Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
109506/18.8YIPRT.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. As nulidades da sentença estão típica e taxativamente previstas no artº 615º, do CPC. Nenhuma destas se refere à decisão da matéria de facto, também naquela contida
.
2. A possibilidade de anulação da decisão da matéria de facto decorre da alínea c), do nº 2, e da alínea b), do nº 3, do artº 662º, CPC.

3. Nenhuma delas respeita a erros de julgamento, sejam da matéria de facto, sejam da de direito.

4. As possibilidades de modificação da decisão da matéria de facto decorrem em geral do artº 662º, nºs 1 e 2, e, particularmente, da impugnação prevista no artº 640º, CPC.

5. A impugnação da matéria de facto que verse sobre pontos cujo resultado para o apelante seja inócuo deve ser recusada e não conhecida.

6. A pretensão da recorrente (empresa distribuidora) em ver-lhe aplicados pela recorrida (empresa transportadora e sua fornecedora) os mesmos critérios que terão sido alegadamente utilizados pelas petrolíferas (onde aquela se abasteceu) em todos os fornecimentos de combustível (correcção dos volumes medidos à temperatura observada no carregamento para os corrigidos, em função de uma tabela por aquelas utilizada, para 15º) e em compensar o valor que alegadamente daí resultaria como crédito a seu favor, não tem base legal, nem convencional.

7. Embora o artº 91º, do Decreto-Lei nº 73/2010, de 21 de Junho (Código dos Impostos Especiais Sobre o Consumo) estabeleça que a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos é de 1000 l convertidos para a temperatura de referência de 15ºC, trata-se aí de uma regra relativa à transacção de tais produtos apenas aplicável na relação jurídica fiscal entre os sujeitos passivos e o Estado.

8. Tal regra legal não se aplica à relação jurídica comercial e privada entre as empresas distribuidoras e as suas fornecedoras, tal como entre aquelas e os consumidores, cujo volume adquirido e pago, ocorra ele no pino de verão tórrido ou no auge de inverno gelado, não é corrigido em função das temperaturas reais.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Em 05-10-2018, I. M. – Petróleos e Derivados, Ldª, requereu, no …, mediante Injunção, a notificação de X – Combustíveis e Lubrificantes, SA, para lhe pagar a quantia de 16.686,26€, sendo 12.179,86€ de capital, 4.313,40€ de juros de mora, 40,00€ de outras quantias e 153,00€ de Taxa de Justiça, com fundamento num contrato de fornecimento de bens, datado de 21-11-2008.

Alegou que, no exercício das respectivas actividades comerciais, vendeu, e a requerida comprou-lhe, combustível oportunamente entregue e discriminado na factura 800009, daquela mesma data, no valor de 33.630,64€, apenas parcialmente paga e de que resta em dívida aquele valor de capital pretendido.

A requerida deduziu oposição, com reconvenção.

Nela alegou que nada deve. Acrescentou, em justificação, que, em 2007 e 2008, a autora forneceu-lhe efectivamente combustíveis, no valor de mais de 4,5 milhões de euros, conforme facturas que elencou (em número superior a noventa, incluindo o da factura reclamada). As quantidades facturadas, porém, não são as efectivamente fornecidas e recebidas pela ré, embora tenha pago aquelas. Tal sucede porque, nas guias emitidas pela refinaria, é indicado o volume de combustível corrigido de acordo com tabelas de conversão para a temperatura de referência de 15º e assim a autora os pagou. Não obstante, o mesmo combustível entregue foi por ela facturado à ré em função do volume à temperatura ambiente observada, ou seja, com volume superior (volume que não tinha, se corrigido àquela temperatura de referência) e logo por maior valor (do que o que ela pagou às petrolíferas). Assim, a autora obteve um ganho – enriquecimento – indevido correspondente à diferença entre volumes. Apurada por referência a toda a relação comercial havida, a diferença cifra-se no valor de capital peticionado, pelo que a ré emitiu a seu tempo a nota de débito e deduziu-a na factura reclamada, assim saldada por compensação.

Alegou, ainda, que, durante aquele período – 2007 e 2008 –, sofreu prejuízos que não está em condições de liquidar em quantia certa (por não estar na posse dos elementos necessários para tanto) e que devem ser liquidados no respectivo incidente.

Concluiu que “deverá a presente ação ser julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Mais deverá o pedido reconvencional ser julgado provado e procedente e, por via dele:

a) reconhecida a compensação do crédito de 12.179,86 € de que é titular a Ré sobre a Autora, resultante do pagamento a mais que fez relativamente às faturas aludidas no anterior artigo 18º, com o crédito de que a mesma é titular sobre a Ré quanto à parte da fatura cujo pagamento vem reclamar na presente ação; e
b) ser a Autora condenada a pagar à Ré os prejuízos que esta sofreu em consequência direta e necessária da não aplicação pela Autora das tabelas de conversão para a temperatura de referencia de 15º C, nas quantidades de combustível obtidos na medição à temperatura observada dos combustíveis entregues à Ré, em todos os fornecimentos efetuados sob as faturas identificadas no anterior artigo 52º, em quantia a liquidar no respectivo incidente, acrescida de juros de mora a contar da notificação do presente pedido reconvencional até efetivo e integral pagamento, nas custas e demais legal,
ou, se assim não se entender, relativamente ao pedido da alínea b), e subsidiariamente:
c) a restituir à Ré as quantias por si recebidas indevidamente, relativas à diferença entre as quantidades de combustíveis constantes das guias de entrega e as quantidades faturadas pela Autora à Ré, em todos os fornecimentos efetuados sob as faturas identificadas no anterior artigo 52º, em quantia a liquidar no respetivo incidente, acrescida de juros de mora a contar da notificação do presente pedido reconvencional até efetivo e integral pagamento, nas custas e demais legal.”

O processo foi distribuído no Tribunal de Amares e aí autuado em 23-11-2018.

Por despacho de 29-11-2018 foi rejeitada a reconvenção mas admitida a defesa por excepção de compensação, a esta tendo respondido a autora e juntado documentos.

Após longa troca de requerimentos sobre a junção de notas de enchimento e temperaturas, realizou-se, em 01-10-2019, a audiência de discussão e julgamento.

Com data de 21-10-2019, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão:

“Pelo exposto, considera-se a presente acção procedente, por provada, e consequentemente, condena-se a ré X - Combustíveis e Lubrificantes, S.A. ao pagamento à autora da quantia de €12.179,86 (doze mil, cento e setenta e nove euros, oitenta e seis cêntimos), acrescida dos juros, vencidos e vincendos, calculados às taxas previstas para os juros comerciais, sucessivamente aplicadas, desde Janeiro de 2015 até integral pagamento.
Custas pela ré.
Registe e notifique.”

Inconformada, a apelou a que esta Relação a revogue, tendo alegado e concluído assim:

“1. Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
2. O Tribunal deu como provado, além do mais, que em 15 de Setembro de 2010, a ré emitiu a nota de débito, no montante de € 12.179,86, relativa à diferença de litros facturados sem correcção às diferenças de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008.
3. A nota de débito é um documento fiscalmente válido e destina-se a retificar faturas, tanto podendo ser emitida pelo fornecedor como pelo cliente – cfr. resulta do n.º 7 do artigo 29.º e do nº 6 do artigo 36º, ambos do Código do IVA.
4. O Tribunal deu como provada a retificação do valor da fatura através da emissão de uma nota de débito por parte da Ré, documento fiscalmente válido e relevante.
5. Mais, o Tribunal deu como provado ainda os fundamentos da emissão daquela nota de débito: «…relativa à diferença de litros facturados sem correcção às diferenças de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008.»
6. Nenhuma outra factualidade foi dada como provada, ou não provada, que afastassem a relevância do facto provado sob o número 4.
7. Resulta, pois, da factualidade provada que a autora entregou à ré, e esta recebeu, o combustível a que alude a fatura n.º 800009, de 21 de Novembro de 2008, no montante de € 33.630,64, sendo que desse montante, a ré satisfez a quantia de € 21.450,78, e que em 15 de Setembro de 2010, a ré emitiu a nota de débito, no montante de € 12.179,86, relativa à diferença de litros faturados sem correção às diferenças de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008.
8. o resultado lógico da decisão a proferir seria o da improcedência da ação. Porém, com base em tal factualidade o Tribunal condenou a Ré no pagamento da quantia de 12.179,86 €, apesar de, insista-se, ter dado como provado que tal quantia tinha sido objeto de nota de débito, relativa à retificação da diferença de litros faturados sem correção às diferenças de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008.
9. Os fundamentos de facto conduzem necessariamente a uma decisão de sentido oposto ao da sentença proferida. Há, pois, contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida, o que constitui nulidade da sentença – cfr. artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
10. Sem prescindir do anteriormente alegado, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
11. Questões para o efeito do artigo 615º do Código de Processo Civil, são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” [cfr. A. Varela in: RLJ, Ano 122.º, pág. 112] e não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” [cfr. J. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143].Como refere Miguel Teixeira de Sousa, (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997),no âmbito do anterior Código de Processo Civil mas que mantém a actualidade, “daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, e o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...).8
8 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães: Processo: 350/09.0TBMC-A.G1; Relator: CONCEIÇÃO BUCHO; Data do Acórdão: 19-01-2017, in www.dgsi.pt.
12. Apenas para o caso do Tribunal não considerar verificada a nulidade anteriormente invocada, sempre se dirá que se verifica uma outra nulidade da sentença pois que o Tribunal não se pronunciou sobre todas as questões que devesse apreciar. É que a Ré alegou factos para fundamentar o seu crédito que o Tribunal ignorou, pois nem levou à matéria de facto dada como provada nem considerou não provada, apesar de se tratarem de factos com relevância para a decisão da causa e que, uma vez provados determinariam, a improcedência da presente ação.
13. A Ré alegou factos no sentido de demonstrar a existência do seu crédito que o Juiz ignorou, são factos alegados na Oposição sob os artigos 2º, 3º, 8º, 9º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º, 28º, 29º e 30º, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14. Tais factos constituem a causa de pedir da defesa apresentada pela Ré, do invocado crédito de que se arrogou e que permitia operar a compensação, sendo certo que sem que o Tribunal se pronunciasse acerca dos mesmos, no sentido da sua prova ou não prova, não poderia proferir a sentença.
15. Mais, sem prescindir da anteriormente invocada nulidade da sentença, a matéria de facto que o Tribunal considerou relevante para a decisão da causa, que deu como não provada, mesmo que fosse dada como provada não seria suficiente para inverter a decisão que foi proferida, pois era insuficiente para o efeito. É que o Tribunal apenas considerou relevante um fornecimento efetuado pela Autora à Ré apenas alegado por esta a titulo meramente exemplificativo.
16. A sentença igualmente não se pronunciou acerca do enriquecimento sem causa ou do abuso de direito ambos invocados pela Ré em sede de Oposição.
17. A sentença proferida padece, assim, da nulidade a que se reporta o artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC, em virtude do Tribunal não se ter pronunciado sobre questões essenciais e relevantes para a decisão da causa.
18. Não podem confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido. O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa.
19. Ainda e sem prescindir, a Recorrente impugna a decisão da matéria de facto e, sublinhe-se, apenas o faz por mero dever de oficio e mera cautela, pois que se consideram verificadas ambas as nulidades da sentença anteriormente invocadas.
20. De acordo com o disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, a Recorrente indica quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que faz do seguinte modo:
a. - considera que não ficou provado, ao contrário da decisão proferida, que (2) a autora entregou à ré, e esta recebeu, o combustível a que alude a factura n.º 800009, de 21 de Novembro de 2008.
b. - considera que ficou provado, ao contrário da decisão proferida, toda a matéria de facto que o tribunal deu como não provada, sob as alíneas A), B), C) e D), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21. Com efeito, na matéria de facto dada como provada sob o nº 2 dos factos provados, não ficou provado qual a quantidade de combustivel fornecido pela Autora à Ré, quantidade essa que a Ré expressamente impugnou.
22. Nenhum prova foi efetuada a tal respeito, pelo que não poderia o Tribunal concluir, sem mais, que a Autora forneceu à Ré o combustivel a que se refere a fatura 800009 de 21 de novembro de 2008.
23. Quanto aos factos que o Tribunal deu como não provados, a prova feita em audiência de julgamento permite concluir de modo manifestamente oposto, ou seja pela sua prova.
24. Com efeito, resulta expressamente dos documentos juntos pela própria Autora, através do requerimento com a referencia 31370054, de 29 de Janeiro, que demonstram inequivocamente a veracidade de tais factos, que deveriam assim ser dados como provados sem mais.
25. Para além disso, tais factos resultam da confissão do legal representante da Autora, tal como se constatou da transcrição do seu depoimento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, das declarações de parte prestadas pelo legal representante da Ré que as efetuou de forma clara, objetiva e precisa, demonstrando conhecimento dos factos em discussão, sem que alguma razão válida fosse apresentada para não serem valoradas, tudo conforme igualmente se constata da transcrição que se fez de tais declarações.
26. Acresce que as testemunhas J. A. e A. M. prestaram um depoimento que permitiu comprovar e explicar os factos que a Recorrente considera terem ficado provados, depoimentos esses efetuados de modo claro, sincero e desinteressado, revelando conhecimento direto dos factos em discussão, tudo conforme se alcança das transcrições dos respectivos depoimentos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
27. A decisão da matéria de facto deveria ter sido no sentido da alteração do ponto 2. dos factos provados, cuja redação deveria ser do seguinte modo: No exercício das respetivas atividades comerciais, a autora entregou à ré, e esta recebeu, combustível em quantidade não determinada, tendo sido emitida a fatura n.º 800009, de 21 de Novembro de 2008, no montante de € 33.630,64 (trinta e três mil, seiscentos e trinta euros e sessenta e quatro cêntimos).
28. Deveria, ainda, terem sido dados como provados os factos elencados sob as alíneas A), B), C) e D), dos factos que o Tribunal deu como não provado.
29. Sublinhe-se, por último, que mesmo dada como provada tal factualidade, a mesma era insuficiente para o tribunal proferir sentença a decidir o objeto do litigio, pois não conheceu da matéria de facto essencial para o efeito.

Termos em que deverá o presente recurso ser admitido, julgado procedente e, consequentemente, revogada a sentença proferida, tal como é de JUSTIÇA.”

Em resposta, a autora, defendeu a improcedência do recurso e confirmação da sentença.

Este foi admitido, como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, tendo a Mª Juíza recorrida, no respectivo despacho, referido o seguinte

“No recurso interposto da sentença proferida nos autos, a recorrente, X- Combustíveis e Lubrificantes, S.A., veio suscitar a sua nulidade, nos termos das disposições das als. c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
Nessa medida, importa, antes de mais, apreciar.
Sustenta, em primeiro lugar, a recorrente que os fundamentos de facto estão em oposição com a decisão, na medida em que ao considerar provado que "em 15 de Setembro de 2010, a ré emitiu a nota de débito, no montante de €12.179,86, relativa à diferença de litros facturados sem correcção às diferenças 2-20 de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008." , não podia ter procedido à condenação da ré ao pagamento da dita importância.
Ressalvado o devido respeito, entende-se não existir qualquer contradição entre aquela premissa de facto e a dita conclusão.
Na verdade, o facto de se apurar que a ré emitiu a dita nota de débito com o sobredito conteúdo – facto que assentou, objectivamente, no respectivo documento contabilístico – é o mesmo que dizer que o Tribunal deu apenas por provado o que resulta da nota de débito. E que não significa que o facto subjacente (diferença de litros facturados sem correcção às diferenças de temperatura) se tenha demonstrado. Aliás, conforme resulta do elenco de factos não provados, nada se demonstrou relativamente às notas de carregamento, temperaturas e quantidades de combustível que sustentam a versão apresentada pela ré.
Por conseguinte, e sempre ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, o facto da ré pretender retirar do facto provado uma realidade que não se demonstra não implica contradição entre o facto e a decisão em questão.
A recorrente sustenta também que o Tribunal não se pronunciou sobre questões que deveria conhecer, na medida em que não levou à fundamentação a matéria dos artigos 2.º, 3.º, 8.º, 9.º, 14.º, 15.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 28.º, 29.º e 30.º da oposição; os quais, se considerados provados determinariam a improcedência da acção.
Ora, o Tribunal não se pronunciou quanto à sobredita factualidade porquanto, em seu modesto entender, se trata, em parte, de mero enquadramento da relação comercial estabelecida entre as partes, respeitante a anos anteriores (2007/2008), sem relevo para a decisão a proferir, e, noutra parte, de matéria genérica, conclusiva, de facto e de direito, que expressa a argumentação da ré, mas sem utilidade concreta para a decisão da questão de saber enunciada.
Nessa medida, no final da fundamentação de facto se diz que não se respondeu ao demais por se tratar de matéria genérica, conclusiva, de facto e/ou de direito, sem relevo para a decisão a proferir.
Por conseguinte, e uma vez mais ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, não se detecta a omissão apontada.
Nem se detecta que, ante a fundamentação de direito da decisão, na qual se considerou inexistir excepção à obrigação do pagamento do preço, designadamente a suscitada compensação, tivesse ficado por decidir outra questão colocada ao Tribunal, designadamente a eventual existência de enriquecimento sem causa da autora, necessariamente afastada, em termos lógicos, da fundamentação expendida.

Nestes termos, não se acompanha o raciocínio da recorrente e julgam-se improcedentes as suscitadas nulidades de omissão de pronúncia e de contradição entre a fundamentação e a decisão da sentença em causa”.

Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, importará apurar se:

a) A sentença é nula, nos termos das alíneas c) e d), do nº 1, do artº 615º, do CPC.
b) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto quanto aos pontos indicados.
c) E, consequentemente, revogada a sentença.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou relevantes e decidiu julgar como provados os seguintes factos:

“1. A requerente é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social consiste no comércio por grosso e a retalho de combustíveis líquidos, gasosos, produtos derivados e lubrificantes, bem como, no exercício de qualquer actividade industrial e ou comercial que directa ou indirectamente se relacione com aqueles, nomeadamente a exploração de lojas, restaurantes, snack-bar, mini-mercado, lojas de conveniência e estabelecimentos hoteleiros, no âmbito ou não dos seus postos de abastecimento e áreas de serviço.
2. No exercício das respectivas actividades comerciais, a autora entregou à ré, e esta recebeu, o combustível a que alude a factura n.º 800009, de 21 de Novembro de 2008, no montante de € 33.630,64 (trinta e três mil, seiscentos e trinta euros e sessenta e quatro cêntimos).
3. Desse montante, a ré satisfez a quantia de € 21.450,78 (vinte e um mil, quatrocentos e cinquenta euros, setenta e oito cêntimos).
4. Em 15 de Setembro de 2010, a ré emitiu a nota de débito, no montante de € 12.179,86, relativa à diferença de litros facturados sem correcção às diferenças de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008.
5. O combustível entregue à ré pela autora foi por esta adquirido às petrolíferas nas refinarias ou nas instalações de armazenagem; locais onde a ré efectuava os seus carregamentos.
6. Nos locais de carregamento são emitidas pelas petrolíferas guias de remessa, de entrega e notas de carregamento, nas quais são discriminadas a hora, a requisição, o veículo, o cartão do veículo, o produto, a densidade, as temperaturas e as quantidades do produto.
7. Na nota de carregamento são discriminados os produtos, o volume TO, a TO e a densidade 15ºC.”

Mais decidiu julgar como não provados, apenas os seguintes, considerando “de natureza conclusiva, de facto e ou de direito e/ou irrelevante para a decisão da causa” os demais:

“A) De acordo com a nota de carregamento emitida pela Y, em 19 de Agosto de 2019, foram carregados 7.002 litros de gasolina 95 e 25.003 litros de gasóleo, quantidades essas obtidas à temperatura observada de 21,9º C e 25,4º C, respetivamente.
B) Da guia de entrega constam as quantidades do combustível obtidas de acordo com a aplicação das tabelas de conversão para a temperatura de referencia de 15º C, resultando as seguintes quantidades:
a) 6.944 litros de gasolina 95 e
b) 24.776 litros de gasóleo.
C) À Autora foram debitados, pela Y, 6.944 litros de gasolina 95 e 24.776 litros de gasóleo, quantidades estas que serviram ainda para liquidação dos impostos.
D) Por sua vez, a Autora debitou à Ré 7.002 litros de gasolina 95 e 25.003 litros de gasóleo, tal como se constata da fatura nº 200804719, de 19/08/2008.”

Para tanto, expôs a seguinte motivação:

“O Tribunal formou convicção quanto à factualidade apurada e não apurada, relevando o acordo das partes e apreciando, de per se, os documentos contabilísticos juntos aos autos e no seu confronto, quer com as declarações prestadas pelos representantes legais das partes, quer com os depoimentos das testemunhas ouvidas, de modo que, em concreto, se passa a apresentar.
O prosseguimento da actividade comercial, conforme alegado pela autora, foi aceite pela ré.
Está, igualmente, aceite a emissão e o teor da factura junta aos autos pela autora, sob o doc. n.º 1 (fls. 41), da qual se retiram os termos da compra e venda de combustíveis operada nas descritas circunstâncias.
O mesmo se dirá da nota de débito emitida pela ré, relativa ao cálculo da diferença de litros facturados sem correcção às diferenças de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008, conforme, objectivamente, se retira do seu teor.
A aquisição de produtos petrolíferos própria pela autora, bem como, o carregamento dos combustíveis pela ré junto das refinarias ou locais de armazenamento está também aceite por acordo das partes.
Resulta das próprias notas de carregamento e guias de remessa, juntas aos autos, cuja autenticidade não foi posta em causa, a descrição do seu teor.
A factualidade não apurada resultou como tal considerada, ante a falta absoluta de prova produzida no sentido alegado; desde logo, ante a não junção aos autos das notas de carregamento, guias de remessa e fatura em questão; documentos que apresentariam idoneidade e força probatória bastante para a demonstração dos factos em questão.”

IV. APRECIAÇÃO

Invalidades da sentença

A recorrente arguiu a sentença de nula, nos termos do artº 615º, nº 1, alínea c), CPC, por, alegadamente, os fundamentos estarem em oposição com a decisão.

Para o efeito, sustenta que tendo invocado a compensação de um crédito “consubstanciado” na nota que em tempos emitiu e enviou à autora e tendo resultado provado que “Em 15 de Setembro de 2010, a ré emitiu a nota de débito, no montante de € 12.179,86, relativa à diferença de litros facturados sem correcção às diferenças de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008” (facto 4), então “o resultado lógico da decisão a proferir seria o da improcedência da acção”, pois que “os fundamentos de facto conduzem necessariamente a uma decisão de sentido oposto ao da sentença proferida.”

A recorrida contrapôs que tal alegação é “abusiva” e “falaciosa”, não obedece às “regras da lógica”, pois que o tribunal a quo não deu como provado como facto aquilo que nela se descreve – a “diferença de litros….” –, tratando-se de um documento da lavra da recorrente, aliás imediatamente devolvido.

Ora, como esta não pode deixar de saber – uma vez que cita Doutrina e Jurisprudência que, bem aplicadas ao caso, induzem clara, imediata e precisamente, a conclusão contrária –, não ocorre tal invalidade.

Assim o considerou, e bem, o tribunal recorrido.

Logicamente incoerente, sem fundamento, inválido e ineficaz na tentativa de, por via retórica, convencer da sua tese, é o argumento arquitectado mas sem base fáctica real e sem substância jurídica alguma, já que outra coisa não significa aquele ponto 4 – nem qualquer outro sentido lhe quis dar o juiz recorrido apesar da aparência conferida pela sua inserção no elenco dos factos – senão que é certo ter a ré elaborado, de motu proprio, dando-lhe a forma e conteúdo que entendeu convir-lhe, aquele documento (que até enviou à autora), o que nada tem a ver com a demonstração da realidade daquilo que nele escreveu (artº 341º, do CC), muito menos que ele exprima um direito de crédito, fundado ou reconhecido pela contraparte ou reconhecível em juízo, por que possa obter a compensação. Trata-se, pois, de uma verdadeira falácia.

Só um enviesado apelo à norma legal indicada, conjugado com a aparência que prima facie pode, numa perspectiva vulgar, extrair-se do documento se para tal se usar de critérios tão falhos de rigor quanto cheios de abundante parcialidade ofuscada pelo interesse, justifica a extracção, exclusivamente a partir dele, da preconizada nulidade.

O vício aludido pressupõe, como se colhe do que têm dito e redito a Doutrina e a Jurisprudência, que, no epílogo do processo lógico [1] em que se traduz e manifesta a operação de subsunção dos factos alegados e provados (como base de qualquer direito ou excepção) às normas jurídicas pertinentes, processo esse de per se revelador de um determinado itinerário no sentido de certa solução por ele próprio sugerida como necessária e, por isso, fortemente expectável, se profira, afinal, decisão dele tão divergente ou oposta que o desvio só possa ser explicado por uma ostensiva, tortuosa e inesperada desconformidade do raciocínio empreendido com as premissas utilizadas, viciando-a, e não com qualquer entendimento querido e assumido sobre a justiça do caso.

Se a simples contradição consiste em afirmar coisas de sentido contrário ainda que na linha do mesmo discurso, a oposição refere-se, mais amplamente, ao resultado de um juízo lógica e juridicamente incompatível com os termos em que ele se apresenta estribado.

Os factos (ser) respeitam a expressões empíricas da vida real componentes de um quadro em torno do qual se cruzam os interesses das partes e, por isso, carente de regulação pelo Direito.

A decisão (dever ser) exprime o resultado do juízo de valor ou relevo normativo daqueles (operação intelectual sobre realidades ou com instrumentos diferentes, logo dificilmente susceptíveis de se contrariarem), concedendo ou não a regulação pretendida.

Só quando estes (resultado/decisão/regulação) já ressumam dos próprios factos ou da operação subsuntiva como evidentes, necessariamente consequentes e irreversíveis mas, apesar disso, os declarados se apresentam contrários ao iter logicamente expectável, é que se verifica oposição constitutiva de um vício grave no juízo, invalidante da própria sentença e, por isso, não qualificável como mero erro de julgamento.

Tal vício gera anulação da decisão (porque ela não pode ser). Não suscita apenas a correcção deste juízo (do que deve ser).

O resultado errado mas, ainda assim, logicamente possível não constitui vício de nulidade, pois “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [2].

Assim, a “A lei refere-se … à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão…há um vício real no raciocínio do julgador (…): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”. [3]

Tal se verifica, por exemplo, se, em função de factos apurados e da sua subsunção ao direito se configurar uma evidente nulidade formal de certo negócio e, em vez de se declarar a mesma com as legais consequências derivadas desse vício, acabar por se proferir condenação no cumprimento das respectivas prestações, pressupondo-o para tal como válido e eficaz.

O vício, porém, nada tem a ver com uma eventual indevida escolha das normas jurídicas aplicáveis aos factos, à sua errada interpretação ou incorrecta aplicação (subsunção jurídica), apesar de tal também viciar o resultado do julgamento e a correspondente decisão. Este erro não afecta a validade da sentença mas sim a correcção e bondade do respectivo juízo. Pode é levar, em caso de ser reconhecido, aí sim, à sua alteração ou revogação.

Como, a tal propósito, se refere no Acórdão do STJ, de 30-05-2013 [4]:

“I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. c) do CPC.
II- Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».”

Relembra-se, aliás, no acórdão de 02-06-2016, do mesmo Tribunal [5] que:

“O vício a que se refere a primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC radica na desarmonia lógica entre motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diversa”.

No caso aqui em apreço, a ré invocou ser titular de um crédito, derivado da diferença do valor pago pela autora em função do volume de combustível adquirido às petrolíferas suas fornecedoras considerado segundo a tabela de correcção e à temperatura de 15º (e não do medido no carregamento à temperatura ambiente) e o valor facturado, supostamente pelo mesmo combustível vendido por esta àquela, medido a quando da descarga e entrega segundo a temperatura ambiente ou observada (e não corrigido conforme a dita tabela para a temperatura de 15º).

Pretendeu, pois, compensar esse seu alegado crédito.

O tribunal recorrido, dando por assente que a ré emitiu a dita nota de débito (por ela elaborada mediante as correcções que entendeu introduzir-lhe e recálculo, por si feito, em função dos volumes obtidos dos valores, em sua perspectiva, devidos a título de preço), considerou, porém, que o seu correspectivo crédito não resultou demonstrado quer quanto aos seus pressupostos de facto quer quanto aos direito, salientando que nada se provou, quanto às quantidades fornecidas, a que preço as comprou a autora nem como foram formados os preços de venda acordados com a ré, que apenas quanto à Y e num certo período foi aplicada a tabela de conversão e para efeitos fiscais, que prevalece aquilo que foi livremente acordado entre ambas não se demonstrando ter sido nele incluída a aplicação da tabela correctiva nem que tal resulte de imposição legal, pois mesmo o previsto no aludido Código fiscal apenas regula as relações tributárias entre o Estado e os sujeitos passivos do imposto sobre produtos petrolíferos e não as relações comerciais entre autora e ré.

Daí concluiu, a despeito da apresentação de tal documento, que inexiste qualquer excepção de compensação susceptível de ser contraposta pela ré à sua obrigação de pagamento do preço facturado.

Não obstante ao dar-se por assente a emissão de tal nota de débito se refira a mesma como “relativa à diferença de litros facturados sem correcção…”, é evidente que essa relação se reporta unicamente ao que nela própria de facto consta e tal como a ré descreveu, jamais significando um juízo positivo firmado e declarado pelo tribunal de que essa relação e a pressuposta diferença são verdadeiras e fundadas e menos ainda autorizando, como lógica e necessária, a consequência jurídica pretendida.

Não há, pois, qualquer oposição, invalidante da sentença, entre o que consta do ponto provado nº 4 e a decisão proferida.

A recorrente arguiu também a nulidade da sentença, ao abrigo da alínea d), do nº 1, do artº 615º, CPC, por, a seu ver, o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre todas as questões que tinha o dever de apreciar.

Refere-se, primeiro, a factos que diz ter alegado (os dos itens 2, 3, 8, 9, 14, 15, 17 a 20 e 28 a 30) para fundamentar o seu crédito mas que o tribunal ignorou não os dando como provados nem como não provados, apesar de constituírem a “causa de pedir” da defesa [sic] apresentada que, uma vez provados, determinariam a improcedência da acção, sendo, pois, insuficiente a matéria seleccionada.

Refere-se, depois, aos institutos do enriquecimento sem causa e do abuso de direito que teria invocado mas sobre que diz não haver pronúncia na sentença.

A recorrida contrapôs que não há omissão de factos relevantes, chamando a atenção que a questão, tal como o tribunal recorrido a delimitou, era, no que concerne à pretendia compensação, saber se ela deve operar “pela alegada diferença entre as quantidades de combustível que a autora pagou às petrolíferas e as quantidades de combustível que debitou aos clientes, como a ré” e que, para tal, os pontos pretendidos são desnecessários.

Salientando que, no fundo o que a ré pretenderia era que lhe fosse aplicada, também a ela, pela autora, a tabela de conversão de que esta terá beneficiado em todos os fornecimentos recebidos das petrolíferas, remeteu para a própria fundamentação da sentença de cujo enquadramento e solução perfilhados entende decorrer a desnecessidade de tais factos.

Quanto ao enriquecimento sem causa, admitindo, sem tal considerar líquido, que este tivesse sido abordado a propósito da reconvenção, observa que esta não foi admitida e que, de todo o modo, a vantagem a que se referira ao alegar a diferença entre quantidades de combustível pagas às petrolíferas e quantidades de combustível debitadas à ré resultantes da aplicação (por aquelas) e da não aplicação (a esta) das tabelas de correcção, foi isso apreciado na sentença nesta se concluindo que, nas relações entre ambas, nada obrigava a autora a aplicá-las, o que exclui qualquer hipotético enriquecimento.

Ainda quanto ao abuso de direito, enfatizou que o tribunal a quo se pronunciou sobre isso como consta expressamente na sentença.

Ora, há que começar por desfazer um equívoco frequente.

No elenco do artº 615º, nº 1, CPC, não consta tipificada qualquer nulidade decorrente da insuficiência de matéria de facto.

A confusão (da apelante) advém normalmente de não se distinguir, com clareza, que a sentença, hoje, comporta duas decisões que, antes, eram proferidas em peças e momentos processuais distintos: a decisão da matéria de facto e a decisão da matéria de direito.

Cada uma tem regimes de invalidade e de impugnação diversos.

As nulidades da sentença estão, típica e taxativamente, previstas no artº 615º, do CPC. Nenhuma destas se refere à decisão da matéria de facto naquela contida.

A possibilidade de anulação da decisão da matéria de facto decorre, apenas, da alínea c), do nº 2, e da alínea b), do nº 3, do artº 662º, CPC.

A omissão da decisão de factos (de pronúncia sobre factos) que porventura fossem relevantes para a boa decisão da causa, segundo as suas possíveis soluções, poderia implicar uma necessidade de ampliação e, caso nos autos não existissem elementos capazes de a permitir, uma anulação da decisão da matéria de facto e repetição do julgamento, como decorre dos nºs 2, alínea c), e 3, alínea c), do artº 662º.

Tal omissão, contudo, nada tem a ver com pronúncia sobre questões que devam ser resolvidas nem, portanto, com a invalidade da sentença nos termos dos artºs 608º e 615º, nº 1, alínea d), CPC. [6]

A eventual insuficiência de matéria de facto não integra pois o alegado fundamento de nulidade da sentença.

De resto, no caso – adianta-se já – , ela não existe, pois, como contrapõe a recorrida, resulta da sentença e é certo, mesmo a demonstrar-se que a autora recebeu das petrolíferas os combustíveis fornecidos à ré por um preço menor (resultante do reflexo no mesmo da aludida correcção do volume da carga), nada, contratual e legalmente, a legitima, pelas razões ali ditas, a exigir-lhe semelhante correcção e, portanto, a ser compensada de qualquer diferença.

Como diz o tribunal a quo:

“Não está em causa, nos autos, a entrega, em si, do combustível vendido; mas antes a obrigação de pagamento do preço a cargo da ré, na medida em que esta excepciona a compensação do crédito reclamado com um débito da autora; débito este proveniente da diferença entre as quantidades de combustível que a própria pagou às petrolíferas e as quantidades de combustível que debitou à ré.
[..]
Efectivamente, a ré sustenta que a autora comprou os combustíveis às petrolíferas, beneficiando de uma tabela de conversão para uma temperatura de referência a 15ºC – à semelhança do que sucede no cálculo das taxas de tributação dos produtos petrolíferos – mas vendeu-os aos seus clientes; entre eles, à ré, à temperatura observada; locupletando-se com a diferença.
Conclui, perante isto, que aquela diferença, que calculou em € 12.179,86, conforme nota de débito que emitiu, em 15 de Setembro de 2010, relativa à diferença de litros facturados sem correcção às diferenças de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008, extingue, por compensação, o crédito reclamado pela autora.
Resulta, por conseguinte, claro, da posição assumida pela ré que a sua pretensão é a de que lhe seja aplicada, nas relações negociais estabelecidas com a autora, a mesma taxa de conversão utilizada nas relações negociais entre a autora e as petrolíferas.
A questão dos autos não se confunde, por isso, com aqueloutra de saber se, por força da volatilidade dos produtos combustíveis, a temperatura a que são transaccionados interfere, ou não, na quantidade entregue ou disponibilizada.
A ré não diz, de facto, que, relativamente à compra e venda traduzida, contabilisticamente, na factura n.º 800009, de 21 de Novembro de 2008, lhe foi entregue quantidade inferior de combustíveis do que aquela que lhe foi facturada, por força de qualquer diferença de temperatura entre o carregamento e o descarregamento.
Nem a factualidade apurada permitiria concluir nesse sentido.
O que a ré diz, essencialmente, é que a autora comprou aquele combustível às petrolíferas beneficiando da tabela de conversão dos produtos a uma temperatura de 15ºC e não usou do mesmo critério relativamente aos seus clientes, entregando e facturando o combustível à temperatura observada e locuplentando-se com a diferença.
A factualidade apurada, conforme decorre do seu elenco, não permite confirmar os factos alegados.
Aliás, nem sequer se alegou em concreto, ou demonstrou, relativamente às quantidades fornecidas, a que preço as comprou a autora, que até sustenta que, relativamente às petrolíferas … e …, não foi aplicada qualquer tabela de conversão, sendo sempre transacionados os produtos à taxa observada. Apenas relativamente à Y, num período que se procedeu a vendas em suspensão, foi aplicada aquela tabela de conversão, para efeitos fiscais.
Mais, ainda, os factos alegados e demonstrados nos autos nada permitem saber quanto ao modo de formação do preço acordado entre autora e ré; designadamente saber se, nas quantidades compradas mediante a aplicação da dita tabela de conversão, o preço de revenda sofreu alteração/repercussão.
Todavia, ainda que assim não fosse, e se tivesse apurado que, em determinados fornecimentos à ré, ou até em todos os fornecimentos à ré, a autora negociara com as petrolíferas a aplicação de tabelas de conversão, a conclusão não seria outra.
Sempre ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, nas relações negociais estabelecidas entre a autora e a ré vale o acordo estabelecido entre elas, de acordo com o princípio da liberdade contratual (cfr. artigo 405.º do CC), limitado pelas normas legais imperativas e pelo princípio da boa fé (cfr. artigo 227.º do CC).

No caso dos autos, é linear que não existiu acordo entre as partes relativamente à aplicação da sobredita tabela de conversão. Nem a sua aplicabilidade, nas relações comerciais entre empresas, resulta imposta pela lei.
É certo que, de acordo com o artigo 91.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo DL n.º 73/2010, de 21 de Julho, a unidade tributável dos produtos petrolíferos é, em regra, calculada por conversão de 1.000 l à temperatura de 15ºC.
Mas este critério é aplicado nas relações entre o Estado e os sujeitos passivos do imposto, designadamente a ré, que também dele beneficia; o que não significa que dali se retire a sua aplicabilidade às relações entre a ré e a autora.
E, por conseguinte, inexistindo qualquer excepção à obrigação de pagamento do preço, frustra-se a pretensão da ré em ver compensado o crédito peticionado pela autora.
Como se disse a factualidade apurada não permite concluir que, relativamente aos combustíveis vendidos à ré, a autora beneficiou, junto das petrolíferas da aplicação de tabelas de conversão a 15ºC.”

Como, entre tantos outros que se podem ler sobre o tema, resume o Acórdão do STJ, de 3-10-2017 [7]:

“II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.”

Refere a apelante, tão singelamente na 16ª conclusão quanto nas alegações, que “A sentença igualmente não se pronunciou acerca do enriquecimento sem causa ou do abuso de direito ambos invocados pela ré em sede de oposição”.

Porém, tal não é verdade, como responde a apelada.

Mesmo a entender-se que, para sustentar o pretenso crédito, ao alegar que aquela por virtude das referidas diferenças no volume do combustível adquirido e pago por força da tabela de correcção, a apelante obteve um ganho (cfr. o alegado nos itens 26, 30, 31, 38, 41, 45, 54 e 55), o certo é que a sentença se pronunciou sobre isso e fundamentadamente concluiu e decidiu não resultar daí qualquer empobrecimento para a apelada, uma vez que nada se demonstrou no sentido de que, no volume e preços facturados, devesse reflectir-se aquele, isto é, que esta, na relação contratual com a apelante, devesse utilizar os mesmos critérios com que negociou com as petrolíferas e lhes adquiriu os combustíveis, nem que, por outro lado, tenha violado os termos que entre si acordaram. Tão pouco resultou apurado que efectivamente a apelada obteve os ditos benefícios das suas fornecedoras.

De resto, quanto ao abuso de direito, acrescentou-se na sentença:

“De todo o modo, ainda que assim fosse, e mais uma vez ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, não se lograria daí retirar violação do princípio da boa-fé na contratação com a ré, nem abuso de direito; pois que, tal como nas relações com os seus clientes, a autora negoceia livremente, junto das petrolíferas, o preço de aquisição dos combustíveis, salvaguardadas que fiquem as normas imperativas e regulamentos estaduais na matéria (que não estão em causa nos autos).
Do mesmo modo que a ré, beneficiando ou não de qualquer tabela de conversão na compra, fixa o preço ao consumidor final.
A não ser assim, perguntar-se-ia se a ré também ficaria obrigada a, junto dos seus consumidores, fazer repercutir, no preço final, a aplicação da tabela de conversão à temperatura de 15ºC.”.

Não ocorrendo, pois, tais omissões, também por aí se concluiu que a sentença não é nula nos termos da referida alínea d), do nº 1, do artº 615º.

Matéria de facto

Começando por referir que “a decisão aqui proferida não traduz uma apreciação rigorosa, crítica e analítica dos depoimentos prestados em audiência, tendo em conta os demais meios de prova produzidos”, a recorrente, impugnou a decisão proferida quanto ao ponto provado 2 – entrega do combustível aludido na factura e no valor nesta mencionado –, dizendo que impugnou tal matéria no item 3º da oposição mas que o tribunal considerou-o como admitido e sem qualquer fundamentação.

Impugnou também a decisão quanto aos pontos de facto julgados não provados nas alíneas A), B), C) e D), sustentando que eles resultaram provados, pelo diversos meios que indica e que, quanto a depoimentos orais, longamente transcreve, concluindo que “pelas razões expostas, a decisão da matéria de facto deveria ter sido a seguinte:

1. A requerente é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social consiste no comércio por grosso e a retalho de combustíveis líquidos, gasosos, produtos derivados e lubrificantes, bem como, no exercício de qualquer actividade industrial e ou comercial que directa ou indirectamente se relacione com aqueles, nomeadamente a exploração de lojas, restaurantes, snack-bar, mini-mercado, lojas de conveniência e estabelecimentos hoteleiros, no âmbito ou não dos seus postos de abastecimento e áreas de serviço.
2. No exercício das respectivas actividades comerciais, a autora entregou à ré, e esta recebeu, combustível em quantidade não determinada, tendo sido emitida a factura n.º 800009, de 21 de Novembro de 2008, no montante de € 33.630,64 (trinta e três mil, seiscentos e trinta euros e sessenta e quatro cêntimos).
3. Desse montante, a ré satisfez a quantia de € 21.450,78 (vinte e um mil, quatrocentos e cinquenta euros, setenta e oito cêntimos).
4. Em 15 de Setembro de 2010, a ré emitiu a nota de débito, no montante de € 12.179,86, relativa à diferença de litros facturados sem correcção às diferenças de temperatura (TO vs 15.ºC), no período compreendido entre 1 de Julho de 2008 e 4 de Setembro de 2008.
5. O combustível entregue à ré pela autora foi por esta adquirido às petrolíferas nas refinarias ou nas instalações de armazenagem; locais onde a ré efectuava os seus carregamentos.
6. Nos locais de carregamento são emitidas pelas petrolíferas guias de remessa, de entrega e notas de carregamento, nas quais são discriminadas a hora, a requisição, o veículo, o cartão do veículo, o produto, a densidade, as temperaturas e as quantidades do produto.
7. Na nota de carregamento são discriminados os produtos, o volume TO, a TO e a densidade 15ºC.
8. De acordo com a nota de carregamento emitida pela Y, em 19 de Agosto de 2019, foram carregados 7.002 litros de gasolina 95 e 25.003 litros de gasóleo, quantidades essas obtidas à temperatura observada de 21,9º C e 25,4º C, respetivamente.
9. Da guia de entrega constam as quantidades do combustível obtidas de acordo com a aplicação das tabelas de conversão para a temperatura de referencia de 15º C, resultando as seguintes quantidades:
a) 6.944 litros de gasolina 95 e
b) 24.776 litros de gasóleo.
10.À Autora foram debitados, pela Y, 6.944 litros de gasolina 95 e 24.776 litros de gasóleo, quantidades estas que serviram ainda para liquidação dos impostos.
11. Por sua vez, a Autora debitou à Ré 7.002 litros de gasolina 95 e 25.003 litros de gasóleo, tal como se constata da fatura nº 200804719, de 19/08/2008.” [8]

A recorrida, quanto ao ponto provado 2, respondeu que a posição adoptada pela recorrente no seu articulado de oposição só aparentemente é uma impugnação, uma vez que a tese dela, tanto naquele como ao longo de toda a discussão, passa apenas pela alegação de que a medida, ao descarregar, das quantidades de combustível que lhe foram entregues não foi alvo de correcção pela aplicação da tabela ao contrário do que teria sucedido sempre quando o mesmo combustível era carregado nas petrolíferas fornecedoras. Nunca ela pôs em causa a entrega efectiva do combustível vendido, mormente o referido na factura aqui em causa.

Ora, os pontos do requerimento inicial respeitantes à venda e à factura (II a IV) foram tabelarmente impugnados no item 36 da oposição, assim como o foram aparentemente nos itens 3 e 29 nos quais a ré alegou que os preços debitados reportam-se às quantidades referida nas facturas e não às quantidades efectivamente fornecidas e recebidas, que não teriam sido entregues.

“Os preços indicados no quadro anterior, nele se incluindo a fatura cujo pagamento é reclamado na presente ação, reportam-se às quantidades e valores faturados pela Autora e constantes das enunciadas faturas, cujo teor desde já se dá aqui por integralmente reproduzido, e não às quantidades efetivamente fornecidas pela Autora à Ré e por esta efetivamente recebidas, não obstante a Ré ter pago as mesmas na sua totalidade à Autora” (item 3º).

“A Autora fez, pois, constar das faturas emitidas à Ré quantidades de combustível não reais, que não entregou à Ré e que nem sequer adquiriu às petrolíferas, suas fornecedoras.” (item 29).

Acontece, porém, que, como a recorrida bem salienta e resulta claro não só de todo o demais articulado como das posições assumidas ao longo dos autos e inclusivamente neste recurso, em bom rigor nunca a recorrente questionou que em qualquer carga de combustível, designadamente na respeitante à factura aqui reclamada, houvesse qualquer diferença por falta, perda ou outro qualquer desvio de produto. As cargas recebidas pelo transportador na refinaria eram exactamente as cargas entregues à ré e a esta facturadas. O produto era o mesmo.

Simplesmente, tratando-se de combustíveis, a variação de temperaturas repercute-se significativamente no seu volume, expandindo-se este com as mais altas e contraindo-se com as mais baixas.

Por isso a quantidade medida no carregamento pode não coincidir com a quantidade medida no descarregamento se de um local para o outro a temperatura ambiente variar numa amplitude capaz de fisicamente provocar o aumento ou diminuição do volume e, consequentemente, da respectiva medida.

O que a recorrente defendeu e persiste em defender é que, supondo ter recebido nas suas instalações o combustível à mesma temperatura em que ele foi carregado e medido na refinaria, deveria esta medida ser também corrigida pela autora ao facturar-lho segundo a tabela e para a temperatura de referência de 15º (supostamente inferior à real observada em ambos os locais), assim como alegadamente as refinarias sempre àquela teriam feito na facturação de todos os carregamentos, ao longo da relação comercial que mantiveram.

Implicando tal correcção um abaixamento, em relação ao volume medido, do volume facturado à autora, daí adviria um benefício proporcional no preço que esta usufruía e pagava mas que não partilhava com a ré, uma vez que, ao vender-lhe a mesma carga de produto, lha facturava segundo o volume medido pelo mesmo critério de medição utilizado no momento do carregamento.

O produto era, no entanto, o mesmo. Não consta que qualquer porção dele não tivesse sido carregado, desaparecesse entretanto ou se evaporasse até ser entregue à ré.

Como se salienta na sentença, “A ré não diz, de facto, que, relativamente à compra e venda traduzida, contabilisticamente, na factura nº 800009, de 21 de Novembro de 2008 [a aqui em causa], lhe foi entregue quantidade inferior de combustíveis do que aquela que lhe foi facturada…”, “O que a ré diz, essencialmente, é que a autora comprou aquele combustível às petrolíferas beneficiando da tabela de conversão dos produtos a uma temperatura de 15º e não usou do mesmo critério relativamente aos seus clientes, entregando e facturando o combustível à temperatura observada …”.

Não houve, pois, impugnação da quantidade de produto vendida (tal como medida), entregue e facturada. Apenas defende a recorrente que essa mesma quantidade devia ser corrigida segundo a tabela e pela temperatura de referência de 15º, o que a ter sucedido, resultaria matematicamente em menor volume e logo em menor preço.

É, na verdade, o que resulta dos itens 4 a 38 da oposição e, ainda, 41º e 45º.

Por isso, na motivação o tribunal a quo se prevaleceu do acordo das partes, mormente quanto à “emissão e teor da factura junta” e “da qual se retiram os termos da compra e venda de combustíveis”, sem deixar de referir ter-se estribado também na demais prova documental e oral produzida e que, na verdade, analisada até pelos simples extractos transcritos pelas partes, corrobora tal entendimento.

Não tendo a recorrente invocado qualquer outro fundamento de impugnação do referido ponto provado 2 e não procedendo os seus argumentos, deve o mesmo manter-se e, nesta parte em que se pretende a sua alteração para “quantidade não determinada”, não se atender ao recurso.

No concerne aos pontos não provados das alíneas A), B), C) e D), alegados nos itens 21 a 26 do articulado de oposição como mero exemplo do procedimento que a ré imputa à autora como tendo sido o por ela seguido durante toda a relação entre ambas desenvolvida no decurso dos anos de 2007 e 2008 em todos os fornecimentos e de que derivaria o benefício dela e correspondente prejuízo seu, melhor desfecho não poderá ter a pretensão recursiva de que todos sejam julgados provados.

Em primeiro lugar, em face do enquadramento jurídico pelo tribunal a quo dado à questão e no qual avulta o entendimento – no fundo não questionado e ao qual aderimos – de que a pretensão da recorrente em ver-lhe aplicados pela recorrida os mesmos critérios que terão sido alegadamente utilizados pelas petrolíferas em todos os fornecimentos de combustível (correcção dos volumes medidos à temperatura observada para os corrigidos em função da tabela para 15º) e em compensar o valor que alegadamente daí resultaria como crédito a seu favor, não tem base contratual nem legal, logo é de concluir pela inocuidade de tal matéria de facto.

Tanto mais que ela se reporta a um mero exemplo retirado a partir de uma invocada nota de carregamento de 19-08-2008 e que, por si só, não pode transpor-se para todos os fornecimentos ocorridos ao longo dos dois anos que durou a relação comercial e de cujo conjunto a apelante diz ter apurado o crédito a compensar (igual ao capital pedido).

Ora, como ainda recentemente decidimos e justificámos “A impugnação da matéria de facto que verse sobre pontos cujo resultado para o apelante seja inócuo deve ser recusada e não conhecida”. [9]

Em segundo lugar, como se refere na motivação da sentença e salienta a apelada, a decisão resultou da “falta absoluta de prova produzida no sentido alegado; desde logo, ante a não junção aos autos das notas de carregamento, guias de remessa e fatura em questão; documentos que apresentariam idoneidade e força probatória bastante para a demonstração dos factos em questão”.

Efectivamente, mal se compreende que, tratando o exemplo alegado de notas de carregamento, de guias de remessa e de facturas – portanto de documentos – pela ré ditas como analisadas, correlacionadas e com cujo resultado pretendeu mostrar as diferenças em que se baseia, é estranho e compromete irreversivelmente a credibilidade da sua tese não ter juntado – apesar de ter protestado expressamente fazê-lo no final do seu articulado de oposição –, nenhuma, como podia e devia, nem sequer daquelas que necessariamente haveriam de ter estado ao seu alcance e ser do seu conhecimento para alegar o que alegou.

Em terceiro lugar, e ao contrário do que alega a recorrente – que também não explica como e em que medida eles lhe possibilitaram tal conclusão –, não é certo que os documentos contabilísticos juntos pela autora “demonstram inequivocamente a veracidade de tais factos” mencionados nas referidas alíneas.

Em quarto lugar, o teor do depoimento de parte do legal representante da autora, das declarações de parte do da ré e das testemunhas J. A. e A. M. – mesmo olhando às parcelas transcritas pela recorrente – não permitem concluir que, no caso exemplificado e em todos os demais, as coisas se passaram como refere, ignorando-se e não sendo eles capazes de mostrar e convencer, todas as circunstâncias relativas às quantidades carregadas e descarregadas, circunstâncias (nomeadamente atmosféricas) em que foram medidas aquelas e estas, relação e coincidência precisas entre encomendas/cargas das petrolíferas para a autora e desta para a ré e respectivos reflexos na facturação, mormente se as correcções que, relativamente às primeiras teriam sido feitas, o eram caso a caso, tanto durante o verão como no inverno, ou anuais e, na primeira hipótese, se o foram no carregamento de 19-08-2008.

O próprio legal representante da ré se limitou a argumentar com o que a “legislação” permite em termos fiscais em face do condicionamento dos volumes de combustível pelas temperaturas ambiente em que são carregados e a verbalizar o caso exemplificado mas – repete-se – sem sequer dele haver qualquer documento de suporte e que credibilize o que disse. Aliás, na linha da oposição insistiu que o que pretende a sua representada é o “cumprimento das exigências legais”, a nenhuma outra se referindo senão às de natureza fiscal, pretensão que, aliás, terá sido motivada, no dizer da testemunha A. M., por a ré ter tomado conhecimento que “uma das companhias, nomeadamente a Y, corrigia as temperaturas de cargas” o que não era feito nas entregas, mas sem sequer referir se era assim e em todas as outras demais fornecedoras, sendo certo que o próprio legal representante da autora admitiu isso mas por específicas razões fiscais, mormente decorrentes das importações de combustível de Espanha.

Em quinto e último lugar, muito embora, a propósito do depoimento do legal representante da autora, a recorrente diga que ele confessou o alegado modo de proceder desta e que, quanto ao do da recorrida, ele depôs de forma clara, objectiva e precisa, com conhecimento dos factos, a verdade é que, das transcrições apresentadas, tal confissão dos pontos questionados não resulta – muito menos confessada, caso em que deveria ter sido, mas não foi, assente na acta de audiência – nem que outras ilações possam e devam ser tiradas no sentido de se considerar demonstrada a matéria das alíneas impugnadas, sendo que ela própria tal não aponta concretamente em qualquer delas.

O mesmo sucede quanto às duas testemunhas, cujo depoimento, ao contrário do alegado, não “permitiu comprovar e explicar os factos que a recorrente considera terem ficado provados”, apesar de, quanto à primeira, dizer que “depôs de modo claro, desinteressado e demonstrando conhecimento directo dos factos”, sendo que a transcrição pela recorrida apresentada de parte do da segunda contribui para afastar a tese da recorrente.

Conclui-se, pois, em face do exposto, que a decisão da matéria de facto não enferma de erro de julgamento derivado da indevida apreciação e valoração das provas indicadas e que mereça ser corrigido, pelo que é de manter e, portanto, de julgar improcedente o recurso também nesta parte.

Conquanto, ainda, a recorrente, na sua última conclusão, aluda a que “mesmo dada como provada tal factualidade, a mesma era insuficiente para o tribunal proferir sentença a decidir o objecto do litígio, pois não conheceu da matéria de facto essencial para o efeito”, o certo é que nem aí nem nas alegações se vislumbra a que outra matéria mais terá querido referir-se nem, tão pouco, por que razão considera que a matéria julgada como provada não bastava para ter sido, como foi, proferida a decisão condenatória.

Se porventura teve em mente os pontos mencionados supra referidos a propósito da invocada falta de pronúncia e consequente nulidade da sentença respeitante, o certo é que, como observou o tribunal recorrido, eles se referem tão só ao mero enquadramento global de toda a relação comercial ao longo dos dois anos e à argumentação tecida em torno da defesa da sua tese segundo a qual deveria ser-lhe aplicada em cada factura/fornecimento a correcção da aludida tabela, tal matéria é irrelevante para o caso concreto.

Matéria de Direito

Para além da impugnação da decisão de facto, no fundo nenhuma questão de direito invoca a apelante como fundamento para revogação da sentença (que reputou principalmente de nula).

Com efeito, a não ser para pretensamente fundamentar a sua nulidade derivada das alegadas oposição e omissão de pronúncia, nenhuma alusão mais fez a recorrente no sentido de afastar a sua afirmada responsabilidade pelo pagamento do valor restante da factura pedida e de convencer que, pelo contrário, qualquer dos demais fundamentos ali apreciados, designadamente o abuso de direito ou o enriquecimento sem causa, deveriam merecer procedência.

É certo que o artº 91º, do Decreto-Lei nº 73/2010, de 21 de Junho (Código dos Impostos Especiais Sobre o Consumo), estabelece:

“1 - A unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos é de 1000 l convertidos para a temperatura de referência de 15ºC, salvo o disposto nos números seguintes.
2 - Para os produtos petrolíferos e energéticos classificados pelo código NC 2711, com exceção do gás natural, e pelos códigos NC 2701, 2702, 2704, 2710 19 51 a 2710 19 69, 2710 19 81 a 2710 19 99, 2712, 2713, 2714, 3403, 3811 21 00, 3811 29 00 e 3817, a unidade tributável é de 1000 kg.
3 - Para os produtos petrolíferos e energéticos classificados pelo código NC 3811 90 00, a unidade tributável é a dos produtos petrolíferos e energéticos nos quais se destinam a ser incorporados.
4 - A unidade tributável do gás natural é o gigajoule.
5 - A unidade tributável da electricidade é o MWh.”

Trata-se da base tributável a considerar nas transacções de tais produtos e que, portanto, regula a relação jurídica fiscal entre os sujeitos passivos e o Estado. Não a relação jurídica comercial e privada entre os sujeitos particulares.

Nada legitima, legal ou contratualmente, como se disse na sentença, que a recorrente pretenda beneficiar do mesmo critério ali plasmado.

Nem se demonstrou sequer que as coisas assim tenham acontecido no caso exemplificado e nos demais ao longo do referido período.

De resto, é pertinente, no sentido de retirar qualquer fundamento razoável à pretensão da ré, a pergunta com que termina a sentença recorrida. Com efeito, mesmo que se demonstrasse – o que não sucedeu – que a autora em todas as aquisições de produto fornecido à ré beneficiou da aplicação da tabela de conversão, “perguntar-se-ia se a ré também ficaria obrigada a, junto dos seus consumidores, fazer repercutir, no preço final, a aplicação da tabela de conversão”.

É que não consta que tal alguma vez tenha sucedido ou seja praticável na venda ao público de combustíveis, conforme ela ocorra no pino de verão tórrido ou no auge de inverno gelado!

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 23 de Abril de 2020

Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores:

Relator: José Fernando Cardoso Amaral

Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Eduardo José Oliveira Azevedo


1. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anotado, 5º, página 141.
2. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 686.
3. Antunes Varela, idem, páginas 689 e 690.
4. Processo nº 660/1999.P1.S1, relatado pelo Consº Álvaro Rodrigues (corrigiu-se o manifesto lapso de referência à alínea d), no ponto I, uma vez que mesmo no domínio do artº 668º do anterior Código era a alínea c)).
5. Processo 781/11.6TBMTJ.L1.S1 (Consª Fernanda Isabel Silva).
6. Sobre isto e mais desenvolvidamente podem ver-se, v.g., os Acórdãos desta Relação de 30-03-2017, processo nº 6225/13.1TBBRG.G1, de 20-04-2017, processo nº 300/15.5T8VPA.G1, e de 10-10-2019, processo nº 555/18.3T8PTL.G1.
7. Processo nº 2200/16.6TVLSB.P1.S1.
8. A negrito salientámos as alterações pretendidas.
9. Acórdão da Relação de Guimarães, de 06-02-2020, processo nº 861/18.7FAF.G1.