Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
213/11.0TBFAF-A.G1
Relator: LINA CASTRO BAPTISTA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
MÚTUO COM HIPOTÉCA E FIANÇA
COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – As escrituras públicas de "Mútuo com Hipoteca e Fiança", juntamente com os respetivos Documentos Complementares e com a referida prova complementar de que ocorreu início de execução dos contratos, constituem título executivo bastante relativamente a cada uma das prestações que não venham a ser pagas pela Executada nas datas dos respectivos vencimentos.
II - No entanto, estes mesmos títulos não incorporam - por si só - o direito de reclamar o vencimento da totalidade das prestações em falta, em caso de mora, uma vez que ficou contratualmente acordado que a resolução do contrato por parte da Exequente ficava dependente de comunicação por esta à Mutuária, através de carta registada com Aviso de Recepção.
III - Para que tais títulos pudessem fundamentar este objeto exequendo incumbiria à Exequente o ónus de alegar e provar que efectuou a dita comunicação, através de carta registada com aviso de receção, por aplicação do disposto no art. 715.º, n.º 1, do C.P.Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I—RELATÓRIO

OLÍVIA D, executada nos autos principais, veio deduzir oposição à execução, por embargos de executado, contra “B, PLC”, exequente nos mesmos autos, alegando, em síntese, que a Exequente não resolveu o contrato.
Defende que, estando os contratos de mútuo (que constituem títulos executivos) em vigor, a Exequente não pode reclamar a totalidade do crédito, como se o mesmo se considerasse vencido.
Impugna que tenha deixado de cumprir as obrigações que assumiu no primeiro contrato a partir de 20/03/2010 e que tenha deixado de cumprir o segundo contrato a partir de 20/07/2010. Bem como que o valor do capital a considerar-se em dívida sempre seria inferior ao reclamado.
Mais alega que a Exequente começou a cobrar-lhe juros remuneratórios e despesas superiores às que estavam previstas no contrato e àquelas que legalmente poderia cobrar.
Invoca a excepção de incumprimento do contrato, da responsabilidade da Exequente, e, concomitantemente, a excepção do seu não cumprimento.
A Exequente contestou a oposição deduzida, contrapondo que a Embargante/Executada entrou em incumprimento relativamente à sua obrigação de pagamento das prestações fixadas contratualmente, desde 20/03/2010 e 20/06/2010, respetivamente.
Expõe ter, por carta de 26/11/2010, comunicado à Embargada/Executada que procedia à resolução dos contratos.
Afirma que, a partir de agosto de 2010, a Embargante/Executada sofreu um agravamento no spread de 0,375% em cada empréstimo, decorrente da ausência de "outras domiciliações" e "domiciliação de ordenado/rendimento".
Impugna a demais factualidade alegada.
Proferiu-se despacho saneador.
Realizado o competente julgamento, proferiu-se sentença, em que se julgou parcialmente procedente, por provada, a presente oposição à execução e, em consequência, ordenou-se o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 122 731,20 (cento e vinte e dois mil setecentos e trinta e um euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora às taxas contratualmente previstas e da sobretaxa de 4%, de imposto de selo e despesas no valor de € 5 160,00 (cinco mil cento e sessenta euros), desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.
Inconformada com esta decisão, a Embargante/Executada interpôs recurso, terminando com as seguintes
CONCLUSÕES
I. Atendendo aos elementos constantes dos autos é indubitável que o Tribunal decidiu mal quando decidiu pelo prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 122.731,20€ (valor reclamado pelo banco no requerimento executivo como sendo o capital em falta), na medida em que do confessado e admitido pelo exequente o capital em dívida relativamente a ambos os contratos era de apenas 121.397,32€ (94.547,03€ + 26.850,29€).
II. E, por isso, sem prejuízo de tudo quanto supra se irá alegar, nomeadamente a respeito da impugnação proferida sobre a matéria de facto, sempre a decisão recorrida teria, necessariamente, de ser revogada, porquanto, na pior das hipóteses, a execução apenas poderia prosseguir para pagamento da quantia de 121.397,32€.
III. O desacerto da decisão prossegue, quando o Tribunal decidiu que àquele valor, que já se viu ter de ser reduzido à quantia de 121.397,32€, acresciam juros de mora às taxas contratualmente previstas e da sobretaxa de 4%.
IV. Já que não tendo o Tribunal considerado que a data do vencimento antecipado de todas as prestações tivesse ocorrido em 26 de Novembro de 2010 e não constando dos autos qual a taxa que estaria em vigor para os juros remuneratórios contratuais no dia em que a executada foi citada da execução (data que o Tribunal considerou como tendo ocorrido a resolução do contrato e o vencimento antecipado de todas as prestações), jamais o Tribunal poderia condenar a oponente a pagar juros de mora às taxas contratualmente previstas nesse momento.
V. E, por isso, jamais a oponente poderia ser condenada a pagar juros de mora às taxas contratualmente previstas, nem podia ser condenada a pagar a sobretaxa de 4%.
VI. Por outro lado, o desacerto da decisão recorrida é também patente, quando o Tribunal condenou ainda a oponente no pagamento de despesas no valor de 5.160,00€.
VII. É que não se lê dos contratos de Mútuo com Hipoteca e Fiança e bem assim dos documentos complementares a cada um desses contratos a cominação ou obrigação da mutuária em pagar quaisquer despesas judiciais ou extrajudiciais pela eventual mora ou incumprimento das obrigações por si assumidas.
VIII. Tendo o Tribunal confundido a obrigação que decorre para a oponente, por força dos contratos, com o valor que, somente para efeitos de registo, foi atribuído à hipoteca.
IX. Para além disso, resulta do próprio texto do contrato, que, mesmo para efeitos de registo, apenas ficaram garantidas as despesas resultantes da EXECUÇÃO dos contratos e já não as despesas que o banco houvesse de ter de realizar pela cobrança judicial ou extrajudicial da dívida, EM CONSEQUÊNCIA DA RESOLUÇÃO DOS CONTRATOS por incumprimento imputável à mutuária.
X. Daí que, não constando dos contratos, nem dos documentos complementares associados, qualquer cominação ou obrigação, para a mutuária, de pagar as despesas reclamadas pelo exequente, não podia esta ser condenada a pagar as despesas referidas na decisão proferida, que apenas haviam sido calculadas para efeitos de registo.
XI. Tudo quanto acaba de ser dito, haverá de determinar a revogação da sentença proferida, sem necessidade de se “mexer” na decisão da matéria de facto proferida.
XII. Para além do que se deixa dito, não pode a recorrente deixar de se insurgir contra a decisão proferida a respeito da matéria de facto, por ser notório que determinados pontos de facto foram incorrectamente julgados, como, aliás, já resulta do que acima se deixou dito a respeito das conclusões que se impunha retirar logo após a fase dos articulados, sendo que dos meios probatórios constantes dos autos impunha-se decisão sobre a matéria de facto impugnada diversa da recorrida.
XIII. Com efeito, por inexistência de prova e dos documentos constantes dos autos impõe-se a revogação da decisão proferida sobre o ponto 5 dos factos provados e a sua substituição por outra com o seguinte teor: “5. A prestação de Abril de 2010 referente ao primeiro contrato de mútuo foi liquidada pela oponente em 31.12.2010 e a prestação de Maio de 2010 foi liquidada em 01.02.2011, em data posterior à instauração da acção executiva, sendo que o pagamento dessa prestação foi aceite pelo banco exequente; Relativamente ao segundo contrato de mútuo, em 31.12.2010, mostravam-se pagas todas as prestações referentes a esse ano, tendo a prestação de Janeiro de 2011, que se vencia a 20.01.2011, sido paga em 01.02.2011; a prestação de Fevereiro de 2011 foi paga na data do seu vencimento; e a prestação de Março de 2011 foi paga em 25 de Março de 2011.”
XIV. Para além disso, tendo o banco exequente admitido que A PARTIR DE AGOSTO DE 2010, A EXECUTADA SOFREU UM AGRAVAMENTO NO SPREAD DE 0,375% e não tendo o exequente produzido qualquer prova no sentido de que o agravamento do spread tinha decorrida da ausência de tais domiciliações e, que, dessa forma, estaria coberto pelos contratos,
XV. Impõe-se a revogação da decisão proferida sobre o ponto 9 dos factos provados e a sua substituição por outra com o seguinte teor: “9. A partir de Agosto de 2010, a executada sofreu um agravamento no “spread” de 0,375% e cada empréstimo.”
XVI. Para além disso, relativamente à decisão proferida a respeito das alíneas b), e), f) e g) dos Factos Não Provados, que serão tratadas em conjunto, por estarem entre si relacionadas, também se insurge a recorrente com a decisão proferida a respeito destes concretos pontos de factos pelo facto do Tribunal ter ignorado o que o exequente havia reclamado no requerimento executivo e o que o próprio havia admitido na sua contestação, em conjugação com o teor dos títulos executivos e da falta de qualquer comunicação feita pelo banco nos termos do número QUATRO da cláusula SEGUNDA dos documentos complementares.
XVII. Até porque para além destes elementos probatórios que constam dos autos, e ao contrário do decido pelo Tribunal de 1ª Instância, competia ao exequente, e não à oponente, a prova de ter procedido às comunicações à mutuária das alterações das taxas de juros e, consequentemente, da perda das bonificações, o que, manifestamente, este não logrou produzir.
XVIII. Daí que, sem necessidade de outras considerações, e atendendo ao alegado no corpo destas alegações, impunha-se que o Tribunal tivesse dado resposta positiva à matéria factual vertida nas alíneas b), e) e f) dos Factos Não Provados.
XIX. De igual forma, não pode a recorrente conformar-se com a decisão proferida a respeito da alínea g) dos Factos Não provados, por força do depoimento da única testemunha inquirida nos autos, cuja prova não foi infirmada por nenhum outro meio probatório.
XX. Pelo que se impunha que o Tribunal de 1ª Instância tivesse dado a credibilidade suficiente e bastante para dar como provado que a oponente, por intermédio do seu companheiro, insurgiu-se por diversas vezes contra a taxa de juro que o banco cobrava, não aceitando, nem concordando com as taxas aplicadas.
XXI. Aqui chegados, entende a recorrente que, do alegado pelas partes nos seus articulados, do que consta dos documentos juntos aos autos, nomeadamente dos títulos executivos, dos documentos juntos com a Contestação e daqueles que foram juntos na audiência de discussão e julgamento, impunha-se que a Oposição deduzida tivesse sido julgada procedente.
XXII. Com efeito, e desde logo, no que concerne ao mútuo de 29.000,00€, não podem restar dúvidas que estando pagas todas as prestações desse contrato, não podia o banco exequente resolver o contrato, nem considerar antecipadamente vencidas as prestações futuras.
XXIII. De igual forma e relativamente ao contrato de mútuo de 100.000,00€, tendo em conta não ter ficado provado que o Exequente tivesse, em 26/11/2010, comunicado, por carta registada com aviso de recepção, à executada/oponente que, de acordo com as Condições Gerais dos Contratos, procedia à resolução dos mesmos – cf. Alínea a) dos Factos Não Provados, também se impunha que, relativamente a este contrato, a Oposição tivesse sido julgada procedente.
XXIV. Pois que é essa a única conclusão que se poderá tirar do teor literal da cláusula SÉTIMA dos documentos complementares, de onde se extrai, necessariamente, que o não pagamento pontual de qualquer prestação de capital e juros ou outros encargos contratualmente previstos não é, por si só, motivo para que se considerem vencidas todas as obrigações decorrentes do contrato e exigível o pagamento de todos os valores em débito, ou, se se quiser, motivo para a resolução do contrato.
XXV. E por isso, ao contrário do decidido pelo Tribunal de 1ª Instância, o banco só teria direito a exigir da oponente todas as obrigações ou responsabilidades, ainda que não vencidas, caso tivesse efectivamente exercido o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que fosse devido e consequentemente tivesse resolvido o contrato.
XXVI. Como, porém, o banco exequente não accionou a cláusula resolutiva expressa, de acordo com o artigo 432º do Código Civil, que, nos termos do disposto no artigo 436º do mesmo diploma legal, teria de ser efectuada mediante declaração à outra parte, sob pena da declaração negocial não produzir eficácia,
XXVII. Os contratos de mútuo juntos pelo exequente no requerimento executivo não eram títulos executivos bastantes para reclamar o pagamento das quantias que o banco veio reclamar.
XXVIII. O que haverá de determinar, por este motivo, a procedência da oposição deduzida pelo ora recorrente relativamente ao primeiro contrato de mútuo, celebrado pelo montante de 100.000,00€.
XXIX. E isto sempre sem prejuízo de tudo quanto supra alegado a respeito do montante global do capital em dívida, juros e despesas, a que a oponente foi condenada a pagar; e sem prejuízo da impugnação da decisão proferida a respeito da matéria de facto, nomeadamente no que concerne à circunstância do banco ter cobrado juros remuneratórios e despesas superiores aos que estavam previstas nos contratos e ainda de ter ausentado a oponente das bonificações a que esta tinha direito, em clara violação do número quatro da cláusula segunda dos documentos complementares.
XXX. E também sem prejuízo de se constatar que à data em que a execução foi intentada o segundo contrato mostrava-se integralmente cumprido.
XXXI. O que, em consequência, haverá de determinar também a procedência do alegado pela oponente na sua Oposição a respeito do comportamento do banco exequente.
XXXII. Pois que, atendendo a tudo quanto supra se deixou dito, não podem restar dúvidas de que o comportamento do exequente, para além de constituir manifesto abuso de direito e enriquecimento sem causa, é ofensivo das mais elementares regras do mercado bancário e, para além disso, violador da lei e do próprio contrato.
XXXIII. POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 342º, 432º E 436º DO C.C., POR FORÇA DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, DEVERÁ REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA, DECIDINDO-SE PELA PROCEDÊNCIA DO OPOSIÇÃO.
A Exequente não apresentou contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
• Modificabilidade da matéria de facto.
• Reapreciação da matéria de direito, em especial quanto à falta de resolução do contrato e, supletivamente, quanto a pagamento posterior das quantias em dívida, despesas, juros de mora e sobretaxa devidas.

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados (Factos elencados na decisão em recurso):
1) Em 20.12.2007, o banco exequente celebrou, através de duas escrituras públicas, com a aqui executada/oponente como Mutuária, dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança.
2) Nos termos desses contratos, a aqui executada confessou-se devedora ao banco exequente das quantias de € 100.000,00 e de € 29.000,00 que desse mesmo banco recebeu a título de empréstimo, conforme resulta dessas escrituras públicas e respectivos documentos complementares, que juntos com o requerimento executivo e que aqui, por brevidade, se dão por inteiramente reproduzidos.
3) Para garantia do reembolso de capital e acessórios emergentes desses mútuos, a correspondente mutuária (aqui executada/oponente) declarou nas referidas escrituras públicas que constituía a favor do banco aqui exequente hipotecas sobre o prédio urbano – casa de habitação com logradouro, situado no lugar de Fonte da Cana ou Chamuscada, freguesia e concelho de Fafe, descrito na Conservatória sob o número 3486, hipotecas essas que se encontram já definitivamente registadas.
4) Nos termos do que ficou convencionado nos ditos contratos de mútuo, as quantias mutuadas e seus juros deveriam de ser restituídas ao banco aqui exequente em prestações mensais e sucessivas.
5) Apesar das insistências várias do exequente, não vieram a ser pagas pela executada – ou por quem quer que fosse – as prestações acordadas, decorrentes desses mútuos, desde 20.03.2010 e 20.06.2010, respectivamente.
6) Nos termos do clausulado nos mencionados contratos de mútuo “o não cumprimento pelo Mutuário de qualquer das obrigações assumidas neste contrato ou a ele inerentes e/ou relativas à garantia prestada, confere ao banco o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades ainda que não vencidas”. E “… constituem causa bastante e fundamentada de resolução do presente contrato, as que designadamente, se indicam: a) não cumprimento das obrigações emergentes do presente Contrato, assumidas pelo Mutuário; b) Mora no pagamento de qualquer prestação. A declaração de vencimento antecipado e consequente resolução do presente Contrato será comunicada pelo banco ao Mutuário, através de carta registada com aviso de recepção, que será enviada para o Mutuário, para a morada constante do presente Contrato, ou para a morada que posteriormente o Mutuário indique ao banco mediante documento escrito, tornando-se tal comunicação eficaz independentemente de este ter ou não acusado a recepção da carta”.
7) No EP 90173103633 verificou-se uma amortização de capital no valor de 5.452,97€ e no EP 91173060910 uma amortização de capital no valor de 2.149,71€.
8) Os empréstimos 90173103633 e 91173060910 tinha um “spread” bonificado de 0,49% e 0,70% respectivamente, condicionado à manutenção de: Seguros de Vida, Seguro Multiriscos, Domiciliação ordenado/rendimento, Outras domiciliações – domiciliação do pagamento de três despesas.
9) A partir de Agosto de 2010, a executada sofreu um agravamento no “spread” de 0,375% em cada empréstimo, decorrente da ausência de "outras domiciliações" e "domiciliação de ordenado/rendimento", exceptuando os meses em que efectuou depósito na D/O tendo sido agravados somente em 0,125%.
10) Nos termos das escrituras públicas celebradas as partes declararam que a hipoteca era constituída em caução e garantia do pagamento das quantias mutuadas, da taxa de juros de empréstimo, sendo que em caso de mora e a título de cláusula penal acresce uma taxa de quatro por cento e das despesas resultantes dos contratos, fixadas no que se refere ao primeiro em 4.000,00€ e quanto ao seguindo em 1.160,00€.

Factos não Provados (Factos elencados na decisão em recurso):
a) O exequente em 26/11/2010 comunicou, por carta registada com aviso de recepção, à executada/oponente que, de acordo com as Condições Gerais dos contratos procedia à resolução dos mesmos.
b) O exequente começou a cobrar à oponente juros remuneratórios e despesas superiores às que estavam previstas no contrato e àquelas que legalmente poderia cobrar.
c) As taxas de juro que cobrava não tinham correspondência directa com a indexante EURIBOR a três meses.
d) O banco exequente procedia a arredondamentos superiores ao arrendamento da taxa à milésima acrescida de um “spread” de 1,24% previsto no contrato e aos que por lei lhe era permitido fazer.
e) O banco exequente nunca procedeu à comunicação prevista no nº QUATRO da cláusula SEGUNDA.
f) O banco exequente procedeu à alteração das taxas de juro contratadas sem que o tivesse comunicado à exequente.
g) O banco exequente decidiu, unilateralmente, e sem qualquer comunicação à mutuária, retirar-lhe as bonificações de que a mesma beneficiava por força do número DOIS da cláusula SEGUNDA dos documentos complementares.
h) A oponente insurgiu-se por diversas vezes contra a taxa de juro que o banco cobrava, não aceitando, nem concordando com as taxas aplicadas.
i) No seguimento dessas reclamações, o exequente comprometera-se rever as taxas de juro do contrato e repor as bonificações que unilateralmente tinha retirado, reconhecendo ele próprio que as taxas de juros eram excessivas e que as bonificações foram indevidamente retiradas.
j) Apesar de todas as promessas, os valores que o exequente continuava a cobrar eram excessivos e superiores aos contratualizados.
k) A oponente liquidou mais de 20.000,00€ por força dos contratos celebrados.
l) O exequente apenas imputou à amortização do capital a quantia de 4.692,27€ relativamente ao primeiro contrato, e a quantia de 1.576,53€ relativamente ao segundo.
m) O valor pago pela oponente para amortização do capital foi de, pelo menos, 12.500,00€.

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IV - DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
Decorre do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (1) que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa."
A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art. 607.º do C.P.Civil. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material.
Tal como explica Abrantes Geraldes (2), "(…) sendo a decisão do Tribunal “a quo” o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores da imediação e oralidade."
Descendo ao caso concreto, temos que os elementos probatórios a considerar são os seguintes:
o Cópia de fls. 32, alegadamente uma comunicação de resolução dos contratos dos autos, mas desacompanhada do respectivo comprovativo de envio e de recebimento;
o Teor dos extratos bancários de fls. 33 e ss. e 139 e ss.;
o Teor da carta endereçada pela Embargada/Exequente à Embargante /Executada, datada de 04/06/13, de fls. 137 e 138, confessadamente recebida por esta;
o Teor de cópia do requerimento executivo de fls. 197 e ss.;
o Teor das cópias das escrituras de mútuo e respectivo documento complementar de fls. 199 e ss.;
o Teor da certidão da Conservatória do Registo Predial de fls. 215;
o Teor do depoimento da testemunha Ricardo Carvalho, amigo da Embargante/Executada e colega de trabalho do seu companheiro, no setor automóvel. Demonstrou saber que a Embargante tinha um crédito junto da Embargada/Exequente. Disse ter chegado a acompanhar o companheiro da Embargante ao Banco, a pedido deste. Especificou que este estava "chateado" porque - nas palavras daquele - a prestação que pagavam não chegar "para pagar a dívida". Acrescentou que o companheiro da Embargante chegou a fazer uma reclamação no Banco.
À luz destes elementos probatórios, analisemos os pontos concretos da matéria de facto que a Recorrente pretende ver alterados.
Pretende, desde logo, a Recorrente a alteração da redacção do Ponto 5 dos Factos provados, propondo a seguinte redação alternativa: “5. A prestação de Abril de 2010 referente ao primeiro contrato de mútuo foi liquidada pela oponente em 31.12.2010 e a prestação de Maio de 2010 foi liquidada em 01.02.2011, em data posterior à instauração da acção executiva, sendo que o pagamento dessa prestação foi aceite pelo banco exequente; Relativamente ao segundo contrato de mútuo, em 31.12.2010, mostravam-se pagas todas as prestações referentes a esse ano, tendo a prestação de Janeiro de 2011, que se vencia a 20.01.2011, sido paga em 01.02.2011; a prestação de Fevereiro de 2011 foi paga na data do seu vencimento; e a prestação de Março de 2011 foi paga em 25 de Março de 2011.”
Na sentença recorrida refere-se - a este propósito - que " Os factos referidos em 1 a 6 e 8 resultaram dos documentos juntos ao requerimento executivo por se tratarem de documentos autênticos que não foram impugnados pela oponente nos termos do disposto nos artigos 363º, 369º, 371º e 372º do Código Civil, bem como, do acordo da opoente que não os impugnou."
Os documentos juntos com o requerimento executivo foram - tão só - as cópias das duas escrituras de mútuo e uma cópia de Certidão da Conservatória do Registo Predial. Por outro lado, esta factualidade está expressa e diretamente impugnada no requerimento inicial da presente oposição, designadamente onde se alega que "É falso que a oponente tenha deixado de cumprir as obrigações que assumiu no primeiro contrato referido a partir de 20/03/2010. Como é falso que tenha deixado de cumprir as prestações referentes ao segundo contrato de mútuo a partir de 20/07/2010. Como efeito, a partir dessa data foram pagar diversas prestações através de débito lançado em contra ou através de depósitos efectuados para o efeito."
No entanto, da análise dos extratos bancários juntos aos autos resulta prova suficiente das alegações de ambas as partes. Ou seja, que a Embargante/Recorrente deixou de pagar as prestações acordadas nas datas indicadas pela Exequente, mas que veio a pagar parte destas prestações em mora nas datas por si indicadas.
Assim, deverá efetivamente alterar-se a redação deste Ponto 5, da seguinte forma: "Ponto 5: A Executada não pagou as prestações acordadas, decorrentes destes mútuos, desde 20.03.2010 e 20.06.2010, respetivamente. Posteriormente, a prestação de Abril de 2010, referente ao primeiro contrato, de mútuo foi liquidada por esta em 31.12.2010 e a prestação de Maio de 2010 foi liquidada em 01.02.2011, em data posterior à instauração da acção executiva. Relativamente ao segundo contrato de mútuo, em 31.12.2010, mostravam-se pagas todas as prestações referentes a esse ano, tendo a prestação de Janeiro de 2011, que se vencia a 20.01.2011, sido paga em 01.02.2011; a prestação de Fevereiro de 2011 foi paga na data do seu vencimento; e a prestação de Março de 2011 foi paga em 25 de Março de 2011.”
Mais pretende a Recorrente a alteração da redação do Ponto 9, propondo a seguinte redação alternativa: “9. A partir de Agosto de 2010, a executada sofreu um agravamento no “spread” de 0,375% e cada empréstimo.”
Assiste razão à Recorrente: uma vez mais, a fundamentação constante da sentença não justifica cabalmente a consideração de toda esta fatualidade como provada e a Embargante impugnou tal factualidade no requerimento de oposição à execução.
Por outro lado, a Recorrida não produziu qualquer tipo de prova da verificação dos factos concretos que invocou para justificar tal agravamento do "spread".
Assim, altera-se o Ponto 9 dos Factos Provados nos termos sugeridos pela Recorrente: "Ponto 9: A partir de agosto de 2010, a executada sofreu um agravamento no "spread" de 0,375 % em cada empréstimo."
Finalmente, a Recorrente pretende a consideração dos factos das Alíneas b), e), f) e g) dos Factos Não Provados como Provados.
Alega, para tanto, que o Tribunal ignorou o que o exequente havia reclamado no requerimento executivo e o que o próprio havia admitido na sua contestação, em conjugação com o teor dos títulos executivos e da falta de qualquer comunicação feita pelo banco nos termos do número QUATRO da cláusula SEGUNDA dos documentos complementares.
Acrescenta que competia ao exequente, e não à oponente, a prova de ter procedido às comunicações à mutuária das alterações das taxas de juros e, consequentemente, da perda das bonificações, o que, manifestamente, este não logrou produzir. Também que não pode conformar-se com a decisão proferida a respeito da alínea g) dos Factos Não provados, por força do depoimento da única testemunha inquirida nos autos, cuja prova não foi infirmada por nenhum outro meio probatório.
Vejamos: quanto à Alínea b) dos Factos não Provados resulta expressamente do teor do documento de fls. 137 e 138 que o Banco exequente procedeu, em 04/06/13, ao crédito de valores que ele mesmo qualifica de "valores incorretamente processados relativos à comissão de prestação em atraso", no valor global de € 109,20. Acresce que, de tal documento, consta ainda expressamente que tais valores incorretamente processados se reportam às prestações de novembro e dezembro de 2010 e de janeiro de 2011.
Assim, e inexistindo qualquer outro elemento probatório a este respeito, deverá aditar-se um novo Ponto aos Factos Provados, com a seguinte redação: "Ponto 11: A Exequente cobrou à opoente juros remuneratórios e despesas superiores às que estavam previstas no contrato, pelo menos no valor global de € 109,20."
Quanto às Alíneas e), f) e g), importa atentar na redação das respetivas Cláusulas Segunda dos Documentos Complementares dos contratos de mútuo em execução: "CLÁUSULA SEGUNDA: (...) DOIS - No empréstimo ora contratado, a taxa de juro acima indicada, beneficiará das seguintes bonificações: a) 0,25 % (zero vírgula vinte e cinco por cento), que se manterá enquanto a Mutuária mantiver domiciliado junto do Banco Mutuante o seu vencimento ou mantenha válida e plenamente eficaz uma ordem permanente de transferência do mesmo; b) 0,25 % (zero vírgula vinte e cinco por cento), com a contratação e manutenção dos seguros de vida na B Vida y Pensiones Companhia de Seguros, S.A. - Agência Geral em Portugal; c) 0,125 % (zero vírgula cento e vinte e cinco por cento), com a contratação e manutenção de um seguro multiriscos comercializado pelo Banco Mutuante; d) 0,125 % (zero vírgula cento e vinte e cinco por cento), com a domiciliação de pagamento de três despesas domésticas no Banco Mutuante. (...) QUATRO - Sem prejuízo da antecipação estipulada da taxa de juro aplicável ao primeiro período de contagem de juros, as taxas de juro prevalecentes para os períodos subsequentes serão fixadas no primeiro dia útil de cada novo período de contagem de juros, entrando em vigor na mesma data. Atempadamente, o Banco dará a conhecer à Mutuária a taxa de juro para cada novo período de contagem. (...)"
Da leitura desta cláusula retira-se - sem margem para dúvidas - que ficou contratualmente fixado entre as partes que a alteração da taxa de juros teria que ocorrer dentro dos condicionalismos aí previstos e ser comunicada "atempadamente" pelo Banco à Executada.
Por inerência, estando assente por acordo das partes que, a partir de agosto de 2010, a executada sofreu um agravamento no "spread" de 0,375 % em cada empréstimo, resta-nos controvertida a matéria residual da falta de comunicação.
Esta factualidade, de acordo com as regras do ónus da prova, deveria ter sido provada pela Ré, face ao acordado contratualmente. Consequentemente, em obediência às regras do ónus da prova, o teor destas alíneas deveria ter sido redigido pela positiva e não pela negativa, como se encontra formulado.
Ora, é manifesto que a Exequente não produziu qualquer prova de que tenha efectuado qualquer comunicação com este teor.
Assim sendo, e por as Alíneas em causa, além de formuladas erradamente sob a forma negativa, serem parcialmente coincidentes entre si em termos de conteúdo, substituem-se as mesmas por uma única Alínea não provada, com o seguinte teor: "A Exequente comunicou à Executada a alteração das taxas de juros inicialmente contratadas para um novo período de contagem, retirando-lhe as bonificações de que a mesma beneficiava por força do número DOIS da Cláusula SEGUNDA dos documentos complementares."
A conclusão é, então, a da parcial modificabilidade da matéria de facto.
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IV—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS (elencados na sentença, com as alterações decorrentes da modificabilidade parcial acima determinada):

1) Em 20.12.2007, o banco exequente celebrou, através de duas escrituras públicas, com a aqui executada/oponente como Mutuária, dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança.
2) Nos termos desses contratos, a aqui executada confessou-se devedora ao banco exequente das quantias de € 100.000,00 e de € 29.000,00 que desse mesmo banco recebeu a título de empréstimo, conforme resulta dessas escrituras públicas e respectivos documentos complementares, que juntos com o requerimento executivo e que aqui, por brevidade, se dão por inteiramente reproduzidos.
3) Para garantia do reembolso de capital e acessórios emergentes desses mútuos, a correspondente mutuária (aqui executada/oponente) declarou nas referidas escrituras públicas que constituía a favor do banco aqui exequente hipotecas sobre o prédio urbano – casa de habitação com logradouro, situado no lugar de Fonte da Cana ou Chamuscada, freguesia e concelho de Fafe, descrito na Conservatória sob o número 3486, hipotecas essas que se encontram já definitivamente registadas.
4) Nos termos do que ficou convencionado nos ditos contratos de mútuo, as quantias mutuadas e seus juros deveriam de ser restituídas ao banco aqui exequente em prestações mensais e sucessivas.
5) A Executada não pagou as prestações acordadas, decorrentes destes mútuos, desde 20.03.2010 e 20.06.2010, respetivamente. Posteriormente, a prestação de Abril de 2010, referente ao primeiro contrato, de mútuo foi liquidada por esta em 31.12.2010 e a prestação de Maio de 2010 foi liquidada em 01.02.2011, em data posterior à instauração da acção executiva. Relativamente ao segundo contrato de mútuo, em 31.12.2010, mostravam-se pagas todas as prestações referentes a esse ano, tendo a prestação de Janeiro de 2011, que se vencia a 20.01.2011, sido paga em 01.02.2011; a prestação de Fevereiro de 2011 foi paga na data do seu vencimento; e a prestação de Março de 2011 foi paga em 25 de Março de 2011.
6) Nos termos do clausulado nos mencionados contratos de mútuo “o não cumprimento pelo Mutuário de qualquer das obrigações assumidas neste contrato ou a ele inerentes e/ou relativas à garantia prestada, confere ao banco o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades ainda que não vencidas”. E “… constituem causa bastante e fundamentada de resolução do presente contrato, as que designadamente, se indicam: a) não cumprimento das obrigações emergentes do presente Contrato, assumidas pelo Mutuário; b) Mora no pagamento de qualquer prestação. A declaração de vencimento antecipado e consequente resolução do presente Contrato será comunicada pelo banco ao Mutuário, através de carta registada com aviso de recepção, que será enviada para o Mutuário, para a morada constante do presente Contrato, ou para a morada que posteriormente o Mutuário indique ao banco mediante documento escrito, tornando-se tal comunicação eficaz independentemente de este ter ou não acusado a recepção da carta”.
7) No EP 90173103633 verificou-se uma amortização de capital no valor de 5.452,97€ e no EP 91173060910 uma amortização de capital no valor de 2.149,71€.
8) Os empréstimos 90173103633 e 91173060910 tinha um “spread” bonificado de 0,49% e 0,70% respectivamente, condicionado à manutenção de: Seguros de Vida, Seguro Multiriscos, Domiciliação ordenado/rendimento, Outras domiciliações – domiciliação do pagamento de três despesas.
9) A partir de agosto de 2010, a executada sofreu um agravamento no "spread" de 0,375 % em cada empréstimo.
10) Nos termos das escrituras públicas celebradas as partes declararam que a hipoteca era constituída em caução e garantia do pagamento das quantias mutuadas, da taxa de juros de empréstimo, sendo que em caso de mora e a título de cláusula penal acresce uma taxa de quatro por cento e das despesas resultantes dos contratos, fixadas no que se refere ao primeiro em 4.000,00€ e quanto ao seguindo em 1.160,00€.
11) A Exequente cobrou à opoente juros remuneratórios e despesas superiores às que estavam previstas no contrato, pelo menos no valor global de € 109,20.

Factos não Provados (Factos elencados na decisão em recurso com as alterações decorrentes da modificabilidade acima determinada):
a) O exequente em 26/11/2010 comunicou, por carta registada com aviso de recepção, à executada/oponente que, de acordo com as Condições Gerais dos contratos procedia à resolução dos mesmos.
b) As taxas de juro que cobrava não tinham correspondência directa com a indexante EURIBOR a três meses.
c) O banco exequente procedia a arredondamentos superiores ao arrendamento da taxa à milésima acrescida de um “spread” de 1,24% previsto no contrato e aos que por lei lhe era permitido fazer.
d) A Exequente comunicou à Executada a alteração das taxas de juros inicialmente contratadas para um novo período de contagem, retirando-lhe as bonificações de que a mesma beneficiava por força do número DOIS da Cláusula SEGUNDA dos documentos complementares .
e) A oponente insurgiu-se por diversas vezes contra a taxa de juro que o banco cobrava, não aceitando, nem concordando com as taxas aplicadas.
f) No seguimento dessas reclamações, o exequente comprometera-se rever as taxas de juro do contrato e repor as bonificações que unilateralmente tinha retirado, reconhecendo ele próprio que as taxas de juros eram excessivas e que as bonificações foram indevidamente retiradas.
g) Apesar de todas as promessas, os valores que o exequente continuava a cobrar eram excessivos e superiores aos contratualizados.
h) A oponente liquidou mais de 20.000,00€ por força dos contratos celebrados.
i) O exequente apenas imputou à amortização do capital a quantia de 4.692,27€ relativamente ao primeiro contrato, e a quantia de 1.576,53€ relativamente ao segundo.
j) O valor pago pela oponente para amortização do capital foi de, pelo menos, 12.500,00€.
V—DIREITO
Importa, agora, reapreciar a matéria de facto dada como provada, à luz dos específicos fundamentos recursivos apresentados pela Embargante.
A oposição à execução, mediante embargos, é um meio de defesa conferido ao executado em processo executivo.
Nesta forma de defesa compete ao executado e embargante alegar e provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente ou que impeçam a execução do título.
No caso vertente, os títulos executivos em presença são duas escrituras públicas de mútuo com hipoteca e fiança e respetivos Documentos complementares, títulos autênticos exarados por Notário em que se convencionaram prestações de dívida futuras (cf. Art. 703.º, n.º 1, alínea b), e 707.º, ambos do C.P.Civil).
É pacífico na doutrina e jurisprudência que este tipo de títulos só podem servir de base a execução desde que esteja provado, por documento conforme com as cláusulas da escritura, ou revestido de força executiva, que foi realizada alguma prestação em cumprimento do negócio.
Trata-se, no entanto, de questão não relevante no caso em apreciação, já que – para além de não constar do objeto do recurso - a Exequente juntou ao Processo principal certidão da Conservatória do Registo Predial comprovativa de que as respectivas hipotecas foram oportunamente registadas.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2007 (3), "Como é sabido, o fundamento substantivo da ação executiva é a própria obrigação exequenda, sento que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela ação e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fático-jurídicas."
Do teor dos respectivos títulos executivos e Documentos Complementares resulta – entre o mais - que “CLÁUSULA PRIMEIRA: (…) DOIS – O capital mutuado será entregue pelo Banco por crédito da conta de depósito à ordem número (…) de que a Mutuária é titular, devendo a mesma ser paga ao Banco Mutuante no prazo de trezentos e trinta e seis meses, em prestações constantes, mensais e sucessivas, as quais serão debitadas na conta de depósito à ordem acima referida, compreendendo, cado uma, capital e juros. TRÊS – A primeira prestação vencer-se-á no dia vinte de Janeiro de dois mil e oito e a último no termo do Contrato, salvo ocorrendo o seu reembolso antecipado, obrigando-se a Mutuária a manter tal conta de depósito à ordem com a provisão necessária para o efeito. Para tanto, fica o Banco, desde já, expressamente autorizado a debitar a referida conta de depósito à ordem pelos valores que se mostrem devidos.”
É, portanto, manifesto que resulta de tais documentos a constituição e o reconhecimento de obrigações pecuniárias da Executada perante a Exequente e a fixação do modo concreto de pagamento em prestação das mesmas.
Consequentemente, tais escrituras públicas, juntamente com os respectivos Documentos Complementares e com a referida prova complementar de que ocorreu início de execução dos contratos, constituiriam título executivo bastante relativamente a cada uma das prestações que não viessem a ser pagas pela Executada na data do respectivo vencimento.
Acontece que no processo executivo principal a Recorrida/Exequente não executa qualquer prestação ou prestações vencidas e em dívida.
Diversamente, a Recorrida alega no requerimento executivo: “Acontece, porém, que a mutuária e aqui executada, acima indicada, cessou o pagamento das prestações de reembolso de ambos os empréstimos contraídos, sendo a partir de 20.07.2010 no que diz respeito ao primeiro desses empréstimos, e a partir de 20.07.2010 no que diz respeito ao segundo deles, não mais tendo retomado esse pagamento pelo que, nos termos dos contratos de mútuo acima invocados e das normas legais aplicáveis, os empréstimos em causa venceram-se antecipadamente e na íntegra (nos montantes dos respectivos valores de capital não amortizado de, àquela data, € 95 307,73 e de € 27 423,47, respectivamente), passando o Banco aqui exequente a poder exigir o pagamento imediato do capital mutuado, acrescido dos seus juros remuneratórios e moratórios.” Isto é, executa a totalidade dos valores em dívida, por invocado vencimento antecipado, em virtude da mora.
No entanto, nos Documentos Complementares das escrituras públicas exequendas as partes acordaram expressamente que “CLÁUSULA SÉTIMA: UM - O não cumprimento pela Mutuária de qualquer das obrigações assumidas neste Contrato ou a ele inerentes e/ou relativas à garantia prestada, confere ao Banco o direito de considerar imediatamente vencido tudo o que for devido, seja principal ou acessório, com a consequente exigibilidade de todas as obrigações ou responsabilidades, ainda que não vencidas. (…) TRÊS – A declaração de vencimento antecipado e consequente resolução do presente Contrato será comunicada pelo Banco à Mutuária, através de carta registada com aviso de recepção, que será enviada à Mutuária, para a morada constante do presente Contrato, ou para a morada que posteriormente a Mutuária indique ao Banco mediante documento escrito, tornando-se tal comunicação eficaz independentemente de esta ter ou não acusado a recepção da carta.”
Resulta desta estipulação contratual a fixação de um direito potestativo extintivo à Exequente de resolução do contrato. Mas resulta complementarmente que esta cláusula resolutiva expressa, em obediência ao art. 436.º, n.º 1, do Código Civil (4), teria que ser exercida mediante envio de declaração escrita para a Executada.
Por este motivo, a Recorrente defende que, em face da ausência da prova da efectivação de tal comunicação, os contratos de mútuo juntos pela Exequente no requerimento executivo não são títulos executivos bastantes para reclamar o pagamento das quantias que o banco veio reclamar.
Entendemos que lhe assiste razão.
A ação executiva está sempre subordinada ao conteúdo do título executivo.
Os títulos executivos dos autos não incorporam - por si só - o direito de reclamar o vencimento da totalidade das prestações em falta, em caso de mora. O que resulta dos mesmos é que a resolução do contrato por parte da Exequente fica dependente de comunicação pela Banco à Mutuária, através de carta registada com Aviso de Recepção, produzindo efeitos a partir daquela data.
Nestas situações, Abrantes Geraldes (5) defende que "Implicando a resolução contratual a antecipação da obrigação de restituição, a verificação do respectivo condicionalismo não emerge do próprio documento, exigindo a invocação e a prova de outros factos que terão de ser submetidos à discussão contraditória a realizar em sede de acção declarativa."
A nossa posição não é tão restritiva, já que se nos afigura que este direito seria - em tese geral - exercitável através da ação executiva.
Descendo ao caso concreto, entendemos que, para os títulos executivos dos autos poderem fundamentar a pretensão da Exequente incumbiria a esta o ónus de alegar e juntar prova documental comprovativa de que efectuou a dita comunicação, através de carta registada com aviso de receção, por aplicação do disposto no art. 715.º, n.º 1, do C.P.Civil.
No mesmo sentido, o art. 724.º, n.º 1, alíneas e) e h) do C.P.Civil, dispõe que no requerimento executivo, o exequente - entre o mais - deve expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo e deve alegar a prestação de que depende a exigibilidade do crédito exequendo, indicando ou juntando os meios de prova.
Sequencialmente, em face dessa alegação complementar e prova documental, sempre assistiria à Executada rebater tal alegação e/ou prova em sede de oposição à execução.
No caso vertente, a Exequente, no articulado de contestação ao requerimento de oposição à execução, alega que, por carta de 26/11/2010, comunicou à Embargada/Executada que procedia à resolução dos contratos.
Mas, tal como se refere na sentença recorrida, "Nos termos do art. 342º, nº1 do Código Civil o ónus da prova de que a exequente tinha comunicado à exequente a resolução do contrato incumbia a esta por se tratar de um facto constitutivo do direito por si reclamado. A este propósito a exequente, todavia, apenas juntou fotocópia de uma carta a fls. 32 sem que tivesse produzido qualquer outra prova que complementasse aquela, nomeadamente o respectivo talão de registo e o aviso de recepção e/ou depoimento de funcionário que tenha procedido a tal diligência. Pelo que, face à fragilidade da prova apresentada, não podia o Tribunal considerar tais factos com provados."
Assim sendo, não tendo a Exequente produzido tal alegação e prova complementares a conclusão necessária é a de que os meros documentos apresentados com o requerimento executivo não traduzem a certeza e a exigibilidade do direito invocado pela Exequente. Ou seja, não constituem títulos executivos exigíveis.
Esta conclusão resulta do conceito legal e doutrinária de titulo executivo acima exposto e da inerente falta de causa de pedir na parte excedente ao contido no título.
Versando sobre um caso paralelo ao destes autos, decidiu-se no Acórdão de 08/10/2015 desta Relação, tendo como Relator Carvalho Guerra (7): "A exequibilidade conferida por lei aos documentos particulares assenta na aparente certeza e segurança quanto à existência e quantificação das obrigações, o que deve emergir do texto do documento. Tal não ocorre com as obrigações emergentes da resolução do contrato que consta do documento que serve de título executivo à execução, o que desde logo se apreende quando se considera que a restituição é exigível não por força do contrato mas da sua resolução."
Nos termos expostos, concluímos que não concordamos com a tese expositiva na sentença a este propósito, no sentido de que a falta de demonstração da interpelação à oponente para o cumprimento antecipado das prestações vincendas não belisca a existência e exequibilidade do título quanto ao direito às prestações reclamadas, apenas se refletindo no que se refere ao montante dos juros moratórios.
Em nossa opinião, tal falta de prova implica a procedência do presente recurso, com a inerente procedência da oposição apresentada, através de embargos de executado.
A conclusão que antecede prejudica a apreciação das demais questões complementares suscitadas nas alegações de recurso, referentes ao pagamento posterior das quantias em dívida, despesas, juros de mora e sobretaxas devidas.
Deixa-se, no entanto, consignado que a quantia peticionada a título de despesas nunca seria devida já que a Exequente se limita a pedir o montante que se estimou e se fez registar no Registo Predial. Diversamente, por não se tratar de despesas líquidas, a Exequente sempre teria que especificar no requerimento inicial os valores que considera compreendidos em tal prestação e concluir por um valor líquido.
Procede totalmente o recurso apresentado.
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VI—DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso da Recorrente/Embargada, com a inerente procedência da oposição à execução e consequente extinção da ação executiva.
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Custas a cargo da Recorrida/Exequente - art. 527.º do C.P.Civil.

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Notifique e registe.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Guimarães, 10 de novembro de 2016
(Lina Castro Baptista)
(Maria de Fátima Almeida Andrade)
(Alexandra Maria Rolim Mendes)
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(1) Doravante designado C.P.Civil.
(2) In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2ª Edição, 2014, pag. 235 e ss.
(3) Proferido no Processo nº 07B3616, tendo como Relator Salvador da Costa e disponível em www.dgsi.pt no dia 02/11/2016.
(4) Doravante designado por C.Civil.
(5) In A Reforma da Acção Executiva, TEMIS, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano IV, nº 7, p. 46.
(6) Como já se referiu acima, as escrituras públicas, respetivos Documentos Complementares e uma certidão da Conservatória do Registo Predial.
(7) Proferido no Processo nº 81/14.0TBMDL.G1 e disponível em www.dgsi.pt no dia 02/11/16.