Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
669/18.0T8AVV.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
ALEGAÇÃO
DÍVIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A prescrição do art. 317º do C. Civil é uma prescrição presuntiva, funda-se na presunção do pagamento, pelo que, quem a invoca tem que alegar expressamente que cumpriu a obrigação.
- Quando se invoca a prescrição presuntiva apenas se pode alegar o pagamento tout court, não se podendo, nomeadamente, negar a existência do débito, discutir o seu montante ou alegar o pagamento de importância inferior à reclamada sob pretexto de que a mesma corresponde à liquidação integral do débito.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

AA, com sinais nos autos, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum, contra, BB e A/C... - Corretores de Seguros, S.A., pedindo que sejam os Réus condenados a pagar ao Autor o valor de €34.400,00 (trinta mil e quatrocentos euros) a titulo de indeminização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescidos dos juros vencidos e vincendos à taxa legal, até integral pagamento.

Em síntese alegou que, celebrou com o Réu um contrato de mandato judicial por documento particular, através de procuração com poderes especiais, tendo este o representado nos processos identificados na petição inicial. Acontece que o Réu no decurso do mandato não seguiu as instruções dadas pelo Autor, atuando em claro desleixo, desmazelo, despreocupação, falta de sinceridade, honestidade na defesa dos interesses do Autor, o que lhe causou dano patrimoniais e não patrimoniais.

O Réu contestou, impugnando motivadamente os factos alegados pelo Autor, alegando que cumpriu as orientações do autor nos processos em causa, refutando qualquer tipo de negligência da sua parte, concluiu, assim, pela improcedência da ação, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
Deduziu pedido reconvencional relativamente aos honorários dos processos mencionados ainda não pagos pelo Autor no valor de € 4.350,00.

A Ré seguradora contestou, alegando a sua ilegitimidade por não ter celebrado qualquer contrato de responsabilidade civil e daí não ser responsável pelo pagamento das quantias peticionadas.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e, em consequência, decido
a) Absolver os Réus do pedido.
b) Julgar procedente, por provado o pedido reconvencional deduzido e condenar AA a pagar ao Autor BB a quantia € 4.350,00 (quatro mil trezentos e cinquenta euros) acrescidos dos juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”
*
Inconformado veio o Autor recorrer formulando as seguintes Conclusões:

