Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
163/19.1JABRG.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: REGIME JOVEM DELINQUENTE
REQUISITOS LEGAIS
ABUSO SEXUAL
NÃO APLICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - A opção político-criminal por um tratamento diferenciado e especial estabelecido pelo artigo 9º do C. Penal e DL n.º 401/82, de 23/9, aos jovens que tiverem (à data da prática do crime) completado 16 anos sem terem ainda atingido os 21 anos, em relação ao regime penal para adultos, tem vista a facultar aos tribunais um leque maior de alternativas na imposição de penas de prisão e fundamenta-se, essencialmente, no conhecido efeito altamente criminógeno da pena de prisão e no entendimento de que a delinquência juvenil envolve um ciclo de vida correspondente a uma fase de latência social que faz supor a criminalidade como um fenómeno efémero e transitório.

II - Com efeito, tais dados apontam para que quanto menor for a reclusão mais reduzido será aquele seu efeito e, consequentemente, maior a possibilidade de o jovem, em liberdade, poder optar por uma vida arredada do crime e, ademais, esse regime especial tem a vantagem de permitir uma transição gradual, menos abrupta e dramática, entre a inimputabilidade e a imputabilidade, entre o direito dos menores e o dos adultos.

III - Porém, a atenuação especial não constitui um “efeito automático”, derivado da juventude do arguido, mas uma consequência, a ponderar casuisticamente, em função dos crimes cometidos, do modo e tempo de execução, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime e de todos os elementos que possam ser colhidos do caso concreto e que permitam concluir que, conciliando as exigências especiais de prevenção no sentido de integração do delinquente na sociedade e as exigências de prevenção geral, a reinserção social do delinquente será facilitada se for condenado numa pena que parta de um patamar inferior.

IV - Assim, a juventude é apenas o requisito formal que impõe ao julgador, não uma mera faculdade, mas o poder-dever, vinculadamente concedido (que tem de usar sempre), de averiguar se estão ou não verificados os requisitos (materiais) para a aplicação da atenuação especial: a existência de “sérias razões” que lhe permitam “crer” que daquela atenuação resulte alguma vantagem para uma mais fácil reintegração do jovem delinquente.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1. No processo supra identificado, por acórdão proferido e depositado em 26/11/2019, o arguido C. N., foi julgado e condenado como autor material de cada um de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171º, n.º 1 e 2 do Código Penal, e de um crime de evasão, p. e p. pelo artigo 352º, n.º 1 do mesmo diploma legal, nas penas de, respectivamente, 2 anos e 4 meses, 1 ano e 8 meses e 9 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.

2. O Ministério Público interpôs recurso, cuja motivação delimitou com as conclusões que se extractam:

« (…) 2 - Aderindo-se sem rebuços ao julgamento da matéria de facto, o presente recurso não constitui mais que o reafirmar da posição por nós manifestada em sede de alegações finais e naquilo que consideramos ter sido uma conduta de especial censurabilidade e desvalor acentuado espelhado no conjunto de factos dados como provados e pela personalidade ali manifestada, com acentuadas exigências de prevenção especial e geral, tudo isso, diferente do decidido, ingredientes bastantes para afastar a aplicação ao arguido do regime de jovens adultos e a fixação de penas parcelares e única mais elevadas;
3 – Bem presentes que o legislador concedeu uma larga margem de critério para o julgador ao não estabelecer expressamente índices ou factores especificamente definidores da reinserção social do jovem condenado, no subjaz pensamento de que se atingirá melhor, com a pena atenuada, o fim da pena, consagrado no artigo 40º, do Código Penal, da reintegração do agente criminoso, porque jovem, na sociedade, a aplicação deste regime especial passa pela verificação múltipla de factores endógenos (ligados à personalidade) e exógenos (ligados às condições de vida, circunstâncias do crime, etc.) com relação ao jovem agente do ilícito;
4 - Como se afirma, a título de exemplo, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.05.2006 (processo nº 06P1771, in www.dgsi.pt) “Com a atenuação especial da pena na delinquência jovem, atendendo às vantagens para a reinserção social do jovem condenado daí advindas, pretende-se evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem. Mas deve ter-se igualmente presente a gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, indicada, aliás, pelo legislador como critério a atender também, sem se comprometer acriticamente aquele desiderato. Haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes”.
5 - Na decisão ora em crise fundamenta-se a aplicação do regime previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09, essencialmente pelo facto de ter confessado e ter praticado os factos no âmbito de uma relação de namoro com a vítima;
6 – Sucede que nesse raciocínio o tribunal a quo equivocou-se quando refere que o mesmo confessou os factos, pois que, tal como decorre da motivação de facto, o arguido apenas confessou um dos crimes de abuso sexual de criança mantendo a posição negatória com relação ao segundo crime;
7 – E muito embora na decisão ora em crise se refiram um conjunto de “fatores severamente negativos” decide aplicar o regime também na consideração que os antecedentes criminais são de “diferente natureza dos crimes cometidos” sem qualquer menção à gravidade dos crimes anteriormente cometidos (alguns deles por crime muito graves - de roubo);
8 – Para além de desconsiderar a postura em julgamento do arguido, a ausência de confissão relativamente ao último ato sexual praticado com a menor na decorrência do qual veio a ser detido e aplicada medida de coação de prisão preventiva, desconsiderou que o mesmo praticou os factos quando cumpria medida de coação privativa da liberdade, reveladora de uma personalidade toda concentrada na sua pessoa e na satisfação dos seus interesses e desejos pessoais e próprios;
9 – Pelo que perante a ausência de quaisquer outras circunstâncias contemporâneas ou posteriores que militem a seu favor tudo é de molde a afirmar, diversamente do decidido pelo tribunal a quo, que a atenuação da pena em nada contribuiria para a reintegração do arguido, não sendo este merecedor da aplicação de um tal instituto.
10 - Pelo que, sopesadas as aludidas circunstâncias, o grau da ilicitude e da culpa referidas aos atos delituosos, depois de saber que a vítima tinha 12 anos ter voltado a ter relações sexuais por outras duas vezes, não ter manifestado qualquer tipo de arrependimento para valer como sério, verdadeiro e relevante escudando-se na relação de namoro para o cometimento dos crimes em causa e que os mesmos não terminaram por sua iniciativa mas foi impedido de prosseguir pela aplicação da medida de coação, tudo conflui para justificar plenamente decisão de não aplicação in casu do regime penal para jovens previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09 e onde qualquer atenuação especial da pena, para além de manifestamente imerecida no caso em apreço, poderia, outrossim, comprometer a necessária e urgente necessidade do arguido interiorizar o respeito por valores fundamentais e elementares da vida em sociedade.
11 - De outro modo, tal como a decisão se apresenta, no “cardápio” de bens jurídicos que o código penal apresenta e até o mesmo completar 21 anos o jovem arguido, qual exercício de um direito, pode fazer as suas experimentações nos vários tipos de crime independentemente da sua gravidade porque verá ser sempre especialmente atenuada a sua pena, apenas única e simplesmente porque se tem menos de 21 anos de idade;
12 - Se é certo que as reações penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção evitar as penas privativas de liberdade, também teremos que salientar que importa também salvaguardar naturalmente as exigências de prevenção geral ligadas à proteção de bens jurídicos, ponderando-se a importância fundamental que para essa proteção assume a reinserção do agente.
13 –Assim, numa avaliação global dos factos dados como provados, a natureza e modo de execução dos crimes, a personalidade do arguido, a sua conduta anterior e posterior aos crimes, bem como condições de vida, tudo ponderado resulta líquida a afirmação que a moldura penal dos crimes em questão não é excessiva tendo em vista os fins de socialização do jovem condenado.
14 - Na ponderação das mencionadas circunstâncias concretas do presente caso, não se está na presença de um qualquer desvio transitório e ocasional, próprio do período de latência social propiciador da delinquência juvenil, nem estamos perante uma conduta isolada ou ocasional, mas sim, perante um comportamento próprio de alguém que faz o que lhe apetece, praticando uma série de factos desvaliosos, não se abstendo de os consecutivamente realizar a despeito da medida de coação que estava sujeito e depois da confirmação pela própria ofendida e pelas respetivas mães que a mesma tinha apenas 12 anos de idade;
15 - Cremos, assim, acentuada a ponderação, por um lado, das exigências de prevenção especial e, por outro, das exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e de garantia de proteção dos bens jurídicos, assumidas, em sede de prevenção geral, pelo que se justifica a conclusão de que da atenuação não resultariam vantagens para a sua reinserção.
16 – Acresce ainda o facto da aplicação do instituto do regime especial para jovens e, por força dele, a beneficiar de uma atenuação especial da pena, esbarrar nas elevadas exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir em consequência do qual deve ser afastada do caso dos autos a aplicação do regime de jovens delinquentes e com isso a atenuação especial de pena prevista no artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 23/9.
17 – Afastada a atenuação especial decorrente da aplicação do estatuído no artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 23/9, perante a moldura abstrata que corresponde a cada um dos crimes, efetuando a pertinente ponderação pelos critérios de individualização das penas previstos nos normativos 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, do Código Penal, entendemos que para a prossecução daqueles objetivos, repressivos e preventivos, e proporcionais ao desvalor comportamental, respetivo nexo de imputação (dolo direto) e culpa pessoal, a cominação pelo cometimento daqueles crimes, afigura-se-nos adequada, necessária e proporcional a aplicação a cada um dos crimes de abuso sexual de criança seja fixada uma pena de prisão próximo dos cinco anos, uma pena próxima de 1 ano de prisão para o crime de evasão e em cúmulo jurídico uma pena única situada entre os 7 anos e 6 meses e os 8 anos e 6 meses de prisão.
18 – Contudo no entendimento de ser mantida a aplicação do regime para jovens adolescentes, sempre a pena aplicada pelo segundo crime de abuso sexual de criança nunca deveria ficar em medida inferior à do primeiro crime de abuso sexual, mas antes mais próxima dos 3 anos e 6 meses e com isso uma pena única mais próxima dos 5 anos de prisão, igualmente efetiva.
19 - Assim, ao ter aplicado aquele regime e ao ter fixado aquelas penas parcelares e única o douto acórdão violou, para além dos preceitos incriminadores acima mencionados, o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º e 77.º todos do Código Penal e o disposto no artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 23/9.»

3. Admitido o recurso, o arguido respondeu, pugnando pela manutenção da aplicação do regime de jovens adultos e pelas penas parcelares e única impostas em primeira instância.

4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer secundando a argumentação apresentada no recurso quanto à não aplicabilidade do regime de jovens delinquentes, mas, quanto à medida das penas parcelares e única, pugnou pela sua imposição nos seguintes limiares: 4 anos e 9 meses, 4 anos e 1 ano, relativamente aos crimes praticados no dia 1/02, no dia 18/2 e ao crime de evasão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão
*
II – Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscitam-se neste recurso as questões de aferir: i) a verificação dos pressupostos para a aplicação ao arguido do regime de jovens delinquentes; ii) a medida concreta das penas parcelares e única.

Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida e respectiva motivação (transcrição):

«a) A ofendida M. C. nasceu a - de Agosto de 2006 e à data da prática dos factos que abaixo se descrevem tinha 12 anos de idade.
b) Em inícios de janeiro de 2019, o arguido conheceu a ofendida M. C. através da rede social “facebook” e encetou diálogo com ela, o qual foi correspondido, iniciando-se uma amizade entre ambos, traduzida em conversas progressivamente mais frequentes.
c) Este relacionamento, levou a que o arguido conquistasse a confiança e a amizade da ofendida e, no dia - de janeiro de 2019 ambos iniciaram uma relação de namoro.
d) Logo em data não concretamente apurada, entre o dia 14 de janeiro de 2019 e o dia 1 de Fevereiro de 2019, numa quarta-feira, o arguido convidou a ofendida a visitá-lo em sua casa, uma vez que ele não se podia ausentar dali, por estar sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com fiscalização eletrónica que lhe foi aplicada no âmbito do processo que com o n.º 846/18.3 PBGMR que corria termos contra ele e em que se encontrava indiciado pela prática de quatro crimes de roubos.
e) A ofendida aceitou o convite e, nessa quarta-feira, cerca das 13h30m, deslocou-se a casa do arguido, sita na Viela …, Guimarães, e, aí chegada, depois de terem trocado beijos na boca e carícias, ambos se despiram, o arguido deitou a M. C. no sofá da sala e introduziu o seu pénis ereto na vagina da menor onde o friccionou até ejacular, com ela mantendo relação sexual de cópula completa.
f) Neste dia, a ofendida revelou ao C. N. que tinha 12 anos de idade.
g) No dia 1 de Fevereiro de 2019, o arguido convidou novamente a ofendida para o visitar em sua casa, o que esta aceitou tendo ali chegado por volta das 09h00, e depois de trocaram beijos e carícias, o arguido deitou a M. C. na sua cama e introduziu o seu pénis ereto na boca da ofendida onde fez diversos movimentos de vai e vem, com ela mantendo relação sexual de coito oral, de seguida, o arguido introduziu o seu pénis ereto na vagina da M. C. onde o friccionou até ejacular, com ela mantendo relação sexual de cópula completa.
h) Sujeita a exame ginecológico no dia 02 de Fevereiro de 2019, cerca das 00h06m, a M. C. apresentava hímen sem evidência de lesões vulvares e uma solução de continuidade himenal recente, bem como a presença de material genético heterólogo, masculino, nas amostras colhidas na região peri oral e vaginal, tudo consequência dos atos praticados pelo arguido vindos de descrever.
i) No período compreendido entre os dias 1 e 18 de fevereiro de 2019, a ofendida captou pelo menos duas fotografias, sendo que numa são visíveis as suas cuecas, não aparecendo a sua face, e na outra fotografia aparece a ofendida, sem cuecas, desnudada da cintura para baixo, com o órgão sexual à vista; também nesta não aparece a face da ofendida.
j) Já na posse das ditas fotografias, a ofendida enviou-as ao arguido, através do messenger do facebook, tendo-as este recebido no telemóvel por si utilizado, visto e guardado.
k) O arguido por sua vez, captou também ele duas fotografias suas desnudado, sendo visível o seu pénis e mostrou-as e enviou-as à ofendida, através do messenger do facebook tendo-as esta recebido.
l) No dia 18 de Fevereiro de 2019, o arguido de novo convidou a ofendida a deslocar-se a sua casa, ao que esta acedeu, aí chegando cerca das 9h00 e depois de terem trocado beijos na boca e carícias, ambos se despiram, o arguido deitou a M. C. no sofá da sala e introduziu o seu pénis erecto na vagina da M. C. onde o friccionou até ejacular, com ela mantendo relação sexual de cópula completa.
m) Sujeita a exame ginecológico no próprio dia 18 de Fevereiro de 2019, da parte da tarde, a M. C. apresentava uma solução de continuidade cicatrizada, com padrão punctiforme avermelhado associado a reforço vascular da mucosa recentemente cicatrizada.
n) Bem como a presença de material genético heterólogo, masculino, nas amostras colhidas na região vulvar, vaginal, OECU, intróito, fundo de saco e perianal, tudo consequência dos atos praticados pelo arguido vindos de descrever.
o) No dia 26 de Fevereiro de 2019, no âmbito do presente inquérito, ao arguido foi aplicada a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização do seu cumprimento mediante recurso a meios de vigilância eletrónica, prevista no art. 201.º do Código de Processo Penal.
p) Nesse mesmo dia 26 de Fevereiro de 2019 foram instalados os equipamentos de vigilância eletrónica, iniciando assim o arguido a execução da referida medida de coação, passando a estar privado da sua liberdade no interior da sua residência, sita na Rua … – Guimarães.
q) Contudo, no dia 26 de Março de 2019, o arguido retirou o dispositivo de identificação pessoal, vulgarmente designado por pulseira eletrónica, e abandonou a sua residência.
r) Tal situação perdurou até ao dia 12 de Abril de 2019, altura em que o arguido foi novamente detido e apresentado em tribunal.
s) Depois do primeiro contacto sexual, ou seja nos dias 01/02/2019 e 18/02/2019, o arguido bem sabia que a M. C., à data da prática dos factos, contava com 12 anos de idade e ainda se encontrava em formação física e psíquica e por isso não tinha a necessária capacidade, conhecimento e discernimento para uma livre decisão e para avaliar os atos e comportamentos do arguido.
t) Muito embora estivesse perfeitamente ciente da idade da menor, que bem podia perceber, em momento algum o arguido desistiu de alcançar o seu intuito, praticando com a M. C. relações sexuais de cópula e coito oral, bem sabendo que a sua conduta atentava contra a liberdade e autodeterminação sexual da menor e punha em causa o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade, nomeadamente na sua esfera sexual.
u) Ao abandonar a sua residência teve o arguido o propósito conseguido de se eximir temporariamente ao cumprimento da medida de coação privativa da liberdade que lhe fora legalmente imposta.
v) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
w) O arguido conheceu a ofendida em janeiro de 2019, quando esta o contactou via facebook, no sentido de ajudá-la a reatar o namoro como antigo namorado, T. F., de quem o arguido era amigo.
x) As conversas entre os dois, via facebook, continuaram durante alguns dias e, em 14/01/2019, iniciaram uma relação de namoro.
y) No decurso das conversas que foram tendo, o arguido disse à ofendida que tinha 20 anos.
z) Em data não concretamente apurada, mas algures entre 14/01/2019 e 01/02/2019, o arguido e a ofendida encontraram-se.
aa) Só depois de estarem juntos nesse dia e de terem mantido relações sexuais de cópula completa na sala é que a ofendida disse ao arguido que tinha mentido na sua idade e que tinha 12 anos.
bb) Em 01/02/2019, a ofendida fugiu e deslocou-se a casa do arguido onde mantiveram relações sexuais de cópula completa e coito oral.
cc) O arguido nunca pediu ou convenceu a ofendida a captar imagens ou vídeos seus em poses ou cenas pornográficas.
dd) No período entre 01/02/2019 e 18/02/2019, a ofendida enviou ao arguido, via Messenger do facebook, por sua livre iniciativa, sem que tal lhe tenha sido pedido pelo arguido, duas fotos suas da cintura para baixo, uma com cuecas e outra sem cuecas.
ee) Por sua vez, o arguido, em resposta ao desafio feito pela namorada, enviou duas fotos suas exatamente iguais, da cintura para baixo, uma com cuecas e outra sem cuecas.
ff) No dia 18 de fevereiro de 2019, o arguido e a ofendida voltaram a estar juntos na casa do arguido.
gg) Quando, em 26 de março de 2019, o arguido retirou a pulseira eletrónica e abandonou a residência, fê-lo porque estava muito preocupado com a ofendida, que, em 18/02/2019, lhe tinha dito que estava com muito medo da reação da mãe e do pai.
hh) Como não tinha maneira de saber como estava a sua namorada, se bem ou se mal, uma vez que não tinha forma de a contactar, não tinha telemóvel, nem internet em casa, decidiu, num ato irracional e toldado pela sua preocupação pelo bem estar da ofendida cortar a pulseira e tentar obter noticias.
ii) Ao guardar no telemóvel as fotos que a ofendida lhe enviou, o arguido fê-lo não para satisfazer os seus instintos libidinosos, mas como recordação de uma declaração de afeto da sua namorada, nunca lhe passando pelo pensamento que tal era proibido por lei.
jj) Aos seis anos de idade, o arguido começou a ser seguido em psicologia e aos catorze anos começou a ser seguido em pedopsiquiatria nos Hospital de Guimarães, pelo sr.º Dr.º F. G..
kk) Foi lhe prescrito a toma de Proaxen, Risperidona, Citalopram, Rubifen, tendo mesmo chegado a tomar Risperdal em injeção quinzenal durante três ou quatro meses.
ll) O arguido tem traços de personalidade imatura, ausência de figuras estruturantes e défice de internalização de valores e regras, resultado das características e circunstâncias familiares vividas durante a sua infância e adolescência.
mm) O arguido é impulsivo, infantil, reagindo sem pensar nas consequências dos seus atos.
nn) Do certificado de registo criminal do arguido resultam antecedentes criminais.

1) No processo n.º 181/14.6 GACBT, do Juízo de Competência Genérica de Celorico de Basto, do Tribunal Judicial de Braga, a pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 6,00, pela prática, em 23/10/2014, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de furto qualificado, por sentença datada de 16/02/2016, transitada em julgado, em 05/04/2016. Tal pena foi convertida em 133 dias de prisão subsidiária, que foi cumprida e declarada extinta, por despacho datado de 18/10/2017.
2) No processo n.º 303/15.0 PBGMR, do Juízo Central Criminal de Guimarães, Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na execução pelo período de 1 ano e 3 meses de prisão, por sentença datada de 05/12/2016, transitada em julgado, em 02/05/2017, pela prática, em 28/03/2015 e em 29/03/2015, de dois crimes de roubo. A pena foi declarada extinta nos termos do disposto no art.º 57º do CP.
3) No processo n.º 846/18.3 PBGMR, do Juízo Central de Guimarães, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por acórdão datado de 08/07/2019, transitado em julgado, em 23/09/2019, pela prática, em 21/09/2018, 01/10/2018, 19/09/2018, de cinco crimes de roubo.
oo) No decurso da conversa que manteve com o arguido no facebook e previamente ao primeiro encontro entre ambos, a ofendida disse ao arguido ter catorze anos.
pp) Pese embora os reconhecidos efeitos negativos quanto à autodeterminação e liberdade sexual da ofendida, esta não percecionou aqueles atos como negativos, considerando que os mesmos ocorreram no âmbito da relação de namoro que tinha com o arguido.
qq) O relatório da perícia médico legal de psiquiatria, relativo ao exame realizado na pessoa do arguido, concluiu que o arguido é um jovem fisicamente saudável, sem evidência psicopatológica ou de disfuncionalidade sexual de nível patológico.
rr) Os pais de C. N. divorciaram-se durante a sua primeira infância, ficando o arguido ao cuidado da mãe, que, decorrido pouco tempo, estabeleceu nova união de facto, que perdurou no tempo e da qual nasceu a sua irmã mais nova. Ao longo do seu processo de desenvolvimento, em especial no início da adolescência, a mãe reconheceu as suas dificuldades em lidar com o comportamento, progressivamente mais desajustado/instável do arguido, pelo que o orientou para consultas de psicologia e de pedopsiquiatria.
ss) O percurso escolar do arguido foi pautado por desvinculação relativamente às atividades académicas, por comportamentos irreverentes, resistência às regras, que se traduziram num absentismo progressivo, sendo registados vários processos disciplinares e medidas de caráter suspensivo.
tt) O seu comportamento disruptivo durante a adolescência deu origem à intervenção do sistema de proteção e ao seu acolhimento institucional no Centro Social e Paroquial do …, em …, Celorico de Basto, em fevereiro de 2013. Nesse período, frequentou a escola EB 2/3 de … e, sempre que conseguia, sem permissão com outros jovens ia para Guimarães. O arguido evidenciava grande permeabilidade ao grupo de pares e era consumidor regular de haxixe. Foi no contexto de fugas não autorizadas da instituição que decorreram os factos constantes no processo 181/14.6GACBT, no qual foi condenado pela prática de furto qualificado e de um crime condução de veículo sem habilitação legal, numa pena de multa que não pagou pelo que cumpriu 133 dias de prisão subsidiária, e no processo 303/15.0PBGMR, foi condenado em cúmulo jurídico, pela prática de dois crimes de roubo, na pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, condenação transitada em julgado a 02.05.2017, com termo previsto para 02.08.2018. No decurso da medida probatória, C. N. revelou baixa assiduidade na comparência às entrevistas de monitorização da penal.
uu) Incumprindo a medida de acolhimento institucional, em abril de 2015 regressou definitivamente a casa da mãe, por sua iniciativa, antes do final do ano letivo, abandonando a escola sem concluir o 6º ano de escolaridade.
vv) Com a concordância da mãe, deixou de efetuar consulta de pedopsiquiatria, acompanhamento que fazia há vários anos, por considerar revelar maior estabilidade emocional e comportamental, e, alegadamente, o abandono do consumo de canábis. De modo idêntico, não reconhecia a necessidade de qualquer acompanhamento terapêutico a nível de desabituação das drogas, por valorizar as suas capacidades de autocontrolo a esse nível.
ww) Iniciou-se laboralmente em trabalhos indiferenciados, dos quais foi dispensado decorrido pouco tempo, quando passou a apoiar a mãe no estabelecimento comercial de Café, atividade que manteve até ao encerramento daquele, voltando posteriormente a aceitar trabalhos com caracter irregular, intercalados com períodos de inatividade. Desde um mês antes da sua prisão que se encontrava inativo.
xx) A mãe e o padrasto continuaram a manifestar-se incapazes de inverter a postura comportamental do arguido, e de aceitar o estilo de vida pouco normativo e desinserido que vinha adotando, comportamentos que na sua globalidade, os levaram a expulsá-lo de casa quatro dias antes de ele ser preso.
yy) C. N. deu entrada em situação de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Braga, indiciado pela prática de quatro crimes de roubos, à ordem do processo 846/18.3PBGMR, a 2 de outubro de 2018, de onde saiu por alteração da medida de coação para Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica (OPHVE), para casa do agregado materno no dia 31 de outubro de 2018.
zz) Tendo por referência o período dos factos descritos no presente processo, o arguido encontrava-se sujeito a Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica, integrava o agregado materno, que partilhava com o padrasto e com a irmã, residentes numa casa arrendada, de precárias condições de habitabilidade, inserida num conjunto habitacional (ilha), sem problemáticas sociais relevantes, situada numa freguesia limítrofe à cidade de Guimarães.
aaa) A sustentabilidade económica do agregado era suportada nos rendimentos profissionais dos pais; a mãe, como auxiliar de geriatria, e o padrasto, metalúrgico.
bbb) Em janeiro de 2019, em dia que não soube precisar, através do facebook, conheceu a menor M. C., ofendida, com quem, iniciou uma amizade/relação que referencia como de namoro, tendo a menor passado a visitá-lo em casa.
ccc) No contexto familiar C. N. mantinha um comportamento instável, gerador de uma dinâmica relacional problemática, marcada pelo sofrimento e agastamento dos pais originados pelo percurso de vida do arguido.
ddd) No âmbito do processo supra referido C. N. violou a medida de coação de permanência na habitação, fugindo de casa.
eee) Em 28 de Fevereiro de 2019, no âmbito do presente processo, e encontrando-se ainda em ausência ilegítima no âmbito do processo nº 846/18.3PBGMR, foi-lhe novamente aplicada a OPHVE - obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, residindo em casa da progenitora.
fff) A 26 de março de 2019, o arguido voltou a violar a medida de coação supra referida, fugindo da habitação.
ggg) Socialmente o arguido é referenciado como um jovem com inconstante vinculação afetiva à família, sem hábitos regulares de trabalho e sem rotinas organizadas, com um estilo de vida desregrado em contextos de convívios com pares conotados com comportamentos associais.
hhh) C. N. regressou ao EP de Braga a 12 de abril de 2019, após incumprimentos, designadamente por ausências ilegítimas e danificação do dispositivo eletrónico.
iii) Os factos na origem da sua atual situação judicial-penal são desconhecidos no meio de residência do agregado familiar, de modo que, apenas um número restrito de conhecidos e seus familiares diretos, os conhecem, manifestando-se surpreendidos com o teor da acusação.
jjj) Quando confrontado com situações passíveis de integrar a tipologia de crime subjacente aos presentes autos, ainda que em abstrato, o arguido mostra-se conhecedor da ilicitude, expressando um discurso socialmente expectável, embora evidenciando dificuldades em percecionar o impacto e os danos potencialmente causados nas vítimas.
kkk) A progenitora expressa disponibilidade para o continuar a apoiar de forma condicionada à alteração dos seus comportamentos, mantendo-se e o casal como retaguarda familiar. Não obstante, não o visitam com regularidade, por agastamento face ao seu anterior estilo de vida, mas sobretudo, segundo expressam, com o objetivo do arguido se confrontar com a necessidade de assumir as suas responsabilidades, e reconhecer a importância de alteração de comportamentos.
lll) Para além da privação da liberdade, o arguido não sinaliza especiais impactos decorrentes da situação judicial no seu quotidiano, atendendo à inatividade laboral/ocupacional que vivenciava, e por continuar a beneficiar de algum apoio da mãe.».
(…)

Fundamentação da convicção:

«(…) - Atendeu-se às declarações prestadas pelo arguido perante Juiz de instrução Criminal (…)
O arguido admitiu que através do facebook começou a falar com ofendida, que lhe dizia que tinha 16 anos. E depois de “as coisas acontecerem”, ou seja, a manutenção de relações sexuais, com cópula completa, é que a ofendida revelou a verdadeira idade, inclusive após a mãe dela ter falado com a sua e revelado a efetiva idade. Admitiu que teve duas vezes relações sexuais com a ofendida e que cortou a pulseira porque a ofendida estava com medo da reação dos pais e por isso cortou a pulseira para a ajudar. Ao todo, a M. C. esteve três vezes em sua casa, mas negou que da última vez tivessem tido relações sexuais.
(…) As declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento foram idênticas às prestadas em primeiro interrogatório. O arguido referiu que conheceu a M. C. na rede social do facebook, tendo esta lhe dito que tinha dezasseis anos.
De uma forma pouco precisa, acabou por confirmar que, depois de ter iniciado uma relação de namoro com a ofendida, pela rede social, ela queria visitá-lo e ele acabou por a convidar para sua casa.
Admitiu assim, que no primeiro encontro com a ofendida, em data na concretamente apurada, mas entre o dia 14 de janeiro de o dia 1 de fevereiro, e julgando que a mesma tinha dezasseis anos manteve relações de índole sexual, nos termos descritos na acusação pública e só depois deste episódio veio a saber pela sua mãe, que a ofendida só tinha doze anos.
Também admitiu que no dia 1 de fevereiro de 2019, sendo já sabedor da efetiva idade da ofendida, manteve relações sexuais com a mesma nos termos expostos na acusação pública, justificando, no entanto, que nesse momento, tinha um relacionamento de namoro com a ofendida e não havia maneira de voltar atrás. Sabia que era proibido manter o relacionamento sexual com a ofendida, e que tal constituía crime, mas estava emocionalmente envolvido com ela, sentia-a como sendo a sua namorada.
Quanto às fotografias, em que é visível numa delas as pernas e as cuecas a tapar a zona genital e noutra já sem cuecas com a zona genital à vista, referiu que foi a menor que teve a iniciativa de as mandar e não foi a seu pedido.
Confirmou o encontro no dia 18 de fevereiro de 2018, porque a ofendida queria fugir de casa, mas nessa ocasião só trocaram beijos e carícias e depois adormeceram, não tendo mantido nenhuma relação sexual de cópula completa. Contudo, como referido as mensagens trocadas pelos dois confirmam que o arguido convidou a ofendida.
Não pôs em causa que a retirada do dispositivo de identificação pessoal, vulgarmente, designado por pulseira eletrónica.
Embora não tivesse gostado que a ofendida lhe tivesse mentido quanto à idade, não lhe disse nada, e afirmou que também não desconfiou, quer pela conversa que manteve com a ofendida quer pela sua compleição física, que a mesma só tivesse doze anos.
Justificou a sua impulsividade nos comportamentos menos corretos que teve, nomeadamente a manutenção das relações sexuais e a retirada da pulseira eletrónica e o abandono da sua residência, por à data não estar a tomar a medicação para a hiperatividade e a bipolaridade.
Não pôs em causa auto de visionamento, de fls. 487 a 490, em relação aos telemóveis e às fotografias foram visionadas, o teor dos autos de participação, de cotas, dos autos de diligências. (…).».
*
III – O Direito

1. A aplicação do regime especial de jovens delinquentes.

Como se disse, o Ministério Público interpôs recurso restrito à matéria de direito, começando por se insurgir contra a aplicação do regime de jovens delinquentes ao arguido, por este ter assumido uma conduta eivada de especial censurabilidade e acentuado desvalor, espelhados no conjunto de factos tidos por provados e na personalidade ali manifestada, demandando salientes exigências de prevenção geral e especial.
Vejamos.
De harmonia com o disposto no artigo 9º do C. Penal, aos jovens que tiverem, à data da prática do crime, completado 16 anos sem terem ainda atingido os 21 anos, é aplicável o regime especial estabelecido no DL n.º 401/82, de 23/9, com vista a facultar aos tribunais um leque maior de alternativas na imposição de penas de prisão.
A opção político-criminal por um tratamento diferenciado e especial em relação ao regime penal para adultos fundamenta-se, essencialmente, por um lado, no conhecido efeito altamente criminógeno da pena de prisão e, por outro, no entendimento de que a delinquência juvenil envolve um ciclo de vida correspondente a uma fase de latência social que faz supor a criminalidade como um fenómeno efémero e transitório.
Dados que apontam, pois, no sentido de quanto menor a reclusão, mais reduzido será aquele seu efeito e, consequentemente, maior a possibilidade de o jovem, em liberdade, poder optar por uma vida arredada do crime.
Ademais, esse regime especial tem a vantagem de permitir uma transição gradual, menos abrupta e dramática, entre a inimputabilidade e a imputabilidade, entre o direito dos menores e o dos adultos, sendo controverso, como é reconhecido, o estabelecimento de limiares peremptórios de imputabilidade (1).
De acordo com o artigo 4º do mencionado diploma especial, no caso de ser aplicável pena de prisão, a mesma deve ser especialmente atenuada quando houver “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
Assim, verificamos que a atenuação especial não constitui um “efeito automático”, derivado da juventude do arguido, mas uma consequência, a ponderar casuisticamente, em função dos crimes cometidos, do modo e tempo de execução, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime, e de todos os elementos que possam ser colhidos do caso concreto e que permitam concluir que a reinserção social do delinquente será facilitada se for condenado numa pena que parta de um patamar inferior. Conciliando as exigências especiais de prevenção no sentido de integração do delinquente na sociedade e as exigências de prevenção geral, deve a pena ser reduzida para que aquelas exigências de prevenção especial sejam asseguradas considerando o legislador que ainda assim as exigências de prevenção geral não são demasiadamente comprimidas. (2)
É através da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso, que se pode chegar ou não à conclusão de que se está perante um desvio transitório e ocasional, próprio do período de latência social propiciador da delinquência juvenil, caso em que se poderá mostrar justificada a formulação de um juízo de prognose favorável à atenuação especial. (3)
A juventude é apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos (materiais) para a aplicação da atenuação especial – estes requisitos são a existência de “sérias razões” que lhe permitam “crer” que daquela atenuação resulte alguma vantagem para uma mais fácil reintegração do jovem delinquente.
Acresce que, não constitui uma mera faculdade do julgador, mas antes um poder-dever, vinculadamente concedido, que o mesmo deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.
Revertendo ao caso concreto, uma vez que o arguido se encontra, formalmente, em situação de poder beneficiar do regime em causa, pois contava 20 anos de idade à data da prática dos factos, cumpre averiguar se há razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a sua reinserção social.

Na decisão recorrida entendeu-se que sim, essencialmente, por se ter considerado que o mesmo confessou os factos e por estes terem sido praticados no âmbito de uma relação de namoro com vítima, como se retira do seu seguinte excerto:

«Pese embora, à data dos factos, já tivesse sido condenado, por decisões transitadas em julgado, pela prática de crimes de furto e de roubo, sempre se terá de reconhecer que no âmbito destes autos, em que estão em causa outra natureza de crimes, a confissão dos factos, ter demonstrado igualmente adquirido algum juízo critico, em relação aos atos por si cometidos, ao que não é alheio a sua imaturidade, e a sua impulsividade, que no entanto a si é imputável, por não se deixar acompanhar medicamente. Ainda que censurável, não se pode olvidar que o arguido cometeu os factos no âmbito de uma relação que o mesmo entendia como sendo de namoro.
É certo que o arguido apresenta na sua trajetória um conjunto de fatores de risco que se manifestam nos vários contextos de vida, tendo estado sujeito a práticas educativas desajustadas, com abandono de escolaridade, ao que não foi certamente alheio a baixa supervisão e controlo parental. É acompanhado por outros pares que mantêm comportamento de risco.
O invocado enquadramento laboral do arguido é pouco consistente. Contudo, apesar destes fatores severamente negativos, ainda assim entendemos que o caso em apreço reclama a aplicação do regime especial para jovens, atenta a diferente natureza dos crimes cometidos e porque o arguido os cometeu no âmbito de uma relação que considerava ser de namoro.»
Como se extrai da fundamentação exposta, o Tribunal Colectivo, não obstante ter sopesado os antecedentes criminais do arguido por crimes contra o património e que o mesmo apresenta um enquadramento laboral pouco consistente, entendeu que ainda assim era possível formular um juízo de prognose futura de que da atenuação da pena de prisão resultariam vantagens para uma sua melhor reintegração, valorizando, como se disse, a confissão dos factos e de estes terem sido praticados num âmbito de uma relação de namoro.
Porém, como bem salienta o recorrente, o Tribunal Colectivo incorreu em imprecisão ao ter considerado que o arguido confessou os factos, pois este apenas admitiu uma parte dos mesmos, negando os que ocorreram no dia 18/02, como, aliás, se acentuou na fundamentação da matéria de facto, e também não mostrou reais arrependimento e autocensura, com a inerente interiorização da gravidade e da reprovabilidade da sua conduta, contrariamente ao que foi ponderado na decisão recorrida.
Concomitantemente, não podemos escamotear que o arguido praticou os factos quando se encontrava em cumprimento de uma medida coactiva que lhe havia sido imposta por se encontrar indiciado da prática de crimes contra as pessoas e o património, ao que acresce a própria gravidade dos crimes cometidos ora em apreço e as fortes exigências de prevenção geral que lhe estão associadas. Estamos perante criminalidade grave (no que concerne aos crimes de abuso sexual), que cria forte sentimento de repúdio e alarme na comunidade e que esta deposita e exige dos tribunais uma efectiva aplicação de penas que defendam e se ajustem aos bens jurídicos em causa, de modo a que não se crie o sentimento de impunidade.
Com efeito, resulta da matéria de facto que é acentuada a gravidade objectiva da conduta do arguido, que atingiu valores fundamentais à vida em comunidade, como são dignidade humana, a liberdade de autodeterminação pessoal e sexual e, afinal, criou risco para o normal desenvolvimento psicológico de uma criança. A actuação criminosa do arguido é realmente grave, tendo embutido, no modo de execução, um elevado grau de ilicitude, isto é, de desvalor em termos de contrariedade à lei.
O relatado comportamento de natureza sexual tido pelo arguido com a menor, mesmo com a anuência desta, para satisfazer os seus instintos lascivos, foi concretizado – relembramos – a pretexto da relação de namoro, prevalecendo-se da natural proximidade criada com a mesma, e embora as consequências para a vítima, em abstracto, sejam de grande relevo, por serem geralmente conhecidas as sequelas psicológicas decorrentes deste tipo de criminalidade, no caso, em concreto, não foram percepcionadas como negativas pela menor, que esbateu a sua gravidade.
O grau de dolo do arguido é directo e é patente a desconsideração que o mesmo ostentou pela intimidade sexual de uma pessoa, pela vontade livre e consciente de um ser humano se determinar sexualmente e, enfim, pelo normal desenvolvimento psicológico e pela formação da personalidade de uma criança de apenas doze anos.
Aliás, neste plano (social), é grande o desvalor da conduta do arguido, que não se livra do forte sentido crítico e de verberação ética – e moral –, pela sociedade. Daí que, pela repercussão e estridente alarme que provoca, decorrente da inquietação, da intranquilidade e do sentimento de degenerescência da formação individual e da integridade do próprio tecido social, a comunidade tenha uma palavra a dizer.

Foi assim que se expressou o Ac. do STJ de 20/10/2010, em tons densos, mas eloquentes:

«Por isso a sociedade demanda uma perseguição penal sem tréguas e uma punição exasperada, (…) reclamando uma intervenção vigorosa do direito penal, esperando dos tribunais uma adequada tutela daqueles que, pela sua natural incapacidade de defesa, em razão da idade, são incapazes de o fazerem [embora] contornando ou demarcando-se daquilo que se apelida, em sede punitiva, de “histeria das massas” (…). Não admira que já se tenha escrito, citando-se Denis Sales, in Le Delinquent Sexuel, 1997, pág. 63, La Justice et le Mal, Edition Odile Jacob, Col.Op., que “na imagem das democracias da comunicação, os abusos sexuais, em especial os cometidos sobre crianças, assumem uma dimensão de negação alucinatória da ordem natural das coisas, uma desordem da natureza, um desequilíbrio cósmico que a cidade quer eliminar sem o referir”; tal crime significa o “mal absoluto”, com o significado da presença do inumano no humano pelo uso patológico da liberdade de acção - cfr. Acs. deste STJ , proferidos nos Rec.ºs n.ºs 1526/04-3.ª Sec. e 2819/04 -3.ª sec..
A determinação da medida concreta da pena «é fortemente sensível à necessidade da pena e à importância dos bens jurídicos a proteger, tal como a consciência colectiva os apreende. (…) Para a determinação da pena conjunta importa avaliar os factos na sua globalidade, aferindo a conexão entre eles e entre estes e a personalidade do arguido, em ordem a interiorizar, por via da pena, a gravidade do resultado cometido e sem desprezar as profundas exigências de prevenção geral associados a este tipo de crimes.» (4).
Ora, não nos podemos alhear de tais factores, apesar de entendermos que o juízo sobre a existência de sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado se reporta essencialmente às condições pessoais e de carácter deste (condições de vida, familiares, educação, inserção e prognose sobre o desempenho da personalidade), mais do que à gravidade das consequências do facto e às necessidades da prevenção geral.
Dito de outro modo, mesmo não partindo da gravidade dos factos, o juízo sobre as vantagens para a reinserção social do arguido não pode olvidar a refração de duplo sentido da personalidade para os factos e destes para aquela.
E, como se colhe dos factos, o percurso pessoal do arguido quer no aspecto familiar, quer no aspecto social, apresenta traços de marginalidade ou desviância. Ele foi uma criança/adolescente irreverente com comportamentos desajustados com resistência às regras, que se traduziram num absentismo progressivo, sendo registados vários processos disciplinares e medidas de carácter suspensivo, acabando por ser institucionalizado.
Ademais, sempre evidenciou grande permeabilidade ao grupo de pares e era consumidor regular de haxixe, contexto em que cometeu os factos pelos quais acabou por ser condenado em crimes contra o património e também apresenta um percurso laboral irregular e incerto.
Pode, assim, concluir-se que não existem razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do arguido, porquanto a sua apurada conduta, face ao seu comportamento anterior, não se nos revela como sendo excepcional ou fenómeno efémero e, como tal, não se mostra adequado aplicar um regime que procura erigir um incentivo, assente nesse pressuposto, para a reinserção social ou reeducação do jovem delinquente.

Nesta conformidade, contrariamente ao que decidiu a primeira instância, é de afastar a aplicação do regime especial dos jovens adultos, como reclamou o recorrente.

2. A medida da pena.

Em decorrência da desaplicação do regime de jovens delinquentes, com a consequente alteração das molduras abstractas das penas, impõe-se proceder à determinação da sua medida concreta.
O arguido vem condenado como autor material de dois crimes de abuso sexual de crianças, previsto pelo art. 171º, n.º 1 e 2 do Código Penal e punido, com pena de 3 anos a 10 anos de prisão e de um crime de evasão, previsto pelo art. 352º do mesmo diploma legal e punido com pena de prisão até 2 anos.
O recorrente (Ministério Público em 1ª instância) pugnou pela aplicação de uma pena de prisão próxima dos 5 anos para cada um dos crimes de abuso sexual e de uma pena de prisão próxima de 1 ano para o crime de evasão, do que divergiu o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, que defendeu a aplicação de uma pena de 4 anos e 9 meses para o crime de abuso ocorrido no dia 1 de Fevereiro e de 4 anos para o verificado no dia 18 de Fevereiro.
Ponderemos, então, a medida concreta das penas parcelares a impor, dentro das referidas molduras abstractas.
No que respeita à questão da medida concreta das penas, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.
A protecção de bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, enquanto a reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu retorno ao tecido social lesado, se reporta à denominada prevenção especial. Por seu lado, a culpa consiste num juízo de censura dirigido ao arguido em virtude de uma conduta desvaliosa, porquanto, podendo e devendo agir conforme o direito, não o fez.
Em consonância com estes princípios, dispõe o art. 71º, n.º 1, do mesmo código que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Assim, prevenção – geral e especial – e culpa são os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, a realização in casu das finalidades da pena, e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (5).

Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar (6).
Por seu turno, o n.º 2 do citado art. 71º acrescenta que na determinação concreta da pena há, assim, que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
A panóplia de circunstâncias e critérios estabelecidos pelo art. 71º do C. Penal têm a função de fornecer ao julgador módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente (7).
Já salientámos, noutro conspecto, a acentuada gravidade objectiva da conduta do arguido, o grau de dolo do mesmo, a patente desconsideração que ostentou pelo normal desenvolvimento psicológico e pela formação da personalidade de uma criança de apenas doze anos e a verberação ética – e moral – que a sociedade endereça a condutas de tal índole.
Haverá, pois, que ter em conta o acentuado grau de ilicitude da actuação delitual, sendo, por isso, intensas as exigências de prevenção geral, alimentadas pelo forte sentimento de repulsa da comunidade perante os abusos sexuais.
Ademais, o arguido também revelou insensibilidade moral, como se disse, sujeitando-se a um pesado juízo de censura, e alheou-se totalmente da medida coactiva a que estava sujeito de permanência na habitação, tendo cortado a pulseira electrónica, indiferente às obrigações decorrentes de tal medida às quais se encontrava vinculado, colocando-se em fuga, para interagir com a menor.
Também as razões de prevenção especial, por outro lado, são reforçadas pela personalidade do arguido, evidenciada na dificuldade em se estruturar de acordo com o normal padrão de vivência social, na ausência de confissão da totalidade dos factos e de sentido autocrítico ou de real disponibilidade para uma autoanálise e reflexão crítica. Ao que acresce que o arguido, a par de ter já antecedentes criminais, não tem uma consistente inserção social e profissional, não exercendo uma profissão estável.
Mas, por outro lado, o arguido praticou os factos com apenas 20 anos de idade e, apesar de fisicamente saudável, sem evidência psicopatológica ou de disfuncionalidade sexual de nível patológico, o certo é que, desde os seis anos de idade, começou a ser seguido em psicologia e, desde os catorze anos, em pedopsiquiatria, sendo submetido a múltipla medicação, tem traços de personalidade imatura, com ausência de figuras estruturantes e défice de interiorização de valores e regras, resultante das vivências durante a sua infância e adolescência e de uma inconstante vinculação afetiva à família, e é, enfim, impulsivo, infantil, reagindo sem pensar nas consequências dos seus actos.
Ora, todos estes aspectos têm um relevo significativo, impositivo de uma acentuada moderação das penas a aplicar, de modo a situá-las num limiar próximo do respectivo limite mínimo.
Assim, sopesando todos os enunciados factos apurados quanto à pessoa do arguido e as considerações expendidas quanto à intensidade das exigências de prevenção geral, atinentes à necessidade da pena, entendemos satisfazer tais necessidades e ser perfeitamente ajustada e adequada às particularidades do caso a imposição de penas de prisão de: 3 anos e 6 meses, em relação ao crime cometido no dia 1/2/2019 (cópula completa e coito oral); 3 anos e 2 meses, ao crime cometido no dia 18/2/2019 (cópula completa); e 8 meses, ao crime de evasão.

Encontrado o quantum das penas parcelares, há que determinar a pena única a aplicar ao arguido, perante o estatuído pelo art. 77º, do C. Penal:

«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…)».

Assim, dentro do critério fixado pelo preceito, a pena a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 3 anos e 6 meses e como limite máximo 7 anos e 4 meses e, no seu cômputo, terão de ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, a que já aludimos e para cuja análise ora remetemos, para evitar inútil reprodução.
Consequentemente, dentro destes limites e ponderando também para este efeito todos os factos e considerando acima defrontados, entendemos que a pena única deverá ser fixada em quatro anos, equivalente a 1/5 da idade do arguido na data do cometimento dos crimes.
Procede, pois, em parte, este segmento do recurso.
*
IV- Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso e, por consequência, em:

a) condenar o arguido C. N., como autor material de cada um de dois crimes de abuso sexual de criança, p, e p. no art. 171º, n.ºs 1 e 2 do C. Penal, praticados, respectivamente, no dia 1/2/2019 e no dia 18/2/2019, nas penas de prisão de, também respectivamente, três anos e seis meses e três anos e dois meses, e, como autor material de um crime de evasão, p.p. pelo art. 352º, n.º 1 do mesmo Código, na pena de oito meses de prisão;
b) condenar o arguido, em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, na pena única de quatro anos de prisão.
c) manter no demais, o acórdão recorrido.

Sem tributação.
Guimarães, 27/04/2020

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado

1 No sentido exposto, ver acórdão do STJ de 11/10/2007, em www.dgsi.pt onde se exarou:
«Na verdade, a delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório.
(…) a ideia fundamental do regime é a de evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência da aplicação do regime do art. 4º do DL n.º 401/82, às vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Período de latência social que hoje traduz o acesso à idade adulta, «uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria», e que potencia a delinquência transitória que é frequentemente estigmatizante, nas suas consequências.
Daí que, como se refere na proposta de Lei n.º 45/VIII (DAR, IIS-A, de 21.9.00, que visou a revisão desse regime) «comprovada a natureza criminógena da prisão, sabe-se que os seus malefícios se exponenciam nos jovens adultos, já porque se trata de indivíduos particularmente influenciáveis, já porque a pena de prisão, ao retirar o jovem do meio em que é suposto ir inserir-se progressivamente, produz efeitos ressocializantes devastadores», constituindo um sério factor de exclusão (…)».
Mas deve o tribunal ter também presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal:
«As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos
A gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, é, pois, indicada pelo legislador como critério a atender também. E assim o foi entendido por este Supremo Tribunal, designadamente em relação aos crimes de homicídio negligente com culpa grave, homicídio e roubo (cfr. os Acs do STJ de 18-10-1989, proc. n.º 40279 e de 20-12-1989, AJ n.º 4, BMJ n.º 392 pág 263. Em sentido diverso, mas com um recorte especial da matéria de facto o Ac. do STJ de 16-01-1990, BMJ n.º 393, pág. 269). Contudo, a gravidade do crime, a defesa da sociedade e a prevenção da criminalidade não impedem, por si só, a aplicação do regime penal especial para jovens adultos (cfr., entre outros, o Ac do STJ de 27-02-2003, proc. n.º 149/03-5).
2 É o que se enfatiza no acórdão do STJ de 29-04-2009, proc. nº 6/08.1PXLSB.S1:
«Quanto à consideração, ou não, na análise e ponderação a realizar, da natureza e gravidade do crime e seu modo de execução, ou seja, da prevalência ou não das exigências especiais sobre as exigências de prevenção geral de integração dos valores plasmados na ordem jurídico penal, a jurisprudência, mais uma vez, divide-se:
- para uma certa corrente, as razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão, tendo por base o que consta do ponto n.º 7 do preâmbulo do DL 401/82 ou fazendo uma chamada de atenção para a imposição de um limite às considerações de reinserção social, precludir a aplicação do regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico;
- noutra linha jurisprudencial – que será de compromisso com a ponderação adequada das duas finalidades da pena –, entende-se que no juízo de prognose positiva imposto ao aplicar o art. 4.º do referido diploma há que considerar a globalidade da actuação e da situação pessoal e social do jovem, o que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime, não se podendo atender de forma exclusiva (ou desproporcionada) à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido;
- em sentido diverso, defende ainda alguma jurisprudência que a perspectiva da ressocialização deve ser a enfatizada, sendo que o único fundamento legítimo para recusar a aplicação do regime especial é a inexistência de vantagens para a reinserção social.».
3 No mesmo sentido, ver acórdão do STJ de 31-03-2016, proc. nº 499/14.8PWLSB.L1.S1.
4 Cf. Ac. do STJ de 12/10/2011 (p. 4/10.5GBFAR.E1.S1- Armindo Monteiro.
5 Figueiredo Dias In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas - Editorial Notícias, 214 e ss.
6 Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 227 e ss..
7 Cfr. acórdão do STJ de 28-09-2005, in Coletânea de Jurisprudência-STJ, 2005, tomo 3, pág. 173.