Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
408/17.2T8VRL.G2
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
NÃO USO DO LOCADO
DIMINUTO USO DO LOCADO
USO RESIDUAL
ABUSO DE DIREITO (SUPRESSIO)
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O fundamento resolutivo de não uso do locado por mais de um ano previsto no art. 1083º, n.º 2, al. d), do CC compreende-se pelo facto de o arrendatário ter uma obrigação de utilização efetiva do local arrendado para o fim contratado (art. 1072º, n.º 1, do CC), visando-se acautelar o interesse do senhorio de modo a evitar a desvalorização do locado associado ao seu não uso e, reflexamente, protegendo-se ainda o interesse geral de fomentar o aproveitamento de todos os locais disponíveis.

II - Pode constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento não apenas a abstenção integral de utilização do locado, mas também uma redução na sua utilização de tal forma significativa ou acentuada que prejudique o valor do locado.

III - Tendo-se a arrendatária obrigado a manter aberta o ano inteiro uma loja comercial de venda de artigos de vestuário, a mera exposição de artigos, há mais de 10 anos, servindo como montra para uma outra loja, num local agora não aberto ao público (encontrando-se a porta fechada e sem nenhum funcionário em permanência para atender possíveis clientes), configura um caso de uso não revelante, que, dada a localização e exposição privilegiada do locado, constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento (art. 1083.º, n.º 2, al. d) do CC).
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

X – Gestão Empresarial, Lda, instaurou, no Juízo Local Cível de Vila Real – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A. B. - Comércio e Representações de Alta Costura, Lda, peticionando:

- a) Que seja decretada a validade da cessação do contrato de subarrendamento, por denúncia feita pela A. em 15.11.2016 e com efeitos em 21.02.2017, com a condenação da Ré na entrega do locado, imediatamente, livre e devoluto e em perfeito estado de conservação e limpeza, com todas as chaves.
b) A condenação da Ré a pagar à A. a quantia de € 18.000,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela A. acrescida dos respectivos juros legais.
c) Para a hipótese do pedido da alínea b) não proceder, a condenação da Ré a pagar à A. a quantia diária de € 50,00 a título de sanção pecuniária compulsória, desde o dia 22.02.2017 até à data da entrega efectiva do locado (…)”

Para tanto, alegou, em síntese, que por os ter tomado de arrendamento à Y – Empreendimentos Urbanos, S.A., é inquilina dos espaços comerciais existentes no prédio urbano sito na freguesia e concelho de Vila Real, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, conhecidos por “Galerias Y”, entre as quais a fracção autónoma designada pela letra “Q”, a qual, em 01/08/1988, mediante documento escrito, subarrendou a A. B., pelo período de 1 ano, com início naquela data, susceptível de renovação, por iguais períodos, para o exercício do comércio, mediante o pagamento de uma renda mensal inicial de 60 mil escudos, a pagar até ao 1.º dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, tendo ulteriormente os recibos da renda passado a ser emitidos em nome da ré.

Mais alega que, desde há vários anos, a ré mantém a loja fechada, apenas a utilizando como montra de outro estabelecimento de que dispõe noutra artéria da cidade de Vila Real, o que consubstancia um incumprimento contratual, motivo pelo qual procedeu à denúncia do contrato de arrendamento, com efeitos reportados a 21/02/2017, mediante carta registada enviada à ré; a loja não lhe foi restituída na data prevista, o que fez com que perdesse a oportunidade de a subarrendar a uma interessada, pelo montante anual de € 18.000,00, cujo pagamento exige à ré, mas, para a eventualidade de não ser atendida tal pretensão indemnizatória, sustenta que a ré deverá ser condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no montante diário de € 50,00, a contar de 22/02/2017.
*
Contestou a Ré, nos termos constantes de fls. 27 a 50, pugnando pela total improcedência da ação.
Em abono da sua defesa alegou, em síntese, que:

Desconhece se a autora possuía a qualidade de locatária das denominadas “Galerias Y”, ou se a senhoria autorizou a sublocação;
O documento de 01/08/1988 apenas consubstancia uma promessa de arrendamento e não a celebração do contrato de locação definitivo;
Admitiu que a autora cedeu a A. B., a título de locação, o gozo da fracção autónoma designada pela letra “Q”, com efeitos reportados a 01/08/1988;
A sociedade ré foi constituída em 14/05/1999, passando a gozar da fracção autónoma designada pela letra “Q”, a partir de Maio/Junho de 1999, a título de locação, por transferência da posição de A. B., com autorização da autora;
Rejeitou que tivesse incumprido o contrato relativamente à utilização da loja, mas em todo o caso considera abusiva a invocação da situação existente, por esta perdurar há vários anos;
Sustenta não existir fundamento para a pretensão indemnizatória aduzida pela autora;
Defende igualmente não assistir fundamento legal ou contratual para a cessação da relação locatícia operada pela autora, mas, a entender-se que o contrato acobertava a actuação da ré, invoca a invalidade das respectivas estipulações contratuais.
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A autora apresentou resposta (fls. 71 a 85), pugnando pela improcedência das exceções invocadas na contestação e reafirmando o mais peticionado na petição inicial.
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A fls. 196 e ss., foi proferido saneador/sentença, nos termos do qual se decidiu:

«a) Julgar improcedentes os pedidos formulados pela autora X – GESTÃO EMPRESARIAL, LDA., contra a ré A. B. - COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES DE ALTA COSTURA, LDA., a qual se absolve em conformidade de tais pretensões;
b) Condenar a autora X – GESTÃO EMPRESARIAL, LDA., no pagamento das custas processuais – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.»
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Interposto recurso pela autora, na sequência do qual, em 08/03/2018, foi por este Tribunal proferido acórdão (fls. 249-283), onde se decidiu “(…) julgar procedente a apelação, anulando a sentença e determinando que o Tribunal «a quo» profira despacho a convidar a autora/recorrente a aperfeiçoar o segmento petitório da petição inicial, nos termos do disposto no art 590.º, n.º 3, do CPC” .
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Em 24/05/2018 (fls. 298), foi proferido despacho no qual foi decidido convidar a autora a esclarecer se pretendia “(…) unicamente a apreciação da validade da cessação do contrato de subarrendamento, por denúncia feita em 15.11.2016 e com efeitos em 21.02.2017, ou, diversamente, se além desse pedido expressamente formulado, também pretendia ver decretada a cessação do contrato de subarrendamento com fundamento na invocada resolução”.
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Na decorrência do convite que lhe foi formulado veio a autora apresentar articulado (fls. 299 v.º) no qual explicitou que “(…) com a presente acção, (…) para além do pedido expressamente formulado, também pretende ver decretada a cessação do contrato de subarrendamento com fundamento na invocada resolução (…) requerendo que seja este pedido aditado àquele que fez na sua petição inicial”.
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A ré ofereceu resposta (fls. 301/302), na qual reiterou a posição já sufragada na contestação.
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Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 393 a 400, 404 e 405).
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Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 406 a 420), nos termos da qual decidiu:

«a) Declarar a cessação do contrato de subarrendamento identificado nos factos provados n.º 9 a 12;
b) Condenar a ré A. B. - COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES DE ALTA COSTURA, LDA., a despejar o locado e a entregá-lo à autora X – GESTÃO EMPRESARIAL, LDA., livre de pessoas e bens;
c) Julgar improcedentes os demais pedidos formulados pela autora X – GESTÃO EMPRESARIAL, LDA., contra a ré A. B. - COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES DE ALTA COSTURA, LDA., a qual se absolve em conformidade de tais pretensões;
d) Condenar a autora X – GESTÃO EMPRESARIAL, LDA. e a ré A. B. - COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES DE ALTA COSTURA, LDA., no pagamento das custas processuais, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em partes iguais – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C».
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Inconformada, a Ré, A. B. - Comércio e Representações de Alta Costura, Lda, interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 421 a 450) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«Tirando-se pois as vinte conclusões que se seguem.

PRIMEIRA CONCLUSÃO
O presente recurso visa impugnar matéria de facto e matéria de direito, consistindo o fundamento específico da recorribilidade dele, em erros de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito.

SEGUNDA CONCLUSÃO
E quanto ao que, a tal matéria de facto tange, especifica-se, em cumprimento do artigo 640.º-3, do CPC, o seguinte:
A) Os concretos pontos de facto que a recorrente considera que foram incorretamente julgado na sentença sob recurso (artigo 640.º-1-a), do CPC), são os três seguintes:
Facto um
Na loja em causa, houve, no decurso dos últimos 17 ou 18 anos, incluindo no ano de 2018, períodos em que ela se encontrou aberta ao público.
Facto dois
Em tal loja foram realizadas, no decurso desses 17 ou 18 anos, incluindo no ano de 2018, diversas vendas de artigos de vestuário e similares.
Facto três
A situação dessa loja, no que toca à abertura ao público dela, já se mantém igual há cerca de 17, ou mesmo 18, anos.
três factos estes que deveriam ter sido todos considerados provados, o que, relembre-se, não sucedeu na sentença em questão.
B) Os concretos meios probatórios, constantes do processo, ou de registo ou gravação nele processo realizada, que impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (artigos 640.º-1-b), do CPC), isto é, que impunham que o Facto um, o Facto dois e o Facto três, constantes da alínea A) anterior, que, repita-se, são relevantes para a decisão, devessem ter sido considerados como provados, consistem na prova testemunhal, mais concretamente nos depoimentos de algumas das testemunhas, como, no ponto 10 seguinte, melhor se especificará e se desenvolverá
C) A decisão que, no entender da recorrente, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas (artigos 640.º-1-c), do CPC), isto é, sobre o Facto um, o Facto dois e o Facto três, constantes da alínea A) anterior, é, serem, ao contrário do que sucedeu, esses factos considerados todos como provados. E isto pelos motivos, rectius pela prova, já atrás referidos, conforme, repise-se, no ponto 10 seguinte se desenvolverá.

TERCEIRA CONCLUSÃO
Por fim, e para finalizar esta temática da impugnação da matéria de facto, mencione- se, como se menciona, que, havendo, como há, meios probatórios invocados, como fundamento do erro na apreciação das provas, que foram gravados, meios esses que consistem no depoimento de algumas das testemunhas, mais precisamente as testemunhas, e seguindo a ordem cronológica dos respetivos depoimentos, M. J., C. A., M. T., J. J., P. A., A. D., M. F. e F. F., que depuseram nos autos, indicam-se, com exatidão, e em cumprimento do comandado no artigo 640.º-2-a), do CPC, as passagens da gravação em que se funda, quanto à alteração da matéria de facto pretendida, o presente recurso.

Passagens essas que, relembre-se, constam dos depoimentos das oito testemunhas atrás referidas, depoimentos esses que foram todos gravados em CD, através do sistema integrado de gravação digital, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, com recurso ao Programa Informático H@bilus Média Studio, desde as 14:38 até às 14:45 horas, do dia 29 de outubro de 201813, e desde as 10:24 até às 10:30 horas, do dia 14 de dezembro de 201814, sendo essas passagens as seguintes:
Dia 29 de outubro de 2018
9. Testemunha M. J. (00:00.01 a 00:18:00)
O depoimento total desta testemunha, que decorreu, no dia 29 de outubro de 2018, vai desde as 10 horas, 17 minutos e 03 segundos, até às 10 horas, 35 minutos e 03 segundos (00:00:01 a 00:18:00), contendo tal depoimento, primeiro, desde os 06 minutos e 00 segundos até aos 06 minutos e 25 segundos, e, depois, desde os 15 minutos e 00 segundos, até aos 15 minutos e 40 segundos, as partes dele com relevância para a prova do que aqui está em causa, partes essas que se transcrevem:
“M. J. (06:00)
Nunca entra cliente. A senhora dona A. B. vai lá, há dezassete anos que a loja está fechada. A dona A. B. vai lá quase todos os dias, por volta da uma e meia, duas horas. Vai lá, rega os vasos, entra, sai e vai-se embora. E, portanto, não, não há clientes. Inclusive a minha funcionária da loja da frente, era ela que muitas das vezes teria, tinha que indicar ou onde era a loja da dona A. B., porque as pessoas iam lá perguntar se a loja estava fechada, quando, a que horas abria, a que horas não abria. A minha funcionária é que ainda era funcionária dela.
Advogado (15:00)
Só dois pequenos esclarecimentos. Portanto, disse que, que a loja está fechada há cerca de dezassete anos ou coisa assim, quando morreu depois uma, uma funcionária, P.
M. J.
Antes disso. Sim, sim.
Advogado
Foi nessa altura que fechou a loja, quando a P. morreu? Essa senhora que chamava…
M. J.
Foi e depois esteve…
Advogado
Poucos dias ou poucos…
M. J.
Pouco, pouco tempo depois…
Advogado
Mas já está fechada há…
M. J.
Já. Há dezassete anos, sim.
10. Testemunha C. A. (00:00.01 a 00:15:09)
O depoimento total desta testemunha, que decorreu, no dia 29 de outubro de 2018, vai desde as 10 horas, 36 minutos e 56 segundos, até às 10 horas, 52 minutos e 04 segundos (00:00:01 a 00:15:09), contendo tal depoimento, desde os 02 minutos e 14 segundos até aos 02 minutos e 17 segundos, a parte dele com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte essa que se transcreve:
Advogado (02:14)
O que se pergunta aqui é se esta loja… já está mais ou menos assente que esta loja que está fechada ao público, a loja da D. A. B..
C. A.
Sim.
Advogado
Há quanto tempo?
C. A.
Não sei dizer exatamente o tempo, sei que mais de quinze anos.
Advogado
Mais de quinze anos.
C. A.
Mais de quinze anos.
11. Testemunha M. T. (00:00.01 a 00:08:58)
O depoimento total desta testemunha, que decorreu, no dia 29 de outubro de 2018, vai desde as 11 horas, 19 minutos e 53 segundos, até às 11 horas, 28 minutos e 52 segundos (00:00:01 a 00:08:58), contendo tal depoimento, desde os 02 minutos e 05 segundos até aos 02 minutos e 10 segundos, a parte dele com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte essa que se transcreve:
Advogado (02:05)
Olhe quando é que ela fechou? Aquela loja.
M. T.
Aquela loja já está fechada se eu não estou em erro vai para dezassete anos.
12. Testemunha J. J. (00:00.01 a 00:08:58)
O depoimento total desta testemunha, que decorreu, no dia 29 de outubro de 2018, vai desde as 11 horas, 33 minutos e 11 segundos, até às 11 horas, 42 minutos e 09 segundos (00:00:01 a 00:08:58), contendo tal depoimento, desde os 01 minutos e 10 segundos até aos 01 minutos e 18 segundos, a parte dele com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte essa que se transcreve:
Advogado (01:10)
Olhe depois fala-se aqui que a loja que a partir de uma certa altura que fechou.
J. J.
Sim.
Advogado
Sabe-nos dizer quando é que isso aconteceu?
J. J.
Mais ou menos dezoito anos talvez, dezassete… dezoito anos.
Advogado
Já assim há tanto tempo?
J. J.
Sim.
13. Testemunha P. A. (00:00.01 a 00:14:02)
O depoimento total desta testemunha, que decorreu, no dia 29 de outubro de 2018, vai desde as 14 horas, 23 minutos e 02 segundos, até às 14 horas, 37 minutos e 03 segundos (00:00:01 a 00:14:02), contendo tal depoimento, desde os 03 minutos e 06 segundos até aos 06 minutos e 00 segundos, a parte dele com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte essa que se transcreve:
Advogado (03:06)
E essa loja que tem ali na…nas galerias Y, que é o que está aqui em questão, fazem lá também algumas vendas, quando algum cliente lá quer ir ou não, ou sim, como é que isso acontece?
P. A.
Sim, faz vendas lá, inclusivamente há pessoas que identificam pelo estilo da loja, pela… pela mercadoria similar, pelas montras, pelo estilo das montras, (00:05:02) e depois quando encontram a loja da… da Rua ..., dizem “ai a Senhora é a mesma daquela loja… ai eu queria um… queria que me… queria uma peça que vi lá, que gostei muito”.
Advogado
E vão lá buscá-la?
P. A.
E vão lá buscá-la, sim, sim.
Advogado
Ou o cliente, como é que se vai lá ver?
P. A.
Vão lá, ou vai o cliente, ou… as pessoas identificam uma loja com a outra.
Advogado
Nós ainda há bocado lá estivemos, por acaso entrou um cliente, que foi (impercetível…) até compro lá qualquer coisa. (impercetível…) de ter sido por acaso. O… e portanto, essa… a D. A. B. tem alguma empregada?
P. A.
Não, a D. A. B. não tem nenhuma empregada.
Advogado
E tem (impercetível…) empregada ajudada por si nalguns casos.
P. A.
Ela teve uma empregada que faleceu em dois mil e um, e depois disso voltou a ter outra empregada que emigrou, em dois mil e…
14. Testemunha A. D. (00:00.01 a 00:06:44)
O depoimento total desta testemunha, que decorreu, no dia 29 de outubro de 2018, vai desde as 14 horas, 38 minutos e 26 segundos, até às 14 horas, 45 minutos e 09 segundos (00:00:01 a 00:06:44), contendo tal depoimento, desde os 02 minutos e 10 segundos até aos 05 minutos e 00 segundos, a parte dele com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte essa que se transcreve:
Advogado (02:10)
Há dezassete anos parece que tinha lá uma funcionária, não sei se ainda é do tempo da Senhora, a P..
A. D.
Sim, já (impercetível…) sim, sim, sim.
Advogado
Até parece que ficou mais ou menos assente que está encerrada, no sentido em que não está sempre aberta, ao contrário do que sucede com a outra na Travessa da ….
A. D.
Exato.
Advogado
Mas, apesar disso a loja… a Senhora vai lá à loja, já foi lá a essa loja.
A. D.
Sim, sim, sim, mais do que uma vez até.
Advogado
Mais do que uma vez.
A. D.
Mais do que uma vez.
Advogado
Assim recentemente ou foi já há muitos anos?
A. D.
Não, tem sido desde que comecei a trabalhar, não é, há pouco tempo que…
Advogado
Desde que começou a trabalhar? (00:03:02)
A. D.
Exato, há dois anos, mais ou menos.
Advogado
Trabalha naquela zona?
A. D.
Não, não, desde que trabalho, que tenho podido fazer compras lá, não é.
Advogado
Não, estou-me a referir à loja… vai às duas lojas ou tem só ido à da Travessa da …?
A. D.
Vou às duas lojas, geralmente eu trabalho, passeio muito na cidade, não é, e vejo que ela passa e pronto, e depois peço-lhe que venha cá em cima fazer a venda, não é?
Advogado
Sim senhora. Pede a quem?
A. D.
À D. A. B..
Advogado
Mas quê, telefona, ou vai lá?
A. D.
Passo lá.
Advogado
Sim senhora.
A. D.
Passo e ela vem comigo cá acima abrir.
Advogado
Aconteceu isso assim recentemente, nos últimos meses?
A. D.
Recentemente quando tive aqui um batizado, há três ou quatro semanas, portanto, isto para mim é uma coisa normal.
Advogado
Três ou quatro semanas?
A. D.
Sim. Sim, sim, sim.
Advogado
E foi lá comprar alguma coisa?
A. D.
Comprei uma blusa, sim.
Advogado
Lá nessa loja das galerias?
A. D.
Na loja das galerias, sim.
Advogado
Estava lá exposta, ou viu, ou pediu para ir lá consigo?
A. D.
Pois, aquilo é uma loja que a gente vê por fora, não é, e desperta e pronto, já se sabe que é um bocadinho cara mas se não encontro em mais lado nenhum… e eu fui lá comprar essa peça, exato, (impercetível…). (00:04:00)
Advogado
Essa loja, portanto, essa loja, sempre a das galerias Y…
A. D.
Sim, Y.
Advogado
Portanto, então tem bastantes artigos lá?
A. D.
Sim, está sempre recheada e bem… e bem decorada. (impercetível…) de a gente dizer… ver o que é que está na moda, não é.
Advogado
E a moda, tem moda… tem coisas recentes, antigas?
A. D.
Não, está sempre atual. Está sempre moderna.
Advogado
Está sempre moderna.
A. D.
Está sempre moderna, os acessórios e tudo.
Advogado
Também terá algumas coisas mais antigas, que ficaram dos anos anteriores?
A. D.
Um vestido ou outro que uma pessoa queira usar, não é?
Advogado
Sim. E… e portanto, foi lá então, comprou lá uma coisa recentemente.
A. D.
Sim, sim, sim.
Advogado
Mas sabe que não tem lá nenhum funcionário habitualmente, não é?
A. D.
Sei que não tem, exatamente.
15. Testemunha M. F. (00:00.01 a 00:06:11)
O depoimento total desta testemunha, que decorreu, no dia 29 de outubro de 2018, vai desde as 10 horas, 24 minutos e 52 segundos, até às 10 horas, 31 minutos e 04 segundos (00:00:01 a 00:06:11), contendo tal depoimento, desde os 00 minutos e 53 segundos até aos 01 minutos e 57 segundos, a parte dele com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte essa que se transcreve:
“Advogado (00:53)
Então o que aqui está em questão é uma loja que a Dª A. B., por intermédio de uma sociedade, tem, juntamente com a mãe, ali na Rua …, conhecida por Rua …, conheces essa loja?
M. F.
Sim.
Advogado
Porquê, já lá foste alguma vez?
M. F.
Já, comprei, não agora recentemente, já há alguns anos, não sei precisar, já comprei umas luvas.
Advogado
Lá nessa loja?
M. F.
Sim, sim.
Advogado
E a loja está habitualmente aberta ao público, permanentemente, nesta fase?
M. F.
Permanentemente não posso dizer que esteja aberta, já a vi fechada, mas também já a vi aberta, portanto, algumas vezes estará aberta, outras vezes fechada, não sei exatamente precisar o número de horas que estará aberta ou fechada.
Advogado
Então está aberta, já a viste aberta?
M. F.
Já vi aberta, aliás recentemente passei lá, e a Senhora Dª A. B. estava a fazer, estava lá dentro, portanto, com o seu marido, e estava a fazer as montras.”
16. Testemunha F. F. (00:00.01 a 00:07:42)
O depoimento total desta testemunha, que decorreu, no dia 29 de outubro de 2018, vai desde as 10 horas, 31 minutos e 58 segundos, até às 10 horas, 39 minutos e 40 segundos (00:00:01 a 00:07:42), contendo tal depoimento, desde os 00 minutos e 22 segundos até aos 03 minutos e 11 segundos, a parte dele com relevância para a prova do que aqui está em causa, parte essa que se transcreve:
“Advogado (00:22)
Bom dia. Temos aqui em causa uma loja que a Dª A. B., que está ali sentada, tem ali, através de uma sociedade, nas Galerias Y, na Rua …. Queria perguntar se conheces essa loja?
F. F.
Sim claro que conheço.
Advogado
E sabes se a D. A. B. tem outra loja?
F. F.
Tem outra loja perto da Pastelaria ..., e já teve uma outra no antigo Centro
Comercial ....
Advogado
Mas está fechada?
F. F.
Está fechada.
Advogado
E, nessa loja, já compraste alguma coisa em qualquer dessas duas últimas lojas, além da do ..., que já está fechada?
F. F.
Comprei em todas as três lojas, na primeira que ela teve, nesta, e nesta em causa, e na que está perto da Pastelaria ....
Advogado
E essa loja, centrando-nos agora nessa loja, que está aqui nas Galerias Y, essa loja já sabemos que não está sempre aberta, já está aqui demonstrado, quando compraste lá, a loja estava aberta, quando lá passaste, compraste?
F. F.
A loja estava aberta, comprei lá umas luvas que até tenho aqui, comprei echarpes.
Advogado
Nessa loja?
F. F.
Sim, estava aberta.
Advogado
Ias a passar e estava aberta.
F. F.
Já tinha visto os artigos, obviamente que fui para casa, pensar se os devia comprar, ou não, e quando os comprei estava aberta.
Advogado
A loja está… isso foi recentemente, ou foi já há alguns meses, uns anos, umas semanas?
F. F.
Já foi há mais de um ano, mas passo lá quase todos os dias, nas minhas caminhadas, passo lá, devo dizer, o motivo primeiro é para ver as montras que estão sempre muito bem arranjadas, bonitas, e a loja como está bonita, e também para ver as novidades, ainda ontem lá passei, e a loja tem todo aspeto, em nada me parece uma loja fechada, uma loja fechada não muda certamente, digo eu, que não mudará certamente tanto de decorações.
Advogado
Nesse Centro Comercial era habitual comprares outras coisas noutras lojas, também acontecia isso?
F. F.
Sim, comprava numa loja ao lado de chás, por exemplo, e num quiosque em frente, ou quase em frente, revistas.
Advogado
Compravas? Essa loja já não está lá, essa loja de chás?
F. F.
A de chás não está e a de revistas também não”

QUARTA CONCLUSÃO
Sendo a pretendida alteração da matéria de facto suficiente, para, por si só, conduzir à procedência do presente recurso, ou, pelo menos, muito contribuir para tal procedência.

QUINTA CONCLUSÃO
Passando agora à impugnação da matéria de direito, mencione-se, como se menciona, que, muito embora com a devida venia, na sentença apelada foram cometidos três erros de direito, constituindo cada um deles, e ainda que não houvesse alteração da matéria de facto, motivo bastante para a total completa procedência do presente recurso, com a consequente anulação da sentença recorrida (artigo 639.º-1, do CPC) e a absolvição da ré/recorrente de todos os pedidos contra ela autora formulados pela ré/recorrida.

SEXTA CONCLUSÃO
Consistindo, o primeiro desses três erros de direito em ter havido, como houve, uma errada aplicação da alínea d), do número 2, do artigo 1083.º, do CC.

SÉTIMA CONCLUSÃO
E isto porque, nos termos dessa norma legal, é o não uso do locado, por mais de 1 ano, que pode constituir fundamento de resolução, pelo senhorio, do contrato de arrendamento a que, tal locado se reporta.

OITAVA CONCLUSÃO
Ora, encontra-se provado nos autos, que a loja em causa, teve, em maior ou menor grau, uso, e até com relevância, o que afasta a aplicação de tal artigo 1083.º-d), do CC.

NONA CONCLUSÃO
Traduzindo-se o segundo erro de direito na errada aplicação do corpo, do número 2, do artigo 1083.º, do CC.

DÉCIMA CONCLUSÃO
E isto porque ainda que tivesse havido, que não houve, incumprimento contratual decorrente do não uso do locado por parte da ré, não é qualquer incumprimento contratual, por banda do inquilino, designadamente aquele a que se reportam os artigos 1072.º-2-a) e 1083.º-2-d), os dois do CC, que permite a resolução do contrato de arrendamento em causa por parte do senhorio.

DÉCIMA PRIMEIRA CONCLUSÃO
Efetivamente, para ser possível essa resolução, mister é que tal incumprimento, no caso em análise, e na hipótese teórica colocada, o não uso do locado, torne, pela sua gravidade e consequências, inexigível à outra parte, no caso à senhoria/autora, a manutenção do contrato de arrendamento.

DÉCIMA SEGUNDA CONCLUSÃO
Não tendo, no caso em análise, isso não ocorrido, nem está demonstrado, nem sequer alegado, nos autos, essa ocorrência, indiciando-se até fortemente dos mesmos que tal não sucedeu.

DÉCIMA TERCEIRA CONCLUSÃO
Na verdade, se esse pretenso não uso do locado, por mais de um ano, fosse grave, e/ou tivesse consequências muito negativas para a autora, certamente que esta não esperaria mais do que dez anos, mais precisamente, 17 ou 18 anos, para contra esse incumprimento reagir, pois que, durante todo esse tempo, e até apresentação em juízo da presente ação, ocorrida em 09 de março de 2017, isso não sucedeu, nem pela via judicial, nem pela via extrajudicial, como decorre, nomeadamente, de não ter sido, como não foi, provado, que, no decurso desses mais de dez anos, os representantes e colaboradores da autora tenham instado a ré a manter aberta a porta da loja, correspondente à fração Q, que é a que está aqui em causa.

DÉCIMA QUARTA CONCLUSÃO
Passando agora ao terceiro erro de direito da sentença apelada mencione-se que ele consistiu em não ter sido considerada procedente a exceção do abuso do direito, oportunamente invocada pela agora recorrente.

DÉCIMA QUINTA CONCLUSÃO
E isto por no entendimento do Meritissimo Senhor Doutor Juiz a quo, o abuso do direito na modalidade da supressio ou Verwirkung, a que a ré/recorrente se arrimou na contestação dela, não se bastar com a omissão da autora em ter reagido, tenha sido judicial ou extrajudicialmente, contra aquilo que, na visão que a autora defendeu nesta ação, constituiria um não uso do locado, durante mais de 10 anos, e, mais precisamente, 17 ou mesmo, 18 anos, exigindo também indícios objetivos de que esse eventual direito da autora a resolver o contrato de arrendamento em questão nunca seria exercido.

DÉCIMA SEXTA CONCLUSÃO
Entendimento este que não merece a concordância da ré, a qual defende antes que uma mera omissão da autora em atuar, quer judicial, quer mesmo extrajudicialmente contra a ré, paralisou o direito dela, pelo que a exceção em questão deveria ter sido considerada procedente.

DÉCIMA SÉTIMA CONCLUSÃO
Tanto mais que, quanto a ela, nada a autora disse, tenha sido em qualquer articulado, tenha sido nos termos do artigo 3.º-4, do CPC, no início da audiência final, levado em consideração que não houve lugar a audiência prévia, pelo que ela se tem que ter por provada (artigo 572.º-c), do CPC)

DÉCIMA OITAVA CONCLUSÃO
Tendo pois, a parte sob recurso da sentença em causa, violado, como violou, diversas disposições legais, designadamente os artigos 334.º, 1072.º-1 e 1083.º-2-a), todos do CC e 572.º-c), do CPC.

DÉCIMA NONA CONCLUSÃO
Devendo, por isso, e muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até, que seja, para com o Meritíssimo Senhor Doutor Juiz que a proferiu, ser a parte sob recurso da sentença em causa anulada (artigo 639.º-1, in fine, do CPC 2013), por erro quanto à decisão da matéria de facto e/ou por erros de julgamento, que são erros de direito, que se traduziram na violação, designadamente, do atrás referidos artigos 334.º, 1072.º-1 e 1083.º-2-a), todos do CC e 572.º-c), do CPC.

VIGÉSIMA CONCLUSÃO
Prolatando-se, em substituição da parte anulada douta sentença em questão, não menos douto acórdão, que determine que houve, em tal sentença, não só erro, quanto ao julgamento da matéria de facto, mas também os três erros de direito que atrás ficaram referidos, absolvendo-se, em consequência, a ré de todos os pedidos contra ela formulados pela autora.
Assim decidindo, como, temos disso a mais firme e completa certeza, não poderá, nem irá, deixar de suceder, farão V. Exas., Exmos. Senhores Doutores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, a melhor e mais justa justiça, que aliás soem sempre fazer, pelo que a ela nos têm, e de uma forma sistemática, habituado».
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A Autora apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 453 a 477).
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. fls. 480).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

Assim, no caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i) – da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
ii) – Da errada aplicação da al. d) do n.º 2 do art. 1083º do Código Civil.
iii) – Da errada aplicação do corpo do n.º 2 do art. 1083º do Código Civil.
iv) – Da verificação da exceção do abuso de direito.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

1. A constituição da Y, Empreendimentos Imobiliários, S.A. (N.I.P.C. n.º …), foi levada a registo mediante a ap. n.º 34 de 02/02/1987, então ainda sob a forma de sociedade por quotas, verificando-se que esta possui como objecto social o “arrendamento de espaços comerciais e gestão de condomínios”.
2. A constituição da autora foi levada a registo mediante a ap. n.º 7 de 23/11/1987, verificando-se que esta possui como objecto social a “exploração e administração de centros comerciais, gestão de empresas por via informática ou económica, compra e venda de propriedades e construção civil”.
3. A constituição da ré foi levada a registo mediante a ap. n.º 11 de 14/05/1999, verificando-se ainda que:
-possui como objecto social “comércio e representação de vestuário para adulto, bebés e crianças, tecidos, calçado, malas e similares, decoração”;
-tem o capital social de € 9.975,96, repartido por uma quota de € 9.875,95, de que é titular A. B. e uma quota de € 100,01, de que é titular M. E.;
-a gerência encontra-se a cargo de A. B.;
-vincula-se com a intervenção da gerente.
4. Decorre do registo predial que o prédio urbano sito na freguesia e concelho de Vila Real, inscrito na matriz predial sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 505:
-composição: casa de cave, rés-do-chão, 1.º, 2.º e 3.º andares.
-confrontações: do nascente com Rua dos …; do Poente com Herdeiros de J. F. e M. P. e outros; do Norte com Banco ...; do Sul com M. G.;
-área total: 480 m2; área coberta: 480 m2;
-compreende as seguintes fracções: primeiro piso (cave) - Fracções: A a H; segundo piso - rés-do-chão: - Fracções: I a Q; Terceiro piso - primeiro andar: - Fracções: R a Z; quarto piso - Segundo andar: - Fracções: AA a AG; quinto piso - Andar recuado: - Fracções: AH a AO.
5. Foi registada a favor da Y, Empreendimentos Imobiliários, S.A., a aquisição do direito de propriedade relativo ao prédio descrito sob o n.º 505, mediante a ap. n.º 4 de 17/06/1988.
6. Em 02/03/2017, mantinha-se em vigor a ap. n.º 4 de 17/06/1998 relativamente à fracção autónoma designada pela letra “Q”, integrante do prédio descrito sob o n.º 505.
7. De acordo com o registo predial a fracção autónoma “Q” é composta por “rés-do-chão – sito no 2.º piso – com saída para parte comum, destinada a comércio com instalação sanitária” e dispõe da área de 37,70 m2.
8. Consta dos autos um documento, denominado “Contrato de Arrendamento”, mediante o qual a Y, Empreendimentos Imobiliários, Lda., declarou dar de arrendamento à autora, pelo período de um ano, susceptível de prorrogação por idêntico período, com início em 01/08/1988, para fins não habitacionais, a fracção autónoma “Q”, mediante a retribuição mensal inicial de trinta mil escudos, a qual deveria ser paga até ao primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito, tendo a autora declarado tomar de arrendamento o imóvel nesses termos e nos demais que resultam de fls. 9v-10 (cujo teor se dá por reproduzido).
9. Consta dos autos um documento, denominado “Contrato Promessa de Arrendamento”, no qual intervieram a autora e A. B., nas qualidades respectivas de primeira e segunda outorgante, contendo o seguinte conteúdo, no que ora releva:

(…) 1.º (Objecto do Contrato): 1. X (…) tomou de arrendamento, para dar de subarrendamento, todas as lojas que compõem o Centro Comercial denominado Galerias Y (…) 2. Pelo presente contrato a 1.ª outorgante promete dar de subarrendamento ao 2.º outorgante a loja n.º 16 (Fracção Q) que a 2.º outorgante aceitar tomar de subarrendamento. 3. Ambos os outorgantes reconhecem e aceitam que o estabelecimento comercial que vai ser instalado na loja objecto do presente contrato, único e indivisível no que concerne ao seu objecto, se integra no conjunto que constitui as Galerias Y. 4. A exploração do estabelecimento correrá exclusivamente de conta e risco do arrendatário, a quem competirá assegurar o cumprimento pontual de todas as obrigações de idêntica natureza inerentes à actividade exercida. 5.ª A 1.ª outorgante reserva-se o direito de celebrar outros contratos de subarrendamento e prestação de serviços com o mesmo objecto e cláusula deste; 2.ª (Prazo e renovações): 1. O subarrendamento (…) é feito pelo período de 12 meses, com início em 01/08/1988. 2. O contrato renovar-se-á automaticamente por períodos de 1 ano, salvo se for denunciado, por qualquer das partes, com a antecedência mínima de 90 dias relativamente ao termo do prazo em curso. 3. A denúncia deverá ser feita por carta registada, com aviso de recepção e chegar ao destinatário, antes do início dos últimos 90 dias do termo do prazo em curso; 3.ª (Preços e condições de pagamento): 1. A renda devida pelo subarrendatário será constituída por: a) rendas mensais com o valor unitário de sessenta mil escudos cada, a pagar no 1.º dia do mês anterior a que respeitar. 2. A renda acordada sofrerá correcções automáticas no mês de Janeiro de cada ano com início em Julho de 1990.(…) 5.ª (Obrigações da 2.ª outorgante): 1. O 2.º outorgante obriga-se especialmente a: (…) e) manter a loja aberta o ano inteiro e no horário que vier a ser fixado pela X (…) 7.ª: A escritura definitiva, sem embargo de o 2.º outorgante entrar imediatamente na posse da loja, terá lugar, em dia, hora e notário à escolha da 1.ª outorgante (…)”.
10. Desde 01/08/1988 A. B. passou, mediante o pagamento de uma renda, a gozar a fracção autónoma “Q”, nela desenvolvendo uma actividade comercial de venda de artigos de vestuário.
11. A partir de Maio/Junho de 1999, mediante o pagamento de uma renda, a ré passou a gozar a fracção autónoma “Q”, nela desenvolvendo a actividade indicada em 10.
12. (…) tendo ocorrido uma alteração com a autorização da autora, deixando ser fruído o imóvel por A. B. e passando a ser gozado pela ré, em nome de quem passaram a ser emitidos os recibos.
13. A autora procedeu ao envio à ré de uma missiva, datada de 15/11/2016, recepcionada em 23/11/2016, contendo o seguinte conteúdo, no que ora releva:

(…) Assunto: Denúncia do contrato de arrendamento relativo à (…) fracção Q, do Centro Comercial Galerias Y: Exmª. Senhora: Serve a presente para, no âmbito do assunto epigrafado, e na qualidade de sublocadora, comunicar a V. Exª. que é nossa intenção proceder à denúncia do subarrendamento, da Loja n.º .., Fracção Q (…) celebrado em 1 de Agosto de 1988 (…). Uma das obrigações de V. Exª. enquanto sublocatária é manter a loja aberta o ano inteiro e no horário que vier a ser fixado pela sublocadora, conforme alínea e) da cláusula 5.ª do contrato de subarrendamento. Sucede que V. Exª. há muito tempo que não tem a loja aberta ao público durante o horário normal de funcionamento estipulado pela sublocadora. Pelo que está em causa a violação por parte de V. Exª. de uma obrigação convencionada no contrato de arrendamento. Ora, não tendo V. Exª. na qualidade de sublocatária dado integral cumprimento a obrigação que lhe estava adstrita, confere à sublocadora o direito de denunciar o presente contrato nos termos previstos no número 2 da cláusula 2.ª do contrato de subarrendamento. Assim, pretende a sublocadora denunciar o presente contrato, o que faz nos termos supra expostos, dando cumprimento ao prazo de pré-aviso de 90 dias fixado nos números 2 e 3 da cláusula 2.ª do contrato de sublocação. Pelo exposto, a denúncia do contrato produzirá efeitos no prazo de 90 dias a contar da recepção da presente carta, altura em que V. Exª. deverá entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens (…)”.
14. A loja correspondente à fracção “Q” localiza-se no centro histórico da cidade de Vila Real, sendo uma das duas lojas das “Galerias Y” que dispõe de uma montra de vidro na fachada do edifício virada para o largo da … (na outra loja com idêntica exposição para o exterior existia um estabelecimento de ourivesaria), situando-se na entrada das “Galerias Y” a partir daquele largo, enquanto as demais lojas das “Galerias Y” não dispõem de montras viradas para o exterior do edifício (salvo as que deitam para a Rua …).
15. (…) apresentando relevância para a atracção de clientela para as “Galerias Y” a imagem da loja correspondente à fracção “Q”, pela sua localização.
16. Desde há mais de 10 anos, a loja correspondente à fracção “Q” tem servido como montra para uma outra loja da ré, sita no gaveto da Travessa ... com a Rua ... (também localizada no Centro Histórico da cidade de …, a algumas centenas de metros da loja correspondente à fracção “Q”), encontrando-se a sua porta fechada e sem nenhum funcionário em permanência para atender possíveis clientes.
17. (…) nesse período a ré não dispunha de funcionários, sendo o atendimento ao público assegurado por A. B..
18. (…) nesse período a loja encontrava-se usualmente limpa, iluminada e com montras e produtos renovados de acordo com as diversas estações do ano.
19. A ré procedeu ao depósito na Caixa ..., à ordem da autora, dos montantes correspondentes às rendas relativas aos meses de Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2017 e Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2018.
*
B. E deu como não provado:

1. No período indicado no facto provado n.º 16 a loja correspondente à fracção “Q” era aberta sempre que algum cliente pretendia adquirir algum dos produtos aí expostos, deslocando-se para o efeito A. B. à loja e deixando encerrada a outra loja sita no gaveto da Travessa ... com a Rua ....
2. No período indicado no facto provado n.º 16, os representantes e colaboradores da autora instaram a gerente da ré a manter aberta a porta da loja correspondente à fracção “Q”.
3. A autora recepcionou uma proposta de subarrendamento da loja correspondente à fracção “Q” e da loja que se lhe segue, com vista à comercialização de uma marca de roupa nacional, o que permitiria receber uma renda mensal de € 1.500,00, a partir de 01/03/2017, mas como a loja correspondente à fracção “Q” não foi entregue pela ré, a proponente perdeu o interesse no negócio.
*
V. Fundamentação de direito.

1. Da impugnação da matéria de facto.

1.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».

À luz do citado normativo, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes(1), sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

«a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…);
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
(…)».

Esse ónus tripartido encontra a sua razão de ser nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais, visando garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão (2).

Segundo a regra geral estabelecida no art. 635º do CPC, são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, de modo que a exigência da especificação dos concretos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões (3).

Como se salienta no Ac. do STJ de 22/10/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt., no domínio do regime recursal cível importa ter presente, em primeiro lugar, que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida.
E, em segundo lugar, no que respeita à impugnação da decisão de facto, esta decisão tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação.
Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
São, portanto, as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, a cargo da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal “ad quem”, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Tal especificação pode fazer-se de diferentes modos: o mais simples, por referência ao ponto da sentença em que se encontram inseridos ou, então, pela transcrição do próprio enunciado.

Debruçando-se especificamente sobre o (in)cumprimento dos requisitos formais de impugnação da decisão da matéria de facto previstos no n.º 1 do art.º 640.º do CPC, refere Abrantes Geraldes (4):

A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: (…)
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. b)); (…)
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a)); (…)
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; (…)
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
(…)
Essa é também a posição predominante do Supremo Tribunal de Justiça, no qual se tem vindo a sedimentar como prevalente o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar, formalmente, das conclusões recursórias, bastando incluí-las no corpo alegatório, diversamente do que sucede, por razões de objetividade e certeza, com os concretos pontos de facto impugnados (5).

E, recorrendo uma vez mais ao ensinamento de Abrantes Geraldes (6), dir-se-á que as “referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Aplicando tais critérios ao caso sub júdice constata-se que a recorrente sustenta que deveriam ter sido dados como provados três factos, quais sejam:

Facto um
Na loja em causa, houve, no decurso dos últimos 17 ou 18 anos, incluindo no ano de 2018, períodos em que ela se encontrou aberta ao público.
Facto dois
Em tal loja foram realizadas, no decurso desses 17 ou 18 anos, incluindo no ano de 2018, diversas vendas de artigos de vestuário e similares.
Facto três
A situação dessa loja, no que toca à abertura ao público dela, já se mantém igual há cerca de 17, ou mesmo 18, anos.

Sucede que tais factos não constam do elenco da matéria de facto considerada como não provada (tão pouco, naturalmente, do rol dos factos provados), correspondendo tais pontos – como bem refere a recorrida – a conclusões que a recorrente pretendia que tivessem resultado da prova testemunhal produzida.

Acresce que, à exceção do enunciado ponto 3 (7), os referidos pontos de facto tão pouco correspondem a matéria de facto que tenha sido articulada nos autos, sendo manifesto não se tratarem de factos instrumentais resultantes da instrução da causa, além de que igualmente não se trata de factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, sendo certo que em momento algum a recorrente manifestou o propósito de deles se aproveitar.
Quer isto dizer que, no caso, os referidos factos não são subsumíveis ao regime prescrito no art. 5º, n.º 2, als. a) e b) do CPC.
Tão pouco poderá dizer-se estarmos perante a alegação de patologias da decisão da matéria de facto (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC), justificadora da ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio ou por a decisão da matéria de facto enfermar de vício que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC) (8).
Ainda que assim não se entendesse, outros motivos haveria para não atender à pretensão impugnatória da decisão da matéria de facto.

Desde logo porque o eventual sucesso da impugnação da matéria de facto pressuporia sempre a necessária impugnação do ponto 16 dos factos provados e do ponto 1º dos factos não provados, posto que, a julgar-se procedente a impugnação deduzida, tais factos colidiriam directamente com a resposta aqueloutros factos, o que seria suscetível de determinar uma nulidade do presente acórdão, dada a existência de manifesta oposição entre os fundamentos de facto, geradora de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (art. 615º, n.º 1, al. c) “ex vi” do art. 666º, n.º 1, ambos do CPC).

Com efeito, tendo sido dado como provado – sem que tal tenha merecido expressa impugnação por parte da recorrente – que “[d]esde há mais de 10 anos, a loja correspondente à fracção “Q” tem servido como montra para uma outra loja da ré, sita no gaveto da Travessa ... com a Rua ... (também localizada no Centro Histórico da cidade de …, a algumas centenas de metros da loja correspondente à fracção “Q”), encontrando-se a sua porta fechada e sem nenhum funcionário em permanência para atender possíveis clientes” (ponto 16 dos factos provados) e como não provado – igualmente sem impugnação – que no “período indicado no facto provado n.º 16 a loja correspondente à fracção “Q” era aberta sempre que algum cliente pretendia adquirir algum dos produtos aí expostos, deslocando-se para o efeito A. B. à loja e deixando encerrada a outra loja sita no gaveto da Travessa ... com a Rua ...” (ponto 1 dos factos não provados), está vedado à recorrente, que não questionou validamente as respostas dadas àquela facticidade pelo Tribunal “a quo”, pretender agora obter, em sede de apelação, procedência da impugnação da matéria de facto, de modo a que se dê como provado que na loja em causa houve, no decurso dos últimos 17 ou 18 anos, incluindo no ano de 2018, períodos em que ela se encontrou aberta ao público e na qual foram realizadas, nesse período temporal, diversas vendas de artigos de vestuário e similares. Para lhe ser deferida a impugnação deduzida, seria indispensável que tivesse especificadamente impugnado aqueles concretos pontos fácticos supra elencados; não o tendo feito, está precludida a faculdade de ver demostrada, em sede de apelação, matéria de facto que – não tendo sido sequer alegada, com a ressalva supra referida – não consta quer do elenco dos factos provados, quer dos não provados, e que, a proceder, contenderia com o âmbito factual daquelas respostas.

Em suma, não tendo a recorrente impugnado, válida e eficazmente, nenhum dos factos considerados provados e não provados na sentença recorrida que considerava viciados por erro de julgamento, e uma vez que a demonstração dos factos que aquela pretende ver como demonstrados colidiria com a factualidade definitivamente consolidada (quer em termos de factos provados, quer em termos de matéria não provada), é de concluir que não observou os ónus prescritos no art. 640º, n.º 1, al. a) e c) do CPC, o que constitui fundamento de rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 640º, n.º 1 e 2 do citado diploma legal.

Acresce que, como vem entendendo a doutrina e a jurisprudência dominante do STJ, no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto não cabe despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento das respetivas alegações, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito (9).
*
2.. Reapreciação da decisão de mérito.

2.1. Da errada aplicação da al. d) do n.º 2 do art. 1083º do Código Civil [abreviadamente designado por CC], bem como do corpo do proémio do n.º 2 do art. 1083º do CC.

Como se disse, na sentença recorrida concluiu-se pela demostração da “verificação dos pressupostos para a resolução do contrato de subarrendamento, por reporte à alínea d) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil”, pelo que foi declarada “a cessação do contrato de subarrendamento identificado” nos autos e condenada a ré “a despejar o locado e a entregá-lo à autora (…) livre de pessoas e bens”.

Dessa decisão discorda a recorrente, sustentando para o efeito que, nos termos do art. 1083.º, n.º 2, al. d) do CC, é o não uso do locado, por mais de 1 (um) ano, que pode constituir fundamento de resolução, pelo senhorio, do contrato de arrendamento, o que não se verifica nos autos, porquanto a loja em causa teve, em maior ou menor grau, uso, e até com relevância, o que afasta a aplicação daquele normativo.

Mais aduz – como segundo erro de julgamento – que, ainda que tivesse havido incumprimento contratual decorrente do não uso do locado por parte da ré, para ser possível essa resolução seria indispensável que tal incumprimento, pela sua gravidade e consequências, tornasse inexigível à outra parte, no caso à senhoria/autora, a manutenção do contrato de arrendamento, o que no caso (também) não sucedeu.

Vejamos como decidir.

Preceitua o art. 1083.º do Código Civil o seguinte:

1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:

a) A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;
b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;
c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio;
d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 1072.º;
e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.

O citado normativo enumera, exemplificativamente, casos de resolução do contrato quando esta é invocada pelo senhorio; no regime anterior, atendendo ao disposto nos arts. 1093º do CC e 64º do Dec. Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU), vigorava “um número clausus de causas de resolução”.

O legislador optou por estabelecer uma cláusula geral de incumprimento, frequentemente identificada como justa causa (10), ao consagrar no n.º 2 do art. 1083º do CC que é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do contrato de arrendamento.

A doutrina e a jurisprudência divergem quanto a saber se as alíneas do n.º 2 do citado normativo são de funcionamento autónomo ou se têm de ser conjugadas com a referida cláusula geral (“de justa causa subjetiva”) constante do proémio do n.º 2. Ou seja, no que ao caso ajuizado releva, no caso de não uso do locado por mais de um ano, pode afirmar-se imediatamente que existe fundamento para a resolução do contrato ou terá de se indagar se tal não uso, pela sua gravidade ou consequências, torna inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento ?

No primeiro sentido aponta, por exemplo, Luís Menezes Leitão (11), o qual refere que a lei procede à tipificação de algumas situações de resolução do contrato, havendo outras que poderão igualmente enquadrar-se na cláusula geral a que se refere o proémio do art. 1038º, n.º 2, sendo utilizada a técnica legislativa dos exemplos-padrão que consiste em preencher uma cláusula geral através de uma enumeração de situações que o legislador considera integrarem-se no respetivo núcleo conceptual.

Em sentido contrário, porém, Maria Olinda Garcia (12) sustenta que os fundamentos tipificados nas diferentes alíneas do n.º 2 do art. 1083º do CC têm ainda que preencher a cláusula geral prevista no n.º 2 para sustentar a resolução do contrato, ou seja, terão de atingir um nível de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente exigível àquele senhorio (de um ponto de vista objectivo) a manutenção do contrato com aquele arrendatário).

Aparentemente, o legislador pretendeu erigir os cinco factos típicos em verdadeiros fundamentos de resolução, tanto mais que as situações elencadas revestem normalmente particular gravidade em termos de violação contratual. Todavia, como se salienta no Ac. da RL de 9/12/2008, (relatora Márcia Portela), disponível em www.dgsi.pt., “existindo uma cláusula geral, afigura-se mais curial entender estas situações como meras presunções ilidíveis, sempre sujeitas ao juízo valorativo da inexigibilidade, sob pena de o legislador ter consagrado uma solução híbrida.

Fosse essa a sua intenção, e melhor seria ter dito que as situações elencadas no nº 2 do artigo 1083º Código Civil constituem fundamento de resolução (numa formulação semelhante à do artigo 64º RAU), e acrescentar que constitui ainda fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do contrato de arrendamento”.

Ou seja, como também refere Gravato Morais (13), se é sempre necessário que o incumprimento que confere direito à resolução seja, de per si, grave é ainda imprescindível que seja complementado com “o conceito indeterminado de inexigibilidade, da manutenção do arrendamento”.

Assim, respondendo à questão acima colocada, existirá fundamento de resolução do contrato de arrendamento, nos termos do art. 1038º, nº 2, al. d), do CC, se o arrendatário não usar o locado por mais de um ano, desde que esse incumprimento, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento (14).

Serve isto para dizer que, não obstante a diferenciação ou individualização feita pela recorrente quanto aos dois fundamentos da apelação, serão os mesmos analisados conjuntamente, já que a situação exemplificada na al. d) do n.º 2 do art. 1083º carecerá de ser complementada com a cláusula geral de incumprimento prevista no corpo do n.º 2 do citado normativo.

Como já vimos, nos termos do art. 1083.º, n.º 2, al. d), do Código Civil, o contrato de arrendamento pode ser resolvido pelo senhorio quando se verifique o não uso do locado por mais de um ano.

Esta norma corresponde a um caso especificado de incumprimento do contrato de arrendamento que, pelas suas consequências, torna inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento, abrindo espaço à sua resolução (15).

Essa inexigibilidade tem de ser aferida considerando a sua gravidade e consequências, sempre ponderadas à luz do princípio geral da boa fé (artigo 762.º, n.º 2 do CC) (16).

Esta causa de resolução visa acautelar o interesse do senhorio de modo a evitar a desvalorização do locado associado ao seu não uso. Por outro lado, por efeito da dimensão social conferida à propriedade, e ainda proteger o seu aproveitamento económico, numa perspetiva de otimização dos recursos materiais existentes (17). O mesmo é dizer que protege-se assim o interesse do senhorio, já que a casa, a loja, a fábrica ou o escritório estragam-se quando encerrados (leia-se não usados ou desabitados) por muito tempo e, reflexamente, protege-se ainda o interesse geral de fomentar o aproveitamento de todos os locais disponíveis (18), ou seja, “de lançar no mercado locativo todos os espaços susceptíveis de ocupação por terceiros” (19).

Defende-se também que o que está em causa verdadeiramente é a violação contratual ou infracção ao princípio da razoabilidade e da boa fé (20).

O conceito de não uso, englobando não apenas o conceito de encerramento, como também o de desabitação, consubstancia um conceito normativo e não meramente naturalístico, pelo que para apurar o seu alcance importa ter em conta todas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente a natureza do local arrendado, o fim do próprio arrendamento, o grau de redução de actividade, a respectiva origem e inerente justificação e mesmo o seu carácter temporário ou definitivo (21).

O não uso pelo arrendatário, porém, poderá ser lícito em certas situações, nomeadamente em casos de força maior ou de doença, ausência para cumprimento de deveres militares ou profissionais e utilização mantida por quem, tendo direito a usar o locado, o fizer há mais de um ano (art. 1072.º, n.º 2, do CC).

Este fundamento resolutivo [não uso do locado por mais de um ano] compreende-se pelo facto de o arrendatário ter uma obrigação de utilização efetiva da coisa para o fim contratado (art. 1072º, n.º 1, do CC) (22), em ordem a evitar a desvalorização que está normalmente associada ao não uso. Deve, por isso, considerar-se que pode constituir fundamento de resolução do contrato não apenas a abstenção integral de utilização do locado, mas também uma redução na sua utilização de tal forma significativa ou acentuada que prejudique o valor do locado (23).

Já à luz do regime pretérito se entendia que o arrendatário conserva o prédio encerrado “quando não o usa, sendo que o «não uso» deve ser entendido de acordo com a razoabilidade e com o princípio da boa fé. Assim, não há uso do prédio quando o locatário se limita a abrir portas e janela ou a ocupar a montra com exposição de artigos relativos ao comércio exercido noutro local. Mas já há uso do prédio quando o locatário de prédio arrendado para o exercício de comércio «de porta aberta» aplica o locado a armazém ou escritório” (24).

Revertendo ao caso dos autos, mostra-se com relevância provado que:

- A loja correspondente à fracção “Q” foi subarrendada para fins comerciais em 1/08/1988, passando nela a ser desenvolvida uma actividade comercial de venda de artigos de vestuário.
- A ré obrigou-se especialmente, entre o mais, a “manter a loja aberta o ano inteiro e no horário que vier a ser fixado pela X”.
- A referida loja localiza-se no centro histórico da cidade de …, sendo uma das duas lojas das “Galerias Y” que dispõe de uma montra de vidro na fachada do edifício virada para o largo da ... (na outra loja com idêntica exposição para o exterior existia um estabelecimento de ourivesaria), situando-se na entrada das “Galerias Y” a partir daquele largo, enquanto as demais lojas das “Galerias Y” não dispõem de montras viradas para o exterior do edifício (salvo as que deitam para a Rua …), apresentando relevância para a atracção de clientela para as “Galerias Y” a imagem da loja correspondente à fracção “Q”, pela sua localização.
- Desde há mais de 10 anos, a loja correspondente à fracção “Q” tem servido como montra para uma outra loja da ré, sita no gaveto da Travessa ... com a Rua ... (também localizada no Centro Histórico da cidade de …, a algumas centenas de metros da loja correspondente à fracção “Q”), encontrando-se a sua porta fechada e sem nenhum funcionário em permanência para atender possíveis clientes.
- Nesse período a ré não dispunha de funcionários, sendo o atendimento ao público assegurado por A. B., encontrando-se a loja usualmente limpa, iluminada e com montras e produtos renovados de acordo com as diversas estações do ano.

Pois bem, sendo estes os factos apurados, entendemos ser inteiramente de sufragar o juízo aduzido na sentença recorrida no sentido de a utilização feita pela ré ficar “consideravelmente aquém das utilidades económicas susceptíveis de serem proporcionadas pelo locado, com a inerente possível depreciação do imóvel, e, nessa medida, à luz da teleologia que subjaz à causa resolutiva sob análise”, sendo de concluir “que a inquilina não tem usado relevantemente o locado por um período superior a um ano, sem que tenha logrado aduzir qualquer das causas justificativas consagradas no artigo 1072.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que se mostram verificados os pressupostos para a resolução do contrato de subarrendamento, por reporte à alínea d) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil, sendo certo que a culpa da ré se presume (cfr. artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), sem que tal presunção se mostre ilidida, face à materialidade provada (cfr. artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil)”.

Com efeito, tendo-se a Ré obrigado a “manter a loja aberta o ano inteiro”, a mera exposição de artigos, servindo como montra para uma outra loja da Ré sita a algumas centenas de metros, num local agora não aberto ao público (encontrando-se a porta fechada e sem nenhum funcionário em permanência para atender possíveis clientes), configura, a nosso ver, um caso de uso não revelante (25. O uso residual provado, pela sua pouca expressão, sobretudo se comparada com a localização e exposição privilegiada do locado, não é de molde a afastar o não uso como causa de resolução do contrato.

Temos para nós, quanto à matéria dos autos, de acordo com as regras da experiência, que uma loja comercial de venda de artigos de vestuário, situado no centro histórico da cidade de …, integrada numa Galeria da qual fazem parte outras lojas comerciais, sendo uma das duas lojas que dispõe de uma montra de vidro na fachada do edifício virada para o largo da ..., e apresentando relevância para a atracão de clientela para as “Galerias Y” pela sua localização, a referida loja, dizíamos, pressupõe um funcionamento diário, ou, no mínimo, muito frequente, com horários conhecidos e regulares, com funcionário permanente, de portas abertas aos clientes que desejem adquirir os produtos aí comercializados, tanto mais que uma das obrigações específicas a que a subarrendatária validamente se vinculou foi precisamente a de “manter a loja aberta o ano inteiro”,

A situação em que se faz uso do arrendado, de mera montra de uma outra loja distante, encontrando-se a sua porta fechada e sem nenhum funcionário em permanência para atender possíveis clientes, traduz uma utilização residual, secundária e quase inexistente, com a inerente depreciação do locado.

O diminuto uso do arrendado, com claríssimo subaproveitamento do mesmo, consubstancia uma situação integrável num conceito não meramente literal de não uso e justifica a resolução do contrato de subarrendamento, já que frustra o interesse do senhorio em evitar a desvalorização do arrendado, frustrando igualmente o interesse geral em que entre no mercado locativo um espaço disponível bem localizado (26).

Na verdade, apesar do provado uso residual do arrendado por parte da R., é de concluir que o comportamento da ré traduz um efectivo e frontal incumprimento contratual a que validamente se obrigou (de manter a loja aberta o ano inteiro), além de que sempre seria de afirmar que aquele uso “fica consideravelmente aquém das utilidades económicas susceptíveis de serem proporcionadas pelo locado”, incumprimento esse que, pela sua gravidade e consequências, torna inexigível à Autora a manutenção do dito contrato, conferindo-lhe o direito de o resolver.

A inexigibilidade indispensável para a verificação dos pressupostos da resolução do contrato de arrendamento por via do exemplo da conduta do “bom pai de família” (a que alude o art 487º, n.º 2, do CC) impõe-se no caso concreto, pois que, de acordo com o disposto no art. 799º, n.º 2 do CC, aplicável à responsabilidade contratual, a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil, ou seja, em função da conduta do bom pai de família, face às circunstâncias concretas do caso.

Para concluir, em função do caso concreto, um bom pai de família que em concreto cuidasse da valorização do seu património, tendo em conta os termos contratuais a que se obrigara, não podia ser compelido a suportar o cumprimento do contrato pela forma concreta a que a Ré se vem comportando.

Logo, contrariamente ao propugnado pela apelante, é de secundar o juízo formulado na 1ª instância no sentido de os factos provados preencherem os pressupostos do fundamento de resolução do contrato estabelecido no art. 1083º, n.º 2, al. d) do CC.
Improcedem, por isso, os dois enunciados fundamentos da apelação objecto de apreciação.
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2.3. - Do exercício abusivo do direito “por supressio”.

Sustenta a recorrente que a “mera omissão da autora em atuar, quer judicial, quer mesmo extrajudicialmente contra a ré”, “contra aquilo que” “constituiria um não uso do locado, durante mas de 10 anos”, “paralisou o direito dela, pelo que a exceção em questão deveria ter sido considerada procedente”.

Preceitua o art. 334º do Cód. Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Como ensina o Prof. Almeida Costa (27), o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, às consequências da rígida estrutura das normas legais.

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela (28), «[e]xige-se que o excesso cometido seja manifesto. Os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações. Manuel de Andrade refere-se aos direitos "exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça» e o Prof. Vaz Serra à «clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante».

O abuso de direito pressupõe logicamente que o direito existe, embora o seu titular se exceda no exercício dos seus poderes.

A fórmula adotada no atual Código Civil não se delimita tão só ao acto de emulação, entendido como o exercício de um direito sem utilidade própria e só para prejudicar outrem. Numa visão bem mais abrangente e ampla, o citado preceito normativo abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à sua intensidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiro e a criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular, e as consequências que outros têm de suportar (29).

Segundo o legislador, a determinação da legitimidade ou ilegitimidade do exercício do direito, ou seja, da existência ou não de abuso do direito, afere-se a partir de três conceitos: a boa fé, os bons costumes e o fim social ou económico do direito.

A manifestação mais clara do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança - exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões (30).

Figura próxima do “venire contra factum proprium” é aquela que a doutrina alemã designa por “Verwirkung”, que alguns autores consideram mesmo uma modalidade especial da proibição do “venire”.

Como acentua João Baptista Machado (31), a Verwirkung opera em situações em que se acha reunido o seguinte quadro circunstancial:

a) o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer;
b) com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido;
c) movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio é inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado”.

A “Verwirkung” consiste, assim, numa como que “neutralização do direito”, na sua “desactivação” pelo decurso do tempo, com ela se impedindo o exercício de um direito subjectivo ou de uma pretensão quando o seu titular, por não os ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos (revelando-se, portanto um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável) (32). O tempo necessário para a "verwirkung" depende das circunstâncias que, conjugadamente, contribuam para a formação do estado de confiança.

Ora, relativamente aos argumentos aduzidos pela recorrente diremos que a circunstância de o desaproveitamento das vantagens resultantes do arrendamento perdurar há mais de 10 anos e de só em 2017 (mais propriamente em 10/02/2017) a autora ter instaurado a presente acção judicial tendente a ver reconhecida a resolução do contrato de subarrendamento, não consubstancia uma vinculação irreversível de forma a impedi-la de peticionar o reconhecimento desse direito.

Na verdade, não há qualquer conduta da autora adequada a criar a convicção, fundada, na (sub)arrendatária de que nunca exerceria o direito à resolução do arrendamento com o fundamento no não uso do prédio há mais de um ano.

O facto de não se ter dado como provado que no indicado período os representantes e colaboradores da autora instaram a gerente da ré a manter aberta a porta da loja correspondente à fracção “Q” (cfr. ponto 2 da matéria de facto não provada) não invalida a conclusão antecedente, até porque tal resposta equivale tão só à não alegação daquela facticidade, e não à demonstração do facto contrário (33).

Por outro lado, não resultou provado que o simples decurso do tempo tivesse criado a convicção na arrendatária de que a autora jamais exerceria o direito à resolução do arrendamento com o fundamento acima referido.

A (mera) inércia no exercício desse direito (desacompanhada de outros factos indiciadores de que esse direito não seria exercido) não é suficiente para a Ré invocar que criou a convicção de que no futuro a autora não iria pretender valer o direito de resolução do contrato em causa.

Aliás, o concreto decurso do tempo, por si só, sem mais, na normalidade das situações, nunca seria adequado a criar a convicção de que o titular jamais exerceria o direito (34).

Ademais, face à posição assumida pela ré nos presentes autos – quer em sede de articulados, quer na presente apelação –, que de modo perentório rejeita os argumentos aduzidos pela A., negando que a escassa ou residual utilização por si dada ao locado corresponda a uma violação do contratualmente acordado, posto que classifica essa utilização como relevante e capaz de afastar a aplicação do disposto no art. 1083º, n.º 2, al. d) do CC, urge perguntar de que lhe valeria reclamar do uso residual dado ao locado se aquela persiste em negar qualquer incumprimento relevante?

Ora, o fim social ou económico do direito à resolução do contrato de arrendamento, reconhecido pela lei, visa fundamentalmente a proteção do senhorio, tendo em conta a violação pelo arrendatário de deveres emergentes do contrato que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento.

Ora, nada nos permite afirmar que quando a autora propôs a ação aquele seu direito não carecesse da tutela nos moldes em que o reclamou.

Nesse enquadramento afigura-se-nos totalmente conforme ao fim social e económico do direito procurar obter o reconhecimento do direito de resolução do contrato de subarrendamento que a lei lhe confere.

Abuso” existe, sim, por parte da recorrente que, ao longo destes anos tem incumprido o contratualmente acordado, bem como a prescrição legal que lhe comete o dever de usar efectivamente a coisa para o fim contratado (art. 1072º, n.º 1 do CC), e que agora pretende reverter tal situação a seu favor, imputando um comportamento desonesto à autora, quando esta, na verdade, com a presente acção pretende apenas exercitar o seu direito à resolução do contrato.

A ser de outro modo, estaria encontrado o «remédio» para os arrendatários, em situações em que o incumprimento contratual vigora há largos anos, inutilizarem (sem mais) o pedido de resolução do contrato.

E mais não representaria do que um beneficio ao incumpridor/infrator, o que é de rejeitar.

Não é, pois, possível concluir que a autora tenha excedido – muito menos de forma manifesta - os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito, em termos clamorosamente ofensivos do sentimento jurídico social dominante, já que a mesma limitou-se a pretender ver judicialmente reconhecida o direito de resolução a que se julga com direito.

Como bem se concluiu na sentença recorrida, «não se afigura que o exercício judicial pela autora do direito de resolução da relação locatícia se revele abusivo, pois radicando a “ratio legis” da alínea d) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil na necessidade do aproveitamento racional dos imóveis que integram o contrato de locação, será exigível que o senhorio adopte um comportamento adicional para além do mero recebimento das rendas, que indicie que não pretende optimizar a utilização do locado, malgrado terem decorrido mais de dez anos».

Por fim, uma breve nota apenas para dizer que é manifestamente infundada a alegação de que a exceção do abuso de direito se deve ter como provada.

Desde logo porque os fundamentos, quer de facto, quer de direito, dessa exceção perentória foram especificadamente impugnados no articulado da réplica apresentado em 15/05/2017 (cfr. fls. 70 a 86), articulado esse que veio a ser admitido por despacho de 24/09/2017 e do qual não foi interposto recurso [(revestindo, por conseguinte, força de caso julgado formal dentro do processo (art. 620º, n.º 1 do CPC)].

Acresce que, ainda que não tivesse sido deduzida resposta a tal exceção, essa omissão seria tão só apta a considerarem-se admitidos por acordo os respetivos factos constitutivos da exceção (art. 574º “ex vi” do art. 587º, n.º 1, ambos do CPC), e não a extrair a imediata verificação da exceção, até porque para esse efeito não estaria dispensada a necessária integração e valoração dos factos que lhe servem de fundamento.

Entendemos, em suma, não poder qualificar de abusivo o exercício do direito, nomeadamente na modalidade de supressio, efectuado pela recorrida nesta ação, motivo por que, concluindo-se pela improcedência da invocada exceção perentória, julga-se (também) infundado este fundamento da apelação.
*
A sentença recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões da apelante.
*
2.4. As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - O fundamento resolutivo de não uso do locado por mais de um ano previsto no art. 1083º, n.º 2, al. d), do CC compreende-se pelo facto de o arrendatário ter uma obrigação de utilização efetiva do local arrendado para o fim contratado (art. 1072º, n.º 1, do CC), visando-se acautelar o interesse do senhorio de modo a evitar a desvalorização do locado associado ao seu não uso e, reflexamente, protegendo-se ainda o interesse geral de fomentar o aproveitamento de todos os locais disponíveis.
II - Pode constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento não apenas a abstenção integral de utilização do locado, mas também uma redução na sua utilização de tal forma significativa ou acentuada que prejudique o valor do locado.
III - Tendo-se a arrendatária obrigado a manter aberta o ano inteiro uma loja comercial de venda de artigos de vestuário, a mera exposição de artigos, há mais de 10 anos, servindo como montra para uma outra loja, num local agora não aberto ao público (encontrando-se a porta fechada e sem nenhum funcionário em permanência para atender possíveis clientes), configura um caso de uso não revelante, que, dada a localização e exposição privilegiada do locado, constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento (art. 1083.º, n.º 2, al. d) do CC).
*
VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
*
Custas da apelação a cargo da apelante.
*
Guimarães, 27 de junho de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 - 4ª ed., Almedina, pp. 155/156.
2. Cfr. Ac. do STJ de 3/03/2016 (Relatora Ana Luísa Geraldes), in www.dgsi.pt. e Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 465.
3. Cfr. Acs. do STJ de 19/02/2015 (Relator Manuel Tomé Soares Gomes) e de 3/03/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), ambos consultáveis in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Recursos (…), pp. 158/159.
5. Cfr., neste sentido, Acs do STJ de 31/05/2016 (relator Garcia Calejo), de 28/04/16 (relator Abrantes Geraldes), de 21/04/2016 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 18/02/2016 (relator António Leones Dantas), de 1/10/2015 (relatora Ana Luísa Geraldes), de 9/07/2015 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), de 19/02/2015 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), todos consultáveis in www.dgsi.pt.; em idêntico sentido, na doutrina, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 771.
6. Cfr. Recursos (…),pp. 158/159.
7. Cfr. arts. 27º-A e 62º da contestação (fls. 304 a 321).
8. Cfr., para uma concretização desenvolvida de tais patologias, ver Abrantes Geraldes, obra citada, pp. 291/293.
9. Cfr. na doutrina: Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 157; Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina p. 462; na jurisprudência: Acs. do STJ de 14/07/2016 (relator António Piçarra) e de 27/10/2016 (relator Ribeiro Cardoso) e Ac. RG de 19/10/2017 (relator Pedro Damião e Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2017, 3ª ed., p. 318.
11. Cfr. Arrendamento Urbano, 8ª ed., Almedina, pp. 133/134. No mesmo sentido, Pinto Furtado refere que, para além das outras causas que, pela sua gravidade ou consequências, tornem inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, exemplificam-se aquelas que constituem casos típicos de resolução e em que, portanto, sendo presunções inilidíveis de inexigibilidade, nenhum juízo de valor se tem de lhes acrescentar para se constituir ou afastar o direito à resolução por parte do senhorio (cfr. Manual de Arrendamento Urbano, vol. II, Almedina, p.999). Segundo o mesmo autor, acompanhando de perto o ensinamento do Prof. Menezes Cordeiro, as alíneas do actual art. 1083º vêm sintetizar e actualizar o elenco do art. 64º do RAU e aos fundamentos então existentes acrescerão todos aqueles que devam ser encarados como susceptíveis de tornar inexigível ao senhorio a manutenção do contrato (p.1003). Na jurisprudência, veja-se o Ac. desta Relação de 22/02/2011 (relatora Raquel Rego), in www.dgsi.pt., nos termos do qual se decidiu que os “casos elencados no nº 2 do artº 1083º do Código Civil constituem, por si só, causas de resolução, dispensando a demonstração que a gravidade ou consequências daí decorrentes tornam inexigível a manutenção do arrendamento”.
12. Cfr. Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual (alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012), 3ª ed., Coimbra Editora, p. 34 e A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 25. No mesmo sentido, pugnando por esta posição, Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, Almedina, 2017, p. 1322, invoca como argumento, em abono desse entendimento, o pensamento do legislador que parece transparecer da história do preceito, que, ao alterar a al. a), retirou a exigência de que a violação das regras ali elencadas fosse “reiterada e grave”, o que se compreende “por ter sido considerado redundante face ao crivo já previsto na cláusula geral”; de outro modo, não seria de aceitar que qualquer violação única de uma regra elencada na al. a) pudesse levar à resolução do contrato. Identicamente, a propósito do proémio do n.º 2 do art. 1083º do CC Laurinda Gemas/Albertina Barroso/João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 2.ª ed., Quid Juris, 2007, p. 292, salientam tratar-se de uma cláusula geral que veicula a ideia de justa causa de resolução, o que implica sempre a alegação e prova de factualidade que determine o seu preenchimento, razão pela se faz realçar que “competindo ao senhorio, autor na acção de despejo, o ónus de alegação e prova (cfr. artº 342º do CC) de factualidade subsumível, não apenas às diferentes alíneas do n.º 2 ou no n.º 3 do artº 1083.º (quando seja caso disso), mas também, na cláusula geral constante da 1ª parte do n.º 2”.
13. Cfr. Novo Regime do Arrendamento Comercial – 2ª ed., Almedina, p. 209.
14. Cfr., nesse sentido, Acs. da RL de 9/12/2008 (relatora Márcia Portela) e de 1/03/2012 (relator Manuel José Aguiar Pereira) e Ac. da RC de 17/11/2009 (Artur Dias), disponíveis in www.dgsi.pt.
15. Cfr. Ac. do STJ de 15/11/2017 (relator Olindo Geraldes), in www.dgsi.pt.
16. Cfr. Ac. da RP de 16/01/2012 (relatora Maria Adelaide de Jesus Domingos), in www.dgsi.pt.
17. Cfr. Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 116.º, 1983, p. 192.
18. Cfr. Pereira Coelho, in Arrendamento, Lições ao Curso do 5ª ano de Ciências Jurídicas no ano lectivo de 1988-1989, Coimbra, 1988, p. 256 e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 549..
19. Cfr. Aragão Seia, in Arrendamento Urbano, 3ª ed., p. 339.
20. Cfr. Prof. Baptista Machado, in Resolução do Contrato de Arrendamento Comercial, CJ, Ano IX, T. 2, p. 13; Prof. Lobo Xavier, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 116º, p. 155.
21. Cfr. Ac. do STJ de 25/06/1996, (relator Martins da Costa), BMJ, n.º 458, 1996, pp. 307/314.
22. Como escreve Gravato Morais (obra citada, p. 172), «este dever assume particular saliência para o arrendatário mercantil por duas razões. Tendo em conta que se encontra instalado no locado um estabelecimento comercial, pretende-se que seja dada uma utilização efectiva ao mesmo. Acresce que como o contrato normalmente prevê uma específica destinação – e não apenas uma genérica finalidade – o dever em causa torna-se mais estreito».
23. Cfr. Luís Menezes Leitão, obra citada, p. 138, Ac. da RG de 22/02/2011 (relatora Raquel Rego) e Ac. da RL de 21/06/2018 (relator Ilídio Sacarrão Martins), e Acs. da RP de 23/09/2008 (relator Carlos Moreira) e de 08/09/2009 (relator Vieira e Cunha), acessíveis in www.dgsi.pt. Como explicita David Magalhães, “[a]lém disso, as condições da concreta finalidade convencionada podem exigir que uma acentuada redução de actividade seja equiparada ao encerramento, sob pena de desvio ao pretendido pela norma: a manutenção de um estabelecimento, durante um ano, com uma «intensidade de operações» comparável ao encerramento é um sinal claro de que, na prática, ali não se desenvolve actividade relevante, mantendo-se a porta aberta somente para contornar as consequências legais do não uso” (cfr. A Resolução do Contrato de Arrendamento Urbano, Coimbra Editora, 2009, p. 267).
24. Cfr., neste sentido, M. Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2ª ed., Almedina, p. 238.
25. Cfr., em sentido similar, o Ac. da RC de 10/04/1984, CJ, Ano IX, T. II, 1984, pp. 55/57, concluiu que se o arrendado se destinava a estabelecimento aberto ao público e o arrendatário passou a utilizá-lo, fechado ao público, expondo mercadorias, tal configura um caso de não uso relevante (de “encerramento do estabelecimento”).
26. Cfr., em sentido próximo, Ac. da RC de 17/11/2009 (Artur Dias), disponível in www.dgsi.pt.
27. Cfr. Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, p. 64.
28. Cfr. Código Civil Anotado, Vol. 1, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 298.
29. Cfr. neste sentido, entre outros, J. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, Vol. II, p. 102, Antunes Varela, RLJ, ano 114º, p. 75 e Das obrigações Em Geral Vol. I, 6ª ed., Almedina, p. 515 e Ac. do STJ de 28.11.1996, CJSTJ, 1996, T. III, p. 118.
30. Cfr. Vaz Serra, RLJ, 111º, 296.
31. Cfr. Tutela da Confiança e “Venire Contra Factum Proprium” (in “Obra Dispersa”, vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, p. 421.
32. Cfr. Coutinho de Abreu, Do abuso do direito, Almedina, pp. 59/60.
33. Como se referiu no Ac. da RP de 10/01/2019 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), disponível in www.dgsi.pt., em relação aos factos de que não se fez prova tudo se passe como se esse facto não tivesse sido sequer alegado, não podendo fazer-se a partir dele qualquer extrapolação factual ou retirar-se dele qualquer consequência jurídica, com exceção da imposta pelas regras do ónus da prova. Não pode, por exemplo, fazer-se qualquer interpretação à contrario dos factos não provados, retirar-se da não prova de determinado facto a prova do facto contrário, oposto ou menor. Também não se pode, a partir de factos não provados, fazer-se qualquer dedução baseada em regras de experiência ou presunções, as quais apenas podem recair sobre os factos provados.
34. Cfr. Ac. do STJ de 24/05/2011 (relator Sérgio Poças), disponível in www.dgsi.pt