1. Primeiramente, e salva melhor e fundamentada opinião, a sentença é nula, nos termos do artigo 615º, n.º1 d) do CPC, porque o Tribunal a quo condenou o Recorrente a pagar o pedido reconvencional com base em fundamentos dos quais não se pronunciou nem considerou como provados. Isto é, o juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia ter apreciado e sob as quais considera serem essenciais para a condenação do aqui recorrente, porém, sem dar como provados factos que estão na base da decisão.
2. Salvo melhor opinião, a decisão do tribunal a quo é ainda ininteligível devido à ambiguidade e obscuridade de que padece, sentido em que se baseia em factos para condenar o aqui recorrente, e autor, no pedido reconvencional formulado pelo réu, mas sem dar como provados factos que sustentam a decisão, e por isso nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1 c) do CPC.
3. O recorrido pede a condenação do autor recorrente, no âmbito do pedido reconvencional, “da quantia de € 4.350,00 (quatro mil trezentos e cinquenta euros) acrescidos dos juros vincendos, a taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento”, a título de honorários devidos.
4. O recorrente invocou em sede de réplica a prescrição presuntiva da referida divida - assunto sob o qual nos debruçaremos mais à frente-, sucede, porém, que o tribunal a quo se debruça sob a aludida prescrição aquando enquadramento jurídico da motivação no que à reconvenção diz respeito, tomando seguinte posição:
5. “Da factualidade provada decorre que a Requerente, no âmbito da sua atividade profissional de advocacia, exerceu em representação do Requerido, mandato judicial.
6. Também resulta que, no final de tal mandato, os honorários pelo trabalho efetuado e as despesas suportadas ascendiam a € 4.350,00, não tendo, porém, o Requerido efetuado o seu pagamento.
7. O Requerido invocou a prescrição presuntiva por já ter efetuado o pagamento desses honorários face ao decurso do prazo.
8. As prescrições presuntivas – como ocorre com a invocada nestes autos – são presunções de pagamento, fundando-se no facto das obrigações a que se referem costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não ser costume exigir quitação do seu pagamento; decorrido o prazo legal presume a lei que a divida esta paga, dispensando, assim, o devedor da prova do pagamento, prova essa que lhe poderia ser difícil ou, ate, impossível de realizar, por falta de quitação ( vide, entre outros, Vaz Serra, in RLJ, Ano 109o, pag. 246 e Almeida Costa, in “ Direito das Obrigações”, 4a ed., pag. 795 ).
9. Para que a prescrição de cumprimento, a que se referem os artigos 312º e seguintes do C. Civil, se verifique e produza os seus efeitos não basta o mero decurso do prazo prescricional fixado na lei.
10. Ao simples fluir do tempo hão-de acrescer ainda outros dois requisitos: o primeiro, consiste na não exigência do crédito (o não exercício do direito) durante aquele lapso temporal; o segundo, e a invocação da prescrição pela pessoa a quem ela aproveita (cfr. arts. 315º e 303º, ambos do C. Civil ).
11. A estes dois requisitos poderá aditar-se ainda um terceiro, de carácter negativo, e que se traduz na inexistência daqueles factos que, por força do disposto nos arts. 313º e 314º, do C. Civil, ilidem a presunção de pagamento (vide, por todos, Antunes Varela, in RLJ, Ano 103º, pág. 256).
12. Nesta conformidade, o réu que conteste uma ação de dívida, ou outro tipo de ação onde se discuta a sua obrigação de pagar determinada quantia pecuniária terá, para se valer da prescrição presuntiva, de alegar expressa e claramente que pagou e que, em todo o caso, sempre tal se presumiria (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 21/10/1986, in BMJ no 364, pág.934).
13. A presunção de cumprimento resultante do decurso desse prazo de dois anos só pode ser ilidida por confissão expressa do não pagamento ou por confissão tácita traduzida na prática em juízo de atos incompatíveis com a presunção de cumprimento – arts. 313º e 314º do CC.
14. "Para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar os factos constitutivos do direito do A, já que, fazendo-o, iria alegar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento, na medida em que assim confessaria tacitamente o não cumprimento" - neste sentido, o Ac. deste STJ de 19-6-97, in CJSTJ, Ano V, Tomo II, pág. 134.
15. Ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, a lei admite em certa medida, aliás limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante a prova da dívida. Na verdade, a «presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão do devedor originário...» confissão essa que pode ser judicial ou extrajudicial, sendo que esta última só releva quando for realizada por escrito» (art. 313º, nº 2), o que se impõe para defesa do devedor contra meios de prova menos seguros" - conf. Prof Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 9a ed, pág.. 1051/1052.
16. Deste modo, neste tipo de prescrições o decurso do prazo legal não extingue a obrigação. São chamadas de "prescrições presuntivas" porque nestes casos a lei presumiu que decorridos os prazos fixados o devedor teria pago, o que tem a sua importância no próprio regime destas prescrições: elas são tratadas, não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento, sendo afastadas pela provada existência da dívida nos limitados termos que a lei prevê.
17. Preceitua o citado artg. 313º do CC que «a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor, relevando a confissão extrajudicial apenas quando realizada por escrito»
18. Por outro lado, dispõe o artigo 314º do CC, que «considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento». A este propósito, observam Pires de Lima e Antunes Varela, in «código Civil Anotado», vol. I, 4a ed. pág. 282, que "visando as prescrições presuntivas conferir proteção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova, exigindo- se, por isso, que os meios de prova do não pagamento venham do devedor ". Na situação em apreço, o Autor invocou o pagamento dos honorários e o decurso do prazo previsto no artigo 317º, alínea c) do Código Civil.
19. Resultou provado que o Autor enviou uma carta registada com aviso de receção ao Réu, em 17.10.2017, no sentido de revogar o mandato forense e a solicitar a nota discriminativa dos honorários e o Réu peticionou o valor dos honorários devidos na presente ação, aquando da apresentação da reconvenção em 04.12.2018.
20. Ora, facilmente se descortina que à data em que o Réu exigiu o pagamento dos honorários ainda não tinham decorridos o prazo de dois anos, previsto para a prescrição.
21. Assim, e não tendo resultado provado o pagamento dos honorários devidos a exceção deduzida terá necessariamente de improceder”.
22. Ou seja, o tribunal a quo considera improcedente a prescrição invocada, e, por conseguinte, condena o aqui recorrente no pedido reconvencional na totalidade, tomando como base factos sob os quais não se pronunciou nem considerou como provados. Pois, presume, sem mais, que a representação do mandatário cessa em todos os processos em que interveio naquela data, depois do envio da referida missiva, e por isso conclui que ainda não tinham passados dois anos para ter ocorrido a prescrição. O que na verdade não sucede, pois, a carta refere-se única e exclusivamente a um processo específico e ali mencionado: 195/12.....
23. Verifica-se a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa, tais como a análise da prescrição em relação aos vários processos em que o recorrido interveio enquanto mandatário, uma vez que o pedido reconvencional versa sobre diversos processos judiciais findos.
24. O juiz improcede a prescrição presuntiva alegada pelo recorrente relativamente ao pedido reconvencional, e, por conseguinte, a sua condenação, com base em factos que não considera provados, nem sob os quais se pronunciou e devia ter apreciado, o que, salvo melhor opinião, torna nula a sentença proferida nos termos do artigo 615.º, n.º 1 alíneas c), além de ininteligível devido à ambiguidade e obscuridade de que padece, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 d).
25. Desta forma, só se poderá concluir pela nulidade da sentença, por força do preceituado nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil, pela qual se pugna.
26. “A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 659º, nº 2 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Estatui o artigo 659º, nº 3 do Código do Processo Civil que “Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal coletivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”. Este último segmento da norma só ocorre quando o julgador, em sede já da sentença, tem de conhecer outros factos que lhe cumpra tomar em consideração, já que pode dar-se o caso de a confissão, o acordo e a prova documental serem posteriores àquele momento processual (decisão da matéria de facto). Caso em que então é que lhe incumbe (na altura da sentença) ter em conta tais factos, sendo a eles que se refere o citado art.659º, nº3, quando diz: “fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”. Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo n.º 983/11.5TBPBL.C1 de 06/11/2012, http://www.dgsi.pt.
27. “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”. – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente ao processo n.º 1211/09.9GACSL-A.L2-3, de 08/16/2019, http://www.dgsi.pt.
28. “Não é qualquer omissão de pronúncia que conduz à nulidade da sentença. Essa omissão só será, para estes efeitos, relevante quando se verifique a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas e sobre as quais o juiz deva tomar posição expressa. Essas questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. Desta forma, a omissão de pronúncia é um vício gerador de nulidade da decisão judicial que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer motivo ou argumento aduzido pelas partes. A pronúncia cuja omissão releva incide, assim, sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objeto que é submetido à cognição do tribunal, correspondendo aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir (ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir) e não aos motivos ou às razões alegadas”. https://dre.pt/dre/lexionario/termo/omissao-pronuncia-processo-civil.
29. Não há duvidas que no caso em apreço o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões relevantes para a decisão e mérito da causa, - o envio de uma carta por parte do autor e aqui recorrente ao réu-, elemento de prova junto aos referidos autos utilizado para fundamentar a decisão que condena o recorrente e é central nas controvérsias a dirimir. A referida missiva é crucial para a condenação do recorrente e que carecia de ser apreciado e descortinado pelo tribunal a quo no sentido de analisar se a representação do mandatário, e aqui réu, cessava quanto aquele processo especifico ou se quanto aos restantes, já que está em causa a representação do réu recorrido em vários processos sob os quais são solicitados honorários e despesas.
30. “Tendo o mandato abrangido o patrocínio judiciário em várias causas, para determinar quando se inicia o referido prazo de prescrição há que averiguar, em cada caso, se, pela convenção das partes, pelas circunstâncias ou pelos usos, o credor pode exigir e o devedor deve pagar no fim de cada causa, ou se isso só se da no fim da última”. – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo n.º 593/09..... Situação que não foi indagada nem discutida em juízo.
31. sobre a prescrição presuntiva do pedido reconvencional, como já referido o réu formula pedido reconvencional relativamente ao pedido de honorários e despesas alegadamente não pagas no valor total de € 4.350,00 (quatro mil trezentos e cinquenta euros) acrescidos dos juros vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, relativamente ao exercício de mandato nos seguintes processos: Divórcio sem o consentimento do outro cônjuge que correu termos sob o nº 195/12.... no extinto Tribunal .... - Inventario/Partilha em caso especiais que correu termos sob o nº 195/12...., que correu termos primeiro no extinto Tribunal Judicial ... e posteriormente no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Família e Menores ... – J.... - Embargos de Executado que correram termos no Tribunal referido no artigo anterior sob o nº 195/12...., em que o Réu deduziu embargos à ação executiva que lhe tinha sido movida para entrega de coisa certa.- Embargos de Executado que correram termos no Tribunal referido no artigo anterior sob o nº 195/12.... em que o Réu voltou a deduzir os mesmos embargos supra referidos já que houve uma redistribuição da ação executiva sendo, por isso uma reprodução do apenso B., facto que aliás resulta como provado.
32. Vem o Réu/reconvinte solicitar o pagamento dos seguintes honorários: Divórcio: 750,00€ Partilha 4.500,00€ Embargos de Executado – Apenso B e C 600,00€ Total 5.850,00€, a que deve ser deduzida a quantia entregue pelo Autor a título de provisão no valor de € 1.500,00.
33. Acontece que, o recorrente autor refere, em sede de réplica, por um lado, que todos os honorários solicitados foram pagos e, por outro, invoca a prescrição presuntiva dos mesmos. Pois, nunca o recorrente foi notificado de qualquer montante a título de honorários devidos ao reconvinte, durante mais de dois anos após o término da relação profissional em relação aos processos supra.
34. Ora, o prazo de prescrição presuntiva de um crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato inicia a sua contagem quando, por qualquer causa, cessa a prestação do mandatário.
35. A sentença recorrida, com fundamento da existência de uma missiva enviada pelo autor recorrente ao réu recorrido a revogar o mandato e a solicitar a nota discriminativa de honorários, considerando que a mesma é a prova bastante de que “à data em que o Réu exigiu o pagamento dos honorários ainda não tinham decorridos o prazo de dois anos, previsto para a prescrição”, julgou procedente o pedido reconvencional e condenou o autor recorrente a pagar o valor peticionado.
36. Ora, quanto muito, sempre se dirá que a prescrição presuntiva invocada terá necessariamente de proceder quanto aos processos 195/12...., 195/12.... e 195/12...., uma vez que a missiva em causa, elemento crucial considerado pelo tribunal a quo para improceder a prescrição, apenas se refere ao processo n.º 195/12.....
37. Sucede, porém, que o tribunal a quo não se pronunciando sobre a prescrição nas várias causas em que o réu recorrido interveio, tomou a parte como um todo e condenou totalmente procedente o pedido reconvencional. Salvo melhor opinião, não se pode julgar um todo o que apenas diz respeito em parte.
38. Atento ao conteúdo da missiva em causa a mesma refere-se especificamente, única e exclusivamente, ao envio da nota de honorários do processo n.º 195/12..... Ou seja, salvo melhor opinião, quanto muito, só e apenas quanto a este processo se poderia apreciar da ausência de prescrição, ainda que a mesma já tivesse operado, e por conseguinte, julgar improcedente o pedido reconvencional quanto aos demais honorários e despesas dos restantes processos.
39. Assim, os créditos encontram-se prescritos nos termos do artigo 317.º c), pois o recorrente alegou o pagamento dos créditos solicitados tendo já decorrido o prazo de dois anos desde que a relação profissional entre o recorrente e o recorrido terminou em cada um dos processos, sendo certo que o recorrido não fez prova em contrário, ónus que lhe cabia.
40. Nos termos do artigo 312.º do Código Civil, a prescrição presuntiva funda-se na presunção de cumprimento da obrigação cuja satisfação se pretendia. A razão de ser deste regime especial assenta em considerações de ordem prática, colhidas da experiência comum e conexionadas com o tipo de relações contratuais (seus sujeitos e objeto) que estão em causa. Decorrido o prazo legal, presume, pois, a lei que o pagamento está efetuado, dispensando, assim, o devedor, da prova deste. A presunção de pagamento por banda do devedor faz deslocar o ónus da prova do não pagamento para o credor, passando a competir a este ilidir essa presunção mediante prova em contrário, demonstrando que aquele não pagou.
41. “As prescrições previstas nos artigos 316º e 317º do código civil são prescrições de curto prazo, de natureza presuntiva, visto que se fundam na presunção do cumprimento.
42. O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento. Ao devedor que se queira valer da prescrição presuntiva cabe-lhe o ónus de alegar expressa e inequivocamente que já efetuou o pagamento, ficando apenas dispensado de provar esse pagamento, cabendo a parte contrária o ónus de provar que ele não ocorreu.”.- Acórdão da Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo n.º 125/145T8SSB.E1, de 22/02/2018., www.d gsi.com.
43. Por último, inexiste qualquer prova, quer testemunhal, quer documental, ou pericial, que o recorrente não pagou os créditos solicitados pelo recorrido, ónus que cabia a este último atendendo à prescrição presuntiva invocada. Conquanto, o Tribunal a quo, alicerçou-se, única e exclusivamente, numa missiva junta aos autos, a qual se refere apenas a um processo específico, não se debruçando sob a prescrição nos demais. Deste modo, não se podia basear em tal documento para improceder a prescrição presuntiva invocada e condenar o recorrente no pedido de honorários em relação a todas as causas.
44. Assim, pelo que, in extremis, e caso assim não se entenda, sempre teria de se considerar única a exclusivamente a improcedência da prescrição única a exclusivamente quanto aos honorários e despesas peticionados relativos ao processo n.º 195/12.... e não quanto aos demais peticionados, e atender, naturalmente, ao valor entregue a titulo de provisão pelo recorrente na quantia de 1.500,00 Euros.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, A QUAL DEVE:

a) Ser a sentença proferida pelo tribunal a quo considerada nula;
b) Ser o autor recorrente absolvido do pedido reconvencional.

Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
c) Ser o autor recorrente ser absolvido do pedido reconvencional quanto aos processos 195/12...., 195/12.... e 195/12.....

TUDO EM CONFORMIDADE COM O INVOCADO NAS MOTIVAÇÕES E CONCLUSÕES PRECEDENTES E COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
ASSIM DECIDINDO FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS JUSTIÇA!
           
Foram apresentadas contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
           
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Questões a decidir:
- Analisar se a sentença é nula;
- Analisar se prescreveu o direito do Réu/Reconvinte aos honorários reclamados.
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Factos provados:

1 – O Autor e o Réu celebraram um contrato de mandato judicial por documento particular, através de procuração com poderes especiais.

2 - O Autor à data de 21/12/2012 mandatou o Réu, enquanto advogado, para o representar nos autos de Divórcio sem Consentimento do Outro Cônjuge, entre ele e CC, convertidos posteriormente em Mútuo Consentimento, que correu no Tribunal da Comarca ..., Tribunal Judicial ... – Secção Única, sob o n.º 195/12...., tendo sido decretado o divórcio e dissolvido o casamento entre os aludidos intervenientes em 16/01/2013.

3 - No seguimento da ação de divórcio acima mencionada correram por apenso as seguintes ações:

a) Processo n.º 195/12...., Comarca ..., Juízo de Família e Menores- J...;
b) Processo n.º 195/12.... - Comarca ..., Juízo de Competência Genérica ... – Juiz ...;
c) Processo n.º 195/12.... - Comarca ..., Juízo de Competência Genérica ... – Juiz ...;
d) Processo n.º 195/12.... - Comarca ..., Juízo de Competência Genérica ... – Juiz ...;
e) Processo n.º 195/12....- Comarca ..., Juízo de Competência Genérica ... – Juiz ...;

4 - As ações acima referidas foram representadas judicialmente pelo Réu.

5 - No dia 05/03/2013, a cabeça de casal deu entrada da ação para requerer o inventário e a partilha de bens do casal, processo que correu sob o n.º195/12...., Comarca ..., Juízo de Família e Menores- J....

6 - Após a relação de bens ser apresentada pela cabeça de casal o Réu apresentou reclamação no dia 12/06/2013 e posteriormente, no dia 05/09/2013.

7 - No dia da inquirição de testemunhas, em 10/05/2015, o Réu “desiste parcialmente da reclamação à relação de bens, bem como a inquirição de testemunhas”.

8 - Encontra-se à data a correr uma ação executiva sob o n.º 195/12...., intentada por parte da cabeça de casal para entrega de coisa certa.

9 - No âmbito do processo executivo n.º 195/12...., veio a exequente requerer a liquidação do valor dos bens que não foram entregues e dos bens entregues em mau estado de conservação e/ou danificados no montante de 23.096,34 (vinte e três mil e noventa e seis euros e trinta e quatro cêntimos), bem como o apuramento do prejuízo da falta de cumprimento para ulterior penhora e pagamento

10 - No seguimento da diligência extrajudicial de entrega dos bens, ocorrida no dia 31/10/2017, a exequente refere que a entrega foi parcial, faltando entregar bens descritos nas verbas 16.º, 18.º, 20.º, parte da verba 48.º, parte da verba 55.º.

11 – O Réu ao desistir da reclamação apresentada no processo da partilha de bens e da inquirição das testemunhas prejudicou gravemente o autor, que agora se vê obrigado a entregar bens que não tem.

12 – O Autor enviou uma carta registada com aviso de receção ao réu, em 17.10.2017, no sentido de revogar o mandato forense e a solicitar a nota discriminativa dos honorários.

13 - O Réu é advogado na vila e concelho ... fazendo da advocacia atividade lucrativa.

14 - No exercício deste mandato o Réu representou o Autor nos seguintes processos -Divórcio sem o consentimento do outro cônjuge que correu termos sob o n.º 195/12.... no extinto Tribunal .... - Inventário/Partilha em casos especiais que correu termos sob o n.º 195/12...., que correu termos primeiro no extinto Tribunal Judicial ... e posteriormente no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Família e Menores ... – J.... - Embargos de Executado que correram termos no Tribunal referido no artigo anterior sob o n.º 195/12...., em que o Réu deduziu embargos à ação executiva que lhe tinha sido movida para entrega de coisa certa. - Embargos de Executado que correram termos no Tribunal referido no artigo anterior sob o n.º 195/12.... em que o Réu voltou a deduzir os mesmos embargos supra referidos já que houve um redistribuição da ação executiva sendo, por isso uma reprodução do apenso B.

15 – O Réu acompanhou o aqui Autor na tentativa de conciliação do processo de divórcio acima mencionado tendo, que se converteu o divórcio em mútuo consentimento.

16 - Após o divórcio a ex-mulher do Autor requereu a partilha dos bens do casal.

17 - No âmbito deste processo o Réu elaborou as reclamações à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, ex-mulher e acompanhou o aqui Autor em todas as diligências realizadas.

18 - As conferências de interessados que se realizaram nesses autos foram sempre precedidas de conferências com o Autor.

19 - No âmbito dos dois embargos que foram deduzidos sob os apensos B e C estes são iguais e resultaram de uma redistribuição do processo.

20 - O Réu reconvinte teve duas deslocações, no apenso C, ao Tribunal de Família Menores ....

21 - O Autor não pagou ao réu os honorários respeitantes ao trabalho desenvolvido.

22 - Assim vem o Réu/reconvinte solicitar o pagamento dos seguintes honorários: Divórcio: 750,00€ Partilha 4.500,00€ Embargos de Executado – Apenso B e C 600,00€ Total 5.850,00€, a que deve ser deduzida a quantia entregue pelo Autor a título de provisão no valor de € 1.500,00.

23 - Nesta quantia estão englobadas todas as despesas que o Réu/reconvinte desembolsou com os presentes processo, nomeadamente, despesas com deslocações, bem com todo o tempo gasto nessas deslocações.

24 - A verba referente a honorários foi apurada segundo as práticas e regras estatutárias e a praxe da comarca.
*
Não Provados:

a) A desistência da reclamação à relação de bens mencionada no número 7 dos factos dados como provados, foi feita pelo mandatário de livre e espontânea vontade, em consonância com a parte contrária no dia 10/03/2015, sem nunca o Autor se aperceber o que estava a ser realmente feito.

b) Além disso, desistiu da inquirição de testemunhas essenciais à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, colocando em causa os interesses do cliente.

c) Decidiu o Réu assumir uma posição contrária àquilo que o Autor lhe tinha transmitido em relação ao inventário apresentado e que próprio mandatário reproduziu na reclamação à relação de bens apresentada.

d) Nada do que foi acordado no dia da inquirição de testemunhas foi transmitido pelo Réu ao Autor, que continuou alheio a tudo isto, tendo o tribunal homologado a desistência parcial da reclamação apresentada pelo aqui réu e declarado “extinto o direito que o interessado AA pretendia fazer valer, declarando extinta a instância nessa parte”.

e) Posteriormente, na conferência de interessados, em 29/04/2015, o Réu continuou a assumir uma postura contrária àquilo que inicialmente tinha sido transmitido pelo Autor em relação às verbas, isto é não reclamou dos valores atribuídos, nem licitou qualquer valor relativamente à verba n.º 55, tendo sido estabelecido o valor licitado pela cabeça de casal.

f) Deste modo, o Réu não defendeu os interesses do cliente, ficando este prejudicado no mapa de partilhas que posteriormente foi homologado por sentença em 28/09/2015.

g) Assim, o mapa de partilhas inventário que consta dos autos, não foi realizado com o consentimento do AA, que sempre se manteve alheio a toda a atuação exercida por parte do mandatário, em quem confiou e depositou todo o mérito para levar a bom porto as suas pretensões, acreditando piamente que os interesses estavam a ser defendidos.

h) Da relação de bens constam verbas que não existem, que não são comuns ao casal, bem como valores completamente desfasados da realidade e ainda verbas que nunca pertenceram ao Autor.

i) Como consequência do inventário que consta dos autos e toda a atuação negligente por parte do Réu, foram intentadas ações executivas por parte da cabeça de casal contra o Autor para devolução de verbas que foram adjudicadas, mas que não existem, ou que não constam em nome do Autor, ou simplesmente que não são bens comuns do casal e que supostamente não foram entregues.

j) Na ação executiva acima n.º 195/12.... o mandatário não deduziu oposição, tendo sido devidamente notificado para o efeito, e não diligenciou no sentido de oferecer provas essências à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, provas essas que demonstram que as verbas que constam do mapa de partilha não foram entregues simplesmente porque não pertencem nem nunca pertenceram ao Autor.

l) O Autor, mencionou ao mandatário, aqui Réu que quanto à verba n.º 16, trata-se de um trator que fazia parte dos bens comuns do casal, mas pelo facto de terem contraído um empréstimo no valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) em 2011, tendo sido entregue o livrete desta maquina como forma de garantia ao Sr. DD. Assim, esta verba encontra-se registada me nome deste ultimo até integral pagamento da divida, contraída pelo casal à data, registo esse efetuado em 10-10-2012, e deveria ter relacionado a divida como passivo da relação de bens do casal e que nada fez para que corrigisse tal erro.

k) No que diz respeito à verba n.º 18, este veículo foi sempre do filho mais velho do casal, nunca pertenceu aos bens comuns do casal, foi adquirido pelo filho mais velho, AA, situação que também foi referida ao mandatário e nada fez.

m) Quanto à verba n.º 20, trata-se de um reboque de trator, este também sempre pertenceu ao filho mais velho do casal, encontrando-se registado em nome deste desde 10-12-2014, nunca foi propriedade do Autor e da sua ex mulher, situação referida pelo Autor ao Réu.

n) A verba n.º 48, uma betoneira a diesel, nunca existiu, facto também mencionado ao mandatário, sem surtir qualquer efeito.

o) Em relação à verba n.º 55, as quantidades dos artigos referidos nestas verbas nunca existiram e outras existiam em número menor. Ao invés da 15 serra juntas mencionadas havia 14 e foram todas entregue à ex mulher. Quanto ao pé de cabra só existia um que foi igualmente entregue à ex-mulher. No que diz respeito à caixa de fendas e à máquina de vibrador de apertar massa nunca existiram. Quanto aos andaimes eram apenas 12, e não 30, que também foram entregues à cabeça de casal.

p) Existem ainda verbas com valores atribuídos muito superiores ao valor do mercado, completamente desfasados da realidade, que pelo uso diário o material encontrava-se desgastado e velho muito antes do divórcio, como por exemplo, foi atribuído o valor de €150,00 (cento e cinquenta euros) a um carrinho de mão, velho e usado, quando não vale nem um terço desse valor; foi ainda atribuído o valor de 20.000,0 (vinte mil euros) a uma máquina da verba n.º 16, quando esta foi adquirida pelo valor de 3.500,00 (três mil e quinhentos).

q) Quanto à verba n.º 57, o valor de mercado do lote da madeira é de €1.000,00 (mil euros) e não de €5.000,00 (cinco mil).

r) Na verba n.º17, um trator que não funciona, não tem matrícula, nem documentos, sendo um veículo para abate, foi atribuído o valor de 10.000,00 (dez mil euros) quando o valor para peças é de apenas 750,00 (setecentos e cinquenta euros).

s) A verba n.º 10º, n.º 21, 34.º, 44.º e 45.º nunca existiram.

t) As verbas n.º 19 e n.º 22 são propriedade do filho do casal AA.

u) No âmbito dessa mesma ação ficou o autor obrigado à entrega de verbas que não possui, que não existe ou que nunca lhe pertenceram, tais como as verbas n.º 18, n.º 20, n.º 48 e n.º 55.

v) A oposição efetuada pelo Réu na ação executiva de embargos de terceiro que correu sob o n.º 19... não preencheu nenhum dos fundamentos facultados pela lei para
sustentar os embargos, segundo o despacho de 19/01/2017; isto só demonstra a falta de diligência do Réu em toda a sua intervenção ao longo dos processos mencionados e que nada fez para assegurar os interesses do cliente, ao invés aceitou de bom grado a posição da cabeça de casal que é claramente prejudicial para o autor.

w) Por diversas vezes o Autor interpelou o Réu no sentido de o auxiliar na resolução de questões relacionadas com os processos acima indicados, e para os quais estava mandatado, mas não obteve resposta.

x) Como consequência da atuação negligente por parte do Réu, o Autor sofreu danos patrimoniais relativos ao pagamento de honorários pagos ao mandatário que deveriam ter sido utilizados para defesa e interesse do Autor na ordem dos 2.000,00 Euros (dois mil euros).

y) O Autor foi obrigado a entregar à cabeça de casal verbas cujo valor de mercado é mais baixo do que o indicado, ficou prejudicado com a atribuição de verbas cujo valor é consideravelmente menor que o atribuído, ficando este prejudicado em relação ao valor de 5.000,00 (cinco mil euros).

z) Arrisca-se ainda a perder a casa, único bem que possui, herdado à morte dos seus pais, no processo de liquidação para entrega de verbas que não tem ou de valor muito superior ao indicado.

aa) No âmbito da execução para entrega de quantia certa que atualmente corre sob o processo n.º 195/12.... foi o autor condenado ao pagamento da quantia de 22.400,00 (vinte e dois mil e quatrocentos euros), assim sendo, o Autor sofreu danos patrimoniais que ascendem o valor de €29.400,00 (vinte e nove mil e quatrocentos euros).

bb) Além disso, o sucedido causou grande angústia e desespero ao Autor, que muitas vezes ficou sem dormir e sem capacidade para trabalhar durante dias a fio.

cc) O risco de perder o pouco património que ainda lhe resta por via de uma ação executiva, resultado de uma atuação negligente, fez com que muitas vezes colocasse em causa a própria vida, sendo obrigado a recorrer a medicação diária para poder dormir e conseguir manter-se calmo durante o dia.

dd) O Autor depositou total confiança no réu para resolução dos seus interesses, expectativas que foram totalmente defraudadas, sentindo-se traído e desacreditado na lei e na justiça.

ee) O Autor encontra-se bastante afetado psicologicamente com todo o sucedido,

ff) Toda esta situação levou a desgaste físico e emocional brutal do Autor, que sempre pensou que tudo estava a ser feito em prol dos seus interesses tal como tinha sido prometido pelo Réu.

gg) Houve um claro desleixo, desmazelo, despreocupação, falta de sinceridade, honestidade na defesa dos interesses do Autor.

hh) O cliente não foi defendido com afinco, com honestidade, tendo sido claramente prejudicado pelo mandatário e sofridos graves consequências por conta da sua atuação.

ii) O mandatário omitiu factos cruciais ao participante durante o decorrer do processo de partilha de bens.

jj) O Réu transferiu para a Ré seguradora a responsabilidade civil contratual através do seguro de responsabilidade civil contratualizado no âmbito da apólice de seguro n.º ... e ....
           
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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Da alegada nulidade da decisão por omissão de pronúncia e por ininteligibilidade:
                
O vício de omissão de pronúncia está previsto no art. 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável à 2ª instância por via do preceituado no art. 666º do mesmo Código.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina as questões a resolver e que é a prevista no art. 608º nº 2 do Código de Processo Civil.
Resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;  não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Como se refere no Ac. da R.L. de 29/11/05 (in www.dgsi.pt ) , o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou decisões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol. V, pg. 143) são coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.

Diz-nos o art. 615º, nº 1 – c) que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil anotado, volume V, pág. 151) refere que a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. E acrescenta que, num caso não se sabe o que o juiz quis dizer, no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos.

O Recorrente alega que o Tribunal o condenou “a pagar o pedido reconvencional com base em fundamentos dos quais não se pronunciou nem considerou como provados”, “sem dar como provados factos que estão na base da decisão” (…) “Pois, presume, sem mais, que a representação do mandatário cessa em todos os processos em que interveio naquela data, depois do envio da referida missiva, e por isso conclui que ainda não tinham passados dois anos para ter ocorrido a prescrição. O que na verdade não sucede, pois, a carta refere-se única e exclusivamente a um processo específico e ali mencionado: 195/12.....” Por isso conclui que a sentença é nula por omissão de pronúncia e por ininteligibilidade.

Salvo o devido respeito, os fundamentos invocados não configuram o vício de omissão de pronúncia, nem de ininteligibilidade, mas eventual erro de julgamento. Na verdade, o julgador a quo pronunciou-se sobre a prescrição presuntiva invocada pelo A. na resposta à reconvenção e a decisão é coerente, o que se passa é que o Recorrente não concorda com o teor de tal decisão, mas isto não configura uma nulidade.

Não se verificam, pois, os invocados vícios.

Conhecendo da questão da prescrição:

A prescrição é a extinção de direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo e, completada esta, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor por qualquer modo ao exercício do direito prescrito (art. 304º do C. Civil).
           
Conforme decorre do disposto no art. 309º do C. Civil, o prazo ordinário de prescrição é de 20 anos (prescrição extintiva).
O A. pretende beneficiar do prazo prescricional mais curto previsto no art. 317º - c) do C. Civil.
Segundo este preceito, prescrevem no prazo de dois anos, os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.
Trata-se de uma presunção presuntiva, que se funda na presunção do cumprimento. Neste caso, a lei presume que decorridos os prazos aí previstos (de curta duração) o devedor teria pago. Mas esta presunção é ilidível e o credor pode ainda alegar e demonstrar que o devedor não cumpriu, no entanto, o afastamento da presunção só pode ocorrer através de confissão expressa ou tácita do devedor (v. arts. 313º e 314º do C. Civil).
           
Em face do que acima se encontra exposto, temos de concluir que se encontra abrangida na previsão do art. 317º - c) do C. Civil a atividade desenvolvida pelo Réu/Reconvinte no exercício de uma profissão liberal, visando o reembolso das despesas correspondentes.

