Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
572/14.2TBBGC.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: PROVA
FACTOS
CONVOLAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) A prova não visa a certeza absoluta, a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente, mas tão só, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, sendo a certeza a que conduz a prova suficiente, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta;
2) Resulta do n.º 2 do artº 5º do C.P.C que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade sem limitações.
Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas.
Por outro lado, o juiz só pode considerar factos instrumentais e, quanto aos factos essenciais, aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado.
3). É hoje, entre nós, entendimento pacífico o de que não constituem desrespeito das exigências do princípio do dispositivo constantes do art. 609º do C.P.C. os casos em que o juiz, quando o impugnante, por deficiente explicitação jurídica, formula pedido inadmissível legalmente o juiz convola o pedido para um dos efeitos legais, desde que a vontade de o obter resulte inequivocamente da redacção da petição inicial. Nestas situações, o tribunal não condena em objecto diferente do peticionado, limitando-se a efectuar uma qualificação jurídica do conteúdo do pedido.
4). É ao autor a quem compete o ónus da prova da celebração do contrato de mútuo invocado de restituição do capital.
Para provar tal celebração não basta estar assente o recebimento da quantia peticionada.
Exige-se a demonstração da causa dessa transferência patrimonial para que a sua restituição opere, nunca como consequência de eventual nulidade por falta de forma.
Por outro lado, à falta de invocação de enriquecimento sem causa, a restituição não pode operar com base nesta (outra) causa de pedir.
Decisão Texto Integral: - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –
I.Relatório
MARIA G, residente na Rua n, n.º 24, Árvore, em Vila do Conde, intentou contra CARLOS A, residente na Av.ª Dr. F, n.º 18, em Bragança, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, pedindo que seja declarada a nulidade dos dois contratos de mútuo celebrados com o Réu e seja este condenado a pagar-lhe a quantia de € 17.000,00 que lhe foi emprestada, acrescida de juros legais contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que: manteve com o Réu uma relação de amizade nos anos de 2010 e 2011, convivendo quase diariamente; em Abril de 2010, o Réu solicitou-lhe um empréstimo no valor de € 13.500,00, tendo a Autora acedido a tal pedido, transferindo da conta que era titular conjuntamente com o seu filho da Caixa Geral de Depósitos para a conta do Réu a quantia solicitada; por força da relação de amizade que se manteve, em Janeiro de 2011, o Réu voltou a solicitar um empréstimo à Autora no valor de € 3.500,00, tendo esta acedido a tal pedido, depositando na conta por este indicada e que pertencia ao irmão deste Luís M; o Réu comprometeu-se a devolver tais quantias até ao final do ano de 2012; chegada a essa data, a Autora tentou obter junto do Réu a devolução das quantias relativas a ambos os empréstimos, sem êxito já que o Réu, apesar de admitir que deve tal quantia, adia constantemente o seu pagamento.
Regularmente citado, o Réu apresentou-se a contestar, impugnando parcialmente os factos alegados pela Autora e contra-alegando diz que: manteve, no período correspondente aos anos 2010/2011, uma relação de namoro com a Autora, período em que o Réu e a Autora, fruto da relação que mantinham, faziam saídas, viagens e férias juntos (quer em Portugal, quer para/no estrangeiro), hospedando-se em hotéis e fazendo as refeições nos mesmos e em restaurantes e efectuando, em dinheiro, o pagamento dos serviços (de restaurante, de hotelaria e outros) que lhes eram prestados; o Réu, no âmbito dessa relação, nunca solicitou à Autora qualquer quantia em dinheiro; em circunstância ou momento alguns, pela mesma foi interpelado ou contactado para proceder ao pagamento da quantia ora peticionada ou de qualquer outra.
Foi proferido despacho saneador onde se reconheceu a validade e a regularidade do processado, se identificou o objecto do litígio, se enunciaram os temas da prova, em moldes que não suscitaram reclamações das partes em litígio, bem como se admitiu a prova testemunhal arrolada pelas partes.
CARLOS C, residente na Rua P n.º 21, em Miranda do Douro, veio deduzir espontaneamente incidente de intervenção principal, alegando que: esteve casado com a Autora sob o regime da comunhão de adquiridos, entre 01.01.1989 e 08.07.2010; no âmbito desse casamento, em meados de 2004 instalaram um bar em Miranda e exploraram-no em comum até 17 de Janeiro de 2013, trabalhando ambos diariamente no seu funcionamento e gerindo-o em conjunto; nenhum deles desempenhou qualquer outra profissão ou se dedicou a outra actividade lucrativa durante todo esse tempo; as quantias de que a Autora dispôs provieram dos lucros da exploração do dito bar e faziam parte do património comum do casal; o Requerente e a Autora divorciaram-se em 08.07.2010, celebraram somente em 14.03.2014 escritura de partilha do seu património comum que dela carecia, mas nada contrataram quanto ao crédito que está em causa.
Terminou pedindo que o Réu seja condenado a pagar, conforme o pedido formulado pela Autora, mas a ambos, na proporção de metade para cada um.
Notificados, Autora e Réu responderam nos termos constantes de fls. 46-48 e 52/52v, que aqui se dão por reproduzidos por uma questão de economia processual.
Por ser legal e ter sido realizada mediante adesão ao articulado da Autora, foi admitida a intervenção a título principal de Carlos C.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
No final foi proferida douta decisão que julgou procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, decidiu:
a). Declarar nulos, por falta de observância da forma legal, os dois contratos de depósito irregular celebrados entre a Autora Maria G e o Réu Carlos A;
b) Condenar o Réu a restituir à Autora e ao Interveniente Carlos C, na proporção de metade a cada um, a quantia de € 17.000,00 (dezassete mil euros), acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Custas na totalidade a cargo do Réu (cf. artigos 527.º, n.º 1, e 607.º, n.º 6, do C.P.C.).

Descontente com a sentença, veio o réu interpor recurso de apelação, o qual foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo (cf. Fls. 131). Pronunciou-se também o tribunal recorrido acerca da nulidade invocada concluindo pela sua não verificação (cf. Fls132 a 133).
*
Nas alegações de recurso do apelante são formuladas as seguintes conclusões:
1) A Autora, ora. Recorrida, formulou o seguinte pedido de condenação do Réu, aqui recorrente (Cf. Petição Inicial e Parte I - Relatório da Sentença): 1º Ver declarada a nulidade dos dois contratos de mútuo celebrados com a autora; 2º Devolver á Autora a quantia de 17.000,00 euros que lhe foi emprestada; 3º Pagar os juros legais sobre a dita quantia, contados desde a citação, ate efectivo e integral pagamento.
2) A causa de pedir da autora, patente na referida petição inicial, integra factualidade correspondente à celebração de dois contratos de mútuo - Cf. Petição Inicial e Parte I -denominada Relatório - da Sentença: ▪em Abril de 2010, o Réu solicitou-lhe um empréstimo no valor de 13.500,00 euros, tendo a Autora acedido a tal pedido; ▪em Janeiro de 2011, o Réu voltou a solicitar um empréstimo á Autora no valor de 3.500,00 euros, tendo esta acedido a tal pedido.
3). Por seu lado o Réu, na sua contestação e face á alegacão de tal factualidade pela Autora, contra-alegou expondo que no âmbito da relação de namoro que manteve com a Autora nunca solicitou a esta qualquer quantia em dinheiro.
4) Foram dados como não provados os seguintes factos – Vide item «B. FACTOS NÃO PROVADOS» constante da parte «III. Fundamentação de facto» da Sentença: Em Abril de 2010, o Réu pediu emprestada á Autora a quantia de €13,500,00;
Em Janeiro de 2011, o Réu pediu emprestada á Autora a quantia de €3,500,00; A Autora acedeu a tais pedidos; O Réu comprometeu-se a devolver tais quantias até ao final do ano de 2012; Em circunstância ou momento alguns foi pela Autora interpelado ou contactado para proceder ao pagamento das quantias ora peticionadas ou de qualquer outra.
5) E dado como provado o seguinte: 7. Os movimentos mencionados em 4. e 5. não respeitam a qualquer empréstimo de dinheiro solicitado pelo Réu á Autora no âmbito da relação de namoro que mantinham. – Vide item «A. FACTOS PROVADOS» constante da parte «III. Fundamentação de facto» da Sentença.
6). Perante o supra mencionado impunha-se a absolvição do Réu dos pedidos formulados pela Autora, O QUE Não ACONTECEU.
7) Em violação dos princípios do dispositivo, da proibição de decisões surpresa, do contraditório e das regras atinentes ao ónus da prova, foram introduzidos oficiosamente pelo Tribunal factos essenciais – não alegados pelas partes e que não são factos do conhecimento oficioso do Tribunal - na sentença, que foram considerados provados (sob os itens 3 e primeira parte dos itens 4 e 5 dos factos provados), foi proferida uma decisão surpresa (a acção julgada procedente e provada e declarados nulos, por falta de observância de forma legal, os dois contratos de depósito irregular celebrados entre a Autora e o Réu, e este condenado a restituir a quantia de 17.000,00€ acrescida de juros de mora contados desde a citação ate integral pagamento) - Vide parte «V. DECISÃO» da Sentença.
II – DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO QUE O Réu CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADOS (FACTOS CONSIDERADOS ERRADAMENTE PROVADOS NA SENTENCA RECORRIDA E QUE NEM SEQUER PODEM SER CONSIDERADOS PELO TRIBUNAL POR NÃO SEREM DE CONHECIMENTO OFICIOSO)
8) São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª Instância relativamente aos quais se recorre: ▪ Facto provado sob o item 3. . Nesse período de tempo, em duas ocasiões, a Autora pediu ao Réu para este lhe guardar certas quantias monetárias, ao que este acedeu mediante a obrigação de lhas restituir logo que aquela o solicitasse. ; ▪ Parte inicial do facto provado sob o item 4. . Na sequência do primeiro pedido da Autora e aceitação do réu; ▪ Parte inicial do facto provado sob o item 5. . Na sequência do segundo pedido da Autora e aceitação do réu; ▪ Facto provado sob o item 6. . Por várias vezes, após o fim da relação de namoro que tiveram, a Autora solicitou ao Réu a devolução das quantias mencionadas em 3. e 4., o que este não fez.
9) os factos ora impugnados devem ser considerados não provados (não foi feita prova dos mesmos pois nem a Autora, nem o interveniente acidental nem nenhuma das testemunhas disse que a Autora pediu ao Réu que lhe guardasse certas quantias em dinheiro, tendo este aceite e devendo devolver-lhas quando solicitadas) ou não escritos (por não constarem dos temas de prova; por serem factos fundamentais e essenciais - e não meramente instrumentais nem factos notórios – não alegados pelas partes e introduzidos na sentença pelo Tribunal pelo que deles o Tribunal recorrido não podia conhecer oficiosamente), não podendo os mesmos ser tidos em conta para a sentença a proferir.
II – DOS CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS QUE IMPUNHAM DECISÃO SOBRE OS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADOS DIVERSA DA RECORRIDA 10). As declarações de parte da Autora, do interveniente acidental Carlos C e das testemunhas Edi F, Susana P, Nuno L e Carla A impõem que os factos impugnados neste recurso sejam considerados não provados.
II.I – DO DEPOIMENTO DE PARTE DA AUTORA
11) A Autora sempre referiu, quer na sua petição inicial quer no depoimento que prestou na audiência de julgamento, que emprestou o dinheiro ao Réu porque este lho pediu e nunca alegou que pediu ao Réu para que lhe guardasse as quantias em dinheiro e lhas restituísse quando fosse solicitado cf. Petição Inicial e depoimento de parte da Autora -Sessão de julgamento dia 08/04/2015 - gravado das 14:58H às 15:31H de acordo com a gravação do “Habilus Media Studio”(embora na acta conste das 14H58:09 às 14H32:23 decerto por lapso):
Ficheiro 20150408145807_90410_2870629 Horas: 00:20:31 a 00:20:54
Meritíssima Juiz: mas a senhora emprestou-lhe dinheiro depois?
Autora Maria G:. Emprestei. Emprestei.
Meritíssima Juiz: A senhora emprestou-lhe dinheiro.
Autora Maria G: Mais de 3.500€.
Meritíssima Juiz: Segundo o que a senhora diz emprestou-lhe em Abril de 2010 e janeiro de 2011?
Autora Maria G:. Foi isso. (…)
Meritíssima Juiz. Nem amizade. A senhora disse que…
Autora Maria G: A questão de lhe emprestar esse dinheiro foi que dizia que ele me dava o dinheiro todo junto.
II.II – DAS DECLARACOES DE PARTE DO INTERVENIENTE ACIDENTAL CARLOS C
12) Carlos C, ex-marido da Autora, apenas declara em Tribunal aquilo que a Autora lhe transmitiu, designadamente, que esta fez empréstimos de dinheiro ao Réu. Nada presenciou e o conhecimento que tem de tais factos é indirecto (pois o que sabe foi-lhe foi transmitido pela Autora). Cf. depoimento de parte do interveniente acidental Carlos C prestado na Sessão de julgamento do dia 08/04/2015 e gravado das 15:32H às 16:19H de acordo com a gravação do “Habilus Media Studio” embora na acta conste das 15H32:24 às 16H21:06: Ficheiro 20150408153223_90410_2870629 Horas: 00:10:26 a 00:11:09:
Advogado Sr. Dr. António Neto: E o que é que lhe disse?
Carlos C: disse-me que lhe tinha emprestado.
Advogado Sr. Dr. António Neto: E disse-lhe a quem?
Carlos C: disse-me.
Ficheiro 20150408153223_90410_2870629 Horas: 00:30:51 a 00:31:15:
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: Sabe que houve umas transferências. Mas a que titulo foram não sabe?
Carlos C: A que titulo.
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: A que titulo foram?
Carlos C: aí a que titulo não.
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: aquilo que foi acordado entre a sua mulher e o Carlos, o senhor não sabe?
Carlos C: Não, isso não sei.
Ficheiro 20150408153223_90410_2870629 Horas: 00:33:35 a 00:34:04
Advogado Sr. Dr. António Neto: agora (…) o que ela lhe falou sobre aquela...sobre aquele dinheiro? Que ainda e uma quantia significativa.
Carlos C: que lho tinha emprestado. (…)
Carlos C: eu sabia que lho tinha emprestado. Agora se era para alguma coisa não sei. Podia ser um negócio. Eu isso eu não sei. Se foi um negócio que fizeram. Se não fizeram. Se era…não sei para que era o dinheiro porque a mim não me disse. (…)
Carlos C: só que tinha emprestado.
II.III – DAS DECLARACOES DAS TESTEMUNHAS:
13) Nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento:
▪ presenciou a celebração dos alegados contratos de empréstimo entre Autora e Réu;
▪disse que a Autora pediu ao Réu que este lhe guardasse certas quantias em dinheiro – tendo este aceite - e restituísse quando solicitado; ▪sabia a quantia concreta que alegadamente tinha sido emprestada pela Autora ao Réu; ▪ sabia a que titulo a Autora tinha feito as entregas, depósitos ou transferências de dinheiro ao Réu (apenas sabiam o que a Autora lhes tinha transmitido ou dito sobre o assunto); ▪ sabia quantos empréstimos a Autora teria alegadamente feito ao Réu; ▪sabia a causa ou o fim e para que foram usadas as quantias monetárias alegadamente mutuadas. cf. Declarações das testemunhas que se encontram gravadas, exemplificando-se seguidamente com passagens da gravação dos seus depoimentos e transcrições.
14) Todas as testemunhas declaram em Tribunal que não presenciaram a celebração dos alegados contratos de empréstimo entre a Autora e o Réu e que apenas sabiam aquilo que a Autora lhes tinha transmitido: que a Autora tinha feito empréstimos de dinheiro ao Réu e este não restituía os montantes. Assim, o conhecimento que têm de tais factos é indireto. Cf. Declarações das testemunhas que se encontram gravadas, exemplificando-se seguidamente com passagens da gravação dos seus depoimentos e transcrições.
II.III.a) - EDI F (filho da Autora e do Interveniente Acidental) - Cf. Declarações da testemunha Edi F registadas entre as 16H21:07 e as 16H59:14 – de acordo com o constante na referida acta - na sessão do dia 08/04/2015 da audiência de discussão e julgamento): Ficheiro 20150408162105_90410_2870629 Horas: 00:03:26 a 00:04:07:
Advogado, Sr. Dr. Paulo Figueiredo: também era sua. Olhe e…e como é que o senhor sabe que foi um empréstimo?
Edi C: porque, na altura, falou-se sobre isso.
Advogado, Sr. Dr. Paulo Figueiredo: falou-se como?
Edi C: A minha mãe.
Advogado, Sr. Dr. Paulo Figueiredo: falou consigo?
Edi C: Sim.
Advogado, Sr. Dr. Paulo Figueiredo: E disse-lhe que lhe ia emprestar?
Edi C: Sim.
Ficheiro 20150408162105_90410_2870629 Horas: 00:04:59 a 00:05:24:
Advogado, Sr. Dr. Paulo Figueiredo: Não se falou nisso. Mas o senhor não tem duvidas nenhumas que antes do empréstimo a sua mãe falou consigo e disse-lhe que ela as quantias que seria para…para emprestar?
Edi C: Não tenho duvidas. Ficheiro 20150408162105_90410_2870629 Horas: 00:13:07 a 00:13:13:
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: Não. Sabemos que há uma transferência. O que eu estou a perguntar e o senhor assistiu a alguma conversa entre eles?
Edi C: Não.
Ficheiro 20150408162105_90410_2870629 Horas: 00:13:22 a 00:13:36:
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: eu não lhe estou a dizer isso. Estou-lhe a perguntar se o senhor sabe…se conhece alguma conversa que tenha tido a sua mãe com o senhor Carlos? E para o que é que aquilo foi? Não sabe?
Edi C: Não.
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: portanto, não pode dizer para o que e que foi?
Edi C: Não.
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: ou a que titulo foi feita a transferência, pois não?
Edi C: Não.
II.III.b) - SUSANA P - Cf. Declarações da testemunha Susana P registadas entre as 10H36:47 e as 10H38:55, entre 10H53:16 e as 10H53:19 e entre 10H53:20 e as 11H10:37 - de acordo com o constante na referida acta - na sessão do dia 06/05/2015 da audiência de discussão e julgamento):
Ficheiro 20150506105319_90410_2870629 Horas: 00:00:30 a 00:01:20:
Advogado, Sr. Dr. Paulo Figueiredo: pronto. Teve conhecimento como?
Susana P: tive conhecimento através da Maria. (…)
Susana P: em que ela me fala nisso. Me conta que lhe tinha emprestado dinheiro. Não, não sei fazer referencia a quantidades. A quantia de dinheiro.
Advogado, Sr. Dr. Paulo Figueiredo: Sim.
Susana P: porque não me recordo. Mas ela numa situação de desabafo contou-me que realmente lhe emprestou dinheiro e que estava a ter problemas. Que vinha…já por varias vezes falavam nessa situação e a pedir-lhe o dinheiro e que ele que se recusava… Ficheiro 20150506105319_90410_2870629 Horas: 00:01:22 a 00:01:27:
Advogado, Sr. Dr. Paulo Figueiredo: olhe e teve conhecimento só pela senhora Maria ou também por mais alguém?
Susana P: só por ela.
Ficheiro 20150506105319_90410_2870629 Horas: 00:03:15 a 00:04:02:
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: ora só duas ou três pequenas questões. A senhora já disse em instância do meu colega que não tem conhecimento de nada directamente?
Nunca assistiu a conversa nenhuma?
Susana P: assistir a conversa nenhuma entre eles sobre esse assunto…
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: pronto. Não sabe de nada.
Susana P: nunca assisti. (…)
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: só sabe aquilo que lhe foi transmitido. Mas a senhora saber, saber directamente alguma coisa, não sabe de nada?
Susana P: entre eles? Entre conversa dos dois…
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: A senhora nunca assistiu a nada. Portanto, também não sabe pergunto-lhe eu…não sabe a que titulo e que…há aqui de facto uma transferência e um deposito. Não sabe a que titulo e que aquilo foi feito? Não sabe?
Susana P: Não Dr. Não sei.
Ficheiro 20150506105319_90410_2870629 Horas: 00:04:28 a 00:04:38:
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: pronto. Não. Esta bem, mas isso esta nos autos. Agora a senhora não pode dizer a que titulo e que aquilo foi transferido para a conta?
Susana P: Não.
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: ou a que titulo e que aquilo foi depositado, pois não? Não sabe?
Susana P: Não Dr.
Ficheiro 20150506105319_90410_2870629 Horas: 00:12:47 a 00:12:59:
Meritíssima Juíza: Não sabe quanto dinheiro é? Não sabe a quantia que esta em causa?
Susana P: Não Meritíssima. Não me recordo.
Meritíssima Juíza: nem sabe em que circunstâncias esse empréstimo foi feito?
Susana Lousada: Não.
Meritíssima Juíza: Não.
Susana P: Não sei. Não me recordo.
Meritíssima Juíza: mas foi…
Susana P: da quantia não me recordo.
II.III.c) - NUNO L - Cf. Declarações da testemunha Nuno L registadas entre as 11H10:38 e as 11H44:11 - de acordo com o constante na referida acta - na sessão do dia 06/05/2015 da audiência de discussão e julgamento):
Ficheiro 20150506111143_90410_2870629 Horas: 00:08:26 a 00:08:42:
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: olhe o senhor relativamente…relativamente a questão desses valores pro que foram e pro que deixaram de ser o senhor não sabe nada?
Nuno L: Não tanto quanto sei foi…
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: mas…o senhor nunca teve intervenção directa em nada?
Nuno L: obviamente que não.
Ficheiro 20150506111143_90410_2870629 Horas: 00:08:49 a 00:09:04
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: para o que foram e como é que foi? E como é que foi? O que é que foi estabelecido entre eles o senhor não sabe de nada?
Nuno L: ora bem tanto o que a senhora dona Maria…
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: mas o que a dona Maria…, mas eu estou a dizer o senhor?
Nuno L: Não, não. Ora vamos la ver senhor Dr. Eu não…eu não tenho interesse nenhum…
II.III.d) - CARLA A - Cf. Declarações da testemunha Carla A registadas entre as 12H07:24 e as 12H27:42 - de acordo com o constante na referida acta - na sessão do dia 06/05/2015 da audiência de discussão e julgamento:
Ficheiro 20150506120722_90410_2870629 Horas: 00:02:33 a 00:02:39:
Dr. Paulo Figueiredo: Sim e então?
Carla A: sei que ela emprestou-lhe um dinheiro que ela me disse.
Ficheiro 20150506120722_90410_2870629 Horas: 00:05:57 a 00:06:03:
Dr. Paulo Figueiredo: A senhora sabia dessa situação do empréstimo do dinheiro?
Carla A: sim que ela me tinha dito.
Ficheiro 20150506120722_90410_2870629 Horas: 00:08:05 a 00:09:00
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: pronto já disse tudo. Olhe relativamente a questão dos dinheiros a senhora em concreto nunca assistiu a conversa nenhuma entre eles?
Carla A: Não.
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: nunca assistiu. Nunca assistiu. Portanto, a senhora não sabe a que titulo e que houve aquela transferência, aquele deposito que estão aqui titulados nos autos? Pois não? Não sabe nada disso?
Carla A: soube por ela.
Advogado, Sr. Dr. Rodrigo Versos: pois, mas a senhora…a senhora por si…por si sabe alguma coisa disso?
Carla A: Não.
II.IV – DOS DOCUMENTOS JUNTOS A FLS. 9 E 10 DOS AUTOS
14) Consta dos autos documentação referente a transferência bancaria e depósito de dinheiro da Autora para o Réu, no entanto apenas comprova a movimentação de dinheiro a débito de uma conta e a movimentação a crédito noutra (não comprova a que titulo foram entregues tais quantias).
15). Assim, as testemunhas arroladas pela Autora – Nuno L, Edi F, Carla A e Susana P – e o interveniente acidental nada presenciaram quanto ao contrato alegadamente celebrado entre a Autora e o Réu e desconhecem a causa ou fim subjacente ao depósito e transferência de dinheiro da Autora para o Réu (resulta não provada a alegada celebração dos contratos de mútuo entre a Autora e o Réu - tal como consta dos factos não provados da sentença recorrida);
16) E dos depoimentos das testemunhas arroladas, da documentação junta, e das declarações da Autora e do interveniente acidental resulta não provada a celebração de qualquer contrato de depósito irregular entre a Autora e o Réu.
III – DO DIREITO
III.I – DA CAUSA DE PEDIR E DO PEDIDO, DOS ARTICULADOS DAS PARTES III.II - DA Violação DOS PRINCÍPIOS DO DISPOSITIVO, DO CONTRADITÓRIO, DA PROÍBICAO DE DECISÕES SURPRESA, DA PROÍBICAO DA CONDENACÃO EM PEDIDO DIVERSO E DAS REGRAS ATINENTES AO ÓNUS DA PROVA
17) O tribunal só pode decidir as questões que as partes lhe submetam. – Artigo 3.º e 608.º, n. º2 do C. P. Civil.
18) cabe as partes alegar nos articulados os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. - Artigos 5º n. º1 E 141.º, n. º1 do C. P. Civil.
19) O Código de Processo Civil impõe ao Autor e ao Réu: que na petição inicial sejam expostos os fundamentos de direito da acção e na contestação os fundamentos de direito da defesa e/ou da reconvenção – artigos 552.º, n. º1, al. d), 572.º, al. b) e 583.º, n. º1, todos do Cód. de Proc. Civil.
20) São factos essenciais os que respeitam ao preenchimento dos requisitos do facto jurídico que dá corpo à causa de pedir – António Martins, Código de Processo Civil, Comentários e Anotações Práticas, anotação ao artigo 574.º do C. P. Civil. página 255, 2013, Almedina.
21) Os factos essenciais alegados pela Autora são os constantes da sua petição inicial e que de forma abreviada correspondem aos seguintes: ▪ o réu no mês de abril de 2010 solicitou á autora um empréstimo no valor de 13.500,00€ e esta acedeu ao seu pedido; ▪ em janeiro de 2011 o réu voltou a solicitar um empréstimo á autora, no valor de 3.500,00 euros e esta acedeu ao seu pedido;▪ o réu comprometeu-se a devolver tais quantias, quer relativo ao primeiro empréstimo, quer do segundo empréstimo.
22) A causa de pedir da Autora quanto á descrição factual que realiza e ás considerações de direito corresponde a factualidade que integra o contrato de mutuo.
23) Nem a Autora, nem o interveniente acidental nem qualquer testemunha arrolada pela Autora (e em cujos depoimentos – das testemunhas arroladas pela Autora – o Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão) disse na audiência de julgamento que foi a Autora que pediu ao Réu que lhe guardasse as quantias em dinheiro peticionadas na presente acção para que depois lhas restituísse quando o solicitasse.
24) A Autora, o interveniente acidental e as testemunhas por esta arroladas sempre disseram que a Autora - de acordo com o transmitido pela própria (Autora) já que ninguém presenciou o alegado negócio ou contrato celebrado entre Autora e Réu -emprestou dinheiro ao Réu e este não lho restituía.
25). Foi sobre os factos essenciais constantes da petição inicial da Autora (e que constituem a sua causa de pedir) que o Réu se pronunciou na sua contestação. – Artigo 574.º, n. º1 do C. P. Civil.
26). Em momento algum as partes foram convidadas a aperfeiçoar os articulados, para completar ou corrigir eventuais insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto. – Cf. despachos do processo.
27). Sucede que o Tribunal Recorrido introduziu oficiosamente na sentença proferida os seguintes factos essenciais não alegados pelas partes, factos que não são do conhecimento oficioso do Tribunal: ▪ Facto provado sob o item 3. . Nesse período de tempo, em duas ocasiões, a Autora pediu ao Réu para este lhe guardar certas quantias monetárias, ao que este acedeu mediante a obrigação de lhas restituir logo que aquela o solicitasse. ; ▪ Parte inicial do facto provado sob o item 4. . Na sequência do primeiro pedido da Autora e aceitação do réu; ▪ Parte inicial do facto provado sob o item 5. . Na sequência do segundo pedido da Autora e aceitação do réu.
28) Factos essenciais (introduzidos oficiosamente pelo Tribunal e que deles não pode oficiosamente conhecer) que não foram tidos em conta pelas partes (já que não constam de qualquer articulado ou despacho); que deles não tiveram conhecimento a não ser na sentença porque nela inclusos; que pelas partes não foram discutidos e, como tal, não foram sujeitos ao contraditório; que não são factos instrumentais nem notórios; que não constam dos temas de prova do despacho saneador nem dos articulados das partes – Cf. despacho saneador do processo e articulados das partes.
29). Ás partes não foi facultado conhecimento nem tomada de posição quanto a esses factos nem a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se sustentou antes desta ser proferida.
30) E realizaram as suas alegacões de direito atendendo aos factos constantes do processo e plasmados nos seus articulados e nos temas de prova do despacho judicial e a prova que sobre os referidos temas se produziu (artigo 604.º, n. º3, al. e) do C. de Proc. Civil).
31) Partes que consequentemente não tiveram em conta a correspondente qualificação jurídica realizada pelo Tribunal (de depósito irregular) sobre tais factos essenciais ou fundamentais que o próprio (Tribunal) aditou á sentença.
32) Factos essenciais - introduzidos oficiosamente pelo Tribunal na sentença, factos que o Tribunal não podia oficiosamente conhecer - com base nos quais o Tribunal recorrido condena o Réu e qualifica os hipotéticos contratos celebrados entre Autora e Réu como contratos de deposito irregular, em violação do principio do dispositivo, do contraditório, da proibição de decisões surpresa, da proibição da condenação em pedido diverso e das regras atinentes ao ónus da prova.
33) Contexto em que a decisão proferida e ora recorrida constitui uma decisão surpresa (a Autora sempre invocou explicitamente a celebração de contratos de empréstimo/mútuo e descreveu-os faticamente como tal na sua petição inicial– cf. Petição Inicial).
34) Deste modo, o que está ora em causa não á apenas a aplicação do Direito aos factos mas a aplicação do Direito a factos essenciais que não foram trazidos ao processo pelas partes (não foram alegados pelas partes, não estão patentes em nenhum articulado das partes nem incluídos nos temas de prova), a introdução de factos essenciais (que não são de conhecimento oficioso) oficiosamente pelo Tribunal na sentença proferida, designadamente, na parte dos factos considerados provados (sob os itens 3, 4 – primeira parte na sequência do primeiro pedido da Autora e aceitação do Réu e 5 - primeira parte na sequencia do segundo pedido da Autora e aceitação do Réu) e, consequentemente, a decisão de direito que sobre estes – os factos introduzidos pelo Tribunal - recai.
35). Na interpretação e aplicação das normas jurídicas o juiz não esta sujeito as alegacões das partes (artigo, 5.º, n.º 2 do Cod. Proc. Civil - jura novit curia) mas os factos em que assenta a qualificação jurídica de um contrato têm de ser trazidos ao processo pelas partes de acordo com as regras do principio do dispositivo.
36) Neste sentido leia-se: «o conhecimento oficiosos da norma jurídica está dependente da introdução na causa dos factos aos quais o tribunal a aplica, devendo sempre distinguir-se o plano dos factos, em que vigora mesmo em matéria de direito processual, o princípio do dispositivo (…)»; «O juiz tem de se ater, na decisão, ao objecto do processo assim definido pelas partes, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pediu (art. 609-1), sob pena de nulidade da sentença (art. 615-1-e)» – Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil (Conceitos e princípios gerais à luz do Novo Código), 3.ª Edição, Coimbra Editora, Outubro de 2013, pág.150 e 164.
Acresce que:
37). Tal como supra se referiu a Autora alegou factos que integram a figura do contrato de mútuo e qualificou aqueles (os factos) como contrato de mútuo, incumbindo á Autora a prova dos factos constitutivos do direito alegado – artigo 342.º, n. º1 do Código Civil.
38). Mesmo provada a entrega de dinheiro pela Autora ao Réu, a Autora terá de demonstrar - ao abrigo das regras de distribuição do ónus da prova –a causa da entrega e a que titulo procedeu ao depósito ou transferência do dinheiro para o Réu. - Artigo 342.º, n. º1 do Código Civil.
39) Não resultaram apuradas as razoes determinantes do depósito e da transferência de dinheiro para o Réu.
40) As testemunhas e o interveniente acidental também nada disseram – porque desconheciam, nada presenciaram - quanto á causa do depósito e transferência de dinheiro para o Réu.
41) O Réu na sua contestação negou os empréstimos (defesa por impugnação) e a sua versão não constitui excepção (peremptória) cuja prova ao Réu competisse.
42) E o depósito e transferência de dinheiro da Autora para o Réu não faz presumir a obrigação de restituição nem constitui qualquer situação de inversão do ónus da prova (cabia a Autora provar a celebração dos contratos de mútuo, o que não fez).
44) E para provar a celebração não basta estar assente o recebimento da quantia peticionada, exige-se a demonstração da causa dessa transferência patrimonial para que a restituição opere, nunca como consequência de eventual nulidade por falta de forma.
45). Pelo supra exposto, o Tribunal recorrido fez errada interpretação e aplicação do Direito, violando, entre outros, os seguintes artigos, regras e princípios legais: ▪ artigo 3º. e 608º nº2 do C. P. Civil; ▪ artigo 5º do C. P. Civil; ▪ artigo 141º, nº1 do C. P. Civil; ▪ artigo 411º do C. P. Civil; ▪ artigo 552º, nº1, al. d) do C. P. Civil; artigos 572.º, al. b) e 583.º, n. º1, todos do Cód. de Proc. Civil; ▪ artigo 574.º, n. º1 do C. P. Civil; ▪ artigo 604.º, nº3, al e) do C. de Proc. Civil ▪ artigo 609.º, n.º1 do Código de Processo Civil; ▪ artigo 615.º n.º1, al. e) do Código de Processo Civil; ▪ artigo 342º, nº1 do Código Civil; ▪ principio do dispositivo; ▪ principio do contraditório; ▪ principio da proibição de decisões surpresa; ▪ regras de repartição do ónus da prova.
46) Em suma: os factos introduzidos oficiosamente pelo Tribunal Recorrido na sentença proferida e que nesta deu como provados sob os itens 3, 4 (primeira parte) e 5 (primeira parte) dos factos provados – factos impugnados no presente recurso – por constituírem factos essenciais (e não instrumentais nem notórios) não alegados pelas partes nas suas peças processuais, não constantes dos temas de prova do despacho saneador e só conhecidos pelas partes (que sobre eles se não puderam pronunciar) aquando da prolação da sentença, devem ser tidos como não escritos ou como não provados atendendo ao supra referido (tais factos não são do conhecimento oficioso do tribunal logo deles não podia conhecer nem condenar em objecto diverso do que foi pedido) e a prova produzida (nem a Autora – nos seus articulados e no seu depoimento de parte - nem o interveniente acidental, nem as testemunhas disseram que a Autora pediu ao Réu que lhe guardasse certas quantias monetárias, tendo o Réu acedido a tal pedido mediante a obrigação de lhas restituir logo que aquela lhas solicitasse) e atendendo a violação pelo Tribunal recorrido dos princípios do dispositivo, do contraditório, da proibição de decisões surpresa, das regras de repartição do ónus da prova, entre outras, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o Réu dos pedidos formulados pela Autora tendo em conta que era a esta que competia a prova da celebração dos contratos de mútuo e a prova da causa ou do fim que envolveu o deposito e transferência de dinheiro para o Reu, prova que não fez.
TERMOS EM QUE ….
deve obter provimento o presente recurso nos termos das conclusões acima mencionadas ou de outras que o Venerando Tribunal da Relação se Dignara suprir, para, assim, se fazer JUSTICA.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos art.º 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.
Assim, no âmbito do recurso de apelação as questões a conhecer são as seguintes:
1) se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto;
2) se é admissível o aditamento de factos na sentença;
3) Se a sentença é nula;
4) Se deverá ser alterada a decisão jurídica da causa.

II.Fundamentação
A) DE FACTO
A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos:
1. Nos anos de 2010, 2011 e 2012 Autora e Réu mantiveram uma relação de namoro.
2. No período de tempo em que tiveram a relação de namoro, o Réu e a Autora fizeram saídas, viagens e férias juntos, hospedando-se em hotéis e fazendo refeições nos mesmos e em restaurantes como se de um casal se tratassem.
3. Nesse período de tempo, em duas ocasiões, a Autora pediu ao Réu para este lhe guardar certas quantias monetárias, ao que este acedeu mediante a obrigação de lhas restituir logo que aquela o solicitasse.
4. Na sequência do primeiro pedido da Autora e aceitação do Réu, aquela, no dia 01.04.2010, ordenou a transferência da importância de € 13.500,00 da conta da Caixa Geral de Depósitos, S.A. de que era titular conjuntamente com o seu filho para a conta do Banco Santander Totta, S.A. titulada pelo Réu, ordem essa que foi concretizada em 05.04.2010.
5. Na sequência do segundo pedido da Autora e aceitação do Réu, aquela, no dia 18.01.2011, efectuou um depósito no valor de € 3.500,00 numa conta pertencente ao irmão do Réu, Luís M.
6. Por várias vezes, após o fim da relação de namoro que tiveram, a Autora solicitou ao Réu a devolução das quantias mencionadas em 3. e 4., o que este não fez.
7. Os movimentos mencionados em 4. e 5. não respeitam a qualquer empréstimo de dinheiro solicitado pelo Réu à Autora no âmbito da relação de namoro que tinham.
8. O Interveniente e a Autora estiveram casados um com o outro, sem celebração de convenção antenupcial quanto ao regime de bens, entre 01.01.1989 e 08.07.2010.
9. No âmbito desse casamento, no ano de 2004 instalaram um bar em Miranda do Douro e exploraram-no em comum até 17.01.2013, trabalhando ambos diariamente no seu funcionamento e gerindo-o em conjunto.
10. As quantias mencionadas em 4. e 5. provieram dos lucros da exploração do dito bar.
11. O Interveniente e a Autora divorciaram-se em 08.07.2010 e só em 14.03.2014 celebraram escritura de partilha do prédio urbano sito no Bairro de Santa Luzia, freguesia e concelho de Miranda do Douro, composto de casa de habitação de rés-do-chão, 1.º e 2.º andares e quintal, com o valor patrimonial de € 62.040,00, e do estabelecimento comercial denominado “Bar Rochedo”, sito na Rua do Penedo Amarelo, Lote 2, freguesia e concelho de Miranda do Douro, com o valor atribuído por ambos de € 15.000,00.
B. Factos não provados
Nenhum dos restantes factos alegados com relevância para a decisão da causa resultou provado, nomeadamente que:
- em Abril de 2010, o Réu pediu emprestada à Autora a quantia de € 13.500,00;
- em Janeiro de 2011, o Réu pediu emprestada à Autora a quantia de € 3.500,00;
- a Autora acedeu a tais pedidos;
- o Réu comprometeu-se a devolver tais quantias até ao final do ano de 2012;
- em circunstância ou momento alguns, pela Autora interpelado ou contactado para proceder ao pagamento das quantias ora peticionadas ou de qualquer outra;
- as quantias reclamadas foram doadas à Autora pelos seus pais.

B) DE DIREITO
Antes de mais uma nota quanto ao modo como se encontra formulado o recurso.
Nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido. Com isso pretende-se alertar a parte contrária – com vista ao pleno exercício do contraditório – e o tribunal para as questões que devem ser decididas e os argumentos em que o recurso se baseia, evitando que alguma escape na leitura da voragem da alegação, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Esse objectivo da boa administração da justiça é, ou devia ser, um fim em si. O não cumprimento dessa exigência constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal. Daí que o artigo 641.º, n.º 2, do Código de Processo Civil comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (artigo 639.º, n.º 3).
Ora, no caso, como infelizmente se vai tornando norma, verifica-se que o recorrente redigiu as suas alegações, dividindo-as em parágrafos com numeração, depois escreveu a expressão “conclusões” e a seguir repetiu na quase totalidade as alegações.
Do ponto de vista substancial, o recorrente não formulou conclusões do recurso como devia, limitou-se (no relevante) a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Por conseguinte do ponto de vista substancial, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões. Com efeito, se essa sanção se aplica mesmo nas situações em que a falta se deve a mera desatenção ou até lapso informático, deve aplicar-se por maioria de razão às situações em que consciente e deliberadamente o mandatário se limita a repetir o texto das alegações, não podendo deixar de saber que não está, como devia, a formular conclusões.
Com muito boa vontade e atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar o recorrente a aperfeiçoar (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”. Considerando, no entanto, a simplicidade do recurso em apreciação decidimos, no entanto, prosseguir e apreciar a questão.
E fazendo-o, é o seguinte o entendimento que temos:
1ª Questão
Matéria de facto
O apelante pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto no que respeita aos F.P sob os itens 3; Parte inicial do facto provado sob o item 4. . Na sequência do primeiro pedido da Autora e aceitação do réu; ▪ Parte inicial do facto provado sob o item 5. . Na sequência do segundo pedido da Autora e aceitação do réu; e 6º. Invoca para tanto as declarações de parte da Autora, do interveniente acidental e os depoimentos das testemunhas Edi F, Susana P, Nuno L e Carla A. Defende que tais factos devem ser considerados não provados.
Vejamos se tem razão.
Nos termos do artigo 712 do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos nele previstos.
Os autos contêm todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente contém a gravação dos depoimentos prestados em audiência.
Encontram-se, assim, verificados os pressupostos processuais legais para a reapreciação da prova (artºs 712º, n.º 1, alínea a) e b), e 690º-A, ambos do Código de Processo Civil).
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é efectuada com fundamento nas declarações de parte e depoimento de testemunhas.
Nos termos do artigo 655º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Tal preceito consagra o princípio da prova livre, o que significa que a prova produzida em audiência (seja a prova testemunhal ou outra) é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, tendo em consideração a sua vivência da vida e do mundo que o rodeia.
De acordo com Alberto dos Reis prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (Código de Processo Civil, anotado, vol. IV, pág. 570).
Também temos de ter em linha de conta que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas” (art.º 515º do Código de Processo Civil), ou seja, a prova deve ser apreciada na sua globalidade.
A partir destes princípios passaremos a analisar a situação concreta.
De acordo com a fundamentação da decisão, o tribunal formou a sua convicção para responder aos F.P impugnados, nos documentos bancários juntos a fl. 9 e 10, nas declarações do réu e do interveniente e no depoimento das testemunhas Susana P, Nuno L, Maria R, Carla A.
Ora bem.
Animados por estes princípios gerais, valorando os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento e que se encontram gravados em suporte digital que revisitamos consideramos existirem razões para alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Com efeito, como bem refere o recorrente nas conclusões 13) e 14) nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento:
▪ presenciou a celebração dos alegados contratos de empréstimo entre Autora e Réu;
▪disse que a Autora pediu ao Réu que este lhe guardasse certas quantias em dinheiro – tendo este aceite - e restituísse quando solicitado;
▪sabia a quantia concreta que alegadamente tinha sido emprestada pela Autora ao Réu;
▪ sabia a que título a Autora tinha feito as entregas, depósitos ou transferências de dinheiro ao Réu (apenas sabiam o que a Autora lhes tinha transmitido ou dito sobre o assunto);
▪ sabia quantos empréstimos a Autora teria alegadamente feito ao Réu;
▪sabia a causa ou o fim e para que foram usadas as quantias monetárias alegadamente mutuadas.
Todas as testemunhas declaram em Tribunal que não presenciaram a celebração dos alegados contratos de empréstimo entre a Autora e o Réu e que apenas sabiam aquilo que a Autora lhes tinha transmitido: que a Autora tinha feito empréstimos de dinheiro ao Réu e este não restituía os montantes.
Escrutinados os depoimentos de parte da Autora, do réu e do interveniente constatamos que Autora e Réu mantiveram a versão por eles apresentada nos respectivos articulados.
Mais precisamente, o depoimento da própria A. foi naturalmente no sentido expresso nos articulados por si apresentados, não passando despercebida uma ou outra contradição, como a alegação na petição inicial (artºs 2º) de que tinha uma situação económica estável assim justificando os empréstimos, para mais tarde alegar que o valor em causa lhe tinha sido doado pelos seus pais ( ver artº 11 do articulado de fls. 47) ,depôs depois que tinha sido apenas a sua mãe que lhe doou a ela e filho aquele valor o que contraria a versão da mãe que nos disse que deu à filha 3 mil contos ( e não 17 mil euros como alegou a autora) pois a mesma estava a precisar uma vez que o marido após o divórcio lhe tirou tudo.
No seu depoimento nega a factualidade constante do artigo 7 da p.i, vindo antes afirmar que o segundo empréstimo ocorreu após terem terminado a relação de amizade, o que aliás nem se entende.
Nunca se referiu á obrigação de restituição alegada no artº 11º da p. i.
Fez, claramente, um depoimento parcial, incompleto e incompreensível mesmo.
Para quem, alegadamente passava por dificuldades económicas, tendo ficado sem nada como nos disse a sua mãe, custa a crer que emprestasse quantia significativa e a única que teria ao réu.
Sendo que o empréstimo se concretiza não só pela entrega do dinheiro (ou outra coisa fungível), como pela obrigação de o restituir, o que passa pela averiguação das razões determinantes da transferência do dinheiro. No caso em apreço, as prováveis razões determinantes das transferências do dinheiro enão resultaram alegadas e por consequência apuradas (neste sentido que seguimos pela semelhança da situação ver acórdão da (Ac. R. Coimbra de 19.06.2013 proferido no processo nº 1778/11.1 TBVNO.C1)
O Réu na sua contestação negou os empréstimos (defesa por impugnação) e a sua versão não constitui excepção (peremptória) cuja prova ao Réu competisse. Daí que se perceba a defesa que apresentou.
Em sede de audiência de julgamento apresentou uma justificação para a existência das transferências que até nos pareceu possível considerando o relacionamento que mantinha com a autora e sobretudo o relacionamento pessoal e profissional que a autora ainda mantinha com o seu ex. marido aqui interveniente.
No referente ao depoimento do interveniente em sede de audiência de julgamento, nada sabia em concreto apenas afirmando que sabia da existência dos alegados empréstimos porque a autora lhe contou.
A ser assim, não se percebe que tendo feito a partilha dos bens a ambos pertencentes posteriormente a estes empréstimos e ao seu conhecimento não tenham na mesma incluído ou deixado para discussão posterior a existência destes valores. Pelo contrário contou-nos que em sede de partilha nem sequer se falou nestes valores.
Por fim o depósito e transferência de dinheiro da Autora para o Réu não faz presumir a obrigação de restituição nem constitui qualquer situação de inversão do ónus da prova (cabia a Autora provar a celebração dos contratos de mútuo, o que não fez).

Procede, portanto, a impugnação nos termos pedidos pelo recorrente.
Acresce dizer que, mesmo que a factualidade impugnada resultasse da instrução da causa (o que não aconteceu conforme já se explicou) entende-se que o Tribunal a poderia considerar por se tratar de concretização da genérica e conclusiva afirmação de que a autora tinha emprestado ao réu dinheiro, mas e apenas depois de as partes sobre a mesma se pronunciarem.
De efeito, o processo civil é um processo de partes, razão pela qual lhes compete a iniciativa e o impulso processual- daí falar-se em princípio dispositivo.
Assim, nos termos do n.º 1 do artº 5º do C.P.C às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
Todavia, o n.º 2 acrescenta que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Resulta desta norma que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade sem limitações.
Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas.
Por outro lado, o juiz só pode considerar factos instrumentais e, quanto aos factos essenciais, aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado. E isto é assim porque mesmo no novo Código de Processo Civil o objecto do processo continua a ser delimitado pela causa de pedir eleita pela parte [artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, alínea d), 581.º e 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte] e subsistem ainda as limitações à alteração dessa causa de pedir (artigos 260.º, 264.º, 265.º).
A grande diferença em relação ao anterior Código de Processo Civil é que a consideração dos factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos alegados não depende já de requerimento da parte interessada nesse aproveitamento para que ele aconteça, como exigia o artigo 264.º, n.º 3, daquele diploma. Presentemente, o juiz pode considerá-los mesmo oficiosamente, sem requerimento de nenhuma das partes, bastando que a parte tenha tido a possibilidade de se pronunciar sobre tais factos.
Sem desconhecer a existência de posição contrária por nossa parte inclinamo-nos para a consideração oficiosa de tais factos que surjam durante a instrução da causa. É claro que, essa consideração oficiosa, não pode ser feita sem que as partes se pronunciem sobre ela, ou seja, o juiz, ante a possibilidade de tomar em consideração tais factos, tem que alertar as partes sobre essa sua intenção operando o exercício do contraditório e dando-lhe a possibilidade de arrolar novos meios de prova sobre eles.
É que, se assim não for, não vemos porque é que o legislador não manteve, sobre este aspecto, a redacção do artigo 264.º, nº 3 do anterior CP Civil, isto é, fazendo depender a tomada de consideração desses factos de requerimento da parte interessada, sendo que, mesmo nesse normativo a distinção entre o conhecimento oficioso e não oficioso era feita entre factos instrumentais e factos complementares ou concretizadores, ou seja, no artigo 5º do novo CP Civil o legislador considerou o conhecimento oficioso em relação a ambos, introduzindo apenas a nuance, quantos a estes últimos, da possibilidade de as partes sobre eles se pronunciarem.
Portanto, querendo limitar o conhecimento daqueles factos à manifestação de vontade da parte interessada, o legislador tinha-se limitado a decalcar o regime anterior, pelo que, não o tendo feito, o seu propósito foi mesmo alterar o regime do seu conhecimento.
Isto dito, evidentemente que, não tendo o Sr. juiz do processo feito uso desta possibilidade, teria de ter sido a parte, em momento oportuno, a impetrar requerimento com vista a que tais factos fossem considerados pelo tribunal.
Caso assim não fosse estaríamos como ocorreu no caso em apreço perante uma decisão surpresa.
Citando o acórdão do nosso mais alto Tribunal (Ac do STJ de 27.09.2011 proferido no processo nº 2005/03.0 TVLSB.L1. S1) advogamos a tese de poder a vingar a arguição de nulidade de uma decisão quando, e se, a solução opcionada pelo tribunal se desvincule totalmente do alegado pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjectividade. Vale por dizer que as partes terão direito a insurgir-se contra uma decisão se a via nela seguida não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos (novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão “solipsisticamente adoptata”) que poderiam trazer alguma luz sobre a “terza via”, oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a actividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório. Na última situação prefigurada o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição super partes constitucionalmente atribuídas ao Julgador.
Neste caso, se o juiz envereda por uma “terza via” e as partes não alegaram factos ou tomaram posição concreta sobre a solução “solitária”, a decisão pode tornar-se injusta e acarretar um juízo de parcialidade que afecta a estrutura regente de um processo justo e despejado de desvios processuais ou substantivos que desvirtuem a decisão ou o resultado final que se espera venha a ser assumido pelo tribunal.
Pressupondo mais uma vez que a factualidade impugnada resultou da prova produzida (o que não aconteceu como se relatou), discutida pelas partes em sede de instrução, a diferente qualificação jurídica da mesma feita pelo Tribunal não preenchia a apontada nulidade por violação da regra estabelecida no art. 609º /anterior 661 do C.P.C. sobre os limites da condenação (art. 615º, nº 1, alínea e) do C.P.C).
De facto, é hoje, entre nós, entendimento pacífico o de que não constituem desrespeito das exigências do princípio do dispositivo constantes do art. 609º/anterior 661º do C.P.C. os casos em que o juiz, quando o impugnante, por deficiente explicitação jurídica, formula pedido inadmissível legalmente o juiz convola o pedido para um dos efeitos legais, desde que a vontade de o obter resulte inequivocamente da redacção da petição inicial. Nestas situações, o tribunal não condena em objecto diferente do peticionado, limitando-se a efectuar uma qualificação jurídica do conteúdo do pedido.
Na lição do prof. Anselmo de Castro, “Por pedido, porém, tanto se pode entender as providências concedidas pelo juiz, através das quais é actuada determinada forma de tutela jurídica (...), ou seja, a providência que se pretende obter com a acção [objecto imediato]; como os meios através dos quais se obtém a satisfação do interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao Tribunal para ser reconhecida [objecto mediato]” in Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, págs. 201 e seguintes
Ponderando este autor que “o que interessará não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendam alcançar”, conclui que “o objecto mediato deve entender-se como o efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá à sua pretensão” Ob. cit., pág. 203.
Numa outra formulação “o pedido, na sua vertente substantiva, consiste no efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção, o que se reconduz à afirmação postulativa do efeito prático-jurídico pretendido, efeito este que não se restringe necessariamente ao seu enunciado literal, podendo ser interpretado em conjugação com os fundamentos da acção, com eventual suprimento pelo tribunal de manifestos erros de qualificação, ao abrigo do disposto no art. 664.º, 1.ª parte, do CPC, desde que se respeite o conteúdo substantivo da espécie de tutela jurídica pretendida e as garantias associadas aos princípios do dispositivo e do contraditório”. Neste sentido ver aresto da Rel. de Lisboa de 6/1/2010, proferido no âmbito do processo n.º 405/07.6 TVLSB.L1-7, sendo Relator o Exmº Sr. Desembargador Tomes Gomes, disponível em www.dgsi.pt.
2ª Questão
Solução Jurídica
Olhando agora à vertente mais jurídica da questão, a causa de pedir da acção consiste num contrato de mútuo (empréstimo de dinheiro), nulo por falta de forma.
Na definição do art.º 1142.º do C.C trata-se de um contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
Trata-se de um contrato formal, sujeito hoje e desde 1.1.09 (art.º 4.º do DL n.º 116/08, de 4.7) a escritura pública se o mútuo for superior a € 25.000,00 e a documento particular se superior a € 2.500,00, (art.º 1143.º do CC na redacção do Dec. Lei nº 116/2008 de 04.07).).
Por força de tal contrato a coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega (art.º 1144.º do CC).
São, pois, elementos constitutivos do contrato de mútuo:
a) – Entrega a outrem de dinheiro, ou outra coisa fungível;
b) – Obrigação, por parte do mutuário, de restituição do dinheiro, ou da coisa.
De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova (art.º 342.º, n.º 1, do CC) é ao autor que compete a prova desses elementos, não só da entrega do dinheiro, como também da obrigação de restituição.
Havendo entrega, esta obrigação passa por demonstrar a que título se procedeu à transferência da coisa, no caso, do dinheiro.
No caso de se não demonstrar a causa dessa transferência, não se pode concluir pela existência do mútuo, ainda que nulo, por falta de forma, nem, sequer, lançar-se mão do enriquecimento sem causa se não for (subsidiariamente) invocada tal causa de pedir (art.º 264.º, n.º 1, do CPC).
Voltando ao caso dos autos, embora assente que a Autora operou a transferência bancária da importância da importância de € 17.000,00 para as contas bancárias indicadas pelo réu, este impugnou a justificação apresentada pela A. (empréstimo), para essa utilização invocando uma versão incompatível com a existência de qualquer empréstimo.
Porque essa versão não se assume como excepção (peremptória), cuja prova ao R. competisse (uma vez que negou os alegados empréstimos) e porque a entrega do dinheiro não faz presumir a obrigação de restituição, nem outra situação de inversão do ónus da prova se vislumbra (art.º 344.º do CC), era à A. a quem cabia provar aqueles dois elementos integrantes do contrato de mútuo, constitutivo da causa de pedir.
Assim, ficou sem se saber o que justificou a permissão de utilização do dinheiro da A. ao R.
Em situações similares à presente o STJ nos doutos acórdãos de 7.4.05, Proc. 05B612, 13.3.08, Proc. 07A4139, 16.9.08, Proc. 08A2005, 25.11.08, Proc. 07B3546 e 19.2.09, Proc. 07B4794, in www.dgsi.pt. tem reafirmado que é ao autor a quem compete o ónus da prova da celebração do contrato de mútuo invocado de restituição do capital.
Para provar tal celebração não basta estar assente o recebimento da quantia peticionada.
Exige-se a demonstração da causa dessa transferência patrimonial para que a sua restituição opere, nunca como consequência de eventual nulidade por falta de forma.
Por outro lado, à falta de invocação de enriquecimento sem causa, a restituição não pode operar com base nesta (outra) causa de pedir.
Em suma, porque os factos provados não revelam a celebração de contrato de mútuo, nem de qualquer outro que determine a obrigação de restituição por falta de prova da causa ou fim que envolveu a transferência bancária da Autora para o Réu, prova que à Autora incumbia, há que alterar a decisão recorrida nos termos peticionados pelo recorrente.
Os apelados (autora e interveniente) sucumbem no recurso. Devem, por esse motivo, suportar as respectivas custas (artº 527 nºs 1 e 2 do CPC).

Síntese recapitulativa (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
1) A prova não visa a certeza absoluta, a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente, mas tão só, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, sendo a certeza a que conduz a prova suficiente, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta;
2) Resulta do n.º 2 do artº 5º do C.P.C que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade sem limitações.
Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas.
Por outro lado, o juiz só pode considerar factos instrumentais e, quanto aos factos essenciais, aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado.
3). É hoje, entre nós, entendimento pacífico o de que não constituem desrespeito das exigências do princípio do dispositivo constantes do art. 609º do C.P.C. os casos em que o juiz, quando o impugnante, por deficiente explicitação jurídica, formula pedido inadmissível legalmente o juiz convola o pedido para um dos efeitos legais, desde que a vontade de o obter resulte inequivocamente da redacção da petição inicial. Nestas situações, o tribunal não condena em objecto diferente do peticionado, limitando-se a efectuar uma qualificação jurídica do conteúdo do pedido.
4). É ao autor a quem compete o ónus da prova da celebração do contrato de mútuo invocado de restituição do capital.
Para provar tal celebração não basta estar assente o recebimento da quantia peticionada.
Exige-se a demonstração da causa dessa transferência patrimonial para que a sua restituição opere, nunca como consequência de eventual nulidade por falta de forma.
Por outro lado, à falta de invocação de enriquecimento sem causa, a restituição não pode operar com base nesta (outra) causa de pedir.

III. Decisão
Em face do supra exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em:
1.- Conceder provimento à impugnação do apelante no que concerne às respostas do tribunal a quo dadas aos concretos pontos de facto provado sob o item 3º; parte inicial dos factos provados sob o item 4º e 5º e facto provado sob o item 6º;
2.- Decretar as eliminações das respostas do tribunal a quo no que concerne aos concretos pontos de facto sob o item 3 e item 6; à parte inicial do facto provado sob o item 4. . Na sequência do primeiro pedido da Autora e aceitação do réu; e parte inicial do facto provado sob o item 5. . Na sequência do segundo pedido da Autora e aceitação do réu;
3.- Conceder procedência à apelação, revogando a decisão recorrida que se substitui por outra que julga improcedente a acção intentada pela autora Maria G contra o réu Carlos A na qual é interveniente Carlos A e dos pedidos formulados se absolve o réu.
4.-Custas pela autora e interveniente na proporção de metade
Notifique
Guimarães, 15 de Setembro de 2016
((O presente acórdão compõe-se de quarenta e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)
(Maria Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira
(José Cravo)