Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2723/20.9T8VNF.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: ASSEMBLEIA GERAL
SOCIEDADE POR QUOTAS
PRESENÇA DE ADVOGADO
OBJETO DA DELIBERAÇÃO
GRAU DE ESPECIFICAÇÃO E PORMENORIZAÇÃO
ATRIBUIÇÃO DE DIREITO ESPECIAL À GERÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

.1- Quando no recurso forem invocadas nulidades da sentença que o tribunal a quo entenda serem de proceder, deve modificar a decisão com a prolação de despacho, o qual a complementará, que nela intervenha apenas nas partes necessitadas de mudança, justificando cada alteração.
.2- O artigo 66º nº 2 dos Estatutos da Ordem dos Advogados não está numa relação de especialidade com o artigo 279º nº 6 do Código das Sociedades Comerciais: em regra, o presidente da mesa de uma assembleia geral de uma sociedade comercial por quotas pode não autorizar a presença, nessa assembleia, de pessoas estranhas à sociedade para assessorar um sócio, mesmo que a mesma seja advogado de um dos sócios.
.3- Na convocatória da assembleia geral tem que constar claramente o assunto objeto da deliberação, como impõe o artigo 377º nº 8 do Código das Sociedades Comerciais (aplicável às sociedades por quotas ex vi artigo 248º, n.º 1 do mesmo diploma); o grau de especificação e pormenorização dessa rúbrica varia consoante o seu objeto, tendo em conta que é instrumental à sua finalidade, a qual é permitir a intervenção esclarecida dos sócios na deliberação.1
.4- Para que se entenda que há a atribuição de um direito especial à gerência, e não apenas uma nomeação de gerentes no contrato de sociedade, é necessário que tal resulte da interpretação da cláusula do contrato de sociedade, de forma clara.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

identificação do processo
Autor e Apelante: A. G..
Ré e Apelada: Empresa ... de Elastómeros, Lda.
autos de ação de anulação de deliberações sociais

I. Relatório

decisão recorrida:

O presente recurso, com efeito meramente devolutivo, vem interposto da sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a Ré do pedido.
A mesma veio precedida do seguinte despacho, a que o Recorrente se refere, discordando, nas suas alegações, mas que não foi objeto das conclusões deste recurso: “Por manifesto lapso, motivado pela consulta do processo por meios telemáticos, julgo verificada a nulidade arguida pelo R., e, ao abrigo do disposto no art.º 615, 1, d), declaro nula a sentença proferida, passando a produzir-se sentença sanada da apontada irregularidade.”
Aliás, apesar das conclusões do recurso serem extensas e intrincadas, apenas se debruçaram sobre a matéria de fundo da sentença, reproduzindo as conclusões que haviam sido apresentadas nas contra-alegações do recurso que deu origem a este despacho, pedindo, apenas, no final, em vez da improcedência do recurso, a sua procedência.
Vejamos, para melhor contextualização, os atos processuais mais relevantes para o conhecimento deste recurso.
Na petição inicial que apresentou, o Autor pediu que fossem declaradas inválidas, as deliberações adotadas nos pontos 1 e 2 da AGE realizada em 19/08/2019, bem como ser ordenado o cancelamento dos registos resultantes das referidas deliberações, com todas as legais consequências daí decorrentes.
Alegou, para tanto, em síntese: é titular de metade do capital social da Requerida, assumindo, tal como o titular da outra quota, a qualidade de gerente. A requerida vinculava-se com a assinatura de estes dois específicos gerentes, mas foi deliberada a destituição do A. do cargo de gerente – ponto um – e a nomeação para tal cargo de H. N. – ponto dois - . Apontou para a violação de um conjunto de preceitos legais que teriam sido violados com tais deliberações, o que determinaria a sua invalidade.
Em 09-09-2020, foi proferido despacho que considerou confessados os factos articulados pelo Autor e determinou o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 567º do Código de Processo Civil.
Em 21-9-2020, a Ré veio invocar justo impedimento e requerer que fosse admitida a contestar a ação contra si intentada; após a oposição do Autor, a contestação não foi admitida, porquanto tal situação de justo impedimento foi julgada improcedente, por não verificada, em conclusão de 8-10-2020.
Quer o Autor (em 24-9-2020), quer a Ré (em 6-10-2020), apresentaram alegações nos termos do artigo 567º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Foi proferida sentença, notificada às partes por ato de 29-01-2021, com o seguinte decisório “aderindo por completo aos fundamentos de facto e de direito invocados pela A., e dada a falta de contestação da R., regularmente citada, julgo procedente a presente ação, declarando anuláveis as deliberações adotadas nos pontos 1 e 2 da AGE realizada em 19/08/2019, bem como ser ordenado o cancelamento dos registos resultantes das referidas deliberações, com todas as legais consequências daí decorrentes, por violação dos art.ºs 58,1, c) e 4, a) Código das Sociedades Comerciais”.
Em 4-2-2021, a Ré apresentou requerimento de interposição de recurso, invocando, em curtíssima súmula, nulidades da sentença, apontando falta de enunciação das questões que lhe cabia solucionar, de especificação dos factos provados e não provados, omissão de conhecimento de questões que lhe cumpria conhecer e afirmando a caducidade do direito de arguir as anulabilidades invocadas na petição, concluindo que a sentença violou as disposições legais em que se louvou, pelo que deve ser revogada.
Em 8-3-2021 o Autor apresentou contra-alegações, defendendo que “não se encontrava obrigado o Meritíssimo Juiz “a quo” a fazer mais do que efetivamente determinou, devendo improceder quaisquer nulidades imputadas pela Recorrente quanto ao cumprimento dos requisitos da perfeição da sentença” e concluindo, após as 140 proposições das suas conclusões, que o recurso interposto devia improceder.
Em 1-4-2021, foi proferido o despacho supramencionado, que, julgando verificada a nulidade arguida pelo Réu ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil, declarou nula a sentença proferida, com a produção de nova sentença “sanada da apontada irregularidade.”

É desta sentença que o Autor recorre, apresentando as seguintes
conclusões, que pela sua extensão, se reduzem, expurgadas de parte do seu excesso:

“18. …devendo improceder quaisquer nulidades imputadas pela Recorrente quanto ao cumprimento dos requisitos da perfeição da sentença.
19. E, até na subsunção dos fatos (derivados da confissão ficta), ao Direito não existe qualquer óbice ao procedimento levado a cabo na sentença sob recurso.
20. Assim, dever-se-ão considerar como confessados os seguintes:
21. A sociedade Requerida tem por objeto a indústria de recobrimento de elastómeros, e um capital social de € 575.000,00.
22. Capital social esse que se encontra dividido em duas quotas, sendo uma, no valor nominal de € 293.250,00, pertença do sócio S. D., e outra, no valor nominal de € 281.750,00, pertença do aqui Requerente.
23. Assumindo ambos, até ao passado dia 19/08/2019, a qualidade de gerentes, e desde a constituição da sociedade, vinculando-se a mesma, com a assinatura de estes dois específicos gerentes.
24. Verificando-se, por esta via, que o Requerente possui a qualidade de sócio da Requerida, enquanto requisito de legitimidade ativa para o presente procedimento cautelar.
25. Por carta datada de 30/07/2019, o ora Requerente – não obstante a qualidade de gerente - foi confrontado com a sua convocação para a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) da Requerida, a realizar em 19/08/2019.
26. Constando da mesma, como pontos a submeter à deliberação da Assembleia os seguintes: (1) Discussão e votação de proposta de destituição do gerente A. G.. (2) No caso de ser deliberada a destituição do gerente A. G., apreciação e votação de propostas de nomeação de gerente para ocupar o cargo do gerente referido.
27. Por carta datada do dia 07/08/2019 e entregue na Requerida em 07/08/2019 o aqui Requerente, face ao teor da convocatória recebida interpelou o gerente que procedeu a convocatória (S. D.), nos seguintes termos: “Foi com enorme surpresa que recebi a convocatória para uma Assembleia Geral Extraordinária da sociedade (AGE) de que ambos somos sócios. Sobretudo com os pontos que decidiu, unilateralmente e secretamente enunciar. Tudo o que me obriga a dizer e requerer-lhe o seguinte: (1) Explicite, atenta a formulação genérica e vaga constante do ponto 1 da convocatória para a AGE, no prazo máximo de 3 dias, quais os documentos e fundamentos nos quais estriba a sua pretensão de me destituir da gerência da sociedade, para que possa defender-me perante tal situação. (2)Tanto assim que me chegou ao conhecimento que já transmitiu a colaboradores da empresa que, após a data indicada para a AGE, eu deveria ser impedido de entrar nas instalações da sociedade, se assim o pretendesse fazer. (3) Como saberá, trata-se de um comportamento ilegal que, a concretizar-se (e pelo exposto em 2 para si é já uma certeza) causará prejuízos tremendos à minha pessoa mas, sobretudo, á nossa sociedade. (4) Porquanto, atento o previsto nos estatutos sociais, por um lado, os sócios terão que ser gerentes, existindo um direito especial à gerência, sendo necessária a assinatura conjunta de nós os dois como gerentes e não de quaisquer outros gerentes. (5) E, por outro, a gerência não poder ser exercida por não sócios, o que determinará, caso persista nos seus ilegais intentos, a mais que provável, paralisação total da sociedade. (6) Aproveito, também, para que possa ser objeto de ponderação e votação, que indique - se é que tem - a pessoa concreta que tem em vista para o exercício do cargo de gerente, porquanto o ponto 2 da ordem de trabalhos é, creio agora, deliberadamente, omisso quanto a tal aspeto. (7) Solicito, ainda, que seja incluído, nos pontos a serem discutidos na AGE convocada, o seguinte ponto adicional: “apreciação e discussão acerca do relacionamento empresarial, comercial e financeiro da sociedade com as sociedades L. T. – Lda. e, sobretudo, P. F., Unipessoal, Lda.”. (8) Bem como a inclusão, em consequência do anteriormente invocado, do seguinte ponto adicional: “deliberar a exclusão do sócio S. D.”. (9) Finalizando, atento tudo quanto se requereu e alegou, seja a AGE viabilizada através de Cartório Notarial competente, sob a participação da respetiva Notária, o que se requer seja confirmado em 3 dias a contar de hoje. (10) Bem como, em igual prazo, confirmação acerca da possibilidade de eu ser acompanhado por mandatário ou perito técnico, em sede de AGE”.
28. Tendo solicitado resposta em 3 dias a contar da presente data, por forma a que pudesse organizar e preparar, devidamente, a AGE unilateralmente convocada pelo também gerente S. D..
29. Por carta datada de 12/08/2019 – cuja cópia se junta sob o documento 5 - o gerente da Requerida (S. D.) enviou resposta ao pedido de informação, esclarecimento e inclusão de pontos na ordem de trabalhos formulado pelo Requerente na sua missiva de 07/08/2019;
30. O gerente da Requerida S. D., em representação da mesma e na mesmíssima qualidade em que procedeu, unilateralmente, à convocatória para a AGE, negou ter que responder ou esclarecer, ou informar “ao que quer que seja do que lhe é requerido”, que a inclusão de novos pontos na ordem de trabalhos não foi requerida tempestivamente e, por último, relega para o início da AGE a decisão de admissão, ou não, de o Requerido ser acompanhado por mandatário.
31. O A. Requerido, atento o conteúdo da convocatória, ali compareceu, na data e hora aprazadas, acompanhado de mandatário.
32. Mandatário que foi impedido, desde logo, de acompanhar o Requerido pelo então gerente e autoproclamado Presidente da Mesa da AGE S. D..
33. Embora a AGE tenha sido secretariada pelo Exmo. Senhor Dr. L. B., o qual exerce funções de Notário em Barcelos, certo é que o gerente S. D. preferiu ser ele a assumir a Presidência da AGE em vez de, e como faria todo o sentido, a solicitar ao aludido Notário.
34. A AGE realizou-se com a parcimónia que se impunha entre os presentes que até relações de afinidade entre eles possuem, reforçada pela presença do aludido Senhor Notário.
35. Parcimónia inerente àquelas AGE em que tudo estava bem delineado e decidido pelo sócio, gerente e Presidente da Mesa da AGE, S. D..
36. Sendo prova disso mesmo, reuniões tidas por este, seja com os trabalhadores da empresa, seja com parceiros e fornecedores da mesma, informando que, a partir do dia da AGE, o aqui Requerente não mais poderia sequer entrar nas instalações.
37. E que não seria mais gerente.
38. Ignorando, até, as funções que o aqui Requerente, sempre desempenhou na empresa, como sejam, entre outros, os assuntos relativos à contabilidade, pagamentos de salários, pagamentos a fornecedores, recebimentos por parte dos clientes, entregas de mercadorias, deslocações aos bancos, aos correios, manutenção de máquinas, etc…
39. As quais sempre foram, e são, independentes das inerentes ao cargo de gerente.
40. E, como se anunciava, foi discutido, decidido e vertido em ata, que se junta sob o documento 6, um rol de ilegalidades que fulminam as respetivas deliberações de invalidade.
41. Em primeiro lugar, não permitiu que o aqui Requerente fosse acompanhado por mandatário.
42. in casu, o Requerente não se pretendia ver substituído por este, mas antes acompanhado.
43. O gerente que convocou a respetiva assembleia recusou-se a prestar informações relativamente aos pontos da ordem de trabalhos.
44. Por força da AP 45/1995.01.24, desde a sua constituição até ao passado dia 19/08/2019, a gerência da sociedade sempre esteve a cargo de todos os sócios da Requerida, conforme, aliás, impõe e exige o pacto social da Requerida, a saber: “1 – A gerência da sociedade, dispensada de caução e remunerada ou não, conforme for deliberado em Assembleia Geral, pertence a todos os sócios, que, desde já, são nomeados gerentes. 2 – Para a prática de actos e documentos de mero expediente e para movimentar a débito e a crédito quaisquer contas de que a sociedade seja titular em quaisquer bancos, casas bancárias ou outros estabelecimentos de crédito, são necessárias as assinaturas conjuntas dos gerentes S. D. e A. G.. 3 – Para obrigar a sociedade em todos os demais actos e contratos e representá-la em juízo e fora dele, activa e passivamente, são necessárias as assinaturas conjuntas dos DOIS GERENTES.”
45. Atendendo ao caráter pessoal da sociedade X, desde essa altura (da sua constituição) foram celebrados vários créditos e financiamentos (de diversa natureza), com diversas entidades bancárias e financeiras, tendo os respetivos sócios na indissociável qualidade de gerentes prestado a favor daquelas, garantias pessoais (avais e fianças)
46. Cujo valor ascende ao montante de 1.895.138,61 €.
47. O certo é que, não obstante o aqui Autora ter prestado garantia pessoal em mais um investimento a que a sociedade recorreu, na ordem de 180.000 €, o aqui Requerente foi confrontado com a carta datada de 30/07/2019, com vista à sua convocação para a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) da Requerida, a realizar em 19/08/2019, tendo como ordem de trabalhos a destituição do gerente A. G. e a nomeação de outro gerente.
48. Na referida convocatória, não foram explicitadas as razões que justificam a destituição do gerente A. G. e a sua substituição, nem tão pouco, a identificação da pessoa que iria ser proposta para ocupar o cargo.
49. Por carta datada do dia 07/08/2019, o aqui Requerente solicitou que fossem prestadas várias informações, com vista a poder decidir conscientemente na referida AGE, conforme se referiu no supra art.º 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
50. O gerente da Requerida não esclareceu o quer que seja, conforme se pode verificar na carta remetida pelo mesmo com a data de 12/08/2019.
51. Assim, não somente a informação constante do aviso convocatório era claramente insuficiente, como o Requerente a solicitou formalmente e lhe foi negada.
52. A convocatória para a assembleia geral da Ré totalmente omissa quanto aos “mínimos de informação” atinentes às imputações ao gerente, aqui Requerente, conducentes à cessação antecipada dos seus mandatos, não lhes permitindo, nem antes nem na assembleia, saber dos fundamentos por que era pedida a destituição dos cargos.
53. O que resultou agravado pela circunstância de, em face da omissiva convocatória, o Requerente as haver solicitado por escrito e as mesmas lhe terem sido recusadas.
54. Tal omissão foi deliberada e pensada, na medida em que o sócio e gerente S. D., nomeou como gerente, o seu próprio pai, de 79 anos.
55. Sendo certo que, caso não tivesse sido sonegada essa informação, o aqui Requerente teria uma intervenção minimamente esclarecida, permitindo, assim, uma tomada diferente da que teve na referida AGE de 19/08/2019.
56. Tanto mais que o aqui Autor sempre entendeu (e continua a entender) que o pacto social não permitia que possa ser nomeado um gerente não sócio, isto é, que fosse nomeado um gerente estranho à sociedade, posição essa fundamentada no teor da cláusula 5ª do pacto social.
57. A convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária totalmente omissa quanto aos “mínimos de informação” atinentes às imputações aos gerentes conducentes à cessação antecipada dos seus mandatos, não lhes permitindo, nem antes nem na assembleia, saber dos fundamentos por que era pedida a destituição dos cargos, foi cometido vício procedimental que torna a deliberação anulável.
58. O aqui Requerente formalmente, e em tempo, solicitou a inclusão de novos pontos na ordem de trabalhos nos termos previstos no artigo 378.º, n.º 2, ex vi do artigo 248.º, n.º 1, do CSC.
59. O que foi indeferido, alegando-se o seu não exercício tempestivo.
60. Os estatutos sociais não permitem que não sócios assumam funções de gerente.
61. As deliberações tomadas na referida AGE, implicam a alteração do contrato de sociedade, nomeadamente ao disposto no artigo 5º, n.º 1 e n.º 2 do pacto social.
62. As deliberações em causa (destituição e nomeação) – as quais consubstanciam uma alteração do contrato de sociedade - foram aprovadas somente com os votos a favor do sócio S. D., que representam apenas 51% do capital social da empresa (doc. 1 e 6).
63. Sendo, por conseguinte, manifestamente insuficiente para se aprovar tais matérias, já que para o efeito seria necessária uma maioria qualificada de 2/3 dos votos, o que não ocorreu in casu.
64. Mas, in casu, também se verifica um dano apreciável com a manutenção da deliberação dos pontos 1 e 2 da AGE ocorrida em 19/08/2019.
65. Mesmo, dificilmente reparável.
66. Na verdade, após a efetivação do registo da destituição e da nomeação de novo gerente, a sociedade passou a obedecer, somente, aos desígnios do gerente S. D..
67. Porquanto o gerente agora nomeado, para além de ser pai deste, não possui qualificação bastante para que possa sindicar e separar aquilo que são os interesses da sociedade por contraposição aos interesses pessoais do seu filho.
68. Não terá sequer motivação ou saúde para tal exercício.
69. Podendo, desta feita, serem contraídas obrigações, seja com parceiros empresariais, seja com a banca, suscetíveis de colocar a Requerida numa posição insustentável.
70. Tanto mais que o Requerente possui avais pessoais a operações financeiras da própria empresa., cujo valor ascende a 1.800.000 € (um milhão e oitocentos mil euros).
71. E dias antes da convocatória, o gerente A. G. havia avalizado um empréstimo na ordem dos 180.000 €.
72. Passando pela circunstância de a Requerida, através do gerente S. D., adotar práticas comerciais completamente erradas no que respeita ao interesse social, até aqui acauteladas com a necessidade de anuência do Requerente.
73. Até porque o gerente S. D. controla, de facto e de direito, outras sociedades cujo modo de proceder poderá colocar em crise a solvabilidade da Requerida em benefício de tais sociedades.
74. Encontrando-se, já, a serem usados bens pertença da Requerida em benefícios de outras sociedades sem que exista vantagem visível para a Requerida.
75. Não é, tão somente, a nomeação de um gerente estranho à vida social, que determina um dano apreciável, mas este gerente em concreto.
76. Que mais não será – querendo ou não – do que uma longa manus do gerente S. D..
77. Tanto mais que a pessoa entretanto nomeada gerente, isto é, o pai do gerente S. D., Sr. H. N., já confessou que foi o filho que o convidou para gerente e que quando há alguma coisa a assinar, o seu filho chama-o.
78. Confessando, ainda, que raramente fala consigo sobre a empresa, a não ser para lhe dizer como deve fazer a assinatura, e que nada percebe de fios.
79. Na realidade, atenta a destituição do Requerente e a nomeação do pai do gerente S. D. para, com ele exercer a gerência, é causador de dano mais que apreciável.
80. O Requerente não tem ilusões de que tal ilegal procedimento e comportamento do gerente S. D., não resulta de falta de conhecimento ou incúria.
81. Sendo intencional, no sentido de proceder à execução imediata e duradoura de deliberações que sabem serem ilegais, colhendo, todos os frutos que quer.
83. …o direito consagrado no n.º 3 do artigo 61.º do EOA está numa relação de especialidade – e por isso de prevalência – em relação às normas do Código das Sociedades.
84. Encontrando arrimo constitucional no direito constitucionalmente consagrado à assistência e acompanhamento por advogado, consagrado no n.º 2 do artigo 20.º da CRP.
85. Sendo certo que, o comando constitucional do n.º 2 do artigo 20.º da CRP – mesmo que se considere que não é por si só exequível - e a sua regulamentação por via do artigo 61º do EOA só podem sofrer limitações que sejam ditadas por outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, os quais inexistem a propósito do sempre invocado artigo 379.º, n.º 6, do CSC.
86. Até pela singela, mas operante razão que o advogado não se configura como terceiro, está obrigado a sigilo profissional e, in casu, o Requerente não se pretendia ver substituído por este, mas antes acompanhado.
87. Razões pelas quais a AGE é, quanto a este primeiro ponto, inválida e, uma interpretação do artigo 379.º, n.º 6, do CSC segundo a qual impeça um sócio (como o aqui Requerente), de ser acompanhado na AGE por Advogado, é, inclusive, inconstitucional, por violação no disposto no artigo 20.º, n.º 2, da CRP.
88. Invalidade e inconstitucionalidade que aqui se invocam desde já, caso não seja confirmada a decisão de primeira instância.
89. Em segundo lugar, as deliberações que viessem a ser adotadas sempre estariam fulminadas de invalidade, por força do disposto no artigo 58.º, n.º 4, do CSC, na medida em que, como se alegou, o gerente que convocou a respetiva assembleia se recusou a prestar informações relativamente aos pontos da ordem de trabalhos.
90. Atento o preceituado no artigo 248.º, n.º 1, do CSC é aplicável às sociedades por quotas o disposto no artigo 377.º do referido diploma legal, prevendo-se, no seu n.º 8, que “o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos acionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redações diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso”.
91. Daqui se depreendendo que a falta de elementos de informação no aviso convocatório acarreta, em princípio, a anulabilidade da deliberação, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4, alínea a), do CSC.
97. O certo é que, não obstante o aqui Recorrido ter prestado garantia pessoal em mais um investimento a que a sociedade acedeu, na ordem de 180.000,00 €, este foi confrontado com a carta datada de 30/07/2019, com vista à sua convocação para a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) da Recorrente, a realizar em 19/08/2019, tendo como ordem de trabalhos a destituição do gerente A. G. e a nomeação de outro gerente.
101. Assim, não somente a informação constante do aviso convocatório era claramente insuficiente, como o Requerente a solicitou formalmente e lhe foi negada.
106. Sendo a convocatória para a assembleia geral da Recorrente totalmente omissa quanto aos “mínimos de informação” atinentes às imputações ao gerente, aqui Requerente, conducentes à cessação antecipada dos seus mandatos, não lhes permitindo, nem antes nem na assembleia, saber dos fundamentos por que era pedida a destituição dos cargos, foi cometido, de modo inquestionável, um vício procedimental que torna a deliberação anulável.
110. Para que o sócio, atempadamente, e na hipótese de ser admissível a indicação de novo gerente, não sócio, possa pedir esclarecimentos acerca a honorabilidade de tal pessoa, sua capacidade física e intelectual para exercer tal cargo e eventual independência relativamente ao outro gerente e em benefício da própria sociedade e do seu interesse.
112. E tal omissão foi deliberada e pensada, na medida em que o sócio e gerente S. D., nomeou como gerente, o seu próprio pai, de 79 anos.
113. Sendo certo que, caso não tivesse sido sonegada essa informação, o aqui Recorrido teria uma intervenção minimamente esclarecida, permitindo, assim, uma tomada diferente da que teve na referida AGE de 19/08/2019.
132. De acordo com o artigo 252.º do CSC, apenas podem ser nomeados gerentes não sócios quando os estatutos da sociedade assim o permitirem, tendo, o Requerente, também por esta razão, votado contra a deliberação.
133. Sendo, também por esta via, por isso, a deliberação ineficaz/inválida por violação das disposições estatutárias e legais (nomeadamente a cláusula 5ª do Pacto Social e art.º 252º do CSC).
134. Independentemente do que supra se disse, importa referir que as deliberações tomadas na referida AGE, implicam a alteração do contrato de sociedade, nomeadamente ao disposto no artigo 5º, n.º 1 e n.º 2 do pacto social.
136. Ora, conforme se disse anteriormente, as deliberações em causa (destituição e nomeação) – as quais consubstanciam uma alteração do contrato de sociedade -foram aprovadas somente com os votos a favor do sócio S. D., que representam apenas 51% do capital social da empresa (doc. 1 e 6),
137. Sendo, por conseguinte, manifestamente insuficiente para se aprovar tais matérias, já que para o efeito seria necessária uma maioria qualificada de 2/3 dos votos, o que não ocorreu in casu.
138. Pelo que, também por este motivo, as referidas deliberações são ineficazes/inválidas por violação do artigo 238.º, n.º 2 e artigo 386.º, n.º 3, ambos do CSC.”

Foi apresentada resposta pela Ré, com as seguintes
conclusões:

“1.ª A presente acção tem por objecto a anulação de deliberações da sociedade de destituição de um gerente e designação de outro gerente para o substituir, numa sociedade comercial por quotas, e que foi intentada pelo gerente destituído, enquanto sócio da sociedade que assim demanda. Nesta acção relevam os factos a seguir descritos.
2.ªA sociedade demandada foi constituída, por escritura pública, no dia 17-01-1995, por B. L., que subscreveu uma quota de capital no valor de 800 contos, pelo Recorrente e por S. D., subscrevendo cada um destes uma quota no valor de 600 contos.
3.ª No artigo 5.º do contrato de sociedade a gerência da sociedade foi regulada assim:
1- A gerência da sociedade, dispensada de caução e remunerada ou não, conforme fôr deliberado em Assembleia Geral, pertence a todos os sócios, que, desde já, são nomeados gerentes.
2- Para a prática de actos e documentos de mero expediente e para movimentar a débito e a crédito quaisquer contas de que a sociedade seja titular em quaisquer bancos, casas bancárias ou outros estabelecimentos de crédito, é SUFICIENTE a assinatura do gerente B. L. ou, em alternativa, a assinatura conjunta dos gerentes S. D. e A. G..
3- Para obrigar a sociedade em todos os demais actos e contratos e representá-la em juízo e fora dele, activa e passivamente, são necessárias as assinaturas conjuntas de DOIS GERENTES, indistintamente.
4- Nos poderes de gerência estão incluídos os de comprar, vender, permutar e alugar quaisquer bens móveis e celebrar contratos de locação financeira.
5- É expressamente proibido aos gerentes obrigar a sociedade em actos e contratos estranhos aos negócios sociais, designadamente em letras de favor, fianças, abonações e outros semelhantes, respondendo o contraventor perante a sociedade por todos os prejuízos que porventura lhe causar.
4.ª Por escritura pública de 8-11-1999 (e sendo já a quota do B. L. do valor de 4 000 contos e a do Recorrente e a do S. D. do valor (cada uma) de 3 000 contos, o B. L. dividiu a sua quota em duas: uma de 2 100 contos que cedeu ao S. D., que a unificou com a que detinha, passando assim a ser titular de uma quota no valor de 5 100 contos, cedendo a outra, no valor de 1 900 contos ao Recorrente, o qual, unificando-a a que detinha, passou a deter uma quota de 4 900 contos.
5.ªPor essa escritura o sócio e gerente B. L. declarou que renunciava à gerência da sociedade, que passou a ser gerida pelos sócios A. G. e S. D..
6.ªEm consequência de aumentos posteriores, em 19-08-2019 o capital social da sociedade era (e continua a ser) de 575 000 euros, dividido em duas quotas: uma do sócio S. D. do valor de 293 500 euros e a outra do Recorrente do valor de 281 750 euros.
7.ªPor carta de 30-07-2019, o sócio e gerente da sociedade S. D. convocou o Recorrente para uma reunião especial da assembleia geral da sociedade para as 10 horas do dia 19-08-2019, com a seguinte ordem de trabalhos:“1.ºDiscussão e votação de proposta de destituição de gerente da sociedade do gerente A. G..2.ºNo caso de ser deliberada a destituição do gerente A. G., apreciação e votação de propostas de nomeação de gerente para ocupar o cargo do gerente referido.”
8.ªPor carta de 07-08-2019, o Recorrente pediu informações ao gerente S. D. sobre os assuntos da ordem de trabalhos, e o aditamento de 2 pontos.
9.ªPor carta de 12-082019, o gerente S. D. comunicou ao Recorrente que as informações que pedia eram assunto da assembleia geral, e que o pedido de aditamento era extemporâneo.
10.ªNa convocada reunião especial da assembleia geral da sociedade demandada, que decorreu no dia 19-08-2019, com os votos a favor do sócio S. D. e os votos contra o sócio A. G., foi deliberada a destituição deste cargo de gerente da sociedade e designado para esse cargo H. N. .(Sobre as precedentes concl. 1.ª a 9.ª, supra, §§ 5 a 7 da fundamentação.)
11.ªNesta ação releva a questão da caducidade suscitada pela Recorrida (a) e as questões suscitadas pelo Recorrente; b) A violação do seu direito de ser assessorado por advogado na reunião que o destituiu de gerente da sociedade. c) A violação do disposto nos art.ºs 377.º 8 e 224.º, 1 e 7 do C.S.C., direito de informação prévia.d) Da reserva da qualidade de gerente aos sócios da sociedade. e) Da inexistência de justa causa da destituição. Da necessidade de alteração do contrato de sociedade para designar um gerente não sócio.
12.ªTendo as deliberações em causa sido tomadas no dia 19-08-2019, a acção de anulação dessas deliberações só podia ser intentada até ao dia 18-09-2019, por força do disposto no art.º 59.º, 2, a) do C.S.C. e art.º 296.º, 279.º, b) e e) e 333.º do C.C. Essa caducidade é de ordem e interesse público, por isso de conhecimento oficioso.(Cf., supra, §§ 9 a 11 da fund.)
13.ªAs deliberações em causa, ao contrário do alegado pelo Recorrente, não são anuláveis, a qualquer título, ao contrário do que alega. Assim:
14.ªO disposto no art.º 379.º, 6 do C.S.C não contende com o disposto no art.º 67.º, 2 e art.º 20.º, 2 da Constituição, porque estas normas não derrogam aquele n.º 6 do art.º 379.º do C.S.C. Por isso não houve nenhuma ilegalidade do presidente da assembleia geral da sociedade ao não permitir a presença de advogado na reunião.(Cf., supra, §§ 12 a 19 da fund.)
15.ªTambém não foi violado o direito de informação prévia que o Recorrente alega, pois não é de admitir que o gerente de uma sociedade não perceba o teor da convocatória (transcrita na concl. 7.ª). Por isso não foram violadas as disposições do 1.º período do n.º 8 do art.º 377.º do C.S.C (já que o caso dos autos não tem atinência com o 2.º período), nem as dos n.ºs 1 e 7 do art.º 214.º do mesmo Código as quais respeitam à gestão da sociedade.(Cf., supra, §§ 20 a 24 da fund.)
16.ªAo contrário do que a Recorrente alega, e por isso teria sido violado, o contrato de sociedade não reserva os cargos de gerente a sócios da sociedade, mormente o seu art.º 5.º. E sempre essa cláusula seria ilegal porque violaria os art.ºs 1.º, 1 e 64.º do C.S.C.(Cf., supra, §§ 25 a 29 da fund.)
17.ªO contrato de sociedade, no seu artigo 5.º, não consagra nenhum direito especial de gerência, de modo que um gerente só pudesse ser destituído por justa causa, nem dispõe de qualquer regra que exija a sua alteração para poder ser designado um estranho para gerente da sociedade. Após a renúncia do ex-sócio e gerente da sociedade, B. L., caducaram todos os termos desse artigo que respeitavam aos seus poderes de gerência do B. L.. E por isso dessas disposições apenas restam aquelas que mantinham os sócios S. D. e A. G. como gerentes da sociedade e que é necessária a intervenção conjunta de dois gerentes para obrigar a sociedade em seus actos e contratos. Por isso para a destituição de um gerente da sociedade, basta a maioria absoluta dos votos (art.º 257.º, 1 do C.S.C), como para a sua designação (art.º 252.º, 1 do mesmo Código), pelo que carece de sentido tudo o que foi alegado pelo Recorrente, em sentido contrário.
Termos em que deve ser mantida a decisão recorrida.”

II. Questões prévias

1- Da inutilidade superveniente da instância recursiva

Foi proferido despacho para audição do Recorrido sobre a inutilidade superveniente da presente instância recursiva, porquanto foi realizada assembleia geral da sociedade ré, deliberando novamente no sentido das deliberações impugnadas pela presente ação e que resulta das contra-alegações de recurso da recorrida que as mesmas deliberações não foram impugnadas pelo sócio recorrente.
A Recorrente salientou que que esta segunda deliberação não é uma renovação/ratificação da anterior deliberação, pelo os seus efeitos só se produzem para o futuro, pelo que entre esta e a anterior há diferentes efeitos jurídicos, desde logo quanto à data da sua produção, o que impede, à partida, a referida inutilidade.
A Recorrida respondeu e concluiu que do prosseguimento dos autos apenas poderiam resultar satisfações teóricas, fosse qual fosse o resultado.
A inutilidade superveniente da lide verifica-se, nas palavras do acórdão proferido no processo 566/19.1YRLSB.L1-7, de 07/02/2019, (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano), referindo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pág. 546, “quando, por facto ocorrido na sua pendência, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida, situação em que não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir por já não ser possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado com a ação ter sido atingido por outro meio.”
Ora, as novas deliberações, mesmo que repetições das anteriores, não se confundem com elas, nomeadamente quanto à data em que operam, por tomadas em diferentes datas. Não têm os mesmos efeitos que as anteriores, nem foram proferidas no mesmo contexto, o que releva para as causas de eventuais ineficácias, anulabilidades ou nulidades e por isso não se pode dizer que a decisão que se profira sobre a sentença que não julgou invalidas as deliberações adotadas nos pontos 1 e 2 da AGE realizada em 19/08/2019 deixou de ter qualquer utilidade, para os efeitos previstos na alínea e) do art.º 277.º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, pelo facto de ter sido por um sócio gerente convocado o Autor para uma assembleia geral não se pode concluir que aceitou a decisão (tanto mais que dela recorreu), tão só que entendeu que era conveniente a realização dessa assembleia naquela situação concreta.
Termos em que se julga que se não verifica a inutilidade superveniente da lide.
*
2- Das consequências do apuramento de nulidades da sentença invocadas no recurso pelo tribunal a quo

Como se viu, embora o Recorrente nas alegações se insurja contra o despacho que anulou a primeira sentença proferida nos autos, nas conclusões discute apenas o mérito da mesma, quanto ao âmbito da matéria de facto dada como provada e quanto à aplicação do direito.
Se a questão da nulidade da sentença for suscitada no âmbito de recurso dela interposto (e é no recurso que tem que ser invocada, se a decisão for suscetível de recurso ordinário, nos termos do artigo 615 nº 4 do Código de Processo Civil), o juiz do tribunal a quo deve apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, como é imposto pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 617.º do Código de Processo Civil. Verificando que as nulidades invocadas devem proceder, o juiz deve supri-las e o despacho proferido é parte integrante da sentença, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.
Caso ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, o tribunal a quo deve alterar a decisão de forma a eliminar tal ambiguidade ou obscuridade; caso os fundamentos estejam em oposição com a decisão, deve alterar uns ou a outra, conforme o que for mais correto; caso tenha decidido questões que não podia apreciar ou deixado de conhecer de questões de que devia tomar conhecimento, deve alterar a decisão, deixando ou passando a conhecer em conformidade; caso tenha condenado em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, deve alterar a condenação corrigindo a nulidade apurada.
Enfim, como várias das nulidades previstas no nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil estão diretamente ligadas à decisão (as das alíneas c) a e)), o tribunal a quo, caso conclua pela sua procedência, não tem outra solução senão, em conformidade com o que teve que apreciar, decidir em conformidade, alterando a sentença e a decisão nessa parte, se tal for a consequência do provimento da nulidade. Não pode é verificar que a mesma ocorreu e, não obstante, agir em sentido contrário, como se tal não tivesse ocorrido.
No caso em que a nulidade é suprida, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença e pode o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo;
se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença (como o dizem os nº 3 e 4 do artigo 617º do Código de Processo Civil).
Assim, não se pode dizer que o tribunal a quo no âmbito da apreciação que lhe é imposta pelo artigo 617º nº 1 do Código de Processo Civil não pode alterar a decisão que proferiu.
Mas do outro ponto de vista, face ao esgotamento do poder jurisdicional por força da prolação da sentença (artigo 613º nº 1 do Código de Processo Civil), o tribunal a quo não pode alterar aquilo que não foi objeto de arguição de nulidade.
O que tem sido apontado, e tem razão de ser, é que o tribunal a quo não pode anular a sentença. Tal resulta do disposto no nº2 do artigo 617º do Código de Processo Civil: deve colmatar as nulidades, retirando da sentença todas as considerações que a inquinam e acrescentando o que a sana, sendo o despacho em que procede a tais alterações complemento e parte integrante desta, como resulta do nº 2 do artigo 617º do Código de Processo Civil.
Foi salientado no acórdão proferido no processo 3049/19.6T8STR-A.E1, em 04/23/2020: “Este procedimento não se confunde com a anulação da totalidade da sentença e do processado a esta subsequente, seguida da prolação de nova sentença. A diferença entre um e outro procedimento não é meramente formal, pois, como a recorrente bem salienta, a circunstância de ser anulada a primeira sentença e proferida uma nova sentença, necessariamente em data posterior, tem implicações processuais importantes, nomeadamente em matéria de prazos que se contem a partir da notificação da sentença”.
Assim, o método utilizado para a supressão das nulidades (a anulação total da sentença e prolação de uma nova em vez da prolação de despacho que intervenha sobre a sentença apenas nas partes necessitadas de alteração) não foi o mais adequado. No entanto, o ora Recorrente não pediu a revogação dessa anulação, antes utilizou o prazo de 30 dias para intentar novo recurso, conformando-se, tal como o fez a ora recorrida, contra tal anulação. Assim, seria neste caso excessivo a anulação da sentença e remessa dos autos para a prolação de despacho autónomo que justificasse, face às nulidades invocadas, cada uma das alterações efetuadas, visto o teor das alegações que se referem não a tais alterações, mas à própria decisão em si.
Há, pois, tão só que analisar o bem fundado da sentença nos pontos contra os quais se insurgiu o Recorrente.
Da mesma forma, embora o Recorrente, nas conclusões, indique de forma diversa a matéria de facto provada (nas conclusões 20 a 81) que entende que se encontra demonstrada, fazendo um elenco autónomo, praticamente cópia da petição inicial, dos factos que entende provados, não só não indica quais os factos que no seu entender deviam ser acrescentados (ou retirados) da enumeração efetuada na sentença, como também não explana uma única razão para que a seleção da matéria de facto provada e não provada seja alterada, nomeadamente quanto à expurgação que na sentença se afirma ter efetuado no que toca à “matéria conclusiva e de direito ou repetida, por já transcrito o documento donde consta”.
Assim, não é possível apreciar as razões (não expostas), nem os factos (não concretizados) que deviam ter sido provados e não o foram (ou não deviam ter sido dado como provados e o foram).

III. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornarem relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao exposto nas questões prévias, são as seguintes as questões a apreciar:
.1- se o Autor tinha direito a ser acompanhado ou assessorado por advogado na reunião da Assembleia Geral da sociedade por quotas Ré;
.2- se no aviso convocatório para a Assembleia Geral foram incluídos os elementos mínimos de informação necessários para afastar a sua anulabilidade com fundamento na violação do artigo 377º nº 8 do Código das Sociedades Comerciais. As consequências na deliberação da negação das demais informações solicitadas;
.3- As consequências na deliberação da não inclusão de novos pontos na ordem de trabalhos;
.4- Se a nomeação do gerente não sócio violou os estatutos da sociedade e logo as deliberações tomadas implicam a alteração do contrato de sociedade, só possível pela maioria qualificada de 2/3 dos votos.); se o Recorrente tinha um direito especial à gerência.

IV. Fundamentação de Facto

1- A sentença apresenta a seguinte matéria provada:

1. A sociedade Requerida tem por objeto a indústria de recobrimento de elastómeros, e um capital social de € 575.000,00 – certidão do registo comercial junta sob o documento 1, a fs. 18, Insc. 1 Ap. 45/1995.01.24.
2. O capital social da Sociedade encontra-se dividido em duas quotas, sendo uma, no valor nominal de € 293.250,00, pertença do sócio S. D., e outra, no valor nominal de € 281.750,00, pertença do aqui Autor - cfr. documento 1, a fs. 18, Insc. 1 Ap. 45/1995.01.24.
3. Ambos os sócios assumiram, desde a constituição da sociedade e até ao dia 19/08/2019, a qualidade de gerentes.
3.1 Conforme Insc. 1 Ap. 45/1995.01.24, Forma de obrigar: necessárias as assinaturas conjuntas de dois gerentes; eram gerentes, à data da inscrição e até 19.8.2019, S. D. e A. G. – fs. 18 – tendo a destituição deste do cargo de gerente sido registada pelo Av. 2 Ap. 20/20190819 às 14:29:32 – fs. 18 v.º.
3.2 Segundo a cláusula 5.ª dos ESTATUTOS DA EMPRESA ... DE ELASTÓMEROS, LIMITADA, a fs. 21v.º/22 v.º,
------1-A gerência da sociedade, dispensada de caução e remunerada ou não, conforme for deliberado em Assembleia Geral, pertence a todos os sócios, que, desde já, são nomeados gerentes:
------2-Para a prática de actos e documentos de mero expediente e para movimentar a débito e a crédito quaisquer contas de que a sociedade seja titular em quaisquer bancos, casas bancárias ou outros estabelecimentos de crédito, são necessárias as assinaturas conjuntas dos gerentes S. D. e A. J..
------3-Para obrigar a sociedade em todos os demais actos e contratos e representá-la em juízo e fora dele, activa e passivamente, são necessárias as assinaturas conjuntas dos DOIS GERENTES.
------4-Nos poderes de gerência estão incluídos os de comprar, vender, permutar e alugar quaisquer bens móveis e celebrar contratos de locação financeira.
------5-É expressamente proibido aos gerentes obrigar a sociedade em actos e contratos estranhos aos negócios sociais, designadamente em letras de favor, fianças, abonações ou outros semelhantes, respondendo o contraventor perante a sociedade por todos os prejuízos que por ventura lhe causar.
5. - Por carta datada de 30/07/2019, o ora Requerente - não obstante a qualidade de gerente - foi confrontado com a sua convocação para a realização de uma reunião especial da assembleia Geral da sociedade ora Requerida, a realizar em 19/08/2019, – cfr. carta convocatória junta como documento n.º 3, a fs. 23v.º/24.
6. Constavam da convocatória, como pontos a submeter à deliberação da Assembleia, os seguintes:
----- 1. Discussão e votação de proposta de destituição do gerente A. G..
----- 2. No caso de ser deliberada a destituição do gerente A. G., apreciação e votação de propostas de nomeação de gerente para ocupar o cargo do gerente referido.
------ Mais se informava que A reunião realizar-se-á na sede da sociedade … pelas 10 (dez) horas do dia 19 de Agosto de 2019
7. Por carta datada do dia 07/08/2019 e entregue na Requerida em 08/08/2019 - cuja cópia se junta sob o documento 4, a fs. 25/26 - o A. A. G., face ao teor da convocatória recebida interpelou o gerente que procedeu à convocatória (S. D.), nos seguintes termos:
"Foi com enorme surpresa que recebi a convocatória para uma Assembleia Geral Extraordinária da sociedade (AGE) de que ambos somos sócios. Sobretudo com os pontos que decidiu, unilateralmente e secretamente enunciar.
Tudo o que me obriga a dizer e requerer-lhe o seguinte:
1. Explicite, atenta a formulação genérica e vaga constante do ponto 1 da convocatória para a AGE, no prazo máximo de 3 dias, quais os documentos e fundamentos nos quais estriba a sua pretensão de me destituir da gerência da sociedade, para que possa defender-me perante tal situação.
2. Tanto assim que me chegou ao conhecimento que já transmitiu a colaboradores da empresa que, após a data indicada para a AGE, eu deveria ser impedido de entrar nas instalações da sociedade, se assim o pretendesse fazer.
3. Como saberá, trata-se de um comportamento ilegal que, a concretizar-se (e pelo exposto em 2 para si é já uma certeza) causará prejuízos tremendos à minha pessoa mas, sobretudo, á nossa sociedade.
4. Porquanto, atento o previsto nos estatutos sociais, por um lado, os sócios terão que ser gerentes, existindo um direito especial à gerência, sendo necessária a assinatura conjunta de nós os dois como gerentes e não de quaisquer outros gerentes.
5. E, por outro, a gerência não poder ser exercida por não sócios, o que determinará, caso persista nos seus ilegais intentos, a mais que provável, paralisação total da sociedade.
6. Aproveito, também, para que possa ser objeto de ponderação e votação, que indique - se é que tem - a pessoa concreta que tem em vista para o exercício do cargo de gerente, porquanto o ponto 2 da ordem de trabalhos é, creio agora, deliberadamente, omisso quanto a tal aspeto.
7. Solicito, ainda, que seja incluído, nos pontos a serem discutidos na AGE convocada, o seguinte ponto adicional: "apreciação e discussão acerca do relacionamento empresarial, comercial e financeiro da sociedade com as sociedades L. T. - Lda. e, sobretudo, P. F., Unipessoal, Lda."
8. Bem como a inclusão, em consequência do anteriormente invocado, do seguinte ponto adicional: "deliberar a exclusão do sócio S. D.".
9. Finalizando, atento tudo quanto se requereu e alegou, seja a AGE viabilizada através de Cartório Notarial competente, sob a participação da respetiva Notária, o que se requer seja confirmado em 3 dias a contar de hoje.
10. Bem como, em igual prazo, confirmação acerca da possibilidade de eu ser acompanhado por mandatário ou perito técnico, em sede de AGE".
8. Tendo solicitado resposta em 3 dias a contar da data da carta, por forma a que pudesse organizar e preparar, devidamente, a AGE unilateralmente convocada pelo também gerente S. D. - cfr. documento 4, a fs. 25/26.
9. Por carta datada de 12/08/2019 - cuja cópia está junta como documento 5, a fs. 27v./28 - o gerente da Requerida (S. D.) enviou resposta ao pedido de informação, esclarecimento e pedido de inclusão de pontos na ordem de trabalhos formulado pelo Requerente na sua missiva de 07/08/2019, carta do seguinte teor:
Exmo. Senhor,
Acusamos a recepção da carta de 7 de Agosto de 2019, que remeteu à gerência desta sociedade.
Pesem as dúvidas relativas ao real destinatário, passamos à resposta que se impõe.
Assim:
1 - A reunião extraordinária da Assembleia Geral desta sociedade foi feita em estrita respeito pela Lei aplicável, ou seja, em conformidade com o disposto no n.° 3 do artigo 248.° do Código das Sociedades Comerciais.
2 - Nem a Lei nem o contrato de sociedade conferem qualquer direito aos sócios para fazer interpelações ao gerente que convoca uma reunião extraordinária da Assembleia Geral da Sociedade para lhe pedir explicações das razões da convocatória, muito especialmente das relativas à ordem de trabalhos.
3 - Como o Contrato de Sociedade nada prescreve no que respeita a convocatórias e funcionamento da Assembleia Geral da Sociedade, tais matérias ficam confinadas ao que a Lei prescreve. quanto à ordem de trabalhos, quer quanto a prazos.
4 - Por isso, nos termos da Lei, o gerente que convoca a reunião extraordinária não tem que responder ao que quer que seja do que lhe é requerido, apenas tem que deferir, ou não deferir, em função da Lei, o que lhe é requerido, decisão que deverá ser comunicada na reunião da Assembleia Geral.
5 - Apesar do que vai dito no precedente ponto 4, e no que respeita a decisões a tomar, comunicamos-lhe já o seguinte:
a) O que vem requerido nos pontos 7 e 8 não foi requerido tempestivamente, ou seja, não foi requerido no prazo previsto no artigo 378.°, n.° 2 do Código das Sociedades Comerciais, aplicáveis às sociedades por quotas por força do n.° 1 do artigo 248.° do mesmo Código.
b) No que respeita ao aludido no ponto 10 da sua carta, atento o disposto na n.° 6 do artigo 379.° do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por força do também já referido n ° 1 do artigo 248.°, e supondo que, quando alude à "possibilidade de (V.) ser acompanhado por mandatário ou perito técnico, em sede de AGE", quer significar que deseja saber se pode ser acompanhado por "mandatário" ou "perito" na reunião da Assembleia Geral da Sociedade marcada para as 10 horas da próxima dia 19 da corrente mês de Agosto, nada pode ser decidido antecipadamente, como se colhe da letra da norma em causa.
Com os melhores cumprimentos.
O Gerente S. D.
11 - Atento o conteúdo da convocatória, o Requerido compareceu na data e hora aprazadas, acompanhado de mandatário.
12. Mandatário que foi impedido, desde logo, de acompanhar o Requerido pelo então gerente e autoproclamado Presidente da Mesa da AGE S. D..
13. Embora a AGE tenha sido secretariada pelo Exmo. Senhor Dr. L. B., o qual exerce funções de Notário em Barcelos, certo é que o gerente S. D. preferiu ser ele a assumir a Presidência da AGE em vez de … a solicitar ao aludido Notário.
15. Em bom rigor, a AGE realizou-se com a parcimónia que se impunha entre os presentes que até relações de afinidade entre eles possuem, reforçada pela presença do aludido Senhor Notário.
14 (repetido). Parcimónia inerente àquelas AGE em que tudo estava bem delineado e decidido pelo sócio, gerente e Presidente da Mesa da AGE, S. D..
15.(repetido) Sendo prova disso mesmo, reuniões tidas por este, seja com os trabalhadores da empresa, seja com parceiros e fornecedores da mesma, informando que, a partir do dia da AGE, o aqui Requerente não mais poderia sequer entrar nas instalações.
16. E que não seria mais gerente.
17. Ignorando, até, as funções que o aqui Requerente, sempre desempenhou na empresa, como sejam, entre outros, os assuntos relativos à contabilidade, pagamentos de salários, pagamentos a fornecedores, recebimentos por parte dos clientes, entregas de mercadorias, deslocações aos bancos, aos correios, manutenção de máquinas, etc...
18. As quais sempre foram, e são, independentes das inerentes ao cargo de gerente.
19. E, como se anunciava, foi discutido, decidido e vertido em ata, que se junta sob o documento 6, a fs. 29 v.º/31 v.º., do seguinte teor:
INSTRUMENTO DE ACTA DE REUNIÃO DE ÓRGÃO SOCIAL
No dia dezanove de Agosto de dois mil e dezanove, pelas dez horas e quinze minutos, L. B., Notário, com Cartório Notarial sito na Rua …, na freguesia de …, na cidade e concelho de Barcelos, deslocou-se à sede social da sociedade que gira sob a firma "EMPRESA ... DE ELASTOMEROS, LDA", sociedade comercial por quotas, com sede na Rua …, freguesia de ..., concelho de Barcelos, com o capital social de 575.000 ê (quinhentos e setenta e cinco mil euros), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Barcelos e inscrita no Registo Nacional de Pessoas Colectivas com o número único de pessoa coletiva e matrícula NIPC ……… reuniu-se, na sua sede social, sita na Rua …, freguesia de ..., concelho de Barcelos, a Assembleia Geral da dita sociedade comercial que gira sob a firma "EMPRESA ... DE ELASTOMEROS, LDA".------------------------
Estiveram presentes os seus dois sócios, S. D., casado, natural de Angola, residente na Rua …, na cidade de Barcelos, portador do cartão de cidadão com o número de identificação civil …… emitido pela República Portuguesa, que identifiquei pela exibição do seu cartão de cidadão e que é titular de uma quota no capital social da sociedade, no valor de 293.250,00 € (duzentos e noventa e três mil, duzentos e cinquenta euros) e A. G., casado; natural, da freguesia de …, do concelho de Vila Verde, Residente na Rua …, Lote ..., concelho de Barcelos, este titular de uma quota no capital social da sociedade, no valor de 281.750,00 € (duzentos e oitenta e um mil, setecentos e cinquenta euros), estando assim representada a totalidade do capital social da sociedade.----------------
A reunião foi presidida pelo sócio S. D., porque é o sócio que possui a maior fracção de capital, no capital social da sociedade. Antes da abertura dá reunião da assembleia Geral o sócio A. G., pediu a presença do seu advogado, alegando que se lhe fosse recusado este pedido estaria a ser cometida uma ilegalidade, pois na ordem de trabalhos constam questões de direito. Alegou mesmo que tal seria inconstitucional.
O Presidente da Assembleia Geral abriu a sessão, lendo a ordem de trabalhos constantes da convocatória, que é formada pelos pontos seguintes: ----------
PONTO UM - Discussão e votação de proposta de destituição de gerente, da sociedade do gerente A. G.. ------------
PONTO DOIS - No caso de ser deliberada a destituição do gerente A. G., apreciação e votação de propostas de nomeação de gerente para ocupar o cargo do gerente referido.
O presidente da assembleia geral declarou indeferir o pedido para que esteja presente o advogado.do sócio por ter sido efetuado antes da abertura da reunião da Assembleia Geral, mas declarou que indeferiria em qualquer caso, sendo que também não requereu a presença do seu advogado.--------------
O sócio A. G. pediu para a reunião ser gravada, o que logo também foi indeferida pelo presidente da assembleia geral.--------------
De seguida passou-se à discussão do ponto um da Ordem de Trabalhos, tendo o sócio S. D. proposto a destituição do sócio A. G. do cargo de gerente da sociedade, pois entende que é de interesse da sociedade a sua destituição.
O Presidente deu a palavra ao sócio A. G., para se pronunciar sobre a proposta que apresentou, o qual disse:----------------
Ser rotundamente contra a proposta até porque entende que tem um direito especial á gerência.
Passou-se, a seguir, à votação, tendo o sócio S. D. votado a favor da destituição do gerente A. G., tendo este votado contra a sua destituição. --------------
Então o presidente invocou o disposto no n.° 1 do artigo 250.° do Código das Sociedades Comerciais, em que cada sócio tem tantos votos quantos cêntimos compreender o valor da sua quota, tendo concluído que a proposta constante do ponto um foi aprovada; e que o sócio gerente A. G. é assim destituído de cargo de gerente da sociedade "EMPRESA ... DE ELASTOMEROS, LDA".-------------
Após esta deliberação, o Presidente da Mesa pôs à discussão o ponto dois da Ordem de Trabalhos. O sócio S. D. propôs que fosse nomeado gerente da sociedade o senhor H. N.,. casado, nascido em - de Junho. de 1940, titular do cartão de cidadão ….., com validade até 19 de Abril de 2028, NIF …., residente na Rua … (caixa …), Edf. Jardim …, freguesia de …, concelho de Barcelos.
O Presidente deu a palavra ao sócio A. G. para se pronunciar sobre a proposta que apresentou, o qual disse: Que é rotundamente contra està proposta, pois entende que a sua efetivação viola o artigo quinto do pacto social, uma vez que entende que ele sócio A. G. tem um direito especial à gerência e ainda porque, com referência a tal artigo e ao artigo 252° do Código das Sociedades Comerciais, não é possível nesta sociedade a nomeação para gerente de pessoas estranhas à sociedade, ou seja, que não sócios sejam gerentes. --------------
Posto a votação este ponto dois o sócio S. D. votou a favor, o sócio A. G., votou contra, pelo que, tendo em conta a maioria de votos do sócio S. D., foi o ponto dois aprovado e tendo ficado nomeado gerente H. N., mais completamente identificado no corpo desta ata. O Sr. A. G., face a tudo o que foi decidido na presente Assembleia Geral, pretende que seja lavrada a seguinte declaração de voto:---------
1} Pretendia ser acompanhado por um advogado na Assembleia, uma vez que na mesma se irá discutir a minha destituição como gerente e, eventualmente, a nomeação de um novo gerente, e fui impedido de o fazer. E que, no meu entender, tal é ilegal e até inconstitucional, tornando a presente Assembleia Geral também ela ilegal.---------
2) Foi por mim; então, solicitado que a Assembleia Geral fosse gravada o que, ilegalmente, também foi recusado pelo Presidente da AG. ----------------
3) Por carta de 07/08/2019, que é do conhecimento do gerente S. D., solicitou diversos esclarecimentos ao mesmo, por forma a preparar a sua participação da presente Assembleia Geral, bem como requereu a inclusão de novos pontos à ordem de trabalhos constante da convocatória. E que, em resposta remetida pelo gerente S. D. ern ../0812019, por um lado, não esclareceu qualquer um dos pedidos efetuados, e, por outro, não procedeu à inclusão na ordem de trabalhos os pontos solicitados. Tornando ilegal a presente Assembleia Geral, suscetível de causar dano irreparável para a sociedade, devendo a mesma ser dada sem efeito e cumprida a Lei. ---------
4) O voto contra o ponto primeiro da ordem de trabalhos encontra fundamento para além de não existirem quaisquer fundamentos para tal destituição, a mesma viola a clausula 5 ª dos estatutos Sociais em vigor, na qual se confere um direito especial à gerência e que somente com justa causa poderá ser destituído o que não existe nem foi objeto da convocatória enviada. E, nessa medida a decisão de destituição é inválida por violação dos Estatutos Sociais e do Código das Sociedades Comerciais. Sendo que, mantendo-se esta decisão de destituição, a mesma será objeto de recusa aquando do seu registo e causadora de prejuízos irreparáveis ao sócio mas, sobretudo, à própria sociedade, podendo mesmo paralisar a sua atividade, obrigando o sócio a impugnar judicialmente a mesma. ------------
5) O voto contra o ponto segundo da ordem de trabalhos encontra fundamento na circunstância de, atento o previsto na cláusula 5ª dos Estatutos da Sociedade e no artigo 252.° do Código das Sociedades Comerciais, não é possível a nomeação de não sócios como gerentes da sociedade, sendo tal deliberação inválida. Sendo que, mantendo-se esta decisão de destituição; a mesma será objeto de recusa aquando do seu registo e causadora de prejuízos irreparáveis ao sócio mas, sobretudo, à própria sociedade, podendo mesmo paralisar a sua atividade, obrigando o sócio a impugnar judicialmente a mesma.----------------
O Presidente da Mesa da Assembleia Geral deu então a presente Assembleia Geral por terminada pelas horas e quarenta e cinco minutos.
Foi consultada a certidão permanente da empresa com a chave de acesso ...-0273-…, por onde verifiquei a razão social da empresa.
A Acta mostra-se assinada por ambos os sócios e pelo Ex.mo Notário.
20. O Presidente da Assembleia não permitiu que o aqui Requerente fosse acompanhado por mandatário.
33. Tal como afirmado anteriormente, a Requerida é uma sociedade por quotas que tem o capital social de € 575.000, encontrando-se dividido em duas quotas, sendo uma, no valor nominal de € 293.250, pertença do sócio S. D., e outra, no valor nominal de € 281.750, pertença do aqui Requerente - cfr. documento 1.
34.1. Como consta da AP 45/1995.01.24, desde a sua constituição até ao passado dia 19/08/2019, a gerência da sociedade sempre esteve a cargo dos dois sócios da Requerida.
34.2. A cláusula 5.ª dos Estatutos da Ré é do seguinte teor:
"1 - A gerência da sociedade, dispensada de caução e remunerada ou não, conforme for deliberado em Assembleia Geral, pertence a todos os sócios, que, desde já, são nomeados gerentes.
2 - Para a prática de actos e documentos de mero expediente e para movimentar a débito e a crédito quaisquer contas de que a sociedade seja titular em quaisquer bancos, casas bancárias ou outros estabelecimentos de crédito, são necessárias as assinaturas conjuntas dos gerentes S. D. e A. G..
3 - Para obrigar a sociedade em todos os demais actos e contratos e representá-la em juízo e fora dele, activa e passivamente, são necessárias as assinaturas conjuntas dos DOIS GERENTES." - cfr. Documento n.º 2, a fs. 22 .
34. (repetido). Atendendo ao caráter pessoal da sociedade X, desde essa altura (da sua constituição) foram celebrados vários créditos e financiamentos (de diversa natureza), com diversas entidades bancárias e financeiras, tendo os respetivos sócios na indissociável qualidade de gerentes prestado a favor daquelas, garantias pessoais (avais e fianças).
35. Cujo valor ascende ao montante de 1.895.138,61 € - Doc.7, a fs. 33 e v.º
36. O certo é que, não obstante o aqui Autor ter prestado garantia pessoal em mais um investimento a que a sociedade recorreu, na ordem de 180.000 €, o aqui Requerente foi confrontado com a carta datada de 30/07/2019, com vista à sua convocação para a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE) da Requerida, a realizar em 19/08/2019, tendo como ordem de trabalhos a destituição do gerente A. G. e a nomeação de outro gerente.
….
48. No ponto 2 da ordem de trabalhos nem sequer consta o nome da pessoa a nomear como gerente.
49. Para que o sócio, atempadamente, e na hipótese de ser admissível a indicação de novo gerente, não sócio, possa pedir esclarecimentos acerca a honorabilidade de tal pessoa,
50. Sua capacidade física e intelectual para exercer tal cargo,
51. Eventual independência relativamente ao outro gerente e em benefício da própria sociedade e do seu interesse.
53. Tal omissão (do nome da pessoa a propor para gerente, em substituição do destituído) foi deliberada e pensada, na medida em que o sócio e gerente S. D. nomeou como gerente o seu próprio pai, de 79 anos.
54. Sendo certo que, caso não tivesse sido sonegada essa informação, o aqui Requerente teria uma intervenção minimamente esclarecida, permitindo, assim, uma tomada (de posição) diferente da que teve na referida AGE de 19/08/2019.
………….
86. Após a efetivação do registo da destituição e da nomeação de novo gerente, a sociedade passou a obedecer, somente, aos desígnios do gerente S. D..
87. Porquanto o gerente agora nomeado, para além de ser pai deste, não possui qualificação bastante para que possa sindicar e separar aquilo que são os interesses da sociedade por contraposição aos interesses pessoais do seu filho.
88. Atrevemo-nos a dizer que não terá sequer motivação ou saúde para tal exercício.
89. Podendo, desta feita, serem contraídas obrigações, seja com parceiros empresariais, seja com a banca, suscetíveis de colocar a Requerida numa posição insustentável.
90. Tanto mais que o Requerente possui avais pessoais a operações financeiras da própria empresa, cujo valor ascende a 1.800.000 € (um milhão e oitocentos mil euros) - Doc. 7.
91. E dias antes da convocatória, o gerente A. G. havia avalizado um empréstimo na ordem dos 180.000 €.
92. Passando pela circunstância de a Requerida, através do gerente S. D., adotar práticas comerciais completamente erradas no que respeita ao interesse social, até aqui acauteladas com a necessidade de anuência do Requerente.
93. Até porque o gerente S. D. controla, de facto e de direito, outras sociedades cujo modo de proceder poderá colocar em crise a solvabilidade da Requerida em benefício de tais sociedades.
94. Encontrando-se, já, a serem usados bens pertença da Requerida em benefícios de outras sociedades sem que exista vantagem visível para a Requerida.
95. Não é, tão somente, a nomeação de um gerente estranho à vida social, que determina um dano apreciável, mas este gerente em concreto.
96. Que mais não será - querendo ou não - do que uma longa manus do gerente S. D..
97. Tanto mais que a pessoa entretanto nomeada gerente, isto é, o pai do gerente S. D., Sr. H. N., já confessou que foi o filho que o convidou para gerente e que quando há alguma coisa a assinar, o seu filho chama-o.
98. Confessando, ainda, que raramente fala consigo sobre a empresa, a não ser para lhe dizer como deve fazer a assinatura, e que nada percebe de fios.
99. Atenta a destituição do Requerente e a nomeação do pai do gerente S. D. para, com ele exercer a gerência, é causador de dano mais que apreciável.
100. O Requerente não tem ilusões de que tal procedimento e comportamento do gerente S. D., não resulta de falta de conhecimento ou incúria.
101. Sendo intencional, no sentido de proceder à execução imediata e duradoura de deliberações que sabem serem ilegais.
102. Colhendo, todos os frutos que quer.

2- “Matéria conclusiva e de direito ou repetida, por já transcrito o documento donde consta”

A sentença transcreve ainda todos os pontos da petição inicial que considera integrar este conceito:
4 – o A. é sócio da Requerida Sociedade.
10. O gerente da Requerida S. D., em representação da mesma e na mesmíssima qualidade em que procedeu, unilateralmente, à convocatória para a AGE, negou ter que responder ou esclarecer, ou informar "ao que quer que seja do que lhe é requerido", que a inclusão de novos pontos na ordem de trabalhos não foi requerida tempestivamente e, por último, relega para o início da AGE a decisão de admissão, ou não, de o Requerido ser acompanhado por mandatário - cfr. documento 5.
11. Não obstante as flagrantes ilegalidades no comportamento perpetrado pelo gerente S. D. em representação da Requerida, e que serão invocados especificadamente no presente articulado, certo é que …
13... e como faria todo o sentido…
14. Embora não constituam mistério de maior a desvendar as motivações de tal opção do aludido S. D..
19 … um rol de ilegalidades que fulminam as respetivas deliberações de invalidade.
21. Dir-se-á, embora não desconhecendo as discussões jurídicas a este propósito, que o direito consagrado no n.° 3 do artigo 61.°- do EOA está numa relação de especialidade - e por isso de prevalência - em relação às normas do Código das Sociedades.
22. Encontrando arrimo constitucional no direito constitucionalmente consagrado à assistência e acompanhamento por advogado, consagrado no n.° 2 do artigo 20.° da CRP.
23. Sendo certo que, o comando constitucional do n.° 2 do artigo 20.° da CRP"-_mesmo que se considere que não é por si só exequível - e a sua regulamentação por via do artigo 61°- do EOA só podem sofrer limitações que sejam ditadas por outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
24. Os quais inexistem a propósito do sempre invocado artigo 379.°, n.° 6, do CSC.
25. Até pela singela, mas operante razão que o advogado não se configura como terceiro, está obrigado a sigilo profissional e, in casu, o Requerente não se pretendia ver substituído por este, mas antes acompanhado.
26. Razões pelas quais a AGE é, quanto a este primeiro ponto, inválida e, uma interpretação do artigo 379.°, n.° 6, do CSC segundo a qual impeça um sócio (como o aqui Requerente), de ser acompanhado na AGE por Advogado, é, inclusive, inconstitucional, por violação no disposto no artigo 20.°, n.° 2, da CRP.
27. Invalidade e inconstitucionalidade que aqui se invocam desde já.
28. Em segundo lugar, as deliberações que viessem a ser adotadas sempre estariam fulminadas de invalidade, por força do disposto no artigo 58.°, n.° 4, do CSC, na medida em que, como se alegou, o gerente que convocou a respetiva assembleia se recusou a prestar informações relativamente aos pontos da ordem de trabalhos.
Senão vejamos,
29. Atento o preceituado no artigo 248.°, n.° 1, do CSC é aplicável às sociedades por quotas o disposto no artigo 377.° do referido diploma legal, prevendo-se, no seu n.° 8, que "o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos acionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redações diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso".
30. Daqui se depreendendo que a falta de elementos de informação no aviso convocatório acarreta, em princípio, a anulabilidade da deliberação, nos termos do artigo 58.°, n.° 1, alínea c) e n.° 4, alínea a), do CSC.
31. Como bem referem os Fundadores do Direito Societário Português, "A atuação de boa fé, princípio geral do Direito, a salvaguarda do princípio da proibição da indefesa, vigente também no domínio societário, uma atuação leal, transparente e equitativa expressa na obrigação de informação devida aos sócios, sejam ou não gerentes, não se compagina com o laconismo e a opacidade da ordem de trabalhos que, de modo algum, assegura, sequer literalmente, um real e prévio direito de informação com vista à defesa", prosseguindo em que "a indicação dos fundamentos da exclusão são mínimos de informação habilitantes da defesa e contestação das imputações".
32. Dispondo, de forma clara, o artigo 377.°, n.° 8, do CSC que o n.° 8 do artigo 377.° do Código das Sociedades Comerciais, impõe que o aviso convocatório "deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada" e o artigo 21.°, n.° 1, alínea c), do mesmo que "todo o sócio de qualquer sociedade comercial tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato."
37. Na referida convocatória, não foram explicitadas as razões que justificam a destituição do gerente A. G. e a sua substituição, nem tão pouco, a identificação da pessoa que iria ser proposta para ocupar o cargo.
38. Por carta datada do dia 07/08/2019, o aqui Requerente solicitou que fossem prestadas várias informações, com vista a poder decidir conscientemente na referida AGE, conforme se referiu no supra art.° 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
39. Tal como se referiu nos supra art.° 8° a 10°- - cujo teor também aqui se dá por integralmente reproduzido -, o gerente da Requerida não esclareceu o quer que seja, conforme se pode verificar na carta remetida pelo mesmo com a data de 12/08/2019.
40. Assim, não somente a informação constante do aviso convocatório era claramente insuficiente, como o Requerente a solicitou formalmente e lhe foi negada.
41. Em claro incumprimento do disposto no artigo 214.° do CSC, no seu n.° 1 e n.° 7, ao dispor que os "os gerentes (leia-se, aqui, o gerente que convocou) devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade, e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respetiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado.
42. Tratando-se de uma sociedades por quotas - sociedades de pessoas, em que as relações confiança assumem de modo particularmente sensível especial repercussão, sobretudo, quando os sócios são em pequeno número e com participações sociais semelhantes -, a pretensa destituição societária deve ser acautelada em termos de os visados pela intenção de destituição se munirem de informação para se poderem defender das imputações que lhes são feitas pela sociedade.
43. E nem se alegue com a qualidade de gerente do aqui Requerente até à data da sua destituição, porquanto o direito cabe a qualquer sócio, sendo essa qualidade, e não a de gerente, a essencial para o efeito.
44. As informações preparatórias da assembleia geral encontram-se, desde logo, na própria convocatória, sendo que esta deve respeitar o disposto no artigo 377.°, n.° 8, do CSC, uma vez que as menções aí exigidas são consideradas "elementos mínimos de informação" pelo artigo 58.°, n.° 4, do CSC.
45. Sendo a convocatória para a assembleia geral da Ré totalmente omissa quanto aos "mínimos de informação" atinentes às imputações ao gerente, aqui Requerente, conducentes à cessação antecipada dos seus mandatos, não lhes permitindo, nem antes nem na assembleia, saber dos fundamentos por que era pedida a destituição dos cargos, foi cometido, de modo inquestionável, um vício procedimental que torna a deliberação anulável.
46. O que resultou agravado pela circunstância de, em face da omissiva convocatória, o Requerente as haver solicitado por escrito e as mesmas lhe terem sido recusadas.
47. Nem se convoque, a este propósito, a livre destituição dos gerentes, nos termos do artigo 257.°, n.° 1, do CSC, sem sequer ser necessário ser invocada justa causa, carece de ser deliberada pelos sócios em assembleia-geral regularmente convocada para que possa ser fornecido, a quem delibera, o direito de votar ou não votar, de forma informada, a deliberação.
52. Tal omissão (do nome da pessoa a propor para gerente, em substituição do destituído) fulmina, também, a deliberação, nessa parte de invalidade que expressamente se invoca.
55. Tanto mais que o aqui Autor sempre entendeu (e continua a entender) que o pacto social não permitia que possa ser nomeado um gerente não sócio, isto é, que fosse nomeado um gerente estranho à sociedade, posição essa fundamentada no teor da cláusula 5.ª do pacto social.
56. Posto isto, é sabido que a atuação de boa fé - princípio geral do Direito -, a salvaguarda do princípio da proibição da indefesa, vigente também no domínio societário, postula uma atuação leal, transparente e equitativa expressa na obrigação da sociedade informar os sócios, sejam ou não gerentes, estando em causa deliberações que os visam, não se compagina com o laconismo e a opacidade da ordem de trabalhos, quando de modo algum, assegura, sequer literalmente, um real e prévio direito de informação com vista à defesa.
57. A indicação dos fundamentos da exclusão de sócios visada pela sociedade são mínimos de informação habilitantes da defesa e contestação das imputações - cfr. Ac. STJ, de 15/01/2019, com o proc. n.° 5808/15.OT8LSB.LI.S1, tendo como Relator FONSECA RAMOS.
58. Sendo a convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária totalmente omissa quanto aos "mínimos de informação" atinentes às imputações aos gerentes conducentes à cessação antecipada dos seus mandatos, não lhes permitindo, nem antes nem na assembleia, saber dos fundamentos por que era pedida a destituição dos cargos, foi cometido vício procedimental que torna a deliberação anulável.
59. A livre destituibilidade dos gerentes, nos termos do art. 257°, n°1, do Código das Sociedades Comerciais, carece de ser deliberada pelos sócios em assembleia-geral regularmente convocada para que possa ser fornecido a quem delibera, o direito de votar ou não votar, informadamente, a deliberação.
60. Não se considera que a sociedade possa tomar validamente tal medida existindo violação dos deveres de informação da assembleia-geral destitutiva irregularmente convocada.
61. Acresce ainda que não se vislumbra como a falta de informação prévia causaria riscos e prejuízos para a sociedade.
62. Os avais que este sócio prestou a favor da sociedade enquanto gerente da sociedade, impunham essa informação, já que a sua destituição teria consequências nessas garantias prestadas, quer para si, quer para a sociedade.
63. Assim, as referidas informações prévias seriam de todo essenciais e exigíveis.
64. Assim, no caso em apreço, ao não terem sido fornecidos os elementos mínimos de informação que a lei exige, fornecidos de forma clara, a deliberação tomada está ferida de anulabilidade, nos termos do disposto no art.° 58.°, n.° 1, al. c), n.° 4, al. a), do CSC.
65. Em terceiro lugar, o aqui Requerente formalmente, e em tempo, solicitou a inclusão de novos pontos na ordem de trabalhos nos termos previstos no artigo 378.°, n.° 2, ex vi do artigo 248.°, n.° 1, do CSC.
66. O que foi indeferido, alegando-se o seu não exercício tempestivo.
67. O que resulta, por um lado, de uma errada interpretação do prazo por parte do gerente que convocou a AGE - S. D. - mas, por outro, pela forma como esta tomada do poder total na Requerida, em seu claro prejuízo, foi planeada.
68. Também por esta via, as deliberações constantes nos pontos 1 e 2, aprovadas, são inválidas.
69. Mas, também a aprovação do ponto 2 da ordem de trabalhos incorre em ilegalidade, e gravíssima.
70. Desde logo, e como já se alegou, o ponto 2 não indica quem iria ser nomeado como gerente.
71. Não somente não constou da convocatória, como seria mister, como não foi respondido quando tal foi especificamente solicitado.
72. E, logo por essa primeira razão, a deliberação de nomeação é inválida.
Mais,
73. Os estatutos sociais não permitem que não sócios assumam funções de gerente.
74. De acordo com o artigo 252.° do CSC, apenas podem ser nomeados gerentes não sócios quando os estatutos da sociedade assim o permitirem, tendo, o Requerente, também por esta razão, votado contra a deliberação.
75. Sendo, também por esta via, por isso, a deliberação ineficaz/inválida por violação das disposições estatutárias e legais (nomeadamente a cláusula 5ª do Pacto Social e art.° 252° do CSC).
76. Pois, a ser permitida essa solução, seria uma forma encapotada de se proceder a uma MCC sem a exigência da sua aprovação por maioria qualificada dos sócios.
77. Vício que também aqui se invoca.
Por último,
78. Independentemente do que supra se disse, importa referir que as deliberações tomadas na referida AGE, implicam a alteração do contrato de sociedade, nomeadamente ao disposto no artigo 5°, n.° 1 e n.° 2 do pacto social.
79. Como é sabido, a deliberação que incida "sobre algum dos assuntos referidos no n.° 2 do artigo 383.° deve ser aprovada por dois terços dos votos emitidos, quer a assembleia reúna em primeira querem segunda convocação" - vide artigo 386.° n.° 3 do CSC.
80. Ora, conforme se disse anteriormente, as deliberações em causa (destituição e nomeação) - as quais consubstanciam uma alteração do contrato de sociedade - foram aprovadas somente com os votos a favor do sócio S. D., que representam apenas 51% do capital social da empresa (doc. 1 e 6),
81. Sendo, por conseguinte, manifestamente insuficiente para se aprovar tais matérias, já que para o efeito seria necessária uma maioria qualificada de 2/3 dos votos, o que não ocorreu in casu.
82. Pelo que, também por este motivo, as referidas deliberações são ineficazes/inválidas por violação do artigo 238.°, n.° 2 e artigo 386.°, n.° 3, ambos do CSC.
Em suma,
83. São - face ao exposto - várias as ilegalidades das deliberações constantes do ponto 1 e 2 da ata da AGE, determinando a sua invalidade.
84. Mas, in casu, também se verifica um dano apreciável com a manutenção da deliberação dos pontos 1 e 2 da AGE ocorrida em 19/08/2019.
85. Dir-se-á, mesmo, dificilmente reparável.
103. Ficando, assim, evidentes, os danos patrimoniais e não patrimoniais que a execução da deliberação ora posta em crise já determinou.
104. E cuja extensão e gravidade ainda não pode precisar, mas que é certo poderem colocar em crise a própria existência da sociedade.
105. Mas, também, danos que se efetivam, desde já, na esfera jurídica do ora Requerente.

V. Fundamentação de Direito

.1-- se o facto de não ter sido permitido ao Autor fazer-se acompanhar por advogado na assembleia geral determina a invalidade da deliberação, sendo inconstitucional interpretação contrária.

O Recorrente funda-se no disposto no n.º 3 do artigo 61.º do EOA (referindo-se certamente aos Estatutos aprovados pela Lei 15/2005, mas estes foram revogados pela Lei 145/2015, de 09 de setembro, estabelecendo-se, no entanto, norma com idêntico teor no artigo 66º nº 3 dos novos Estatutos que esta Lei aprovou). Entende que essa norma está numa relação de especialidade – e por isso de prevalência – em relação às normas do Código das Sociedades; entende que a interpretação do artigo 379.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais, segundo a qual se impeça um sócio (como o aqui requerente) de ser acompanhado por Advogado na Assembleia Geral Extraordinária é inconstitucional, por violação no disposto no artigo 20.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Antes de mais, veja-se que o que está em causa não é a representação do Requerente por advogado nessa Assembleia Geral Extraordinária, porquanto aquele estava presente e não afirma que pretendesse ser ali representado, mas a possibilidade de ser acompanhado por este na assembleia (portanto, para o assessorar).
Determina o artigo 248º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais que às assembleias gerais das sociedades por quotas se aplica o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas.
Por seu turno, o artigo 279º nº 6, deste diploma, limita a presença na assembleia geral de qualquer pessoa não indicada nos números anteriores, fazendo-a depender de autorização do presidente da mesa, embora a assembleia possa revogar essa autorização. Pretende-se salvaguardar a liberdade das pessoas que devem participar na Assembleia Geral, evitando que de alguma forma se sintam constrangidas ou coagidas pela presença de estranhos à sociedade. Nos termos da citada norma, compete, pois, em primeira linha, ao presidente da mesa verificar em que termos a presença de estranhos pode perturbar a Assembleia, mas o veto final cabe à própria Assembleia.
O artigo 66º nº 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, em conformidade com a Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro dispõe que “O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.”
Como é bom de ver, esta norma não implica que para o exercício de qualquer negociação ou deliberação se obrigue uma pessoa singular, no âmbito das sus relações patrimoniais privadas, a negociar na presença de um advogado da outra parte. Tal seria uma violação do princípio da autonomia privada. (Questão diversa é se tal recusa ocorre em circunstâncias tais que pode ser configurado como um abuso de direito, produtora de vícios da vontade ou mesmo contrário à ordem pública ou com ofensa aos bons costumes, mas para tanto exige-se que a situação tenha contornos que o justifiquem, nomeadamente por as partes em relação se não encontrarem numa posição de paridade).
Aqui apenas está em causa, em abstrato, a presença de advogado na assembleia geral de uma sociedade com dois sócios; não está invocado que o Requerente teve que tomar alguma decisão quando pretendia previamente ponderar ou ouvir algum advogado sobre a questão, nem que tal falta de assessoria conduziu a que tomasse decisões que de outra forma não tomaria, nem que determinou a omissão de comportamento que de outra forma tomaria, nem que se encontrava especialmente fragilizado por estar desacompanhado da assessoria de advogado.
“A regra é, pois, que as pessoas estranhas à sociedade (que não sejam sócios, membros dos órgãos sociais, obrigacionistas ou respetivos representantes) não podem participar, nem sequer estar presentes na assembleia, a menos que o presidente da mesa os autorize e a própria assembleia não se oponha a essa autorização. Compreende-se que assim seja. A sociedade é um agrupamento de particulares e as assembleias gerais dizem respeito à sua vida privada; não são abertas ao público (CCiv, art. 80.º.) Por isso mesmo, em regra, um sócio não pode, por si só, exigir a presença de estranhos na assembleia, contra a vontade do presidente da mesa e da própria assembleia.” cf Luís Brito Correia, Direito Comercial, 3º volume, Deliberações dos Sócios, AAFDL, 1995, p. 44., apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 769/12.0TYVNG.P1, de 06/03/2014 (1).
Estas razões têm ainda maior razão de ser no âmbito das sociedades por quotas (face às sociedades anónimas), visto que é muito predominante a vertente personalista deste tipo societário (em que se protege ainda mais a intimidade da sociedade, limitando a interferência de pessoas totalmente alheias à sociedade, como se salienta no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/02/2019, no processo 8510/18.7T8CBR.C1, face ao teor do artigo 249º nº 5 do Código das Sociedades Comerciais: “Nas sociedades por quotas, o direito de participar nas deliberações não tem de ser exercido pessoalmente pelos próprios sócios; porém, atenta a vertente personalista deste tipo societário, restringe-se fortemente o leque de possíveis representantes, como resulta do art. 249.º/5 do CSC, segundo o qual, na ausência de expressa previsão do contrato social, a escolha só pode recair sobre o cônjuge, ascendente, descendente ou outro sócio.” (2).
Aceitando-se, como se aceita, o papel fundamental dos advogados para a defesa dos cidadãos e das pessoas e assim no desenvolvimento de um pleno Estado de Direito Democrático, com observância dos valores constitucionais destinados ao pleno usufruto da liberdade, segurança e justiça, parece-nos claro que aqui não tem qualquer aplicação o preceito previsto no artigo 20.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Este estatui que “todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”. Ora, no presente caso, apenas estão em causa interesses patrimoniais (com incidência pessoal para as pessoas singulares dos sócios) de três pessoas (Requerente, Requerida e indiretamente o segundo sócio-gerente), no âmbito de situações privadas, todas em completa paridade, nenhuma delas com poderes sobre outra. Não se encontra qualquer autoridade, mesmo que se quisesse fazer uma leitura muito abrangente deste conceito, por o mesmo não prescindir da existência de relações de domínio, poder ou supremacia de uma pessoa ou entidade sobre outra.
O artigo 66º nº 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados não significa, como vimos, que se possa em qualquer situação exigir a comparência de um advogado, nomeadamente impondo a sua presença em qualquer negociação ou situação em que estão em causa relações jurídicas, mas sim que a uma pessoa não possa ser impedido o recurso aos mesmos (nomeadamente para defesa dos seus direitos). São coisas diversas, a possibilidade de consultar um advogado e a imposição da sua presença em negociações de natureza privada, como vimos.
Assim, não chega a existir sequer qualquer relação de especialidade entre as duas normas em discussão: não permitir a presença de um advogado numa reunião negocial ou numa assembleia geral de uma sociedade comercial, mais a mais por quotas, em que a relação entre sócios é mais pessoal que numa sociedade anónima, pelo menos em regra, nada contende com o disposto no artigo 66º nº 2 do EOA e não ocorreu por essa razão qualquer ilicitude dos procedimentos que pudesse de qualquer forma gerar a invalidade da deliberação.
.2 -- se a informação constante do aviso convocatório era insuficiente e as consequências na deliberação da negação dos demais pontos solicitados pelo Autor na assembleia geral extraordinária
Por força do estatuído no artigo 248º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais é aplicável às sociedades por quotas o disposto no artigo 377º do mesmo diploma. O nº 8 deste preceito determina que “O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redações diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso”.
A falta dos elementos mínimos de informação a inserir no aviso convocatório tem como consequência a anulabilidade da deliberação, nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea c) e nº 4 alínea a) deste Código.
As informações que se exige que constem da convocatória têm em vista habilitar os sócios a participar na formação da deliberação: “o aviso convocatório dos sócios deve, além do mais, mencionar de modo claro e preciso, mas também sinteticamente, o assunto sobre o qual a deliberação irá ser tomada, de modo a permitir que os convocados se preparem para a discussão e deliberação dos temas da ordem do dia, de tal modo que não venham a ser colhidos de surpresa quanto às ditas matérias na defesa dos seus interesses ou do interesse societário.” Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto no processo 1193/09.7TBSTS.P1, de 10/13/2010: “Na análise da irregularidade alegadamente cometida não pode o intérprete desprezar a possível satisfação do interesse visado pela norma, em conformidade com as circunstâncias concretas de cada caso, de tal modo que é dispensável a identificação do gerente a destituir e da pessoa a nomear como gerente quando conste expressamente do referido aviso a intenção de destituição e a intenção de nomeação integradas na ordem do dia, se houver razões para crer que o gerente visado e os demais sócios já são conhecedores do assunto. III – Em princípio, a convocatória também não tem que conter os motivos fundamentadores da destituição de um gerente.”
Ou, como se cita no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/15/2019 no processo 15.0T8LSB.L1.S1, algo mais exigente que o ora citado: “O Conselheiro Pinto Furtado, in “Curso de Direito das Sociedades”, 3ª edição, págs. 452/453, sobre os elementos mínimos de informação a inserir no aviso convocatório, cuja falta acarreta, em princípio, a anulabilidade da deliberação, nos termos do art. 58º, nº1, c) e nº4 a) do Código das Sociedades Comerciais, afirma: A lei confere uma grande margem de discricionariedade ao intérprete na fixação da fórmula “elementos mínimos de informação”. O princípio geral válido é o que o n.°8 do art. 377º começa por apontar: deve mencionar-se claramente o assunto sobre o qual a deliberação será adotada. Quer dizer: o Código contenta-se, em princípio, com a identificação do thema deliberandum de forma directa e acessível, isto é, que de pronto conceda aos convocados uma ideia minimamente satisfatória de qual seja a concreta questão sobre que se deverá deliberar, para as modificações do contrato ou nas diferentes disposições acima referidas se exigiu um grau maior de precisão, enumerando as concretas menções a incluir no aviso convocatório — o que não deve, pelo seu carácter excepcional, ser alargado a outras hipóteses.
No presente caso, ao contrário do ali decidido, era claro quem era o gerente a destituir, por estar identificado pelo nome. A convocatória que aqui nos traz é clara e são simples os assuntos a que se refere: “1. Discussão e votação de proposta de destituição do gerente A. G.. 2. No caso de ser deliberada a destituição do gerente A. G., apreciação e votação de propostas de nomeação de gerente para ocupar o cargo do gerente referido.”
Diga-se, desde já, que porque a cessação antecipada do mandato do gerente não se funda em justa causa, a mesma não devia conter quaisquer imputações ao gerente. Com efeito, atento o “princípio da destituibilidade dos gerentes” (a lei atribui às sociedades o direito potestativo de destituir, com ou sem justa causa, gerentes) expresso no artigo 257º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (cf. Sociedades por quotas, Raul Ventura, vol. III, 1991, Almedina, p. 104), não havia motivo para expressar qualquer justa causa, não a existindo.
Assim, podendo a deliberação não se fundar em imputações ao gerente, mas em quaisquer outras razões, de conteúdo livre, sem necessidade de justificação, dentro dos princípios da autonomia privada, não precisavam de ser indicadas ou discutidas, pelo também não precisam de ser apresentadas e incluídas na convocatória.
Da mesma forma, ficou a constar o objeto da convocatória que na assembleia geral se proporiam e nomeariam os gerentes; o Recorrente votou contra a nomeação, sem invocar, quando lhe foi apresentada, a necessidade de informações adicionais sobre a pessoa proposta, nem ora invocando que tal omissão alteraria a sua posição. Ora, o dever de informação em que se traduz a necessidade de especificação na convocatória do assunto sobre o qual a deliberação será tomada tem que ser analisado em concreto, tendo em conta que é instrumental ao seu objetivo, o qual é permitir a intervenção esclarecida dos sócios no resultado.
Nada se vê que tenha sido posto em causa com a pretendida falta de referência quanto ao gerente concreto que veio a ser proposto, sendo certo que a convocatória referia a própria proposição de gerentes, não se podendo presumir que já na sua data se conheceria quais eram os que viriam a ser propostos, nomeadamente se o Requerente indicaria algum. Enfim, quanto à prévia indicação da pessoa a nomear, visto que a convocatória pretendia a indicação de propostas para esse efeito, não podia, logicamente, conter o nome das pessoas que viessem a ser propostas na assembleia.
Como se viu e se salienta novamente, desta vez através de sumário de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 12/07/2017, no processo 6241/16.1T8VNG.P1, “O artigo 289.º do Código das Sociedades Comerciais concretiza o direito social à informação, genericamente previsto no artigo 21.º, n.º 1, b), com vista à preparação do acionista na assembleia geral. II - O direito à informação do acionista com vista a intervir e votar na assembleia geral tem por objectivo habilitar o sócio a “formar opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação”.III - A recusa injustificada das informações asseguradas pelo referido normativo é causa de anulabilidade da deliberação.IV - Todavia, o vício só assume relevância, de forma a constituir fundamento de anulabilidade de uma deliberação social, se existir relação directa ou nexo lógico entre o objecto da deliberação e a informação sonegada, ou errada ou incompletamente facultada.”
Também aqui nenhuma invalidade se descortina, quer na convocatória, quer na inexistência de informações adicionais prestadas sobre a mesma.
.3 -- Se o indeferimento de inclusão de novos pontos na ordem de trabalhos invalida a deliberação.
O Recorrente pediu que se acrescentassem à ordem de trabalhos o pedido de informações passiveis de conduzir à exclusão do outro sócio e a deliberação de exclusão desse sócio. A Recorrida contrapôs que a deliberação da exclusão do sócio não é da competência da assembleia geral.
Como regra geral, pode dizer-se que a exclusão dos sócios fundada na lei ou nos estatutos societários opera através de deliberação dos sócios (para o sócio remisso quanto às entradas, ou prestação suplementares ou outras situações fixadas no contrato: artigos 204º, nº 2, 212º, nº1 e 241º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais), não obstante ser discutido se nestes casos, havendo apenas dois sócios, é ou não necessário recorrer também ao tribunal (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/15/2016, no processo 1051/16.9T8VCT.G1, defendendo a segunda posição, citando ampla doutrina e jurisprudência sobre a matéria).
No entanto, é claro que a exclusão de sócio com fundamento no seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, que lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes, só pode ocorrer por decisão judicial, devendo, não obstante, a proposição ser deliberada pelos sócios (artigos 242º nº 1 e 246º nº 1 alínea c) do Código das Sociedades Comerciais).
É mister compreender que nestes autos e neste momento apenas está em causa a validade das decisões tomadas (destituição de gerente e nomeação de gerente). Assim, a não inclusão de pontos na ordem de trabalhos de assuntos em nada relacionados com o que ora se discute (a deliberação sobre a dedução de ação para exoneração de sócio), não pode contender com a validade destas deliberações (sobre a gerência).
Com efeito, os vícios procedimentais apenas relevam na medida em que podem pôr em causa a validade da decisão, tendo, por isso, que ter alguma relação com a mesma.
Também por aqui não se alcança a anulabilidade destas deliberações.
Se a nomeação do gerente não sócio violou os estatutos da sociedade; se o Recorrente tinha um direito especial à gerência
Nos termos do artigo 24º, nºs 1 e 5, do Código das Sociedades Comerciais só por estipulação no contrato de sociedade podem ser criados direitos especiais de algum sócio e estes não podem ser eliminados ou coartados sem o consentimento do seu titular, salva estipulação em contrário.
Assim, a cláusula contratual que atribui um direito especial à gerência a um sócio de uma sociedade por quotas não pode ser alterada sem o seu consentimento, sem prejuízo de deliberação no sentido da promoção da sua destituição judicial por justa causa, como decorre também do artigo 257º nº 5 do Código das Sociedades Comerciais.
Ora, como tão bem se sintetiza no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 06/25/2019, no processo 8565/18.4T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt: “O direito especial à gerência, tendo sempre de ser convencionado no contrato social, não é atribuível a todos os sócios sob pena de então não ser especial”, aliás, no mesmo sentido do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 881/96, de 23-09-1997 (http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=6387&codarea=1): “Num caso em que inicialmente a sociedade era constituída por dois únicos sócios e tendo ambos sido nomeados gerentes, não se pode afirmar só por esse simples facto que eles ficaram detentores de um direito especial de gerentes.”
É frequente a existência de cláusulas no contrato de sociedade com objetivo de nomear gerentes, tal como aliás está previsto na lei, na primeira parte do artigo 252º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais: “Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou…”
O direito especial à gerência é o direito de determinado sócio “ser gerente por toda a sua vida, ou enquanto for sócio, ou enquanto durar a sociedade, ou que só poderá ser destituído da gerência havendo justa causa” (cf. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II – Das Sociedades, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, p. 212).
Assim, para que se entenda que, mais do que uma nomeação de gerentes no contrato, há a atribuição de um direito especial à gerência, é necessário que tal resulte da interpretação da cláusula do contrato de sociedade, de forma clara, ainda que para tanto se possa recorrer às circunstâncias da sua nomeação.
Como escreve Paulo Olavo Cunha (Direito das Sociedades Comerciais, 2º ed., p. 215 e ss) sobre os direitos especiais dos sócios das sociedades por quotas: “Os direitos especiais são aqueles que são atribuídos pelo contrato de sociedade a um ou mais sócios (cf. art.º 24, nº 1), conferindo-lhes uma vantagem relativamente aos demais. O nº 1 do art.º 24 do CSC estabelece com total clareza, que só pelo contrato esses direitos podem ser criados. (…) O critério que nos permite distinguir estes direitos dos direitos gerais reside, precisamente, no facto de só poderem ser atribuídos a alguns sócios, estando, por isso, primordialmente afectos a interesses próprios do seu titular. A especialidade destes direitos sociais radica, pois, nessa característica – de satisfação de interesses pessoais – e na qualidade relativa, de só poderem ser concedidos a alguns sócios.”
No nosso caso, todos os sócios foram nomeados gerentes, pelo que também por aqui se não conclui por nenhuma concessão de um direito especial de gerência aos sócios.
Desta forma, na interpretação dos estatutos, há que concluir que o seu artigo 5.º, quando dispõe que “a gerência da sociedade, pertence a todos os sócios, que, desde já são nomeados gerentes”, está apenas a nomear os gerentes. Nada nela aponta para a estipulação de um direito especial à gerência de qualquer um deles, para continuar durante toda a sua vida ou enquanto for sócio. Da mesma forma, não decorre do seu nº 2 que a indicação do nome dos gerentes ali mencionados seja a atribuição especial desse cargo, mas uma mera concretização dos mesmos (menção que, aliás, facilita a criação e alteração de contas bancárias e, em geral, a demonstração perante terceiros de quem pode vincular a sociedade.)
Conclui-se que os estatutos não só permitem que não sócios exerçam o cargo de gerência, como não estipularam qualquer direito especial de gerência.

4. - Se os estatutos sociais não permitem que não sócios assumam funções de gerente
5. se as deliberações tomadas implicam a alteração do contrato de sociedade, só possível pela maioria qualificada de 2/3 dos votos.

O artigo 252º do Código das Sociedades Comerciais não impõe, como afirma o Recorrente, que apenas podem ser nomeados gerentes não sócios quando os estatutos da sociedade o permitirem (expressamente), antes pelo contrário, logo dispõe, no nº 1, que “A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena.” Tão pouco a cláusula 5ª do Pacto Social o impunha.
Nos mesmos termos, afirma o artigo 252º nº 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais: “Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação. 3 - A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram esta qualidade.”
Veja-se que o nº 3 do artigo 253º do Código das Sociedades Comerciais determina que “Faltando definitivamente um gerente cuja intervenção seja necessária por força do contrato para a representação da sociedade, considera-se caduca a cláusula do contrato, caso a exigência seja nominal; no caso contrário, não tendo a vaga sido preenchida no prazo de 30 dias, pode qualquer sócio ou gerente requerer ao tribunal a nomeação de um gerente nos termos do contrato ou da lei”.
Ora, no presente caso, visto que foi destituído da gerência um dos sócios-gerentes e não existe qualquer outro sócio, para além do que se manteve na gerência, mostra-se impossível que a gerência seja atribuída a um sócio, devendo considerar-se, nesses termos, a caducidade dessa cláusula que determina que tenha que pressupôs a coincidência entre a pessoa do sócio e do gerente.
Assim, não só não foi violado o pacto, como não ocorreu a sua alteração.
Bem andou a sentença em julgar improcedente a ação.

VI. Decisão:

Por todo o exposto julga-se a apelação improcedente e em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante (artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Guimarães,

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves




1. No qual se confirma ainda “« (Igual entendimento se colhe em J. M. Coutinho de Abreu: «Porque as assembleias gerais são reuniões privadas (não públicas) outras pessoas que não as indicadas nos nºs anteriores (v.g. técnicos auxiliares de sócios como os advogados, contabilistas ou economistas, trabalhadores da sociedade, tradutores, jornalistas) só podem estar presentes nelas (sem direito de intervenção e, claro, de voto) se autorizadas pelo presidente da mesa; ainda assim, os sócios podem deliberar revogar essa autorização» (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. VI, p. 92, comentário ao art. 379.º). Também Manuel Nogueira Serens faz depender a presença de estranhos – auxiliares dos sócios (técnicos, advogados) ou mesmo de jornalistas, seja da imprensa, da rádio ou da televisão – de autorização do presidente da mesa (Notas sobre a sociedade anónima, Revista de Direito e Economia, ano XV, p. 206).”
2. E em sentido semelhante o acórdão do Tribunal da Relação do Porto no processo 640/09.2TBCHV.P1, de 05/04/2010