Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
441/08.5TBPRG-B.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: APENSAÇÃO DE ACÇÕES
JULGAMENTO CONJUNTO
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O objetivo principal da apensação das ações é obter a uniformidade de julgamento e decisão integrada, sem contradições, defendendo a paz social e o crédito da justiça.

Visa-se, também, obter a economia na atividade processual.

A apensação de ações dá lugar a uma só sentença, precedida de uma só audiência final, cujo objeto, caso tenha tido lugar a seleção da matéria de facto a instruir ou mesmo a elaboração da base instrutória ou questionário, deve ser reunido num só elenco.

Perante uma só audiência final, com uma só peça em que se fixa a matéria de facto que há que debater no julgamento, pretendendo-se que seja obtida uma solução para todas as ações de forma concatenada de molde a evitar contradições e diferentes critérios de apreciação, não tem fundamento legal impedir que as testemunhas arroladas na ação principal ao ser inquiridas em julgamento respondam sobre outros factos constantes dessa peça, mesmo que alegados na ação apensada, cujo rol foi rejeitado, de que tenham conhecimento e que digam também respeito à matéria da ação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Apelante: Quinta X dos Sonhos-Hotelaria e Gestão Turística, Sociedade Unipessoal, com sede na … Alijó.

Apelada: C.-Projectos, Coordenação e Direcção de Obras, Lda., com sede na Rua … Porto.

Autos: Apelação em separado em ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum.

I. Relatório

Em sede de audiência de julgamento foi proferido o seguinte despacho, ora sob recurso:

O princípio do inquisitório não existe para suprir lapsos das partes, nomeadamente quando não arrolam oportunamente a prova testemunhal que pretendem produzir.
No entanto é entendimento deste tribunal que quando se procede à apensação de ações e há lugar apenas a um julgamento sobre toda a matéria em discussão nas ações apensadas, a prova pode e deve incidir sobre todos os factos em discussão.
Entendemos também que esta posição não se afigura contraditória relativamente ao facto por não ter sido admitido o requerimento da ré C., Lda, no processo apenso, uma vez que a prova está a ser produzida nesta audiência é a que foi admitia nos autos.
Face ao exposto decido que a testemunha pode depor sob toda a matéria em discussão neste julgamento.”
O presente recurso de apelação foi interposto pela Autora, pugnando pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a não admissão de prova testemunhal relativamente aos factos referentes aos temas de prova da acção apensa, formulando as seguintes conclusões:

I. A apensação de acções não implica necessariamente que cada uma das acções perca a sua autonomia, a sua individualidade própria, de que dispunha antes da apensação. E essa individualidade revê-se na possibilidade de, apenas relativamente a um deles, operar a confissão, transação ou desistência.
II. A apensação de acções, mantendo a autonomia de cada uma delas, não pode determinar como uno aquilo que as regras processuais entendem como individual. Não pode admitir-se prova testemunhal relativamente a todos os temas de prova se, relativamente aos da acção apensa, tal meio probatório não foi admitido.
III. O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste, não podendo configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes das partes.
IV. O princípio do inquisitório tem por objectivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados pelo dispositivo. O princípio da verdade material e o principio do inquisitório não afastam a responsabilidade das partes quanto à obrigação de indicarem, nos momentos para tal processualmente previstos, os meios de prova.
V. Sem conceder, o despacho que indeferiu o requerimento probatório da Ré não foi impugnado por qualquer sujeito processual. E como consequência dessa não impugnação decorre que tal despacho transitou em julgado pelo que aquestão ali tratada – a não admissão da prova testemunhal que incidiria sobre os temas de prova constantes desse mesmo despacho – ficou decidida em termos definitivos.
VI. O despacho recorrido, ao ter versado sobre uma matéria anteriormente decidida por despacho transitado em julgado, designadamente sobre a admissibilidade da prova testemunhal referente aos temas de prova da acção apensa, enferma de nulidade, por violação de caso julgado.
VII. Havendo caso julgado formal o seu cumprimento é obrigatório no processo onde foi proferido (art.º 620º, nº 1 do CPC), obstando a que o juiz possa no mesmo processo alterar a decisão proferida.
VIII. Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo os artigos 5º, 6º, 267 e 620º e 625° do Código Processo Civil.

Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, com as seguintes conclusões:

I. As ações apensas, sendo certo que mantem certa autonomia entre si, deverão ser tratadas como uma só para efeitos, designadamente, de instrução e julgamento;
II. Isto porque um dos mais relevantes propósitos da apensação de ações é precisamente o de criar as condições para que seja proferida uma única decisão que contemple todas as ações apensas, sendo realizado apenas um julgamento uno e homogéneo, evitando desde logo julgados contraditórios sobre a mesma matéria de facto;
III. A fase instrutória, processualmente, e a fase de aquisição de meios de prova, com vista a formação da convicção do juiz relativamente ao objeto do litígio e aos factos essenciais e instrumentais que lhe estejam subjacentes;
IV. Quando se verifique a apensação de ações, o denominado processo principal (por norma aquele que primeiro tenha entrado em juízo) passara a ser o processo dominante para efeitos de instrução (aquisição de prova) e julgamento.
V. Devendo ser tratadas no processo principal, de acordo com a prova ai admitida, todas as questões que devam ser objeto de apreciação por parte do tribunal: i.e., toda a matéria de facto que, em todas as ações apensas, tenha sido colocada pelas partes sob apreciação do Tribunal.
VI. Temos pois que andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, valorizando a dimensão do instituto da apensação enquanto instrumento de realização da justiça e da prossecução da ideia de direito.
VII. Mas ainda que assim se não entendesse, certo e que sempre seria de manter a decisão recorrida, desde logo ao abrigo dos principais princípios que hoje enformam o nosso direito processual civil.
VIII. E que, hoje mais do que nunca, o direito processual civil, mais do que um campo minado de alçapões e preclusões, visa a justa composição de litígios e a descoberta da verdade material.
IX. A nova reforma do Processo Civil visou, essencialmente, o esbatimento da perspetiva formalista do processo em detrimento de uma perspetiva orientada para a descoberta da verdade material.
X. A Lei impõe que o Magistrado busque afincadamente a verdade material.
XI. De tal maneira que impõe a figura do juiz que providencie pelo próprio procedimento de julgamento processual; o juiz esta obrigado a determinar a realização de atos necessários a regularização da instância, quando a sanção dependa de ato que deve ser praticado pelas partes, convidando estas a pratica-lo – artigo 6o do CPC - Isto tudo ao abrigo daquele princípio fundamental.
XII. A prática do foro mostra que, nos seus aspetos mais marcantes, o processo civil português continuou amarrado a uma conceção anquilosada do dispositivo, enredando-se demasiadas vezes em preciosismos técnicos e formais cujo efeito sempre foi o de manter a indesejada dicotomia “verdade do processo / verdade material.”

Assim,
XIII. O instituto da apensação visa, mais do que a economia processual, a defesa da ideia de justiça e a sua proteção enquanto valor social (constitucionalmente consagrado), permitindo ao juiz apreciar e julgar uniformemente questões de facto idênticas que se discutam em diversas ações.
XIV. Para lograr tal desiderato, impõe-se que as diversas ações que se encontrem apensas, sejam tramitadas nas suas fases de instrução, julgamento e prolação de sentença de forma una e naquele processo denominado como principal.
XV. A luz daquela que e a melhor interpretação da finalidade da apensação, andou bem o Tribunal a quo ao permitir a produção de toda a prova relativamente a toda a factualidade condensada no processo principal (nos presentes autos).
XVI. Mas ainda que assim se não entendesse, no que não se consente, também em face do que vem dito, se concluiria que andou bem o Tribunal a quo – na prossecução do principal objetivo da atividade jurisdicional (processual) que e o da descoberta da verdade material – ou seja a tal estava obrigado por Lei.
XVII. Pois que, nos termos da vigente lei do processo, ao juiz caberá sempre promover todas as diligencias probatórias com vista à aquisição pelos autos do máximo de meios de prova possíveis, conducentes ao esbatimento de quaisquer divergências entre a verdade material e a verdade processual.
XVIII. Em cumprimento do princípio do inquisitório, mas também do sacro-principio processual da descoberta da verdade material.
XIX. Invoca ainda a Recorrente a violação, pelo Tribunal a quo, de caso julgado formal.
XX. Não obstante, no processo principal, o requerimento probatório da Ré foi aceite e admitido, tendo os autos adquirido os respetivos meios de prova (principio da aquisição).
XXI. Uma das consequências (legais) da apensação de ações e que todas as ações apensas passem a ser tratadas como uma só, sujeitas a tramitação do processo principal, designadamente para efeitos de instrução (direito probatório) e julgamento.
XXII. A testemunha da Ré, D. P. G., havia sido por si arrolada no requerimento probatório apresentado no processo principal, requerimento probatório que foi admitido pelo Tribunal a quo – decisão (de amissão) que transitou em julgado.
XXIII. Fruto da apensação, discutiu-se no processo principal e em consonância com aquela que foi a instrução de tais autos, numa única audiência de julgamento, toda a matéria respeitante a integralidade das ações que lhe estavam apensas.
XXIV. O Tribunal a quo limitou-se, pois, a ouvir uma testemunha da Re, arrolada no seu requerimento probatório produzido no processo (e admitido), a toda a matéria em causa nos autos (processo principal e apensos).
XXV. Isto porque o mesmo Tribunal, em cumprimento da lei, aditou nova matéria aos temas de prova selecionados no processo principal e ouviu a prova já admitida nesse mesmo processo, relativamente a toda a matéria em discussão nos autos – tudo, naturalmente, em cumprimento da lei e fruto de um adequado entendimento da principal finalidade da apensação de ações: a produção de julgados homogéneos relativamente a ações semelhantes.
XXVI. Donde não se alcança em que medida terá o Tribunal a quo, pela decisão recorrida, violado caso julgado formal, pelo contrário…
XXVII. O Tribunal, com a decisão recorrida, respeitou a decisão de apensação de acões ja transitada em julgado, respeitou a decisão de aditamento de matéria aos temas de prova selecionados nos autos principais (fruto da apensação de ações) e, bem assim, respeitou a decisão de admissão do requerimento probatório apresentado pela Ré “C.” no processo principal.
XXVIII. Só pode pois, pela sucessiva ordem de razões invocadas, improceder o recurso apresentado pela Recorrente Quinta X, mantendo-se a alias douta decisão do Tribunal recorrido.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Face ao teor das conclusões é a seguinte a questão a conhecer no presente recurso:

.a) se pode ser ouvida testemunha arrolada na ação principal à matéria invocada na ação apensa, quando foi rejeitado, nesta última, o rol de testemunha onde aquela também fora arrolada.
(Embora constante das alegações a menção a uma das nulidades previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil, porquanto não foi incluída nas conclusões, afasta-se a necessidade do pronúncia sobre a sua improcedência, por serem estas que definem o objeto do recurso).

III. Fundamentação de Facto

Além do relatório já efetuado releva ainda o seguinte facto:

1- Em 2016-02-19, fora proferido nestes autos o seguinte despacho:

Admito a prova documental junta pelas partes no apenso.
Admito a prova testemunhal arrolada pela ré.
Quanto ao requerimento de prova apresentado pela autora em 9 de dezembro de 2015, requerimento com a referência 21323767, sendo certo que a notificação para efeitos do disposto no art. 5º, nº 4 da Lei nº 41/2013, de 26-06, foi feita em 5 de novembro, na sequência do despacho do dia anterior, aquele requerimento de prova é intempestivo.

Por outro lado, a considerar-se que a autora não apresentou o seu requerimento de prova na sequência da referida notificação para o efeito, e o requerimento de 9 de dezembro constitui um “aditamento”, vai o mesmo indeferido, já que a palavra aditamento não deixa dúvidas quanto à sua interpretação, apenas podendo aditar-se testemunhas a um rol já existente, sob pena de ter sido encontrado um meio de vir colmatar a falta de apresentação do rol em tempo oportuno.
Pelo exposto, indefere-se o requerimento probatório apresentado pela autora.”

IV. Fundamentação de Direito

Para o apuramento da solução a dar a este caso importa em primeiro lugar verificar os regimes e escopos das figuras que aqui se cruzam, na parte em que a podem influenciar.

1- da apensação das ações

Havendo especiais conexões entre processos pode proceder-se à sua apensação.
Esta figura encontra-se, nos seus requisitos e parte do regime, explanada no artigo 267º do Código de Processo Civil.
Tem dois escopos.
O objetivo principal é a uniformidade de julgamento, de forma que as ações com este tipo de ligações terão um só julgamento e uma decisão integrada, sem contradições. (cf neste sentido Código de Processo Civil anotado, Ary dos Santos Elias da Costa, 3º volume, Almedina 1974).
Esta uniformidade concorre de forma muito relevante para a paz social e para o crédito da justiça.
Visa-se, também, obter a economia na atividade processual, reunindo-se as causas para serem instruídas, discutidas e julgadas no mesmo momento e ato.
Caso ocorra dependência entre as causas, os processos são apensados ao processo principal, do qual os outros dependem; quando não exista tal dependência, o principal é o instaurado em primeiro lugar, sem prejuízo de se dar prevalência aos tribunais cujo provimento é mais exigente ou com competência para decidir em processos de maior valor (instâncias centrais versus as locais) – artigos 206º nº 2 e 267º nº 2 do Código de Processo Civil.
A apensação tem como consequência a unificação processual, passando o processo a ser comum a todas elas.
Se, porém, os diferentes processos não se encontraram na mesma fase, os mais adiantados têm que esperar pelos mais atrasados.
...
Depois de todos os processos se encontrarem no mesmo estádio, o processado passa a ser comum, lavrando-se todos os termos e atos no processo principal.
A sentença única é o corolário da unificação dos processos; todas as causa hão-de ser decididas no mesmo ato jurisdicional” (idem, p. 447-448).
Da mesma forma que há uma sentença única, esta é precedida de um julgamento único.
E neste aplicam-se as regras da audiência final, que é só uma, julgando-se de uma só vez toda a matéria de facto em debate, que, tendo sido precedida da seleção da matéria de facto a instruir ou mesmo de base instrutória ou questionário, deve ser reunida num só elenco.
(Cf também neste sentido Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/21/2013, no processo 2777/10.6TBBCL-B.G1, (sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt.: “A apensação de ações, que visa propiciar um julgamento conjunto e que tem por motivos a economia processual e o interesse na uniformidade de julgamentos, implica a instrução e a apreciação conjuntas das ações apensadas. As ações apensadas unificam-se, assim, do ponto de vista processual, prevalecendo os apontados interesses da economia processual e da uniformidade de julgados (este último que contribui decisivamente para a paz social e para o crédito da justiça)”

2- Da prova testemunhal: limitação dos momentos da sua indicação

A lei impõe como regra que a apresentação dos meios de prova deve coincidir com a alegação dos factos deles necessitados para poderem ser demonstrados.
Tal ocorre também com o rol de testemunhas.
Tem em vista obrigar a parte à ponderação na alegação dos factos em que se vai basear (para que sejam suscetíveis de demonstração) e ao respeito do princípio da cooperação e lealdade, impedindo as partes de usar o fator surpresa na apresentação dos meios probatórios.
Pretende-se também que se possa alcançar a complexidade da prova a produzir, permitindo um agendamento realista da audiência final, evitando sucessivos adiamentos, mercê de imprevistos aditamentos e alterações nos requerimentos probatórios.

Assim, entende-se que a indicação de testemunhas, independente da apresentação de anterior rol, pode ser, normalmente, apresentado sempre que seja admissível a alegação de factos não trazidos aos autos e com essa alegação, os quais abrangem não só os normais articulados dos autos (como a petição inicial, contestação, réplica, articulados supervenientes e relativos a incidentes da instância), mas também na resposta às exceções invocadas, mesmo que na audiência prévia (cf, entre outros, os artigos 293 nº1 445º nºs 1 e 2, 508º nº 1, 522º nº 3, 552º nº 2, 572º alínea d), 589º nº 1 do Código de Processo Civil)
Vários são os objetivos que a regulamentação da alteração dos meios de prova pretende obter, sendo de realçar os seguintes, em sentidos opostos: por um lado permitir o acesso à verdade material, possibilitando que as partes possam adaptar a prova indicada no início do processo aos factos que entretanto ocorreram (falecimentos de testemunhas, conhecimento de novas testemunhas em melhor posição para relatarem os factos, etc), por outro, evitar atrasos no processo, com adiamentos da audiência final, em virtude, quer da demora na obtenção da prova (veja-se como exemplo a prova pericial), quer em virtude da necessidade de permitir o uso do contraditório à parte confrontada com a nova prova requerida.
Ambos os princípios têm sido tutelados na jurisprudência, tendo-se sempre tentado permitir alguma abertura na alteração dos meios de prova após os articulados, face ao interesse na busca da verdade material, desde que não contenda com a celeridade que se pretende dar aos autos e o respeito dos princípios do contraditório e da boa-fé processual.

3- Da violação do caso julgado

Aspeto diverso deste é a limitação das questões que podem ser colocadas às testemunhas em sede de inquirição da audiência final.
O despacho de não admissão do rol de testemunhas, como supra consta, não recai sobre “a não admissão da prova testemunhal que incidiria sobre os temas de prova constantes desse mesmo despacho”, mas sobre a rejeição de um rol de testemunhas e seu aditamento.
Nem pouco sobre essa matéria recai o despacho ora recorrido, mas tão só sobre a matéria que podia ser perguntada à testemunha.
Daqui se vê que não ocorreu neste caso preterição do caso julgado: não coincide a questão decidida no despacho recorrido com a decisão que rejeitou um rol de testemunhas (não é a mesma a causa de pedir ou a questão decidenda, pressuposto desta figura, prevista no artigo 498º nº 1 do Código de Processo Civil).

4- Da produção da prova testemunhal

Determina o artigo 516.º do Código de Processo Civil, quanto ao regime do depoimento, que a testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova, indicando a razão da ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento; a razão da ciência invocada é, quando possível, especificada e fundamentada.
O interrogatório é feito pelo advogado da parte que ofereceu a testemunha, podendo o advogado da outra parte fazer-lhe, quanto aos factos sobre que tiver deposto, as instâncias indispensáveis para se completar ou esclarecer o depoimento.

Por outro lado, o artigo 513º do Código de Processo Civil determina que o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado.

Assim, entende-se que no regime ora vigente, não se pode impossibilitar a parte de, com a inquirição das testemunhas que arrolou, tentar demonstrar qualquer um dos factos que constem dos temas da prova e não sejam privativos de algum incidente especifico que apenas por razões de celeridade é discutido na audiência final (apenas militando em sentido diverso, o constante no artigo 511º nº 1 do Código de Processo Civil quanto à reconvenção, mas esta particularidade tem em vista, essencialmente, a limitação do número de testemunha a inquirir em cada processo, sem estrangular a possibilidade de defesa na ação enxertada em que se traduz a reconvenção).

5- Aplicação destas regras ao caso concreto

Isto posto, há que concatenar estas vertentes.
Desde já se diz que se segue a posição explanada no recente Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/21/2013, no processo 2777/10.6TBBCL-B.G1, onde se escreveu “1 - Estão inibidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. 2 - A apensação de ações implica a instrução e a apreciação conjuntas das ações apensadas. 3 – Tendo sido oferecida como testemunha, a autora da ação que foi apensada, esta apenas poderá depor como parte, ficando inibida de depor como testemunha.”
Com efeito, estando nós, como vimos, perante um só julgamento, com uma só peça em que se fixa a matéria de facto que há que debater no julgamento, pretendendo-se que seja obtida uma solução para todas as ações de forma concatenada de molde a evitar contradições e diferentes critérios de apreciação, não tem fundamento legal impedir que as testemunhas arroladas na ação principal ao ser inquiridas respondam sobre factos constantes dessa peça (seja o velho questionário, a base instrutória ou os temas prova), ainda que invocados num articulado da ação apensa, de que tenham conhecimento e que dizem também respeito à matéria da ação, mesmo que o rol da ação apensada tenha sido rejeitado.
Afirma a recorrente que não pode concordar com a decisão tomada na audiência de julgamento, porque entende que mesmo havendo apensação de ações, cada uma delas não perde a sua autonomia.
Ora, a autonomia de cada uma das ações, após a sua apensação, não afasta a realização de uma só audiência de julgamento, com uma estrutura unitária, em que as testemunhas são inquiridas conjuntamente a toda a matéria de facto em debate e não repetidamente em relação a cada uma das ações, sendo, após, objeto de uma só sentença.
Tanto mais que esta apensação determinou a inclusão de novos temas de prova, sendo só uma a peça que enunciou os factos a provar.

Assim, essa autonomia não releva na questão aqui em debate.

Por outro lado, o fundamento do despacho que ora se sufraga não é o princípio do inquisitório, embora seja claro que, face à busca da verdade material cada vez mais valorizado no nosso Código de Processo Civil, no âmbito dos seus poderes, dificilmente um juiz atento não questione uma testemunha, que tenha perante si, sobre factos de que ela tem conhecimento direto, independentemente de quem a arrolou e mesmo para os fins que foi arrolada, desde que não se proteja, desta forma, qualquer expediente processual utilizado por quem a arrolou que não observe os princípios da sã litigância.

Deste modo, entende-se efetivamente que, como cita a recorrente “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes” - Lopes do Rego In Comentários ao Código de Processo Civil, 1999.
No entanto, não foi aqui dado uso a este princípio, por não se colocar tal questão, mas o simples corolário decorrente da aquisição dos meios de prova careados para o processo.

V. Decisão

Por todo o exposto julga-se a apelação improcedente e em consequência mantém-se o despacho proferido.
Custas na 2ª instância pela apelada.

Guimarães, 5 de Abril de 2018


Sandra Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade