Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1441/16.7T8VRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
REQUISITOS
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
MÉDICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Tendo a relação contratual em causa tido o seu início na vigência do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, posteriormente alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, alteração que entrou em vigor em 25 de Março de 2006, mas antes da publicação e, consequentemente, da entrada em vigor em 13/02/2009 do Código do Trabalho revisto, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02 e sendo certo que a sua cessação ocorreu já na vigência do Código do Trabalho revisto, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico-laboral que vigorava, Código do Trabalho de 2003, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, designadamente a presunção estatuída no seu art. 12.º.

II – Não tendo o Autor demonstrado que estivesse sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, designadamente sujeito ao dever de obediência, ao controlo da pontualidade e à possibilidade da ré exercer o poder disciplina sobre si e provando-se o autor não estava sujeito a qualquer horário de trabalho e interessando apenas à Ré que fosse prestada assistência médica aos seus utentes três vezes por semana, três horas em cada dia e ocasionalmente num outro dia. Acrescendo ainda o facto de ser o Autor, quem no final de cada mês apresentava à Ré o recibo equivalente ao exercício da actividade por conta própria com indicação das horas prestadas e das suas ausências, que ele próprio contabilizava e cujos montantes lhe eram liquidados pela Ré.

III - Tudo isto evidencia que à Ré apenas interessava o resultado da actividade, prestada pelo Autor e é revelador, mormente, em face do comportamento assumido pelo autor ao longo dos anos, que a vontade negocial das partes foi no sentido de que a prestação do autor ficasse sujeita ao regime do contrato de prestação de serviço, sendo certo que da matéria de facto dada como provada, devidamente ponderada na sua globalidade, não resulta que a execução do contrato se tenha efectivamente processado noutro regime que não aquele, ou seja os factos não nos permitem concluir que o autor prestou a sua actividade à Ré em regime de subordinação jurídica.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE: A. S..
APELADO: ISCM
Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real -J1

I – RELATÓRIO

A. S., residente na Rua …, Vila Nova de Gaia, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra ISCM, com sede na Rua … em Alijó, pedindo que:

a) se reconheça que entre Autor e a Ré vigorou, entre 1 de Outubro de 2008 e 8 de Abril de 2016, um contrato de trabalho por tempo indeterminado;
b) se declare a ilicitude do despedimento de que foi alvo;
c) se condene a Ré a pagar-lhe
- o montante global de €42.991,64, correspondente aos créditos salariais vencidos até à data da cessação do contrato, acrescidos de juros de mora à taxa legal;
- uma indemnização em substituição da reintegração, decorrente da ilicitude do despedimento, a qual se cifra, até à data da propositura da acção, em €21,000,00;
- o montante de €5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
- os créditos laborais vencidos desde 30 dias antes da propositura da acção até essa data no valor de €2.187,50, acrescidos dos juros de mora à taxa legal;
- os créditos laborais que se vencerem na pendência da presente acção acrescidos dos respectivos juros de mora vincendos à taxa legal.
Realizada a audiência de partes não foi possível obter a conciliação das partes tendo a Ré, dentro do prazo legal, apresentado contestação, na qual alega que celebrou com um autor um contrato de prestação de serviços e conclui pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido e peticiona a condenação do autor como litigante de má-fé.
Prosseguiram os autos os seus regulares termos e por fim foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção improcedente por não provada e em consequência absolve-se a R. dos pedidos formulados pelo A.
Custas pelo A.
Registe e notifique.”
Inconformada com esta sentença, dela veio o Autor A. S. interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes:

CONCLUSÕES:
I. O presente recurso tem como objecto quer a decisão sobre a matéria de facto quer a decisão sobre matéria de direito.

Quanto à decisão sobre a matéria de facto:
II. Entende o Autor que, em face da prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas E. F., E. S. e P. R., deveria ter sido dada como provada a matéria de facto alegada nos artigos 19.º a 21.º, 51.º a 57.º e 76.º a 78.º da petição inicial - correspondente aos artigos 7.º, 13.º, 14.º, 15.º e 16.º dos temas de prova constantes do despacho saneador.
III. Estes factos resultam também, em parte da confissão feita em sede de audiência de discussão e julgamento pelo Provedor da Ré, e ainda das declarações de parte do Autor, as quais se apresentaram em consonância e conformidade quer com o depoimento das testemunhas acima referidas, quer com o depoimento de parte do Provedor da Ré Recorrida.
IV. Quanto aos demais depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré Recorrida, os mesmos revelaram-se comprometidos com a versão desta, porquanto são seus trabalhadores e receiam, como é normal, sofrer represálias ou outras sanções por parte da ISCM; não mereceriam, certamente, a credibilidade que a Meritíssima Juiz a quo lhes atribuiu ao nível da apreciação da matéria de facto e da posterior fundamentação da sentença, mal se compreendendo qual a razão pela qual não foram dados como provados os factos ora em causa.
V. Além disso, a Meritíssima Juiz a quo também fez uma errada apreciação da matéria de facto ao dar como provados os factos 17, 18 e 23 da decisão recorrida (os dois primeiros parcialmente correspondentes aos artigos 13.ºe 16.º dos temas de prova e o último coincidente com o artigo 22.º desses mesmos temas de prova), devendo ser retirado, da lista de factos provados, o facto 23 e alterada a redacção dos factos 17 e 18, em conformidade com a matéria de facto constante dos artigos 13.º a 16.º dos temas de prova.
Quanto à decisão sobre as questões de direito:
VI. A Meritíssima Juiz a quo fez, igualmente, uma incorrecta interpretação e aplicação do direito ao caso concretamente decidendo, descurando, em absoluto, os factos dados como provados na sentença recorrida, porque, em vez de declarar a existência de um contrato de trabalho e a ilicitude do despedimento do Recorrente, considerou que este celebrou com a Ré, aqui Recorrida, um contrato de prestação de serviços.
VII. O n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho elenca os índices de subordinação que, verificando-se, fazem presumir a existência de um contrato de trabalho, sendo certo que esta presunção é ilidível, admitindo prova em contrário, nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil.
VIII. No caso vertente, verifica-se que resultaram demonstradas as características resultaram provados factos subsumíveis aos índicios de presunção indicados nas alíneas a) [ser a actividade realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado], b) [pertencerem ao beneficiário da actividade os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados], c) [observância pelo prestador de actividade de horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma] e d) [pagamento, com determinada periodicidade, de quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma] do n.º 1 do referido artigo 12.º do Código do Trabalho, sendo certo que a Ré não logrou ilidir a presunção de laboralidade que das mesmas resulta.
IX.; X; XI; XII; XIII. (…)
XIV. O objecto da prestação do Autor era a actividade médica, mas também podemos concluir pelo afastamento da consideração que o objecto era o resultado dessa actividade: na verdade, a específica forma de remuneração acordada relacionava- se com o tempo de assistência aos utentes da Ré (pagamento de €1.750,00 como contrapartida do exercício das respectivas funções) , sendo certo que o Autor estava obrigado a cumprir um horário de trabalho, permanecendo na UCCI da Ré às segundas-feiras e quintas-feiras, ocasionalmente às sextas-feiras, durante três horas em cada dia, e no Lar de Idosos às terças -feiras, pelo mesmo período de três horas, acrescendo ainda que o mesmo teria de estar disponível durante um fim-de-semana por mês, bem como em todos os períodos nocturnos, para se deslocar, se necessário, às instalações da Ré.
XV a XXX (…)
XXXI. E, no caso em apreço, é indiferente que a retribuição tenha sido processada mediante a apresentação prévia de recibo ou de factura -recibo, bem como que, a partir de Agosto de 2011, o pagamento tenha sido efectuado directamente a duas comerciais constituídas pelo Autor e das quais era o único gerente.
XXXII. Dúvidas não existem de que esses pagamentos foram feitos como contrapartida do trabalho prestado pelo Autor, pelo que, rigorosa e objectivamente, constituíam a retribuição do mesmo, independentemente do sujeito jurídico que os facturava.
XXXIII. Contrariamente ao que refere a Meritíssima Juiz a quo na sentença recorrida, o facto de, a partir de Agosto de 2011, o pagamento dos €1.750,00 (mil, setecentos e cinquenta euros) mensais passar a ser feito às sociedades constituídas pelo Autor, não demonstra que terá cessado o vínculo laboral então existente.
XXXIV. Com efeito, não existiu qualquer alteração nos elementos essenciais da relação jurídico-laboral firmada em 1 de Outubro de 2008, apenas se verificando que a facturação passou a ser efectuada pelas aludidas sociedades comerciais, das quais o Autor era o único gerente, exercendo um controle efectivo sobre as mesmas.
XXXV. Tudo se passava, objectivamente, como se a retribuição continuasse a ser auferida pelo Autor.
XXXVI. Não podendo negar-se que o pagamento foi acordado numa quantia certa ajustada a um período temporal certo - €1.750,00 (mil, setecentos e cinquenta euros) por mês –, deverá considerar-se verificada a característica em causa, de funcionamento da presunção de laboralidade.
XXXVII a XLI (…)
XLII. Para sustentar o carácter autónomo da relação jurídica que vigorava entre o Autor e a Ré, a Meritíssima Juiz a quo socorre-se dos elementos documentais disponibilizados pela Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., designadamente na parte em que solicitou, em 17 de Novembro de 2010, "autorização para acumular funções em regime de trabalho autónomo" na Ré.
XLIII. Como quer que seja, mais importante do que a qualificação jurídica dada pelo Autor ao regime em que pretendia acumular funções, é o quadro concreto e o modo de execução dessas funções, os quais, nos termos acima expostos, se reconduzem à existência de uma típica relação laboral.
XLIV a LI (…)
LII. Resumindo e concluindo:

a) O Autor estava inserido na estrutura organizativa da Ré e realizou a sua prestação sob as orientações desta, designadamente do Director Clínico e da Directora Técnica;
b) O trabalho foi realizado nas instalações da Ré, respeitando um horário previamente definido;
c) O Autor foi retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade;
d) Os instrumentos de trabalho eram exclusivamente fornecidos pela Ré;
e) A prestação de trabalho foi executada, ininterruptamente, entre 1 de Outubro de 2008 e 8 de Abril de 2016.
LIII. E tais factos demonstram, cabalmente, que o contrato que vigorou entre 1 de Outubro de 2008 e 8 de Abril de 2016 foi um típico contrato de trabalho por tempo indeterminado, pelo que deverá ser totalmente revogada a sentença recorrida, mediante o reconhecimento desse negócio jurídico nos termos acima propugnados.
LIV. Tendo ficado provado, na sentença recorrida, que o Autor nunca recebeu qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias ou de subsídio de Natal, deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor os respectivos montantes, correspondentes ao trabalho prestado entre 1 de Outubro de 2008 e 8 de Abril de 2016.
LV. Por outro lado, sendo dada como provada a matéria de facto constante dos artigos 13.º, 14.º, 15.º e 16.º dos temas de prova constantes do despacho saneador (correspondentes aos artigos 51.º a 57.º e 76.º a 78.º da petição inicial) , ter-se-á sempre de concluir que o Autor foi vítima de um despedimento ilícito.
LVI. E é nestes termos que deve ser integralmente revogada a decisão recorrida, declarando-se a ilicitude do despedimento do Autor, efectuado pela Ré, com a condenação desta no pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração, das retribuições intercalares a que se refere o artigo 390.º, n.º 1, do Código do Trabalho e de uma indemnização por danos não patrimoniais.”
A Recorrida apresentou contra alegação pugnando pela improcedência do recurso com a consequente confirmação da sentença recorrida.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer de fls. 251 a 258, no sentido da total improcedência da apelação.
Não foi apresentada qualquer resposta ao douto parecer.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), as questões trazidas à apreciação deste Tribunal da Relação são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
- Da natureza do contrato celebrado entre as partes

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se como provados os seguintes factos:

· A R. é uma instituição particular de solidariedade social que abrange várias valências, entre elas a Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) e o Lar de Idosos.
· O A. remeteu à R., através dos seus mandatários carta datada de 14/04/2016 – cfr. doc. de fls. 56vº a 58.
· Através de ofício datado de 21/04/2016 o Provedor da R. comunicou ao A. que este esteve vinculado mediante contrato de prestação de serviços, respondendo à missiva acima indicada – cfr. doc. de fls. 58vº a 59.
· A R. nunca pagou ao A. quaisquer quantias a título de férias, subsídio de férias ou de Natal.
· O A. não se encontra inscrito junto dos serviços sociais competentes como trabalhador dependente da R.
· O A. encontra-se habilitado para o exercício das funções inerentes à categoria profissional de médico, tendo passado a exercer esta actividade também para a R. a partir de 01/10/2008.
· A R. solicitou os serviços do A., como médico, primeiro para exercer estas funções na UCCI, assistindo os utentes que ali se encontrassem e a partir de 2013, também para dar assistência aos idosos que se encontrassem na residência que constitui uma das valências da R.
· Entre 01/10/2008 e 08/04/2016 o A. exerceu ininterruptamente a sua actividade de médico de clínica geral nas instalações correspondentes à UCCI e ao Lar de Idosos da R.
· O A. prestou a sua actividade nas instalações da R., utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho da mesma, tendo todos os cuidados de medicina ministrados pelo demandante tido na sua base, materiais, recursos e meios previamente adquiridos pela R., disponibilizados ao A. em cada período de trabalho.
· Os produtos e substâncias ministrados pelo A. aos utentes da R. eram pertença desta, sendo previamente adquiridos pela demandada, bem como os materiais utilizados nos tratamentos ministrados pelo A.
· Sempre que o A. precisava de quaisquer instrumentos de trabalho, materiais, medicamentos e outras substâncias para o exercício da sua actividade, solicitava os mesmos à R. que os adquiria.
· De 01/10/2008 a 08/04/2016 o A. exercia as suas funções às 2ªs e 5ª feiras e ocasionalmente às 6ªs feiras no UCCI (3 horas em cada dia) e às 3ªs feiras no Lar de Idosos, pelo mesmo período (3 horas).
· Ficou ainda convencionado entre as partes, que para além do supra indicado horário de trabalho, o A. teria de estar disponível durante um fim-de-semana por mês, bem como em todos os períodos nocturnos para se deslocar, se necessário, às instalações da R.
· O A. e a R. convencionaram que o A. auferia como contrapartida do exercício das suas funções a retribuição mensal ilíquida de € 1.750,00.
· No final de cada mês o A. apresentava à R., primeiro o recibo equivalente ao exercício da actividade por conta própria e a partir de Agosto de 2011 factura/recibo, com a indicação das horas prestadas e das suas ausências, que ele próprio contabilizava e cujos montantes eram posteriormente liquidados pela R., na maioria das vezes através de transferência bancária.
· A R. exigia que esse pagamento fosse precedido de emissão pelo A. de recibos correspondentes ao Mod. 6, sendo que a partir de Agosto de 2011, as partes convencionaram que o pagamento da retribuição mensal fosse feita à empresa “A. S., Soc. Unipessoal, Lda.” de que o A. é o único sócio e gerente a partir de Abril de 2013 acordaram em que estes pagamentos seriam efectuados para a empresa “A. S., Lda.” de que o A. é sócio e gerente.
· Em inícios de Abril de 2016 o A. telefonou para a directora do Lar de Idosos da R., dizendo-lhe que iria ali desempenhar as suas funções da parte da tarde desse mesmo dia.
· Na ocasião indicada no ponto anterior o A. encontrava-se enervado.
· A R. celebrou com outros médicos (ou empresas por estes indicadas) contratos verbais de prestação de serviços, de forma a assegurar, em cada dia da semana, a visita dum médico na UCCI e uma vez por semana no Lar de Idosos.
· O A. nunca reclamou juntou da R. qualquer pagamento a título de férias, subsídio de férias e de Natal, nem a inscrição junto dos serviços sociais competentes.
· O A., para além da actividade prestada para a R., mantém há mais de 20 anos, contrato de trabalho com o SNS, como médico de família no Centro de Saúde, tendo celebrado contratos de prestação de serviços, em nome individual ou das pessoas colectivas acima referidas, com o CHTMAD.
· O A. nunca pediu qualquer autorização ao organismo competente, ARS Norte, para celebrar com a R. contrato de trabalho subordinado, tendo assumido com este organismo um compromisso de que o exercício da sua actividade privada, em regime de trabalho autónomo, não é incompatível com as suas funções públicas.
· O vínculo contratual que unia os aqui intervenientes cessou por vontade unilateral do A. comunicada à R. em inícios de Abril de 2016, na pessoa do seu Provedor e às directoras da UCCI e do Lar de Idosos.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da impugnação da matéria de facto.

Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A Recorrente nos pontos II) a V) das suas conclusões sustenta que a decisão proferida pela 1ª instância quanto à matéria de facto se revela de incorrecta, pois deveriam ter sido dados como provados os factos que constavam dos artigos 7.º, 13.º, 14.º, 15.º e 16.º dos temas de prova, devendo por isso com base nos depoimentos das testemunhas E. F., E. S. e P. R. e da confissão parcial feita pelo Provedor da Ré em sede de audiência de julgamento, proceder-se a alteração da matéria de facto. Mais sustenta a Recorrente que relativamente aos factos provados em 17.º e 18.º devem ser alterada a sua redação dela passando a constar o teor dos n.ºs 13 a 16 dos temas da prova e o facto dado como provado em 23.º deve ser retirado dos factos provados
Os factos que a Recorrente pretende que sejam dados como provados são os seguintes:

a) 7.ºA actividade do A. era fiscalizada pela R. e obedecia a instruções por esta emanadas cumprindo um horário de nove horas semanais e três horas diárias?”.
b) 13.º - “No dia 08/04/2016 o A. telefonou para a directora do Lar de Idosos da R. a qual lhe transmitiu que já não era mais médico da R. e que estava impedido de aceder às instalações desta?
c) 14.º. –“Na parte da tarde desse mesmo dia quando o A. se preparava para aceder às instalações da R., de forma a iniciar as suas funções no Lar de Idosos, foi impedido de ali entrar por dois trabalhadores da demandada, tendo a directora do mesmo Lar voltado a comunicar ao A. que nunca mais deveria ali aparecer e que iria chamar a GNR, para impedir a sua entrada nas instalações da R.?”
d) Artigo 15.º – “Alguns minutos mais tarde e já na presença da GNR, o Provedor da R. levantou o punho na direcção do A. e disse-lhe “És um incompetente; és o piorio dos médicos de Alijó; tens muito má fama em Alijó, estás de rastos”; tendo-lhe em seguida dito que estava dispensado e que não mais exerceria a respectiva actividade profissional nas instalações da demandada e que estava impedido de ali entrar”?
e) Artigo 16º- “O A. ficou nessa ocasião extremamente vexado, envergonhado e humilhado, apresentando um elevado estado de choque e nervosismo, tendo-se repercutido no seu dia-a-dia, além da perturbação psicológica causada, tornou-se uma pessoa transtornada e revoltada?”

Vejamos.
Em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.
O tribunal a quo deu tais factos como não provados ou provados restritivamente no que respeita aos artigos 13.º e 16.º com a seguinte fundamentação:
A divergência existente, quanto a este núcleo factual, prendia-se sobretudo com a autonomia no desempenho das funções e quanto à autoridade exercida pela R. sobre o A. Ora, a este propósito os depoimentos das testemunhas A. R., directora técnica da UCCI, J. R., director clínico da UCCI desde 2009 e M. P., directora da divisão administrativa e financeira da R. foram unânimes em retratar as funções do A. como autónomas, no sentido em que era o A. quem determinava os períodos em que iniciava e cessava as suas funções quer na UCCI, quer no Lar da R.; o A. exercia a sua actividade médica de forma livre e autónoma, prescrevendo medicamentos ou tratamentos adequados, ou procedendo do modo que entendesse mais conveniente tendo em vista o bem estar dos utentes servidos pela R. nestas valências, sob uma supervisão do director clínico no sentido de que este organizava o serviços dos vários médicos que ali prestavam serviço de forma a assegurar que todos os utentes eram visitados com a mesma periodicidade. Também quanto á questão remuneratória a última das testemunhas acima referida foi absolutamente peremptória no sentido de afirmar que apesar do demandante auferir uma retribuição fixa aos longo dos 12 meses do ano, era o próprio quem subtraía quaisquer valores referente à suas ausências e que a sua assiduidade e cumprimento dos períodos acordados nunca foi objecto de escrutínio por parte da R., que não possuía qualquer registo das mesmas, confiando absolutamente no que era mensalmente apresentado a pagamento pelo A. esta testemunha foi ainda categórica ao afirmar que ao longo dos anos em que exerceu a sua actividade para a R. o A. nunca reclamou qualquer pagamento a título de férias, subsídio de férias ou de Natal, que nunca lhe foram pagos, ou a inscrição nos competentes serviços sociais como trabalhador dependente da mesma.
Neste ponto salientam-se ainda os documentos de fls. 26 a 38, 43vº a 54, 96vº a 102vº, 106 vº a 112vº, 115 a 126 e 132 a 153, quanto às retribuições liquidadas pela R. e aos documentos de fls. 54vº a 56 quanto às constituições das pessoas colectivas pelo A.
(…)
Depois, há que atender a um segundo núcleo de factos que se prendem com o modo como cessou o vínculo contratual existente entre as partes. Neste aspecto o Tribunal formou a sua convicção no depoimento das testemunhas acima indicadas e ainda no depoimento de parte prestado pelo legal representante da R. que foi corroborado na íntegra pelos depoimentos das indicadas testemunhas e também das testemunhas A. C., I. M. e T. C., as quais confirmaram que tendo o A. declarado que não aceitava a alteração que a R. pretendia introduzir no modo como se tinha processado a sua actividade junto da demandada, nomeadamente, quanto à redução do tempo e da correspondente retribuição, foi o próprio quem entendeu fazer cessar as suas funções prestadas na R., tendo posteriormente pretendido retomá-las no que não foi aceite pela R. que entretanto havia já efectuado diligências no sentido de o substituir, uma vez que a assistência aos utentes tem sempre de ser assegurada.
Por seu turno, o A. apresentou duas testemunhas, E. F. e E. S., sendo que nenhuma destas testemunhas pôde confirmar o alegado pelo A., já que a primeira deslocou-se juntamente com o demandante quando este pretendeu retomar o seu serviço no Lar da R. e foi impedido de o fazer pelos funcionários que ali se encontravam, tendo permanecido no hall de entrada daquelas instalações, confirmando apenas que o A. estava nervoso, sem que tenha ouvido a conversa ali tida entre o A. e o Provedor da R., sem que tenha confirmado as expressões atribuídas pelo A. ao Provedor naquela ocasião. De igual modo a testemunha supra indicada em segundo lugar, acompanhou o A. numa deslocação UCCI onde este foi interpelado pela directora técnica, A. R., tendo em seguida o A. permanecido na instituição e a testemunha saído por ser estranha ao serviço.”
As únicas pessoas presentes na reunião, ocorrida em inícios de Abril de 2016, onde foi proposta a alteração das condições em que o A. exercia funções para a R., para além do próprio A., foram (mesmo nas declarações prestadas pelo demandante) o Provedor da R. e a directora da UCCI, A. R., não tendo o demandante apresentado qualquer meio de prova que pudesse infirmar o que aqueles intervenientes relataram ao Tribunal sobre o que ali sucedeu.”
Depois de termos analisado toda a prova produzida designadamente a testemunhal afigura-se-nos dizer que não vislumbramos qualquer razão para proceder à modificação da matéria de facto no que respeita a estes factos dados como não provados.
Com efeito, o Recorrente sustenta a sua pretensão no depoimento de parte do Provedor da Ré, afirmando que o mesmo confessou a factualidade vertida nos artigos 19 a 21 da p.i. que correspondem ao artigo 7.º dos temas de prova, bem como a maioria dos factos que constam dos artigos 51.º a 57.º da petição que correspondem aos artigos 13.º, 14.º e 15.º dos temas de prova.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, o legal representante da Ré não confessou tais factos, tal como resulta quer do seu depoimento, quer do teor da acta de audiência de julgamento onde foram dados por assentes de forma exaustiva e pormenorizada os factos relevantes de tal depoimento, sem que deles resultasse a pretendida confissão e sem que a assentada tivesse sido objecto de qualquer reclamação, em conformidade com o previsto n.ºs 2 e 3 do artigo 463.º do CPC.
Por outro lado, acresce dizer que o Recorrente confunde horário de trabalho com tempo de trabalho, sendo certo que o primeiro é o período que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana, ou seja é o quantum da prestação e o segundo é a determinação de horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, ou seja é o quando da prestação, distribuído pelas horas que compõem o período normal de trabalho ao longo do dia.
No caso dos autos, não foi produzida qualquer prova relativamente ao horário de trabalho, pois apenas se apurou o tempo de trabalho que o Autor se comprometeu a disponibilizar à Ré, ou seja as horas semanais que se comprometeu a prestar e prestou ao serviço da ISCM, tal como resulta da resposta positiva dada aos artigos 8.º e 9.º dos temas da prova.
Não se vislumbra assim que a Mmº Juiz a quo tivesse ignorado a realidade dos factos que o Recorrente pretendia que fossem dados como provados, o certo é que não logrou prová-los.
No que respeita aos factos referentes ao modo como cessou o vínculo contratual existente entre as partes, bem como aos constrangimentos sofridos pelo Autor em face do término da relação contratual a decisão proferida pelo tribunal a quo, não merece qualquer reparo.
Na verdade, para além das testemunhas arroladas pelo Autor, designadamente E. F. e E. S., não terem confirmado a versão dos factos, por si alegada, com excepção do estado de nervosismo do autor no dia em que foi impedido de desempenhar as suas funções, tal como é anotado pelo Tribunal a quo, o Autor não apresentou qualquer meio de prova que infirmasse os depoimentos dos intervenientes que relataram estes factos de forma credível e corroborando a versão dos factos relatados pelo legal representante da Ré.
Por outro lado, acresce dizer que objectivamente não se justifica atribuir muita credibilidade às declarações prestadas pelo próprio autor, que tendo em conta que é titular do interesse subjacente à acção prestou umas declarações quanto a estes factos que foram contraditadas por todos os inquiridos que tiveram participação nos mesmos ou revelaram deles ter conhecimento.
E não se diga agora, perante o facto do Autor não se ter logrado provar a sua versão dos factos, que os depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré se revelaram de comprometidos, por serem seus trabalhadores, sendo normal que receiam sofrer represálias ou outras sanções, não merecendo a credibilidade que lhes foi dada. Importa salientar que não houve uma única testemunha arrolada pelo autor que revelasse ter conhecimento dos factos que constam dos artigos 13.º a 16.º dos temas da prova, para além do que de forma restritiva foi dado como provado.
Por fim, impõe-se ainda dizer que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no n.º 5 do artigo 607º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396º do CC, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, excepto aquelas cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma percepção directa ou formal. Esta perceção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Em suma, tendo presente os mencionados princípios e sem esquecer que não está em causa proceder a um novo julgamento, mas apenas o exame da decisão da 1ª instância e respectivos fundamentos com a análise da prova gravada, teremos de concluir que quanto a estes concretos pontos de facto impugnados o tribunal a quo não cometeu qualquer erro na sua apreciação, tendo de forma precisa, exaustiva e pormenorizada fundamentado e motivado a decisão relativamente à matéria de facto.
É assim de manter inalterada a resposta à matéria de facto dada aos artigos 7.º, 13.º a 16.º dos temas da prova.
Sustenta ainda o Recorrente, que por a Mm.ª Juiz a quo ter feito uma errada apreciação da matéria de facto ao dar como provados os pontos de facto 17 e 18 da decisão recorrida (que correspondem parcialmente aos artigos 13.º e 16.º dos temas da prova) deve ser alterada a sua redacção em conformidade com a matéria de facto constante dos artigos 13.º a 16.º dos temas da prova e a referente ao ponto de facto 23 da decisão recorrida (coincidente com o artigo 22.º dos temas da prova) deve ser eliminado.

O art. 640.º do CPC. tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.“
Resulta do citado normativo que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
De harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 640º do C.P.C. no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
“a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) …”
A criação de um tal ónus de alegação a cargo do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do Dec. Lei nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Como se escreveu no Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Proc. n.º 1348/12.7TTBRG que incidiu sobre uma decisão deste Tribunal da Relação de Guimarães “cabe a quem recorre da matéria de facto, identificar o facto, que em concreto foi dado como provado (ou não provado) e que não deveria ter sido dado como tal, identificar a prova que apontava em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado.
Existe atualmente um inequívoco e exigente ónus de alegação por parte de quem recorre, que tem, desde logo de apresentar a resposta que considera correta, às questões de facto impugnadas”.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, pág. 158, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) …;
b) …;
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) …;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
(…) As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”
No que respeita aos pontos de facto que o Recorrente pretende que sejam dados como não provados ou alterada a sua redacção, não especificou na sua alegação os concretos meios probatórios, tais como documentos, depoimentos de testemunhas ou outros, que justificassem a alteração da decisão do tribunal a quo.
Na verdade, o Recorrente/Apelante limitou-se nas suas alegações e de forma conclusiva a afirmar que foi feita uma errada apreciação da matéria de facto, sem denunciar o erro da decisão recorrida, apenas afirmando que determinado facto deve ser alterado e um outro deve ser eliminado.
Se por um lado o Recorrente cumpriu com o ónus de impugnação da matéria de facto ao especificar estes pontos de facto que considera incorretamente julgados e ao indicar de alguma forma a decisão que no seu entender deveria ser proferida, dando assim cabal cumprimento ao disposto no artigo 640.º n.º 1 als. a) e c) do CPC. Por outro lado, no que respeita aos concretos meios probatórios, que impunham decisão diversa da recorrida, não cuidou de dar cabal cumprimento ao previsto no n.º 2, al. b), do art.º 640.º do CPC, pois insurge-se contra a decisão recorrida sem indicar os concretos meios probatórios que levariam à alteração da decisão da matéria e sem que faça qualquer apreciação crítica dos mesmos.
Ou seja, o Recorrente não alega, nem motiva a incorrecção da valoração da prova de forma a conduzir a uma outra decisão, nem formula qualquer análise critica com relevância em defesa da discordância quanto a essa parte da prova, que foi pelo Tribunal da 1ª instância avaliada de forma positiva.
Com efeito, o Recorrente nada concretiza (seja no corpo das alegações ou nas respetivas conclusões de recurso), designadamente no que respeita à análise critica dos meios de prova, considerados pelo tribunal a quo e que impunham uma decisão sobre aqueles factos dados como provados diversa daquela a que chegou o referido Tribunal, sendo por isso insuficiente a alusão a eventual/pretenso erro na apreciação desta especifica matéria de facto controvertida, por inadequada valoração de provas produzidas.
Em suma, não sido observado devidamente o ónus de impugnação, quer por falta de indicação do erro na apreciação da matéria de facto, quer por falta de indicação dos concretos meios probatórios que levariam à alteração da decisão da matéria de facto referente aos pontos 17,18 e 23, quer por falta da apreciação crítica dos meios de prova considerados na sentença, revela-se incumprida a condição de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto prevista no ns.º 1, al. b) e 2 al. a) do artigo 640º, do CPC, razão pela qual se rejeita a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente aos pontos de facto provados 17, 18 e 23 deduzida pelo Recorrente/Apelante.

Da natureza do contrato celebrado entre as partes

Mantendo-se inalterada a matéria de facto é com base no quadro factual fixado pelo tribunal a quo que se irá apreciar a questão de direito suscitada ou seja apurar se a relação contratual constituída entre o Autor e a ISCM era de trabalho subordinado ou, ao invés, de prestação de serviço.
Insurge-se a Recorrente relativamente ao facto do tribunal a quo não ter reconhecido que entre Autor e Ré vigorou entre 1 de Outubro de 2008 até 8 de Abril de 2016 um contrato de trabalho, que terminou com o despedimento ilícito do Autor da iniciativa do empregador, importando por isso proceder agora à qualificação da relação contratual ao abrigo da qual o Autor exerceu as suas funções de médico de clínica geral, nas instalações da Ré correspondentes UCCI e ao Lar de Idosos.
Há que ter presente que o contrato de trabalho é um negócio não formal, meramente consensual, sendo fundamental para proceder à operação de qualificação apreciar os factos apurados relativamente ao modo como se desenvolveu a prestação de trabalho do A. durante o período temporal em análise.

Resulta dos factos provados, que o autor:

· A R. nunca pagou ao A. quaisquer quantias a título de férias, subsídio de férias ou de Natal.
· O A. não se encontra inscrito junto dos serviços sociais competentes como trabalhador dependente da R.
· O A. encontra-se habilitado para o exercício das funções inerentes à categoria profissional de médico, tendo passado a exercer esta actividade também para a R. a partir de 01/10/2008.
· A R. solicitou os serviços do A., como médico, primeiro para exercer estas funções na UCCI, assistindo os utentes que ali se encontrassem e a partir de 2013, também para dar assistência aos idosos que se encontrassem na residência que constitui uma das valências da R.
· Entre 01/10/2008 e 08/04/2016 o A. exerceu ininterruptamente a sua actividade de médico de clínica geral nas instalações correspondentes à UCCI e ao Lar de Idosos da R.
· O A. prestou a sua actividade nas instalações da R., utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho da mesma, tendo todos os cuidados de medicina ministrados pelo demandante tido na sua base, materiais, recursos e meios previamente adquiridos pela R., disponibilizados ao A. em cada período de trabalho.
· Os produtos e substâncias ministrados pelo A. aos utentes da R. eram pertença desta, sendo previamente adquiridos pela demandada, bem como os materiais utilizados nos tratamentos ministrados pelo A.
· Sempre que o A. precisava de quaisquer instrumentos de trabalho, materiais, medicamentos e outras substâncias para o exercício da sua actividade, solicitava os mesmos à R. que os adquiria.
· De 01/10/2008 a 08/04/2016 o A. exercia as suas funções às 2ªs e 5ª feiras e ocasionalmente às 6ªs feiras no UCCI (3 horas em cada dia) e às 3ªs feiras no Lar de Idosos, pelo mesmo período (3 horas).
· Ficou ainda convencionado entre as partes, que para além do supra indicado horário de trabalho, o A. teria de estar disponível durante um fim-de-semana por mês, bem como em todos os períodos nocturnos para se deslocar, se necessário, às instalações da R.
· O A. e a R. convencionaram que o A. auferia como contrapartida do exercício das suas funções a retribuição mensal ilíquida de € 1.750,00.
· No final de cada mês o A. apresentava à R., primeiro o recibo equivalente ao exercício da actividade por conta própria e a partir de Agosto de 2011 factura/recibo, com a indicação das horas prestadas e das suas ausências, que ele próprio contabilizava e cujos montantes eram posteriormente liquidados pela R., na maioria das vezes através de transferência bancária.
· A R. exigia que esse pagamento fosse precedido de emissão pelo A. de recibos correspondentes ao Mod. 6, sendo que a partir de Agosto de 2011, as partes convencionaram que o pagamento da retribuição mensal fosse feita à empresa “A. S., Soc. Unipessoal, Lda.” de que o A. é o único sócio e gerente a partir de Abril de 2013 acordaram em que estes pagamentos seriam efectuados para a empresa “A. S., Lda.” de que o A. é sócio e gerente.
Está assim provado que a relação contratual entre as partes iniciou-se em 1 Outubro de 2008 e veio a terminar em 8 de Abril de 2016, mantendo-se inalterada ao longo dos anos, apenas se assinalando a vicissitude de a partir de Agosto de 2011 as partes terem convencionado que o pagamento da retribuição mensal fosse feita à empresa “A. S., Soc. Unipessoal, Lda.” de que o A. é o único sócio e gerente e a partir de Abril de 2013 acordaram em que estes pagamentos seriam efectuados para a empresa “A. S., Lda.” de que o A. é sócio e gerente.
Tudo isto para dizer que tendo a relação contratual tido o seu início na vigência do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, posteriormente alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, alteração que entrou em vigor em 25 de Março de 2006, mas antes da publicação e, consequentemente, da entrada em vigor em 13/02/2009 do Código do Trabalho revisto, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02 e sendo certo que a sua cessação ocorreu já na vigência do Código do Trabalho revisto, coloca-se desde logo a questão de saber se a qualificação do contrato deve ser aferida à luz do Código do Trabalho revisto ou se, pelo contrário, deve ser apreciada à face do regime jurídico-laboral que vigorava, Código do Trabalho de 2003.
A resposta encontra-se no n.º 1 do art.º 7.º Lei n.º 7/2009, de 12/02, que tal como o artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, estabelecem que, sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos artigos seguintes – que para o caso dos autos são irrelevantes –, o respectivo regime jurídico se aplicava aos contratos de trabalho e aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor dos sobreditos diplomas legais, “salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”.
Assim sendo e caso se venha a entender que a relação em apreço nos autos é de trabalho subordinado, passou a estar sujeita ao Código do Trabalho revisto, após a data em que este entrou vigor.
Contudo no que diz respeito à apreciação da natureza do vínculo contratual ou seja à sua eventual qualificação como contrato de trabalho, o regime legal a aplicável já não será o contido no Código do Trabalho revisto constante do Código do Trabalho de 2003 (CT2003), que se encontrava em vigor aquando da celebração do contrato. Só não seria assim relativamente aos factos ocorridos posteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho revisto, se deles resultasse que o relacionamento entre as partes tinha passado a ser substancialmente diferente do que tinha sido anteriormente, caso em que seria necessário indagar se essa alteração correspondia a uma modificação da natureza do vínculo que até aí tinha existido.
Ora, dos factos provados não resulta que o relacionamento entre as partes tenha sofrido qualquer alteração relevante ao longo do tempo em que o vínculo se manteve, razão pela qual, deixamos consignado que na apreciação da questão agora sub judice, não iremos levar em conta o disposto no Código do Trabalho revisto, designadamente a presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, mas sim o artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na redacção dada pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, por ser este o regime aplicável.
Na verdade, como se escreveu a este propósito no Acórdão do STJ de 4/02/2015, proferido no Proc. n.º 437/11.0TTOAZ.P1 (relator Pinto Hespanhol), consultável em www.dgsi.pt “…quando o Código do Trabalho de 2009 regula os efeitos de certos factos, como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência (cf., por todos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13 de Fevereiro de 2008, Processo n.º 356/07, e de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 1426/08, ambos da 4.ª Secção, cuja doutrina é transponível para o estatuído no Código do Trabalho de 2009).”
Apreciando agora a questão da qualificação do contrato importa recordar a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.
Estabelece o artigo 10.º do CT2003, que transcreve, com ligeiras alterações, o disposto no artigo 1152.º do Código Civil, que o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.
Por seu turno prescreve o artigo 1154.º do Código Civil, que contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Destes conceitos resulta que o contrato de trabalho tem por objecto a prestação de uma actividade e o contrato de prestação de serviço a obtenção de um certo resultado proveniente do trabalho prestado por outrem, sendo certo que apenas o primeiro é necessariamente oneroso.
Quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo ao longo dos anos a salientar, que o que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a chamada subordinação jurídica de uma das partes em relação à outra, subordinação essa que só no contrato de trabalho existe.
O contrato de trabalho tem assim como objecto a prestação de uma actividade e como elemento que o distingue dos demais a subordinação jurídica, que se traduz no poder que o empregador tem de através de ordens, instruções e directivas, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Por seu turno o contrato de prestação de serviço visa, apenas, a obtenção de um determinado resultado que a parte sujeita a tal obrigação obterá por si, em regime de autonomia, isto é, sem estar sujeita ao poder de direcção da outra parte.
Nem sempre é fácil distinguir estas duas figuras contratuais, por em diversas situações ser difícil de perceber o que ficou estabelecido e o que era pretendido – se a actividade em si ou se o seu resultado -, razão pela qual a subordinação jurídica é, pois, o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho e traduz-se numa posição de supremacia do credor da prestação de trabalho (o empregador) e na correspondente sujeição do prestador da actividade (o trabalhador), cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Podemos assim concluir que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora e que resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.
Importa salientar que em termos de repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, esta situação sofreu uma modificação relevante resultante do previsto no artigo 12.º do CT2003 ao acolher a presunção da existência de contrato de trabalho fundada no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, que veio contudo a ser alterada pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, que alterou o código do trabalho, e no qual se estabelece o seguinte:
Artigo 12.º
(Presunção)

“Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.”
Estamos perante uma presunção legal, razão pela qual quem a tem a seu favor escusa de provar o facto a que ela conduz, nos termos do n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil, bastando-lhe provar o facto que serve de base à presunção, sendo que a prova deste equivale à prova do facto presumido. Relativamente à força probatória das presunções legais regula o n.º 2 do mesmo artigo 350.º do CC., de harmonia com o qual as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.
Assim sendo podemos afirmar as presunções legais importam a inversão do ónus da prova – cfr. artigo 344.º, n.º 1, do CC.), sendo designadas por presunções juris tantum as que podem ser ilididas por prova em contrário, e por presunções juris et de jure as que não admitem prova em contrário.
A presunção legal do transcrito artigo 12.º é uma presunção juris tantum, que importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.
No caso o autor não logrou provar que estava inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade, nem logrou provar que exerceu a sua actividade sob as orientações daquele e nem logrou provar que se encontrava numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade.
Apenas se apurou que o trabalho era realizado nas instalações da Ré, que os instrumentos de trabalho eram fornecidos pelo beneficiário da actividade, que a prestação de trabalho foi executada por período, ininterrupto, superior a noventa dias.
Daqui que seja fácil de concluir que não ocorrendo o preenchimento dos requisitos previstos na versão do artigo 12.º que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2006 de 20/03, não é possível atender à presunção estabelecida nesta norma.
No entanto importa ainda averiguar se apesar de não se poder fazer valer da presunção por falta de preenchimento dos seus requisitos, ainda assim o autor logrou demonstrar que existia um contrato de trabalho.
Como vem sendo repetidamente afirmado, a dificuldade e variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado. É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal. Daí que a jurisprudência e a doutrina preconizem o recurso ao chamado método tipológico que consiste em buscar na situação real em que a relação contratual se desenvolve ou desenvolveu os aspectos factuais que normalmente ocorrem no modelo típico do contrato de trabalho e que, em regra, constituem manifestações da sujeição do trabalhador ao poder directivo do empregador, sendo que cada um desses aspectos funcionará como um indício da existência da subordinação jurídica.
São vários os elementos indiciários uns de carácter interno outros de cáracter externo reveladores da existência de subordinação jurídica.
Como elementos indiciários de carácter interno, normalmente indica-se: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; a execução da prestação em local definido pelo empregador; a existência de controlo sobre o modo como a prestação do trabalho é efectuada; a obediência às ordens e a sujeição à disciplina imposta pelo empregador; a propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; a remuneração em função do tempo de trabalho e a integração do prestador da actividade na estrutura organizativa do empregador.
E, como indícios de carácter externo à relação, normalmente indica-se: a observância do regime fiscal e de segurança social próprios dos trabalhadores por conta de outrem.
Por último salientamos que os indícios atendíveis não podem, nem devem ser isoladamente considerados, uma vez que, de per si, assumem, uma patente relatividade, tendo de ser sopesados na sua globalidade, não esquecendo que cabe ao autor, nos termos previstos no art.º 342.º n.º 1 do Código Civil, alegar e provar os factos que se mostrem suficientes para convencer o julgador de que o contrato por si invocado assume a natureza de contrato de trabalho.
Revertendo agora ao caso dos autos desde já deixamos consignado que em concordância com a decisão recorrida, o autor efectivamente não logrou provar a natureza laboral do vínculo contratual que manteve com a Ré.
A este propósito a decisão recorrida explicitou as considerações que se passam a transcrever:
À luz destes conceitos, que acima se deixaram explicitados nas palavras do aresto que se transcreveu em parte, verifica-se que da factualidade acima dada como assente se encontram omissos os elementos dos quais resultaria quer a subordinação jurídica, quer a subordinação económica do A. relativamente à aqui R.
Neste ponto, temos que atentar nas circunstâncias específicas do acordo existente entre os aqui intervenientes e do tipo de actividade desenvolvida pelo A. a pedido da R. em duas das suas valências. Na verdade, estamos perante um médico que exercendo a sua actividade dominante com vínculo à função pública, por ser médico no Centro de Saúde de Alijó e no Centro Hospitalar de Vila Real, ainda que neste último a tempo parcial, teve autorização da entidade competente, para exercer a sua profissão de médico, como profissional autónomo, fora do horário de trabalho que cumpria na função pública. A existir outro contrato de trabalho, neste caso com a ora demandada, sem que o A. tivesse pedido a correspondente autorização à entidade competente do Ministério da Saúde, para o efeito, não se poderia deixar de considerar este hipotético contrato de trabalho como nulo, por violar dispositivos legais imperativos, neste sentido veja-se por paradigmático Ac. da Rel. de Lisboa de 07/11/2001, In, BTE, 2ª Série, 9/2004, pág. 94.
(…)
A estas considerações acresce ainda que o contrato de trabalho que é aqui apresentado pelo A. como vínculo à R., mesmo que tivesse existido, o que de todo se perfilha, teria forçosamente de ter cessado em Agosto de 2011, data em que o prestador de serviços à R. passou a ser uma pessoa colectiva, com a qual não é susceptível de ser mantido um vínculo laboral.
Apesar do A. ter demonstrado que os equipamentos e materiais utilizados na sua actividade para a R. serem por esta disponibilizados e da sua actividade se desenvolver nas instalações da demandada, não se considera que tais elementos possam determinar, por si sós, a existência dum contrato de trabalho. Mesmo que se considerasse que, por força do disposto nas alíneas a) e b) do art. 12º do Cód. do Trabalho, o A. beneficiaria da presunção de laboralidade, sempre se teria de concluir que a R. demonstrou cabalmente a inexistência de subordinação jurídica e económica que são requisitos sine qua non do contrato de trabalho.
É que, tal como acima de referiu, o Tribunal tem que atender ás características da actividade que o A. desempenhava a pedido da R. e que consistindo na assistência dada aos utentes quer da Unidade de Cuidados Continuados, quer do Lar de Idosos, determina forçosamente que os mesmos sejam assistidos no local onde se encontram, sendo que os primeiros estarão certamente na sua maioria acamados e os materiais utilizados, quer os que são descartáveis, quer os que são reutilizáveis, são providenciados pela R., até porque não eram do uso exclusivo do A., já que tal como consta da factualidade assente, o demandante não era o único clínico que prestava aqueles serviços para a demandada.
Perfilhamos aqui o entendimento expresso por Abílio Neto, nas suas anotações ao art. 12º do Cód. do Trabalho (In, Novo Código do Trabalho, e Legislação Complementar, Anotados, 3ª ed., páfg. 122), quando refere “Podendo, em princípio, qualquer género de actividade ser prestado no quadro desta espécie contratual, o traço de individualização, o elemento caracterizador do contrato de trabalho encontra-se no modo como a actividade é desempenhada, isto é, na subordinação do trabalhador às ordens e direcção de outra pessoa, subordinação que, como escreve Galvão Telles, “não deve entender-se em sentido social, económico ou técnico, mas jurídico”.
A subordinação jurídica traduz, justamente, a ideia de que a prestação é realizada “sob a autoridade e direcção” do empregador, consistindo, segundo Monteiro Fernandes “numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face ás ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem”.
A subordinação do trabalhador é inerente à natureza do contrato de trabalho, aqui se encontrando a diferença essencial entre esse tipo de contrato e o contrato de prestação de serviços, que dele mais se aproxima (…)
O traço distintivo decisivo residirá na existência ou não dos poderes patronais e da correspectiva subordinação do trabalhador. A actividade que é objecto do contrato de trabalho tem de ser prestada “sob autoridade e direcção” do empregador, sendo deste modo, exercida com base na subordinação jurídica, exercendo o prestador de serviços a sua actividade com autonomia.
A subordinação jurídica configura um conceito tipo que se determinará, como pondera Monteiro Fernandes, por um conjunto de características, com o recurso ao “método tipológico” baseado na procura de indícios.
Trata-se de uma metodologia indispensável perante situações em que não é fácil, na ordem prática, a distinção ou delimitação do contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços.
Uma das situações, destacada por Pedro Romano Martinez, ocorre com o exercício duma actividade enquadrável no objecto das designadas “profissões liberais” (médicos, advogados, arquitectos, etc.) tendo em conta a autonomia que as caracteriza, pode ser difícil que entender que a relação jurídica se qualifique como um contrato de trabalho.”.
Atendendo-se à matéria de facto que resultou provada após a discussão da causa, não se pode deixar de concluir que o A. exercia a sua actividade por conta da R. com absoluta autonomia, dentro do esquema de visitas organizado pelo director clínico da demandada, cabendo-lhe apenas demonstrar o respectivo resultado, que se traduzia na assistência prestada aos utentes da R., mas executando as suas tarefas do modo e no tempo que entendesse mais convenientes e daí que tenhamos concluído no sentido de que não estamos perante um contrato de trabalho celebrado entre os aqui intervenientes.”
Subscrevemos no essencial, quer as considerações transcritas, quer o juízo decisório, já que apreciando globalmente os indícios que emergem da relação contratual estabelecida entre as partes teremos de concluir que não se provaram factos suficientes para caracterizar tal relação contratual como de trabalho, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir no sentido da existência daquele contrato recaia sobre o autor - cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Acresce dizer que estando perante um negócio consensual assume particular relevância a vontade real das partes, traduzida preponderantemente nos termos em que definiram as condições do exercício da actividade e os termos em que esta foi efectivamente executada.
Assim sempre que a qualificação do negócio resulte duvidosa e ainda que se demonstre o preenchimento de alguns dos índices que em regra se associam à existência de um contrato de trabalho, quando se apure que nas circunstâncias concretas o prestador (parte mais fraca na relação) não foi forçado a realizar o contrato, não traduzindo a vontade uma relação de trabalho subordinado, temos por certo que tais indícios se diluem e não assumem relevância, não esquecendo que muitos deles podem verificar-se quer no âmbito da prestação de serviços, como no contrato de trabalho.
Reportando aos factos provados podemos dizer que o autor logrou provar que a sua actividade era desenvolvida em local pertença do beneficiário, os instrumentos ou equipamentos de trabalho eram pertença do beneficiário e o autor como contrapartida recebia uma determinada quantia paga com certa periodicidade, tudo índices que são de molde a concluir pela existência do contrato de trabalho.
No entanto, outros factos que se provaram não nos permitem concluir desta forma, assumindo uma especial relevância o facto do autor, ser médico, não trabalhar em exclusividade para a Ré, pois pelo menos trabalhava em consultório privado, no Centro de Saúde de Alijó e no CHMAD e ter pedido à sua entidade empregadora autorização para acumular funções em regime de trabalho de trabalhador autónomo em consultório privado e na Ré, que lhe veio a ser concedida, emitindo sempre recibos verdes à Ré. Estes factos por si só denunciam que o autor não era um qualquer trabalhador indiferenciado que teve de se sujeitar às condições impostas pela ré, tendo de se sujeitar a trabalhar sem vínculo laboral, em prejuízo dos seus direitos. Ao invés os factos provados evidenciam que o autor gozava de autonomia económica-organizativa, esta sim privativa do trabalho autónomo.
Com efeito, não tendo o Autor demonstrado que estivesse sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, designadamente sujeito ao dever de obediência, ao controlo da pontualidade e à possibilidade da ré exercer o poder disciplinar sobre si e provando-se o autor não estava sujeito a qualquer horário de trabalho, interessando apenas à Ré que fosse prestada assistência médica aos seus utentes três vezes por semana, três horas em cada dia e ocasionalmente num outro dia. Acrescendo ainda o facto de ser o Autor, quem no final de cada mês apresentava à Ré o recibo equivalente ao exercício da actividade por conta própria com indicação das horas prestadas e das suas ausências, que ele próprio contabilizava e cujos montantes lhe eram liquidados pela Ré.
Tudo isto evidencia que à Ré apenas interessava o resultado da actividade, prestada pelo Autor e é revelador, mormente, em face do comportamento assumido pelo autor ao longo dos anos que a vontade negocial das partes foi no sentido de que a prestação do autor ficasse sujeita ao regime do contrato de prestação de serviço, sendo certo que da matéria de facto dada como provada, devidamente ponderada na sua globalidade, não resulta que a execução do contrato se tenha efectivamente processado noutro regime que não aquele, ou seja os factos não nos permitem concluir que o autor prestou a sua actividade à Ré em regime de subordinação jurídica.
Ora, o facto de não se reconhecer a existência do contrato de trabalho é suficiente para determinar a improcedência de todos os pedidos formulados pelo Autor e confirmar a sentença recorrida já que todos eles tinham como pressuposto a natureza laboral do vínculo que manteve com Ré, ficando também desde logo prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas conclusões de recurso uma vez que que todas tinham como pressuposto a natureza laboral da relação contratual.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação, assim confirmando a decisão recorrida
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 16 de Novembro de 2017

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – Em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

II – Não sido observado devidamente o ónus de impugnação, quer por falta de indicação do erro na apreciação da matéria de facto, quer por falta de indicação dos concretos meios probatórios que levariam à alteração da decisão da matéria de facto referente aos pontos 17,18 e 23, quer por falta da apreciação crítica dos meios de prova considerados na sentença, revela-se de incumprida a condição de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto prevista no ns.º 1, al. b) e 2 al. a) do artigo 640º, do CPC, sendo de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto quanto a tais pontos de facto.

III - Tendo a relação contratual em causa tido o seu início na vigência do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, posteriormente alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, alteração que entrou em vigor em 25 de Março de 2006, mas antes da publicação e, consequentemente, da entrada em vigor em 13/02/2009 do Código do Trabalho revisto, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02 e sendo certo que a sua cessação ocorreu já na vigência do Código do Trabalho revisto, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico-laboral que vigorava, Código do Trabalho de 2003, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, designadamente a presunção estatuída no seu art. 12.º.

IV – Não tendo o Autor demonstrado que estivesse sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, designadamente sujeito ao dever de obediência, ao controlo da pontualidade e à possibilidade da ré exercer o poder disciplina sobre si e provando-se o autor não estava sujeito a qualquer horário de trabalho e interessando apenas à Ré que fosse prestada assistência médica aos seus utentes três vezes por semana, três horas em cada dia e ocasionalmente num outro dia. Acrescendo ainda o facto de ser o Autor, quem no final de cada mês apresentava à Ré o recibo equivalente ao exercício da actividade por conta própria com indicação das horas prestadas e das suas ausências, que ele próprio contabilizava e cujos montantes lhe eram liquidados pela Ré.

V - Tudo isto evidencia que à Ré apenas interessava o resultado da actividade, prestada pelo Autor e é revelador, mormente, em face do comportamento assumido pelo autor ao longo dos anos, que a vontade negocial das partes foi no sentido de que a prestação do autor ficasse sujeita ao regime do contrato de prestação de serviço, sendo certo que da matéria de facto dada como provada, devidamente ponderada na sua globalidade, não resulta que a execução do contrato se tenha efectivamente processado noutro regime que não aquele, ou seja os factos não nos permitem concluir que o autor prestou a sua actividade à Ré em regime de subordinação jurídica.

Vera Sottomayor