Tal como decorre do que acima foi dito a prescrição acima referida baseia-se na presunção de pagamento.
No acórdão do STJ 14/10/1999, entendeu-se que “ Para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar factos constitutivos do direito do autor, tais como: a negação da originária existência do débito, a discussão acerca do seu montante ou a remissão da respetiva fixação para o tribunal, a alegação de pagamento de importância inferior à reclamada sob pretexto de que o mesmo corresponde à liquidação integral do débito (reconhecimento tácito de não ter pago a diferença) e a invocação da gratuitidade dos serviços prestados"
A jurisprudência tem seguido este entendimento.
Com efeito, podemos ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/12/13 (in www.dgsi.pt ) que “atenta a especial natureza deste tipo de prescrição não basta invocá-la, sendo ainda necessário que quem dela pretenda prevalecer-se alegue expressamente o pagamento, ainda que não tenha de o provar, ou pelo menos não pode alegar factualidade incompatível com a presunção de pagamento, sob pena de ilidir a presunção”.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/2/18 escreveu-se a este propósito que “O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento. Ao devedor que se queira valer da prescrição presuntiva cabe-lhe o ónus de alegar expressa e inequivocamente que já efectuou o pagamento, ficando apenas dispensado de provar esse pagamento, cabendo à parte contrária o ónus de provar que ele não ocorreu. Invocando o interessado a prescrição presuntiva, sem alegar o pagamento da dívida e discutindo o teor e exigibilidade da mesma, adoptou conduta incompatível com o instituto da presunção prescritiva, pelo que esta não opera”.
Assim, a invocação da presunção presuntiva não é compatível, nomeadamente, com a impugnação da existência do crédito, com a discussão do seu montante ou com a alegação de que o pagamento de importância inferior à reclamada, corresponde à liquidação integral do débito.

No caso, vemos que o Autor, ao contestar o pedido reconvencional, admite que só pagou o valor de 1500,00€, que o réu/reconvinte refere ter sido entregue a título de provisão (v. art. 100º da reconvenção e art. 5º da réplica), sendo certo que a quantia reclamada pelo Reconvinte é superior. Por outro lado, o Autor contesta o valor das despesas que o Réu inclui nos honorários, dizendo que o mesmo “não apresenta documentos pelos quais possa sustentar e comprovar o exato valor gasto com as deslocações. Diz ainda que “não parece legítimo que só agora o réu reconvinte aproveite a oportunidade de informar o autor reconvindo da alegada dívida”.    
Qualificamos todas estas alegações como incompatíveis com a invocação da prescrição presuntiva como veremos de seguida.
O Réu/Reconvinte solicita ao A. o pagamento de  4.350,00€, respeitantes ao trabalho e despesas que desenvolveu nos processos de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge (proc. nº 195/12.... no extinto Tribunal ...); Inventário/Partilha em casos especiais (proc. n.º 195/12...., que correu termos primeiro no extinto Tribunal Judicial ... e posteriormente no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Família e Menores ...; Embargos de Executado (proc. n.º 195/12...., que correram termos no mesmo Tribunal em que o Réu deduziu embargos à ação executiva que lhe tinha sido movida para entrega de coisa certa); Embargos de Executado (proc. n.º 195/12....), que correram termos no Tribunal já referido em que o Réu voltou a deduzir os mesmos embargos supra referidos já que houve um redistribuição da ação executiva sendo, por isso uma reprodução do apenso B). O A. na réplica confessa que só lhe pagou 1.500,00€ e que, segundo ele, “seria ilegítimo” vir agora o Réu pedir mais dinheiro a título de honorários pelo trabalho desenvolvido nesses processos, com exceção do 195/12...., pois relativamente a este aceita que não pagou.
Como vemos, embora o A.  invoque a prescrição presuntiva, não alega que pagou todo o montante solicitado pelo seu então Mandatário, mas apenas os 1,500,00€ que entregou inicialmente, sendo certo que, tendo em conta o volume de trabalho desenvolvido, não seria provável que os honorários ficassem reduzidos àquele montante e, de qualquer forma, o que é certo é que não pagou o montante solicitado pelo Reconvinte e que o reconhece tacitamente.
Ora, como decorre do que acima foi dito, quando se invoca a prescrição presuntiva apenas se pode alegar o pagamento tout court, não se podendo discutir, por exemplo o montante, como faz o A., embora não o faça expressamente.
A defesa do A. é, pois, incompatível com a presunção de pagamento invocada, pelo que improcede o recurso do A..
De qualquer forma, sempre o recurso improcederia.
Na verdade, estando em causa um crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso das respetivas despesas, a sua satisfação deve ocorrer após a cessão dos serviços do mandatário, apresentando este a respetiva nota de honorários e despesas (art. 105º, nº 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados), iniciando-se, pois, o prazo da contagem da prescrição quando cessa a prestação do mandatário (cfr Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil anotado, vol. I, pág. 285, 4ª ed.), Ora, o A. enviou uma carta registada ao Réu em 17/10/17 a revogar o mantado forense e o réu peticionou o valor dos honorários em 4/12/18, pelo que, nesta data ainda não tinha decorrido o prazo prescricional, tal como se concluiu na decisão recorrida. Acresce que, embora o A. alegue que a carta em causa se destinou apenas a fazer cessar o mandato no apenso –A, o que é certo é que não fez qualquer prova de que o mandato tinha cessado anteriormente no âmbito de qualquer um dos outros processos, o que aliás é pouco provável uma vez que os processos em causa estão interligados, sendo um o processo principal e os restantes seus apensos, o que faz presumir a continuidade do mandato até ao encerramento do último.
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
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Guimarães, 20 de abril de 2023

Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo