidade da autora reportada a 1985 em que já seria empregada de serviço doméstico da falecida empregadora (contrapõem-se aos factos provados 1 a 4); à falta de gozo de férias por culpa da ré; ao trabalho em 7 dias da semana, sem o gozo do dia de descanso/folga, desde 1985 até 2015; ao trabalho suplementar de 3h diárias durante 3 meses de cada ano, desde 1985 a 2015; ao trabalho em dias feriados desde 1985 a 2015; à falta de descontos para a Segurança Social em conformidade com o acordado e vertido na cláusula 5ª do contrato de serviço doméstico privando, por esse motivo, a autora de obter o subsídio de desemprego.
Invoca os documentos 4 e 5 juntos com a petição inicial, o depoimento de parte da autora e os depoimentos das testemunhas A. P., M. G., M. O., C. R., J. V. e A. T..
Lida a fundamentação da decisão de facto anota-se que a mesma é extremamente criteriosa, pormenorizada e exaustiva. Optou-se por uma técnica de súmula dos depoimentos prestados e indicação de meios de prova, seguida de aprofundada análise crítica. Com preocupação de transparecer claramente a motivação e raciocino lógico que lhe presidiu, quais os elementos que valorizou, de que modo o fez e respectiva motivação, incluindo quanto ao desvalorizar de certos depoimentos em detrimento de outros, remetendo-se para o ali referido.
Em especial quanto à pretensa relação laboral no período que mediou de 1985 a 1999 (factos provados 1 a 4 e factos não provados a,b,c,d):
A autora pretende que desde 1985 já trabalhava para a D. M. N. como empregada doméstica ou, pelo menos, “mesmo com contrato individual de trabalho que poderá ser agrícola”.
Diga-se que nunca a autora alegou que era trabalhadora rural ou agrícola da D. M. N., nem articulou factos concretos demonstrativos desse tipo de relação subordinada (o que fazia, onde, quando fazia, qual o horário, etc..).
Na verdade, a autora alegou que era e sempre foi desde início, empregada doméstica, conforme petição inicial (ver artigos 1 a 4: “1º A Autora foi admitida em Julho de 1985 para trabalhar ao serviço da Ré, exercendo as funções de empregada doméstica ….” Através de contrato de trabalho de serviço doméstico verbal, por tempo indeterminado e a tempo inteiro…. obrigou-se, mediante aquela retribuição a prestar á Ré a sua actividade destinada a satisfação das necessidades próprias do agregado familiar daquela, constituído pelo falecido marido, Srº. M. D., a saber;A) Arrumo da casa de habitação, limpeza da mesma, fazer as camas, confeccionar as refeições como o pequeno almoço, almoço, lavagem e tratamento da loiça e da roupa, etc.etc.Sem interrupções e limite contratual de tempo, sob as ordens, direcção autoridade e fiscalização da Ré, desde 04 de Julho de 1985 até ao dia do recebimento da carta datada de 29 de Janeiro de 2019…”).
A questão do trabalho rural indiferenciado foi trazida aos autos pela ré. Sem embargo de os factos poderem ser aproveitados pelo tribunal independentemente da sua proveniência, a verdade é que esta alegação foi feita em moldes completamente opostos à versão da autora apegada a um contrato de trabalho doméstico. Defendendo-se, ao invés, que a autora num período inicial trabalharia na vinha em certas épocas, quando era preciso, à jorna, e de forma “errática”, com diversas paragens ao longo dos anos sem trabalhar na vinha.
De resto, no depoimento de parte a autora manteve que desempenhou sempre as mesmas funções, de empregada doméstica e que nunca trabalhou na vinha.
A propósito da valoração desde meio de prova cumpre referir que a autora não prestou declarações de parte, mas meramente depoimento de parte requerido pela ré, incidindo sobre a matéria que esta indicou. O depoimento de parte é um meio de prova prestado em juízo que, do ponto de vista substantivo, se destina a obter a confissão judicial provocada de uma parte. A confissão consiste no reconhecimento que a parte faz sobre um facto (declaração de ciência) que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária (341º, 352º, 355º, 1, 2, 3, 356, 357º e 358º, CC.
É certo que no actual quadro legal, face aos princípios de aquisição processual, do inquisitório (6º, 411º, 413º, 417º, 1, 466, 607º, 5, CPC), nada impede que o depoimento de parte, na parte não confessória, seja aproveitado e livremente apreciado pelo julgador. Contudo, tais declarações devem ser valoradas com cautela, porquanto, por natureza, estamos perante um depoimento interessado. Terão de transparecer declarações verdadeiramente genuínas, convincentes, coerentes e coadjuvadas por outra prova credível.
Ora, este não é o caso.
As declarações da autora nas partes não confessórias apresentaram-se confusas, designadamente quanto a datas de episódios relevantes, designadamente a data do seu casamento confundindo 1995 com 1985, ano do alegado inicio do trabalho doméstico, somente muito à frente do depoimento a vindo a rectificar. Apresentaram-se, ainda, pouco coerentes e credíveis face ao modo como consecutivamente prestou afirmações que, mais à frente, acabava por emendar. Sendo exemplo disso a questão do recebimento das contas finais de liquidação, em janeiro de 2109 começando por afirmar que só recebeu 700€, para acabar a aceitar as quantias constantes do recibo que lhe foi exibido e donde consta o pagamento de 2.136,68€, incluindo subsídio de férias e de natal, proporcionais entre outros valores (doc. 2 da contestação que aliás não foi impugnado pela autora). Sendo também exemplo disso a afirmação de que desconhecia o contrato de trabalho que se mostra assinado pela própria, pese embora perante a sua exibição tenha reconhecido a sua assinatura (documento, de resto, também não impugnado).
As suas declarações são também incoerentes na parte em que refere que “trabalhava das 8h às 8h da noite” (horário aliás não confirmado por nenhuma testemunha) para depois dizer que trabalhava sempre, que não “havia horário”, nem “Domingos”. Quando confrontada com a informação constante nos autos prestadas pelo Instituto de Segurança social (ref. Citius de 17-01-2020), quanto a trabalho prestado a outras entidades (um mês em Out. 2004 e 10 meses em 1998 para a sociedade X Soc. Agrícola, Lda), negou quanto a esta última entidade e disse ”não conheço esta gente” e que “a segurança social pode pôr lá o que quiser”, referindo-se a informações oficiais.
Também confrontada com o facto de o extrato de remunerações revelar 569 dias de “baixas” intermitentes desde junho/00 a março/11, o que seria incompatível com o trabalho em 7 dias por semana, limitou-se a confirmar que teve duas cirurgias, que “partiu o pulso e não trabalhou”.
Disse também que “nunca pôs os pés na vinha”, quando as testemunhas melhor vocacionadas para testemunhar este aspecto afirmaram o contrário, a saber o seu ex marido J. V. que trabalhava na Quinta e A. T., que trabalhou na vinha e depois como empregada doméstica da D. M. N. no Porto e que a acompanhava nas deslocações à Quinta.
Em suma, as declarações da autora na parte não confessória merecem muito pouca credibilidade e não encontram ancoragem suficiente na demais prova. Esta apreciação, pese embora enxertada neste ponto sobre a sua antiguidade como empregada doméstica, é extensível aos pontos subsequentes pelas razões referidas.
Vejamos agora os depoimentos das testemunhas quanto ao trabalho prestado antes de 1999.
A. P., foi motorista da Dª M. N. de 1999 a 2019, de início apenas em “part-time” não pernoitando na Quinta e posteriormente a tempo inteiro, passando a partir de então as estadias na Quinta. Transportava a Dª M. N. do Porto onde esta residia para passar temporadas na Quinta no …. Não prestou serviços para a D. M. N. na data anterior referida pela a autora, tendo conhecido esta apenas a partir de então. O seu depoimento não revela assim conhecimento de causa deste aspecto quanto à antiguidade da autora como empregada doméstica.
De referir ainda que esta testemunha se apresentou aos costumes como “colega de trabalho da autora”, não revelando espontaneamente que manteve uma relação amorosa com a autora, só o fazendo a meio do depoimento quando confrontado com tal facto, pretendendo ainda que actualmente “não tem nada com ela”, o que foi desmentido pela testemunha subsequente. O seu depoimento saiu, pois, fragilizado, como consta na fundamentação da decisão de facto, com o que concordamos.
M. G., reformada e amiga da autora, viveu sempre no Pinhão. Em suma, apenas sabia que a autora trabalhava na Quinta, nada mais sabendo de concreto, para além de queixas que a autora lhe dava. Adiantou, no entanto, que a autora há alguns anos passou a viver no Pinhão e com a testemunha anterior “Sr. A. P.”, do que “tem a certeza”, “vê-os, são seus vizinhos”.
M. O., reformada, conhece a autora há muitos anos e conheceu também a Dª M. N.. Tal como a testemunha anterior, em suma de todo o seu depoimento apenas se extrai que “era um meio pequeno e sabia que a autora trabalhava na D. M. N.”. Nunca foi à Quinta, “nunca andou na quinta”, “não pode especificar” o que a autora fazia. Sabe também que autora vivia na Quinta com o ora ex marido, eram os caseiros, não sabe se nos sábados, Domingos e feriados estavam a descansar ou trabalhar.
J. V., é manobrador de máquinas agrícolas, trabalhou para a Dª M. N. na Quinta desde os 9 anos de idade. Foi casado com a autora e esta foi viver consigo para a Quinta no ano de 1985. É uma testemunha presencial essencial e prestou depoimento que globalmente se afigurou coerente. Confirmou que a autora, inicialmente, durante muitos anos até assinar o contrato, trabalhava só na vinha (“acartava, regava e arrancava a grama)” e só a partir dessa altura deixou de aí trabalhar e passou a fazer de empregada doméstica, dar de comer aos cães, limpar jardim e regar pomar e quando vinha a D. M. N. acrescia os trabalhos dentro de casa, incluindo fazer o comer.
A. T., trabalhou para a Dª M. N. cerca de 36 anos, primeiro na vinha da Quinta e depois como empregada doméstica desta no Porto, acompanhando-a nas deslocações à Quinta. Trata-se de uma testemunha essencial, presenciando grande parte dos factos. Quanto à relação de trabalho da autora disse que a autora trabalhou na vinha “nuns primeiros tempos”, “já lá tinha estado” antes da testemunha e que depois “voltou a trabalhar na vinha”, tendo estado ambas em conjunto na vinha e que aquela só mais tarde passou a empregada doméstica da D. M. N..
Em suma, nenhuma das testemunhas confirmou que antes de 1999 a autora desempenhasse as funções que alegou na petição inicial de empregada doméstica, ao invés, apenas se apurou que por vezes trabalhava na vinha quando era necessário.
Refira-se que os documentos nºs 4 e nº 5 juntos com a petição inicial não permitem retirar as ilações que a autora pretende, na medida em que se tratam de meros extractos de remunerações em que no regime contributivo declarado pelos próprios (autora e/ou marido) consta “…- 000 - Esq. Obrig – Cônjugues dos Independ. – Sócios ou membros das Soc. Profi. Definidas na Al. A) do Nº 4 do Artº. 5º do Cód. do IRPC … “. E que somente a partir de 1999 consta “Regime 644-10-000 PESSOAL DO SERVIÇO DOMÉSTICO S/ PROTECÇÃO NA E. DESEMPREGO”. Assim, do mesmo não se pode concluir que entre os anos de 1985 e 1999 a autora trabalhou todos os dias e a tempo inteiro para a ré e mediante um contrato de trabalho de serviço doméstico.
Finalmente temos o contrato de trabalho junto com a contestação que confirma a data de inicio de funções e que está assinado pela autora.

É assim de manter os factos provados em causa e de manter os correspondentes factos contrários não provados.

Quanto ao facto provado 16 que a autora pretende não provado:
“16.Fora nos períodos referidos em 9º, a Autora geria, com total autonomia e sem que tivesse a “direcção efectiva e permanente da sua entidade patronal”, a gestão do seu trabalho e dos seus períodos de descanso.”
A prova foi neste sentido.
A própria autora em depoimento de parte começou por dizer que “trabalhava das 8h às 8 da noite”, depois que “não tinha horário” pretendendo dizer que estava sempre a trabalhar incluindo aos Domingos. Acabou a reconhecer que “já sabia o que fazer”, “ela é que programava o trabalho”, transparecendo do seu depoimento que nas alturas em que a D. M. N. não estava na Quinta ela é que geria os seus tempos e o trabalho, sem receber ordens de outrem. Mais confirmou que recebia familiares aos fim-semana, que lá passavam o dia e almoçavam, o que confirma a gestão nos períodos de repouso.
O depoimento do ex marido J. V. também foi no sentido de que “ela é que geria o trabalho, porque a patroa não estava”. De resto não confirmou o horário de trabalho que a autora começou por referir das “8h Às 8h da noite”, dizendo que “saía de manhã, não sabe o tempo que a ela gastava” e que “quando vinha a patroa dava mais apoio, embora esta trouxesse a empregada D. A. T.”.
Improcede a impugnação.

Facto nº 17 que a autora pretende não provado:
A ré processou e pagou à autora a retribuição respeitante aos períodos de férias, bem como aos respectivos subsídios de férias.
Fez-se consta na decisão:
“- C. R., Engenheiro agrícola. Referiu que no âmbito da sua profissão e a pedido da Dª M. N. se deslocou à Quinta, para ajuda na gestão, optimização e produção, tendo aí conhecido a autora e o marido. Que na altura em que assumiu a gestão operacional da Quinta, em 2002, era o depoente quem emitia os recibos de vencimentos para os trabalhadores da Quinta, ou seja, para a autora – empregada doméstica, o marido da autora – trabalhador rural e Dª A. T. – trabalhadora rural. Que o trabalho da autora era varrer, tratar de algumas áreas ajardinadas e fazer comida para os dois a três cães. Que a horta era tratada pelo marido da autora os produtos eram para a autora e o marido e para a Dª M. N. no período do ano em que se estava na Quinta. Que a autora e o marido também criavam ali galinhas para o seu consumo. Que a autora tinha autonomia para gerir as horas de trabalho que prestava como bem entendia. Que a Dª M. N. se fazia acompanhar quando se instalava na Quinta pela Srª M. M., sua parente, e mais tarde de uma outra pessoa. O depoente ocupava-se da gestão operacional da Quinta (desde 2002) e sabe que sempre foram pagos a esses trabalhadores os vencimentos devidos e emitidos os respectivos recibos. Que, por vezes, era feita transferência de dinheiro para as contas da autora e do marido para estes pagarem algum dia de trabalho prestado por outros trabalhadores e também para pagar algumas despesas feita por estes. Que as férias, subsídios de férias e de Natal eram sempre pagos. Era o depoente quem entregava os recebidos de vencimentos à autora e demais trabalhadores, recibos estes que depois de assinados eram arquivados na contabilidade. Que as transferências para as contas dos trabalhadores eram feitas através da conta pessoal do depoente. Que a retribuição base andou sempre perto do salário mínimo, acrescido do subsídio de alimentação e um subsídio complementar. Que a colaboração do depoente com a Quinta acabou em 2019. Confrontado como documento de fls. 62, 169, 171, 173, 178, 180 e 181, esclareceu as rubricas e os valores transferidos para as contas bancárias, referindo que não tem qualquer duvida de que a autora recebeu essas quantias. Que não tem recibos de vencimento de 1985 a 2006. Que os descontos para a Segurança Social eram os indicados nos referido recibos. Que a autora, o marido e a outra trabalhadora sempre gozaram férias, férias cuja gestão era feita por si. Confrontado com o documento e fls. 177, referiu nele estar comtemplado o subsídio de férias do ano de 2010.
……
“Relativamente à questão do recebimento ou não pela Autora do subsídio de férias ao longo da vigência da relação laboral, o tribunal considerou vários elementos, de que se destacam os seguintes:
Com a contestação, a Ré juntou vários documentos (recibos e transferências bancárias) a indicar o pagamento de subsídio de férias respeitantes aos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2019, (vg. nomeadamente, fls. 169, 171, 173, 176, 178, 180, 181 e 248). Estes documentos, conjugados com o depoimento da testemunha C. R., que de forma clara, coerente, com conhecimento e que o tribunal considerou credível nessa parte, esclareceu a forma e os montantes dos pagamentos feitos aos trabalhadores da ré, nomeadamente a partir de 2002, altura que a gestão da gestão da Quinta foi por si assumida, sendo certo que, para além desse depoimento e do teor desses documentos, nenhuma outra prova foi feita que infirmasse essa prova testemunhal e documental. A Autora limita-se a dizer que durante a vigência do contrato, que situa de Julho de 1985 a Janeiro de 2018, não recebeu da Ré qualquer quantia a título de subsídio de férias e de Natal. O tribunal deu, assim, como provado, com base nesses documentos e depoimento, que lhe foram processados e pagos (cfr. recibos de vencimento e transferências) o subsídio férias ao longo da vigência do contrato de trabalho, prova documental esta coloca em crise aquela singela alegação da autora de que a ré nunca lhe pagou qualquer subsídio de férias na vigência do contrato de trabalho. Ou seja, resulta provado o contrário do que a autora alega e, atenta a similitude dos valores/pagamento efectuados e demonstrado pela Ré através dos documentos juntos, que apontam para o pagamento desse subsídio, o tribunal não poderá deixar de extrair deles a conclusão que a ré efectuou regular e pontualmente esses pagamentos, porquanto, apreciando livremente tais documentos e a descrição geral da referida testemunha que apontam a uma aparente normalidade da relação laboral ao longo desses anos, sem vestígios de qualquer reclamação da autora, entendeu-se que tal dificilmente seria concebível sem que a ré pagasse à autora os respectivos subsídios de férias e/ou os pagasse em determinados períodos e deixasse de pagar noutros. Ante-se, uma vez mais, que a Autora, numa breve e singela alegação diz, apenas, não ter recebido qualquer quantia a esse título ao longo da vigência do contrato de serviço doméstico, o que, como visto a prova produzida nos autos desmente. Crê-se, assim, que a ré, na medida do possível, cumpriu com o respectivo ónus.

Efectivamente a testemunha C. R., engenheiro agrícola, desde 2002, assumiu a gestão operacional da Quinta, e actualmente já não presta serviço para a Quinta, não nos parecendo que tenha existido inibição ou interesse no seu testemunho. Era o depoente quem emitia os recibos de vencimentos para os trabalhadores da Quinta, incluindo da autora. Encontram-se também juntos aos autos recibos de vencimentos com a menção de subsídio de férias e da correspondente retribuição e ainda documentos de transferências da conta da testemunha para a conta da autora, a partir de 2007 (vd doc, da contestação, docs do citius de 8-11-2019, 27-11-19 e 28-11-19). Referiu que desde 2006 para trás não dispõe dada a antiguidade e não obstante o esforço efectuado.
O seu depoimento afigurou-se credível, assegurando o pagamento integral das férias e subsídios de férias, por si processados, a esmagadora maioria suportada em prova documental, concordando-se com a decisão sobre a matéria de facto, com excepção dos anos de anteriores a 2002, que correspondem a período em que a testemunha não fazia a gestão e processamento dos salários e também não existe outra prova, nomeadamente documental.

Altera-se assim a redacção deste ponto nos seguintes termos:

A ré processou e pagou à autora a retribuição respeitante aos períodos de férias, bem como aos respectivos subsídios de férias a partir de 2002 inclusive em diante.- alteração introduzida em lugar próprio.

Factos não provado d (segundo d) e e) que a autora entende que devem ser provados (falta de gozo de férias):

d)Desde a data da admissão (em Julho de 1985) e até à cessação do contrato (29/01/2019), a autora não gozou férias;
e) A Ré não proporcionou à Autora o gozo das férias que se venceram de 1985 a 2019, porquanto sempre a Ré lhe atribuiu tarefas diárias na lide da casa, bem como deu instruções à Autora para alimentar diariamente e por várias vezes, os animais como os cães, galináceos e gatos etc., tendo de confeccionar os alimentos para esse fim;
De acordo com a prova sobre a data de admissão como empregada doméstica (já decidida), o período que está em causa é apenas de 1999 em diante.
Quanto aos créditos advindos da falta de gozo de férias vencidos há mais de cinco anos a contar da sua reclamação (abril/19, data da p.i e citação da R.), há que ter presente que a lei estabelece exigências especiais de prova, só podendo ser provados por documento idóneo (e não por testemunhas), mormente por documento com origem na própria entidade empregadora - art. 337º, 2 CT/2009, 381°, 1 CT/2003, 38°, 1 LCT. Essa prova competia à autora (falta de gozo de férias e, bem assim, que a ré a isso obstou), a qual não juntou qualquer documento, pelo a respectiva materialidade, até abril/2014, tem de se considerar liminarmente não provada.
Acresce, ainda, e também relativamente ao restante período, que, ouvidos dos depoimentos, entendemos que a decisão sobre a factualidade é correcta.
As testemunhas que depuseram sobre esta matéria desconheciam como a autora organizava o seu tempo no resto do ano (9 meses) em que a autora não atendia à D. M. N. nas suas estadias. Não confirmaram que a Dª M. N. obstasse ou não desse férias à autora, não tendo conhecimento de causa sobre essa situação. A autora viveu na Quinta até 2015, o que torna ainda mais difícil saber se esta trabalhava, descansava ou tirava férias.
Concorda-se com o segmente da decisão em que se refere:
“No que respeita à matéria do não gozo de férias e do trabalho suplementar prestado, cremos não ter sido feita prova cabal e consistente do seu não gozo e muito menos de que a ré tenha obstado a que a autora gozasse as suas férias, sendo certo que a autora apenas se limita (genericamente) a alegar que “a ré lhe atribuiu tarefas diárias na lide da casa” (o que não condiz com as efectivamente executadas – cfr. depoimento das testemunha J. C.), “bem como deu instruções para alimentar diariamente e por várias vezes os animais como os cães, galináceos e gatos, etc.,”, funções que cabiam no âmbito das contratadas e que, por si só e desacompanhadas de concreta factualidade, não permite concluir pela violação por parte da ré/empregadora do direito ao gozo de férias pela autora. Note-se que, sobejamente, está demonstrado nos autos, pela própria confissão da ré e pelos depoimentos de praticamente todas as testemunhas que a autora residia com o seu marido na Quinta, onde pernoitava, confeccionava e tomava as suas refeições, recebia amigos e familiares e fazia os seus descansos aos feriados e fins-de-semana. Por isso, pese embora as testemunhas tenham referido que a autora se encontrava sempre na Quinta, quando questionadas sobre se ela gozava férias, trabalhava para além do seu horário normal, aos feriados e fins de semana, todas elas tenham reconhecido desconhecer, ou seja, a autora fazia na Quinta a sua vida familiar (confeccionar e tomar as suas refeições, pernoitar, repousar, receber/conviver com amigos), em conjunto com a sua vida profissional (trabalhadora agrícola e depois trabalhadora doméstica), gerindo essa sua vida profissional e familiar de forma autónoma durante, pelo menos, 9 meses ao ano. Nesse contexto, óbvio se nos afigura não estar minimamente demonstrado que a ré em algum momento obstou ao gozo de férias da autora e, bem assim, de que esta as não tenha gozado….. Neste particular, impunha-se que a autora apresentasse alguma outra prova mais consistente para além das suas declarações genéricas nessa matéria. “

De resto, a supra referida testemunha C. R., que geria a parte contabilística e pagamentos, afirmou que a autora “gozava ferias, foram dadas indicações para gozar férias” e que, de resto, também os trabalhadores rurais as gozavam.
Ademais, transpareceu do próprio depoimento da autora e do seu ex marido e de A. T. Gonçalves que o trabalho da autora durante cerca de 9 meses do ano (quando a Dª M. N. estava ausente) reduzia-se substancialmente e que os únicos animais pertencentes à Dª M. N. eram cães, sendo da autora e do marido as galinhas, um outro cão, e o cultivo de uma horta para consumo pessoal deles.
Assim sendo não existe prova nos autos que imponha uma resposta diferente.
Outros factos não provados que a autora entende que devem ser provados (trabalho suplementar)
h)A Autora laborou todos os dias dos anos de 1985 até ao ano 2015 de segunda-feira a domingo;
j) Nesse período (1985 a 2015) a Ré não proporcionou a Autora o gozo das folgas pelo trabalho efectuado no dia do descanso semanal.
l)A Autora ao longo dos anos 1985 a 2015 executou trabalho para além das oito horas diárias e das quarenta horas semanais, nos períodos, meses, correspondentes à época da Páscoa (1 mês) e das vindimas (2 meses) de cada ano, em cada ano civil;
m)Nesses períodos, a Autora trabalhou mais de três horas diárias para além do seu horário de trabalho;
n)A autora trabalhou em dias de feriado ao longo dos vinte e cinco anos – 1985 a 2015;

Sincopando esta matéria, pretende-se que seja provado que a autora sempre trabalhou todos os domingos (o dia de descanso estipulado), que em 3 meses do ano trabalhou mais 3 horas para além do horário de trabalho, e trabalhou durante todos os feriados durante a relação laboral.
Quanto aos créditos advindos de todo este alegado trabalho suplementar vencidos há mais de cinco anos a contar da sua reclamação, a lei estabelece exigências especiais de prova, só podendo ser provados por documento idóneo, designadamente folhas de registo de trabalho suplementar- art. 337º, 2 CT/2009, 381°, 1 CT/2003, 38°, 1 LCT. Ora, a autora não juntou qualquer documento para provar esta matéria, o que implica que liminarmente seja dado como não provada toda a materialidade até abril/2014.

Além do mais e também no que respeita aos restantes anos, já referimos que as únicas testemunhas presenciais que poderiam comprovar o referido seriam o ex marido J. C., a testemunha A. T. e a testemunha A. P., estes dois últimos no que se refere ao trabalho suplementar durante os referidos 3 meses, únicos períodos em que estariam na Quinta.
A testemunha A. P. escondeu a relação amorosa havia com a autora nos termos supra referidos para os quais remetemos e por isso também não mereceu credibilidade. De resto, também não contabilizou com um mínimo de rigor o número efectivo de horas de trabalho.
A testemunha A. T. referiu que ela própria assistia também à Dª M. N. e lhe servia muitas das refeições confecionadas pela autora, não confirmando a prestação de trabalho suplementar, nem as horas a mais, nem o trabalho ao fim-de-semana/feriados nos referidos 3 meses.
Quanto aos demais feriados e dias de descanso (resto do ano), convocamos as razoes supra referidas quanto às férias. Os factos não foram confirmados pelas testemunhas ouvidas, acrescendo que a autora residia num alojamento na Quinta, aos fins-de semana até recebia familiares para almoço e passar o dia como a própria admitiu. Acresce que o trabalho, durante 9 meses ao ano, também era menor. Donde, não foi feita assim prova sobre tal matéria.
Concorda-se, portanto, com o trecho da decisão em que se refere:

“Nesse contexto e com esses fundamentos, também não resultou minimamente provada a factualidade alegada pela autora respeitante ao trabalho suplementar/extraordinário prestado pela autora (para além do horário normal de trabalho e em dias feriados), tanto mais que, nem sequer foi alegado, que tal trabalho, a ter sido prestado, tenha sido prestado por expressa determinação/solicitação, com o conhecimento e sem oposição da ré – cfr. depoimento da testemunha J. C., quanto às funções exercidas e autonomia da autora na sua prestação. Não é possível, assim, afirmar o trabalho suplementar prestado. Aliás, deve notar-se que nos termos do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 235/92, de 24-10, tratando-se de trabalhadores alojados, como é o caso, apenas são considerados, para efeitos de período normal de trabalho, os tempos de trabalho efectivo, o que coloca em questão o próprio horário de trabalho pretendido pela autora. Ora, no caso, a autora alegou a prestação de trabalho suplementar em determinado período: como facto constitutivo do pagamento desse trabalho suplementar competia-lhe provar a prestação desse trabalho suplementar, o que, a nosso ver, não fez. Sublinhe-se que o tribunal não considerou credível e desinteressado o depoimento prestado pela testemunha A. P., por contraditório quanto à prestação de trabalho extraordinário prestado pela autora e à ideia que quis passar de que a Autora trabalhava de “sol a sol”, desde “a manhã até à hora que calhasse”, para mais à frente no seu depoimento ter declarado “que no período em que não estava na Quinta, o depoente não sabe se a autora gozava ou não férias. Ela dizia que não gozava, mas nada impedia de gozasse”. Acresce que esta testemunha também escondeu que continua a manter uma relação amorosa e a viver com a autora, facto que foi atestado, com acutilância e de forma credível, em audiência de julgamento pela testemunha M. G., que referiu ser vizinha da autora e da referida testemunha.

Improcede a impugnação.

A autora pretende ainda que o facto não provado o) seja dado com provado, o qual tem a seguinte redacção:
o)A ré, ao longo da vigência do contrato de trabalho de serviço doméstico, iniciado em 01/10/1999, não procedeu aos descontos para a Segurança Social em conformidade com o acordado e vertido na cláusula 5ª do contrato de serviço doméstico transcrito no ponto 5º da factualidade assente, privando, por esse motivo, a Aurora de obter o subsídio de desemprego.

A prova documental infirma este facto, em concreto a informação da segurança social donde resulta que forma feitos os descontos e que o indeferimento do subsidio de desemprego ocorreu porque a autora estava enquadrada no regime “644-10-000 Pessoal do Serviço Doméstico S/ protecção na eventualidade de desemprego” - Citius de 18-10-19, 6-12-19.
Assim é de manter o facto não provado.

C) ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Recurso da autora
Questões de Direito: relação de trabalho retroagida a 1985 e não só a 1999; pagamento de férias e compensação em triplo por não gozo de férias por culpa da empregadora; pagamento de subsidio de férias; trabalho suplementar de 3h/dia durante 3 meses ao ano; trabalho suplementar em todos os dia de descanso obrigatório (Domingo) e em todos os feriados durante toda a relação laboral (estes a liquidar em execução de sentença); indemnização por não recebimento de subsidio de desemprego por falta de pagamento da empregadora das contribuições à segurança social.
Todas estas questões de direito estavam unicamente dependentes da alteração da matéria de facto, as quais não obtiverem provimento, com excepção da retribuição de férias e de subsídios de férias dos anos anteriores a 2002.
Assim sendo, quanto a todas as demais questões improcede a impugnação de direito, não tendo a autora feito a prova dos factos constitutivos do direito alegado (342º,1, CC), e a ré provou o pagamento dos subsídios de férias e retribuição desde 2002 e diante.
Evidencia-se, ainda, no que respeita ao pedido indemnizatório por não recebimento de subsidio de desemprego, que este se sustentava na falta de pagamento à segurança social das contribuições acordadas por parte da ré, o que igualmente não se provou. A autora também nunca alegou que havia acordado com a ré a sua inscrição no regime contributivo que contemplasse a eventualidade de desemprego.
Remete-se assim para a fundamentação jurídica da decisão recorrida na parte respeitante à impugnação da matéria de facto improcedente, nada importando acrescentar.

Quanto à matéria de facto alterada:
Do deferimento parcial da impugnação da decisão sobre a matéria de facto resulta que a ré não cumpriu o ónus de prova do pagamento do subsidio de férias, facto extintivo do direito invocado, relativamente ao período que medeia até 2001.
Segundo o diploma que regula o contrato que está em causa de serviço doméstico, DL 235-92, de 24-10, artigo 18º epígrafe “Subsídio de férias” :”“O trabalhador tem direito a receber, até ao início das férias, um subsídio em numerário de montante igual ao valor da remuneração correspondente ao período de férias.”

Somos remetidos para o artigo 16º do mesmo diploma que estipula que” 1 - O trabalhador de serviço doméstico tem direito, em cada ano civil, a um período de férias remuneradas de 22 dias úteis. 2 - O direito a férias vence-se no dia 1 de Janeiro de cada ano, salvo quando a antiguidade do trabalhador ao serviço do empregador for inferior a seis meses, caso em que só se vence no fim deste período.”
Ainda quanto ao valor da retribuição rege o artigo 17º do mesmo diploma: ” A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que o trabalhador perceberia se estivesse em serviço efectivo.”
Provou-se que a autora auferia uma retribuição mensal de acordo com o salário mínimo nacional (ponto 20), devendo o subsídio ser equivalente a este nos anos em causa, não tendo qualquer fundamento o cálculo com base no vencimento à data da cessação do contrato, como pretendia a autora.
Tem assim direito a dois subsídios anos de 2000 (trabalho de 1999 vencido 6 meses após o inicio do contrato) e 2001 (trabalho de 2000). Ou seja, de acordo com os DL 573/99, de 30/12 e 313/2000, de 2/2, respetivamente €299,28 e €320,73, acrescidos de juros de mora.
A autora peticiona ainda a retribuição de férias, a acrescer à compensação em triplo por violação do direito a férias (diga-se que no caso do serviço doméstico seria apenas em dobro-artigo 21º). O pedido de pagamento da retribuição correspondente ao período de férias alicerçava-se na falta do seu gozo.
O artigo 13º da LFFF, DL 874-76, de 29-12, na redacção dada pelo DL 397-91, de 16-10, na altura em vigor, dispunha “No caso de a entidade patronal obstar ao gozo das férias nos termos previstos no presente diploma, o trabalhador receberá, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deverá obrigatoriamente ser gozado no 1.º trimestre do ano civil subsequente.” (equivalência no art. 238 CT/03 e 246 CT/09, com a diferença que actualmente as ferias devem ser gozadas até 30-04). Ou seja, a falta de gozo de férias num ano (para além da eventual indemnização se for devida a culpa da empregadora), tem por consequência a obrigatoriedade de aquelas serem gozadas até certa altura do ano subsequente. Ou, naturalmente, se tal não chegar a acontecer e o contrato, entretanto cessar, terá direito, em alternativa, à correspondente retribuição. Mas, como acima referimos, a autora não provou que não gozou férias, facto constitutivo do seu direito a receber a retribuição em alternativa ao não gozo.
Improcede este pedido.

Recurso subordinado da ré
Não obstante a ré requerer a ampliação do recurso, estamos antes perante um recurso subordinado, porque incide sobre o segmento da sentença em que ficou vencida ao ser condenada no pagamento dos subsídios de natal – 633º CPC, pelo que como tal será apreciado.
A ré reitera no recurso a prescrição dos créditos em que foi condenada e com origem nos subsidio de natal vencidos até 2006, invocando o disposto no artigo 337º, 2, CT/09.
Atendendo a data dos factos passados que estão em causa, ademais sendo invocada a prescrição, há que tem em conta o disposto nos diplomas vigentes à data, mormente o artigo 38º da LCT (DL 40408 de 24-11-1969) e 381º/03 do CT, pese embora nos três diplomas o regime substancial seja similar (ver art. 3º, 8º e 9 das disposições introdutórias do CT/03, quanto à aplicação da lei no tempo).

Dispunha o artigo 38º da LCT (Prescrição e regime de provas dos créditos resultantes do contrato de trabalho)

1. Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na lei geral acerca dos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais.
2. Os créditos resultantes de indemnização por falta de férias, pela aplicação de sanções abusivas ou pela realização de trabalho extraordinário, vencidos há mais de cinco anos, só podem, todavia, ser provados por documento idóneo.

Dispunha o artigo 381º do CT/03 (Prescrição e regime de provas dos créditos resultantes do contrato de trabalho)

1 - Todos os Créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
2 - Os créditos resultantes da indemnização por falta do gozo de férias, pela aplicação de sanções abusivas ou pela realização de trabalho suplementar, vencidos há mais de cinco anos, só podem, todavia, ser provados por documento idóneo.

O nº 2 das referidas disposições apresenta uma localização sistemática enganadora, porquanto não está em causa uma verdadeira prescrição, mas sim um regime especial de prova.
Efectivamente “…esta norma nada tem a ver com a matéria da prescrição, limitando-se a estatuir um regime probatório especial para os créditos do trabalhador que enuncia. Assim, esta disposição não modifica o prazo prescricional do n. 1. Ela prende-se apenas com a prova dos factos constitutivos de determinados créditos, para tal prova exigindo-se documento idóneo (afasta-se por conseguinte a prova testemunhal), normalmente com origem na própria entidade empregadora, revelando a sua posição de devedora…” - João Leal Amado, Código do Trabalho, Coimbra editora, p. 330, nota de página nº 451.
Em segundo lugar, esse regime especial de prova mais exigente que impende sobre o trabalhador respeita apenas aos créditos que ali se enuncia, a saber resultantes de trabalho suplementar, de violação do direito a férias, ou de aplicação de sanções abusivas.
Todos os demais créditos, por exclusão, incluindo o subsidio de natal, cabem na alçada do nº 1 da referida disposição, essa sim referente a prazo geral de prescrição dos créditos laborais. Que é de um ano a contar da data da cessação fáctica do contrato de trabalho, ainda que os créditos sejam antigos, o que tem sido justificado pela relação de dependência do trabalhador face ao empregador, em relação desigual, que o inibirá psicologicamente de exercer cabalmente os seus direitos.
Improcede assim o recurso subordinada da ré.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em:

a) conceder parcial provimento ao recurso da autora alterando-se a matéria de facto nos termos acima referidos e condenando-se a ré pagar à autora a quantia de 620,01€ (seiscentos e vinte euros e um cêntimo) a titulo de subsidio de férias acrescidos de juros de mora à taxa legal a contar da citação, confirmando-se, no mais, a decisão recorrida;
b) negar provimento ao recurso subordinado da ré.
Custas a cargo de recorrente e recorrida na proporção de vencimento/decaimento.
Notifique.
4-02-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1 - Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.