Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6413/21.7T8GMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: AUJ 8/2022
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 212, de 3 de novembro de 2022 fixou jurisprudência quanto ao ónus da prova, dever de informação e nexo de causalidade do intermediário financeiro, no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a) e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro e 342.º, n.º 1 do Código Civil.
2 –Nos termos deste AUJ “Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em 'produtos de risco' - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o 'reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco'), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.
3 - A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.
4 - O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do artigo 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do artigo 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”
5 – Já, nos termos do referido AUJ, incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não o teria adquirido.
6 – No caso dos autos, o autor provou que, se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não teria subscrito as obrigações, pelo que ficou estabelecido o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro e o dano decorrente da decisão de investir.
7 - O prazo de prescrição de dois anos, previsto no artigo 324º, nº2, do CVM, só é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, como resulta da ressalva inicial “salvo dolo ou culpa grave”.
8 - Sendo a culpa grave – como é no caso do intermediário financeiro que violou as exigências de boa-fé e a confiança que o cliente depositava na instituição bancária, tendo prestado informação que não era verdadeira acerca da garantia de reembolso do capital investido - não se aplica aquele prazo, mas sim o prazo prescricional geral do artigo 309º Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA deduziu ação declarativa contra Banco 1..., SA, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe o capital e juros vencidos e garantidos que, na data da petição, perfaziam a quantia de € 57.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento ou, assim não se entendendo, que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os € 50.000,00 que o autor lhe entregou em obrigações subordinadas ..., seja declarado ineficaz em relação ao autor a aplicação que o réu tenha feito desses montantes, condenando-se o réu a restituir-lhe € 57.000,00 que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e, sempre, ser o réu condenado a pagar-lhe a quantia de e 3.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Para tanto, alegou, em síntese, que: o Autor era titular de uma conta bancária no então designado Banco 2... (que corresponde ao Réu), na agência de .... Em 13.04.2006, o gerente do Réu transmitiu-lhe que tinha uma aplicação financeira, em tudo igual a um depósito a prazo, sendo o montante do capital garantido e com juros semestrais. O Autor, como era do conhecimento do seu gerente, não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse diferenciar os diferentes produtos financeiros, sem que lhos explicassem, e sempre quis fazer aplicações seguras e sem risco. O Autor apenas acedeu por estar convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, sucedendo que, sem o seu conhecimento, o capital de € 50.000,00 foi aplicado na subscrição do produto Obrigações .... Nunca foi informado de que o capital destinava-se à compra de Obrigações ... e apenas em novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos, é que veio a saber o destino do seu dinheiro. Na data do vencimento, o Réu não restituiu o capital aplicado ao Autor, o que o impediu de lhe dar o destino que entendesse e ao não efetuar o reembolso do capital, o Réu colocou o Autor num estado de preocupação e ansiedade.

Contestou o réu, excecionando a prescrição do eventual direito do autor, por este ter conhecimento da subscrição de obrigações desde a data da ordem de compra, pois sempre recebeu os extratos periódicos onde eram mencionadas as aplicações financeiras, sendo que o prazo aplicável é de dois anos (por se tratar de responsabilidade do intermediário financeiro). Sustentou ainda que, na sua atuação, o Banco Réu informou das características do produto e que se tratava de um produto seguro, como efetivamente o era, e que, para além disso, o Autor, antes da subscrição das obrigações, já tinha demonstrado apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco. Contestou, bem assim, que na base da aplicação do capital tenha estado um contrato de adesão (regulado por cláusulas contratuais gerais), mas antes, e tão-só, uma proposta formulada pela sociedade Obrigações ... e a aceitação do Autor, corporizada na ordem de subscrição.
Respondeu o autor, pugnando pela improcedência da matéria excecional.
Em sede de audiência prévia foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o réu a pagar ao autor a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos desde 09/05/2016, à taxa legal, até integral pagamento e a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais.

O réu interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente ação parcialmente procedente, não julgou corretamente.
2. Com tal decisão, a Mma. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
3. O Apelante entende, por um lado, que os factos dados como provados nas alíneas “b), g), h), i), j) e n)” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais alíneas, de acordo com a redação adiante proposta. Por outro lado, entende o Recorrente que o facto dado como provado na alínea n) deveria ter sido considerado como não provado!
4. Não podemos de deixar de começar as presentes alegações referindo que a prova em julgamento tem de ser feita de forma objetiva e concreta. Vale isto por dizer que, independentemente da forma geral como os produtos pudessem ser colocados à data da aquisição dos mesmos, era necessário saber, em concreto, quais as informações foram prestadas ao A. E isto não sucedeu!!!
5. De facto, o que resultou do depoimento da testemunha que terá colocado o produto, a BB, foi que a mesma não tinha qualquer tipo de recordação de ter colocado o produto ao A. E ainda que admitisse que tivesse sido a própria a vender o produto (pela aposição da sua assinatura no impresso de subscrição), a verdade é que não se recordava que tipo de informações tinha prestado.
6. Aliás, é o próprio A. que refere não se recordava como lhe tinham vendido o produto, apenas tendo ideia que seria um depósito a prazo!!
7. E isto não pode ser descurado, (como foi) nomeadamente para efeitos de prova dos factos que constituem ónus probatório do A. – nomeadamente os que consubstanciem os requisitos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, nomeadamente no âmbito da putativa ilicitude da informação prestada.
8. A convicção que se extrai da globalidade dos depoimentos é que o produto Obrigações ... seria vendido (à data da colocação do mesmo – leia-se, 2006) como um produto com capital e taxas garantidas, no sentido em que o investidor colocava o seu dinheiro e, no fim do prazo, receberia de volta. Característica esta, aliás, que levava a que o mesmo fosse até comparado aos regulares depósitos a prazo, ainda que não fosse dito que não se tratava de depósitos a prazo! Mais concretizavam que o produto seriam Obrigações ..., que a Obrigações ... era a empresa dona do Banco 2..., daí a confusão entre as duas.
9. E de toda esta convicção irradiam alterações em relação a vários dos factos impugnados, devendo os pontos b), g), h), i) e j) dos factos provados da sentença recorrida passar a ter, em função do que se referiu, as seguintes redações:
b) Em 13.04.2006, o funcionário do Banco Réu da agência de ... disse ao Autor que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
g) O Autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características semelhantes a um depósito a prazo.
h) Se o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações ... e que o capital não era garantido, não o autorizaria.
i) Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários do Réu.
j) O Réu assegurou que a aplicação em causa tinha características semelhantes às de um depósito a prazo.
10. Da mesma forma, com o mesmo fundamento, mas pela notória falta de prova nesse sentido – e que apenas poderias ser feita por recurso ou às declarações de parte, ou ao depoimento da testemunha que vendeu o produto, deveria a o facto considerado como provado na alínea n) – Foi omitido o processo informativo quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que o Autor nunca aceitaria se acaso o Réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em Obrigações ... e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu. – ser considerado como não provado!
11. Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
12. Claro está, que o dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura!
13. Já os art. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos.
14. Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art. 312º do CdVM, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
15. O RISCO que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, NÃO É NEM PODE SER CONSIDERADO UM RISCO ESPECIAL! O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são RISCOS GERAIS de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
16. Versando como versa aquele art. 312º do CdVM sobre os deveres de informação a cumprir quanto ao contrato de cobertura, a menção aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
17. Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art. 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.
18. Entendemos que nada ficou por dizer ou explicar quanto à natureza dos instrumentos financeiros. Da remissão feita para o art. 312º-E nº 1 resulta que o legislador manda também o intermediário financeiro informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!
19. O investimento efetuado foi feito em obrigações da Obrigações ... que é um instrumento do mercado monetário (art.º 1 alínea b) do CdVM). Não é um investimento sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!
20. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem! E não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! É que a este respeito, impõem-se clarificar, que em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.
21. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra (subjacente naturalmente ao cumprimento da opção potestativa de venda) é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!
22. Na data da aquisição das referidas obrigações, a redação do CdVM era aquela resultante das sucessivas alterações do D.L. 486/99 de 13/11 até ao D.L. 52/2006 de 15/03. À data da contratação das aplicações não existia sequer qualquer dever de informação quanto aos riscos associados ao instrumento financeiro, ou quanto ao risco de perda da totalidade do investimento, conforme hoje decorre do art. 312º-E nº 2 alínea a)! Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redação do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
23. As Obrigações eram então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu. Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquela Obrigação. Pelo que o mesmo era então adequado a alguém como os Recorridos. Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações ..., porque pertencendo todas as empresas ao mesmo Grupo, o risco da Obrigações ... estava indexado ao risco do próprio Banco. O investimento efetuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
24. O dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la.
25. Ou seja, e em conclusão, A VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinha que ser o A. a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente ação necessariamente que claudicar!
26. Não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo A. nas Obrigações. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo A. é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC.
27. Não há qualquer matéria provada que permita a conclusão que o comportamento R. foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação que foi transmitida ao A., que deu o seu acordo na aquisição da Obrigação ... – numa primeira e segunda fase, respetivamente. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.
28. Não podendo, por fim, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães olvidar que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro.
29. O A. foi recebendo, periodicamente, as quantias relativas aos cupões, que sempre lhe foram pagos até à insolvência da emitente e nada reclamou durante o referido período. Não se verificando, assim, o nexo de causalidade adequada entre a atuação do Recorrente enquanto intermediário financeiro e, o não reembolso, na maturidade, do capital investido.
30. Assim, ou o A. alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!
31. Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário envolvido do Banco Réu sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.
32. A ideia que perpassa é que o funcionário do Banco Réu estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do A. Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução do A. em erro, sem que por parte do funcionário do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro.
33. Tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art. 324º do CdVM.
34. Parece-nos evidente e manifesto que o A. conheceu os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da receção dos extratos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente! Não obstante, a ação apenas foi proposta em dezembro de 2021! E, portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
Termos em que, do muito que doutamente será suprido, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença, e consequentemente, substituir-se por outra que julgue totalmente improcedente a ação proposta pelo a./recorrido.

O autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, averiguar se ocorreu violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e se este incorreu em responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, e se ocorreu a prescrição.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos provados:

Factos oriundos da petição inicial:

a) O Autor era cliente do Réu (então designado por Banco 2...), na sua agência de ..., com a conta à ordem n.º ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças.
b) Em 13.04.2006, o funcionário do Banco Réu da agência de ... disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
c) O dito funcionário do Banco Réu sabia que o Autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem.
d) O Autor aplicava o seu dinheiro em depósitos a prazo.
e) A quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) foi colocada em Obrigações ..., sem que o Autor soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a Obrigações ... era uma empresa.
f) O que motivou a autorização por parte do Autor foi o facto de lhe ter sido dito que o capital era garantido, com juros semestrais.
g) O Autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo.
h) Se o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações ... e que o capital não era garantido pelo Banco 2..., não o autorizaria.
i) Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários do Réu e sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
j) O Réu assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.
k) A convicção do Autor quanto ao produto manteve-se até novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos.
l) Nunca o funcionário do Réu, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram, em concreto, Obrigações ....
m) Nunca lhe foi entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas Obrigações ....
n) Foi omitido o processo informativo quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que o Autor nunca aceitaria se acaso o Réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em Obrigações ... e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu.
o) Na data de vencimento contratada, o Réu não lhe restituiu o montante que o Autor lhe confiou.
p) O Autor ficou impedido de usar o seu dinheiro como bem entendesse.
q) Com a sua atuação, o Banco Réu colocou o Autor num estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro;
Factos considerados nos termos do artigo 607.º/4, do Código do Processo Civil (CPCiv):
r) No boletim de subscrição das Obrigações ... assinado pelo Autor consta o seguinte:
- “O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso efetuado em 09 de Maio de 2016. O reembolso antecipado só é possível por iniciativa da S..., SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio com o Banco de Portugal.”
- “Remuneração
Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:
Cupões
1.º Semestre
9 cupões seguintes
Restantes Semestres
Taxa Anual Nominal Bruta
4,5%*
Euribor 6 Meses + 1,15%
Euribor 6 Meses + 1,50%
* Taxa Anual Efectiva Líquida: 3,632%”

Factos não provados

Factos oriundos da petição inicial:
1. Na data da subscrição das obrigações, o Autor estava convicto de que estava a constituir um depósito a prazo.
2. Na data da subscrição das obrigações, foi transmitido ao Autor e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.
3. O Banco Réu foi apresentado como garante da aplicação financeira em causa.
4. O comportamento do Banco Réu provocou tristeza ao Autor.
Factos oriundos da contestação:
5. O Autor conheceu que o seu dinheiro foi aplicado em Obrigações ... logo na data sua subscrição.

O apelante discorda da decisão de facto.
Entende que as alíneas b), g), h), i) e j) dos factos provados deveriam ter uma outra redação e considera que o facto provado na alínea n) deveria ter sido considerado como não provado.
A redação proposta para aquelas alíneas seria a seguinte (com as partes a negrito diferentes da redação da sentença):
b) Em 13.04.2006, o funcionário do Banco Réu da agência de ... disse ao Autor que tinha uma aplicação (em tudo igual a um depósito a prazo) com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
g) O Autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características semelhantes a um depósito a prazo.
h) Se o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações ... e que o capital não era garantido (pelo Banco 2...), não o autorizaria.
i) Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários do Réu (e sempre esteve convencido que o réu lhe restituiria o capital e os juros quando os solicitasse).
j) O Réu assegurou que a aplicação em causa tinha características semelhantes às de um depósito a prazo (a mesma garantia de um depósito a prazo)
Contudo, analisada a sua alegação, não se vê em que provas é que pretende sustentar a referida alteração. Diz apenas que a funcionária bancária que aceitou ter sido ela a vender o produto em causa ao autor (pela aposição da sua assinatura no impresso de subscrição) não se recordava do tipo de informações que tinha prestado em concreto a este cliente e que o próprio autor não se recordava bem como lhe tinham vendido o produto, apenas tendo ideia que seria um depósito a prazo.
Ora, salvo o devido respeito, tal argumentação não pode proceder.
Como bem se refere na motivação da decisão de facto, esta testemunha, BB, apesar de não se recordar da negociação em concreto – veja-se que a subscrição em causa data de 2006 – não teve dúvidas em afirmar que seguia sempre a mesma argumentação na colocação do produto e que as informações que prestava aos clientes eram superficiais (não explicava o que eram obrigações nem o significado de caráter subordinado), realçando apenas que se tratava de um produto com capital e taxa garantida, sendo que o cliente receberia no final do prazo o capital aplicado, e durante o prazo de vigência, os respetivos juros, em semelhança ao depósito a prazo. Explicou, ainda, que, na altura, não diferenciavam a Obrigações ..., dado que aquela era dona deste.
Estas declarações foram confirmadas pela testemunha CC que era subgerente do balcão e que afirmou que eram essas as indicações que havia e que eram transmitidas na agência aos clientes. De igual modo resulta do depoimento escrito prestado por DD que era Diretor Coordenador de Empresas do Centro do Banco ..., que enviou email a gestores de empresas da Região Centro (que depois terá sido extrapolado para toda a rede de agências e empresas do Banco) em que assinalava que o produto em questão equivalia a um depósito a prazo.
Também quanto ao facto de o autor ter um perfil de investidor conservador, não restam dúvidas, face ao depoimento da subgerente da agência, atual gestora de conta daquele, bem como da análise da sua conta bancária e dos montantes expressivos depositados a prazo.
Finalmente, quanto à alínea n), o apelante limita-se a dizer que deve ser considerada não provada a matéria que da mesma consta, face à notória falta de prova nesse sentido. Ora, a testemunha BB afirmou, sem margem para dúvidas que não explicou que se tratava de obrigações, qual o seu conteúdo, não pormenorizando qualquer aspeto do produto vendido, para além de que se tratava de um produto de capital garantido, não fazendo qualquer alusão à Obrigações ..., nem o que tal significava relativamente à garantia do pagamento. Quanto à segunda parte da alínea relativamente ao facto de que o autor nunca aceitaria investir o seu dinheiro nesse produto caso lhe tivesse sido explicado que eram Obrigações ... e sem que o capital fosse garantido pelo Banco réu, tal vem na sequência de outras alíneas da matéria de facto provada, designadamente, as alíneas d), e), f), g), h) e i).

Improcede, assim, a pretendida alteração da decisão de facto.

Vejamos, agora, a questão jurídica.

O investimento aqui em causa ocorreu em 2006, pelo que as normas aplicáveis são as constantes do Código de Valores Mobiliários, na redação anterior ao DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.
Não há dúvida que o réu atuou como intermediário financeiro, uma vez que comercializava aos seus balcões Obrigações ..., executando ordens de subscrição - que lhe foram transmitidas pelo Autor - das obrigações emitidas por uma terceira entidade - a S..., S. A. (artigos 289.º, n.º 1, 290.º, n.º 1, alínea b) e 293.º, n.º 1, alínea a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro), “donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (José Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», BFDC, vol. LXXXV, Coimbra 2007, pp. 281-282 e, ainda, Direito dos Contratos Comerciais, 2009, p. 573), até porque a intermediação financeira tem sido definida como o conjunto de atividades destinadas a mediar o encontro entre oferta e procura no mercado de capitais, assegurando o seu regular e eficaz funcionamento (José Engrácia Antunes, Deveres e Responsabilidade do Intermediário financeiro - Alguns aspetos - Cadernos do MVM, n.º 56, p. 31)” – cfr., aqui como noutras citações que iremos fazer de seguida, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 212, de 3 de novembro de 2022.
Este AUJ fixou jurisprudência quanto ao ónus da prova, dever de informação e nexo de causalidade do intermediário financeiro, no âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a) e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro e 342.º, n.º 1 do Código Civil, nos seguintes termos:
“1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.
3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir” – redação constante da Declaração de retificação n.º 31/2022, publicada no DR, 1.ª Séria, n.º 224, de 21 de novembro de 2022.
Resolvidas ficaram, assim, as divergências jurisprudenciais que se vinham sentindo em inúmeros processos que correram em todo o país a propósito de processos em tudo semelhantes ao que agora nos ocupa, divergências essas de que nos dão conta a sentença ora recorrida, as alegações de recurso e as contra-alegações, oferecidas nestes autos, através da citação e enumeração de inúmeros Acórdãos de todos os Tribunais da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça, em que, apesar de se ir notando um crescente entendimento similar ao que foi adotado na sentença recorrida, era possível descortinar outros entendimentos divergentes, divergência essa a que o AUJ veio pôr termo.
Ora, se é certo que o juiz não está hoje obrigado a obedecer à jurisprudência veiculada por um AUJ, como sucedia com os Assentos, a verdade é que o juiz, em princípio, está vinculado à doutrina dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência, pois só assim se pode manter a segurança, a certeza e unidade do sistema, fundamento da uniformização da jurisprudência. O juiz deve acatar a jurisprudência uniformizada, para que não se caia numa situação de caos jurisprudencial, em que sobre a mesma questão, que já teve uma decisão qualificada, se mantenham duas ou mais correntes jurisprudenciais, criando-se a incerteza, a imprevisibilidade nos meios judiciários, que perturbará os cidadãos em geral, que deixam de acreditar na justiça.
Daí que a recusa de aplicação da doutrina uniformizada seja uma exceção. O juiz, antes de tomar uma posição de recusa ou rejeição desta doutrina, deve analisar bem os fundamentos do acórdão, das questões jurídicas em conflito, da posição vencida, e só quando surjam circunstâncias supervenientes, capazes de imporem uma nova interpretação, isto é, quando haja razões profundas para a sua revisibilidade, porque se alteraram as circunstâncias que estiveram presentes no momento do debate coletivo alargado, é que deve afastar-se da doutrina uniformizada.
Tal não acontece no caso em apreço, em que os casos em análise são em tudo semelhantes ao nosso (com o mesmo réu e com a subscrição por parte dos autores do mesmo produto), como também por se tratar de Acórdão muitíssimo recente – 6 de dezembro de 2021 – publicado a 3 de novembro de 2022.pelo que não se vê motivo para nos afastarmos da doutrina uniformizada, tornando-se imperioso seguir o entendimento que o plenário do STJ veio plasmar no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.
É o que faremos.
Relembremos que os intermediários financeiros na qualidade de “agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente. Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.º, n.º 1, alínea a) e 290.º, n.º 1, alínea c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM”.

“A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7.º do CVM.

Tal norma estabelece:
1 - A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.
3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4 - À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.
O n.º 1 do referido artigo equipara, em termos gerais, a informação de qualidade com aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
Concretizando o sentido destas expressões, a informação a prestar deve: (i) compreender todos os elementos suscetíveis de influir no preço dos valores mobiliários; (ii) representar fielmente a realidade que se destina a refletir, não induzindo em erro os seus destinatários; (iii) ser oportunamente fornecida e atualizada quanto aos factos supervenientes que afetem o seu conteúdo; (iv) ser percetível para os seus destinatários; (v) apoiar-se em factos suficientemente comprovados e (vi) conformar-se com a lei, a ordem pública e os bons costumes”.
Como bem se refere no AUJ, “Está aqui consagrado um padrão elevado de qualidade informativa”.
“O dever de informação do intermediário financeiro encontra previsão normativa em disposições legais do CVM, nomeadamente nas que se indicam e cuja interpretação conjugada é imposta para efeitos de apreensão do sentido do dever de informação.

O artigo 304.º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
O artigo 309.º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:
1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.
2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.
3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

E o artigo 310.º, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no n.º 1 que "o intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objetivo estranho aos interesses do cliente".
Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os "riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar", sendo que a "extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente" (artigo 312.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2).
No que concerne à informação é importante realçar que, num primeiro momento, o intermediário financeiro - antes de contratar - tem o dever de recolha de informações sobre o conhecimento e a experiência do cliente em matéria de investimento tendo em vista o tipo específico de produto ou serviço, de forma a saber se o produto que oferece ao cliente, ou o serviço que lhe é solicitado, é adequado ao perfil do cliente visado.
Como se refere no Acórdão do STJ, de 10/04/2018 (processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1), "O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para ajuizar se certa transação é adequada ao cliente - suitability test - impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a profissionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência muito mais acentuado, devendo atuar como "diligentissimus pater famílias" não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve ..., a informação divulgada pelo intermediário financeiro deve ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio; e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes."
Do exposto resulta que o intermediário financeiro:
- tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar;
- tem de ter a iniciativa para prestar a informação, não tendo o investidor não institucional dever de a solicitar - cf. Ac. do STJ, de 25 de outubro de 2018 (processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1).
"Deste modo, o intermediário financeiro deve prestar ao investidor toda a informação necessária para permitir uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada. A profundidade e a extensão das informações dependem do grau de conhecimento e experiência dos clientes que pretendam subscrever os instrumentos financeiros, devendo ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento do cliente (importando referir que o intermediário financeiro deverá informar-se dos conhecimentos e experiência do cliente, em matéria de investimentos, bem como dos objetivos por ele prosseguidos, devendo fazer compreender ao seu cliente (investidor) de forma clara e objetiva os riscos envolvidos nas operações propostas - artigo 304.º, n.º 3, do CVM), encontrando-se estabelecida uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente (falando-se em geometria variável no cumprimento do dever em causa, cf. Acórdão do STJ, de 4 de outubro de 2018)" - Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, pp. 42/46.
É isto que resulta inequivocamente do disposto no artigo 312.º do CVM, que pretende que o intermediário financeiro obtenha a informação preliminar relevante em relação ao cliente de modo a assegurar que toda a informação prestada subsequentemente seja adequada, porque completa e objetiva, na perspetiva do esclarecimento do cliente em concreto”.
E prossegue o AUJ, citando Gonçalo André Castilho dos Santos, em "A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente", Almedina, 2008, a p. 135, "são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (...) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele".
Quanto ao conteúdo da informação considerada necessária, esclarece o AUJ que “A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adoção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.º do Regulamento CMVM n.º 12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária".
Assim enquadrado o dever de informação, vejamos o que estabelece o CVM quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro, socorrendo-nos, uma vez mais, do teor do AUJ:
“O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que "os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública."
E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que "A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação."
Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.
No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (cf. Menezes Leitão, Atividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, AAVV, Direito dos Valores Mobiliários, vol. II, p. 147).
Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.
Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil:
- o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão;
- a ilicitude, desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.
O artigo 563.º do Código Civil prescreve que "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão", isto é, se não tivesse ocorrido o incumprimento.
Nesta disposição legal encontra-se consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.
Operando a aplicação das indicadas normas:
- podemos dizer que ocorre um facto ilícito quando a prestação de informação é errónea, por omissão, no quadro de relação negocial bancária;
- a culpa, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o comando legal;
- nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa presume-se (artigo 304.º, n.º 2, do CVM); presunção que também resulta do disposto no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.
- o dano: o prejuízo resultante do investimento nas obrigações;
- o nexo de causalidade: para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea).
Isto significa que, mesmo que uma dada situação seja configurada como facto ilícito (por exemplo, a prestação, por omissão, de informação errónea, nomeadamente no que concerne à concreta identificação ou às características do produto e a natureza subordinada), essas circunstâncias poderiam não ser causais da subscrição efetuada e consequente dano.
Ora, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do artigo 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão.
Quer isto dizer que incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil”
Veja-se, a este propósito, o Acórdão do STJ, de 17/03/2016, "o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (artigo 563.º do CC) deve ser analisado através da demonstração, que decorre claramente da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro, condição que ele colocou para fazer o investimento".
E aqui podemos regressar ao nosso caso concreto para concluir que o investidor, aqui autor, provou o nexo de causalidade entre o facto e o dano, pois resultou provado que, se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, o autor não teria subscrito as obrigações.
Veja-se o que sobre esta matéria ficou provado nas alíneas e), f), g), h), i) e n) dos factos provados:
“e) A quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) foi colocada em Obrigações ..., sem que o Autor soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a Obrigações ... era uma empresa.
f) O que motivou a autorização por parte do Autor foi o facto de lhe ter sido dito que o capital era garantido, com juros semestrais.
g) O Autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo.
h) Se o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações ... e que o capital não era garantido pelo Banco 2..., não o autorizaria.
i) Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários do Réu e sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
n) Foi omitido o processo informativo quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que o Autor nunca aceitaria se acaso o Réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em Obrigações ... e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu”.
Veja-se, aliás, que os votos de vencido proferidos neste AUJ, perante a violação ilícita e culposa dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro e a ocorrência de danos que aqueles visam prevenir, preconizavam, ao abrigo do disposto no artigo 314.º, n.º 2 (que contem uma presunção de comportamento conforme à informação), a dispensa do cliente-investidor da prova da causalidade que intercede entre o fundamento da responsabilidade invocado e o dano patrimonial por si sofrido, correspondente ao prejuízo que o cumprimento correto daqueles deveres visa prevenir – por todos, voto de Maria João Vaz Tomé.
Tal não se revela necessário, no nosso caso, face à matéria de facto provada, que conduz à prova da causalidade entre o facto e o dano, por parte do autor.

Voltando ao AUJ, cabe averiguar em que medida é que o intermediário financeiro que não informa investidores-clientes não profissionais sobre o risco em que, em abstrato, pode vir a incorrer, decorrente do incumprimento do emitente (maxime em virtude de insolvência) de obrigações (maxime subordinadas) viola - ou não - os deveres legais de informação que sobre si impendem, designadamente nos termos do artigo 312.º, n.º 1, alínea e), do CVM.
“O dever de informação implica informar com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor, sendo certo que o intermediário financeiro tem o dever de prestar todas as informações de que tenha sobre um produto financeiro, tomando a iniciativa do esclarecimento das características do produto financeiro, e não de prestar somente os esclarecimentos solicitados pelo investidor.
Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos, que aqui resumidamente se apontam:
- As obrigações representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é a entidade emitente que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da solidez financeira da entidade emitente.
A subscrição de uma obrigação é um investimento e, através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através dos depósitos a prazo.
As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito bancário.
- Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 430/91, de 2 de novembro).
Como se refere no acórdão de 5/12/2019, no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei.
- o Fundo de Garantia de Depósitos encontra-se regulado nos artigos 154.º e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito. A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 e foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 246/95, de 14 de setembro -
Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.
Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).
Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.
Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.
Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.
Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.
Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as "obrigações subordinadas", isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.
Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.
Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação.”
Essa violação dos deveres de informação resulta claramente, no nosso caso, da matéria de facto provada sob as alíneas b), c), d), e), f), i), j), l), m), n), cujo teor é o seguinte:
“b) Em 13.04.2006, o funcionário do Banco Réu da agência de ... disse ao Autor que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido e com rentabilidade assegurada.
c) O dito funcionário do Banco Réu sabia que o Autor não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem.
d) O Autor aplicava o seu dinheiro em depósitos a prazo.
e) A quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) foi colocada em Obrigações ..., sem que o Autor soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a Obrigações ... era uma empresa.
f) O que motivou a autorização por parte do Autor foi o facto de lhe ter sido dito que o capital era garantido, com juros semestrais.
i) Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento dos funcionários do Réu e sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.
j) O Réu assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.
l) Nunca o funcionário do Réu, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram, em concreto, Obrigações ....
m) Nunca lhe foi entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas Obrigações ....
n) Foi omitido o processo informativo quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que o Autor nunca aceitaria se acaso o Réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em Obrigações ... e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu”

Veja-se, assim, que no nosso caso, para além de incompleta, inexata e obscura (aqui se remete para o AUJ onde cada um destes tipos de informações vem detalhado), foi também prestada informação falsa, no sentido em que foi dito ao autor que a aplicação era em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido e com rentabilidade assegurada, o que, como já vimos, não pode aplicar-se no caso de obrigações subordinadas.
Do que fica exposto, resulta, assim, a improcedência da apelação no que diz respeito à questão da violação do dever de informação por parte do réu, como intermediário financeiro e da correspondente responsabilidade civil em que incorreu.

Outra questão levantada pelo apelante, prende-se com a prescrição. Entende o apelante que, à data da proposição da ação “estava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco réu”.

Vejamos.
O artigo 324º, nº2, do CVM estabelece um prazo de prescrição de dois anos: “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão o do negócio e dos respetivos termos”.
O prazo de dois anos é, assim, aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima como resulta da ressalva inicial, “salvo dolo ou culpa grave”.
Na definição de Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª, Edição, Almedina, 2003, pág. 577, nota 2, citado no Acórdão do STJ de 10/04/2018, processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 (Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt:
“A culpa lata (a que mais frequentemente se chama culpa grave) consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adotam. A culpa leve seria a omissão da diligência normal (podendo o padrão da normalidade ser dado em termos subjetivos, concretos, ou em termos objetivos, abstratos). A culpa levíssima seria a omissão dos cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam”. Ora, atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua atuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a atuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave”.
Sendo a sua culpa grave, não se aplica o prazo de dois anos do artigo 324º, nº 2, do CVM, mas o prazo geral do artigo 309º Código Civil.
No sentido de que deve aplicar-se, fora dos casos previstos no artigo 324º, nº 2, do CVM, o prazo geral de prescrição do Código Civil, Fátima Gomes, no Estudo “Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado” pág. 580, in Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa.
Deve, aliás, acrescentar-se que a graduação do grau de negligência (grave, leve e levíssima) terá de aferir-se pelo padrão de culpa consagrado no artigo 304.º, n.º 2 do CVM, segundo o qual «nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência», ou seja, neste preceito exige-se que o intermediário financeiro aja de acordo com padrões de diligência, lealdade e transparência superiores aos de um homem médio, o que se compreende atenta a progressiva complexidade dos produtos financeiros e a necessidade de proteção dos clientes que na maioria das vezes são a parte menos experiente na contratação.
Como bem se salienta no Acórdão da Relação de Guimarães de 27/04/2017, processo n.º 2928/16.7T8GMR.G1, relatado pela Sra. Desembargadora Alexandra Rolim Mendes, aqui 1.ª adjunta e subscrito, como adjunta, pela Sra. Desembargadora Maria dos Anjos Melo Nogueira, aqui, também, adjunta, in www.dgsi.pt: “O dever de informação persegue um objetivo de proteção dos investidores por visar o seu esclarecimento, concorrendo para um mercado mais transparente e eficiente, uma vez que contribui para uma aferição do risco e do fair value mais correta (v. Paulo Câmara in Manuel dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª ed., p. 686)”
Os factos provados neste processo, entre os quais o facto de o réu ter convencido o autor que o produto financeiro que estava a adquirir era seguro, que o capital estava garantido, não lhe explicando as características do produto e o risco envolvido na sua aquisição, nem lhe entregando qualquer informação sobre as características do mesmo, sendo que o autor era um investidor não qualificado (pelo que a obrigação de esclarecimento que impendia sobre o intermediário era mais acentuada), mostram que o réu não cumpriu as exigências impostas pelos mencionados preceitos, violando as exigências de boa-fé e a confiança que o cliente depositava na instituição bancária, tendo prestado informação que não era verdadeira acerca da garantia de reembolso do capital investido, o que faz com que a conduta do Banco tenha de ser qualificada como gravemente culposa, ficando pois excluída da aplicação do prazo curto de prescrição e sujeita ao prazo ordinário de 20 anos – neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães supra citado e subscrito pelas Desembargadoras aqui adjuntas.
Improcede, assim, também, a apelação no que diz respeito à questão da prescrição.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 24 de novembro de 2022

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira