Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
21/16.1T8VPC-B. G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: PROVA PERICIAL
IDONEIDADE
COMPETÊNCIA DO PERITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. Sendo o objecto legal da prova pericial a percepção ou apreciação de factos que exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui, só podem ser peritos as pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa.

II. A aferição da idoneidade e da competência de perito, quando a lei não a pré-defina de forma imperativa (v.g. reservando a realização da perícia a certas entidades ou estabelecimentos, ou aos detentores de determinados títulos ou habilitações), fica na disponibilidade do juiz.

III. Não sendo a segunda perícia uma nova e distinta perícia, mas apenas uma repetição da primeira, o seu objecto coincidirá com o daquela, isto é, com as questões de facto - indicadas pelas partes ou de iniciativa oficiosa -, a que tenha sido antes circunscrito.

IV. A obrigação legal do juiz denunciar crime de que tome conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas só existe quando o mesmo tem por verificado o dito crime, e não quando esteja perante condutas susceptíveis de preenchem apenas alguns (mas não todos) dos seus elementos constitutivos, objectivo e subjectivo.

V. Uma diligência de prova só será impertinente (devendo, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. (…) e mulher, (…) (aqui Recorridos), residentes na Suíça, (…)propuseram uma acção especial de divisão de coisa comum, contra (…) (aqui Recorrente), residente no bAIRRO (..) , concelho de Valpaços, pedindo que

· fosse proferida decisão pondo termo à indivisão de oito prédios rústicos (através da sua divisão em substância), e de dois prédios urbanos (através da sua adjudicação a cada uma das partes, ou da venda a terceiro por valor que viesse a ser fixado pelo Tribunal).

Alegaram para o efeito, em síntese, serem comproprietários com o Requerido, em comum e partes iguais, de oito prédios rústicos, destinados ao cultivo de culturas de sequeiro, e de dois prédios urbanos, destinados a habitação.
Mais alegaram serem os prédios rústicos em causa - pela sua natureza, características e áreas - susceptíveis de divisão em substância; e serem os prédios urbanos em causa indivisíveis.

1.1.2. Regularmente citado, o Requerido (D. C.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente.
Alegou para o efeito, em síntese e no que ora nos interessa, serem legalmente indivisíveis os oito prédios rústicos objecto da presente acção, ou por integrarem a reserva agrícola nacional ou a reserva ecológica nacional, ou por a respectiva área ser inferior à unidade mínima de cultura, ou por do seu fraccionamento resultar o encravamento de parcelas, ou por estas ficarem com uma largura inferior a 20 metros, ou oneradas com servidões, ou com estremas próprias mais irregulares do que as do prédio original, ou por se ignorar com a divisão o Plano Director Municipal ..., nomeadamente a protecção por ele pretendida a explorações agrícolas; e ser ele próprio respectivo arrendatário.
No final da sua contestação, requereu a realização da uma perícia destinava a verificar a indivisibilidade dos prédios rústicos, pedindo que a mesma fosse realizada pela DRAP - Direcção Regional de Agricultura e Pescas, do Alto Norte; e enunciou desde logo as questões que pretenderia ver esclarecidas com a diligência.

1.1.3. Os Requerentes (A. C. e mulher, A. P.) responderam, afirmando desconhecer os factos pertinentes à alegada indivisibilidade dos prédios rústicos (por residirem habitualmente no estrangeiro); e não reconhecerem ao Requerido a reclamada qualidade de arrendatário.
Aderiram, porém, à realização de prova pericial, com vista a verificar a alegada indivisibilidade dos prédios; mas opuseram-se a que a perícia fosse realizada pela DRAP, do Alto Norte (a quem teria cabido o pagamento de ajudas prestadas por FEADER-PRODES - tendo em conta despesas realizadas pelo Requerido nos prédios rústicos -, ajudas aquelas a devolver caso os mesmos viessem a ser divididos), requerendo antes que fosse de natureza colegial; e enunciando então as questões que pretenderiam ver esclarecidas através da diligência.
Requereram, ainda, a notificação da DRAP, do Alto Norte, para prestar nos autos diversas informações, nomeadamente pertinentes a eventuais financiamentos do FEADER-PRODER tendo por objecto os prédios rústicos em causa (v.g. existência, prazo de execução, montante global pago ou a pagar a titulo de financiamento/ajudas, identidade do beneficiário, e eventual obrigação de devolução de tais montantes em caso de divisão dos prédios em substância).

1.1.4. Vieram depois os Requerentes (A. C. e mulher, A. P.), alegando terem tido «entretanto conhecimento que, sendo o R. sócio da cooperativa do olivicultores e adega cooperativa de Valpaços, entregou ali parte da sua produção, recebendo os respectivos dividendos», requerer, «no sentido de se apurar o benefícios obtidos por aquele ao longo de todos estes anos, (…) relacionados com os imóveis objecto de divisão», que se ordenasse, «também, junto destas duas entidades, no sentido de prestarem informação sobre quais os valores entregues ao R. entre os anos de 2003 e 2016 pela produção de azeite e vinho» (com bold apócrifo).

1.1.5. O Requerido (D. C.) opôs-se ao deferimento destas diligências de prova, nomeadamente por «tal informação a obter das referidas entidades» ser «despicienda para os presentes autos, logo dever ser considerado um ato inútil»; e ser «privada e confidencial do Requerido», tendo «o Princípio da Cooperação (…) como limite o acatamento do Dever de Sigilo».

1.1.6. Proferiu-se despacho: deferindo a realização de perícia (pertinente à alegada indivisibilidade dos prédios rústicos em causa); determinando que a mesma fosse colegial (nos termos dos arts. 468.º, n.º 1, al. b), e 926.º, n.º 5, ambos do CPC); ordenando a notificação do Requerido (D. C.) «para, no prazo de 10 dias, indicar o respectivo perito»; e ordenando que, no «mesmo prazo», a secretaria indicasse «pessoa idónea a ser nomeada como perito pelo Tribunal - artigo 468.º, n.º 2 do CPC».

1.1.7. Constando dos autos a indicação de todas as pessoas a nomear como peritos, foi proferido despacho, determinando a realização desta diligência de prova, lendo-se expressamente no mesmo:
«(…)
Proceda-se à perícia requeria nos autos, de acordo com o objecto requerido pelas partes.
Nomeia-se desde já como peritos os indicados pelas partes e o indicado pela Secção a fls. 237.
Fixa-se em 45 dias o prazo para a realização da perícia, devendo os Srs. Peritos prestar compromisso de honra por escrito no relatório que venha a ser elaborado.
(…)»

1.1.8. Foi lavrado «TERMO DE NOTIFICAÇÃO», exarando-se no mesmo que, por «se encontrar presente nessa secretaria, notifiquei pessoalmente o Senhor N. M., engenheiro agrónomo, (…) de que foi nomeado perito no processo supra identificado, para proceder à peritagem requerida a fls. 75 e 173 dos presentes autos, no prazo de 45 dias, devendo responder à matéria aí indicada (…)».

1.1.9. Foi junto o «Relatório Pericial», em requerimento assinado pelos três peritos nomeados, identificados como «A. R., Engª Topógrafa», «N. M., Engº Agrónomo» e «R. A., Engº Agrícola».

1.1.10. Face ao mesmo, veio o Requerido (D. C.) arguir a nulidade da perícia colegial realizada, por alegada falta de competência técnica do perito nomeado pelo Tribunal (sem prejuízo de ter ainda reclamado do, e pedido esclarecimentos quanto ao, seu teor).
Alegou para o efeito, e no que ora nos interessa, que sendo a perícia em causa um acto de engenharia agronómica, só seria exequível por quem detivesse o título de engenheiro, sendo que o mesmo pressuporia a obrigatória inscrição na Ordem dos Engenheiros, ou na Ordem dos Engenheiros Técnicos.
Mais alegou que o perito N. M. não se encontraria inscrito em qualquer delas; e, por isso, «desde já resulta indiciada a falta de reconhecida idoneidade do referido Senhor Perito indicado pelo Tribunal, e por sua vez a competência técnica exigida nos termos do disposto no artigo 467º, nº 1 do Código de Processo Civil».

1.1.11. Em sede de «Resposta a pedido de esclarecimentos», sob a epígrafe «Resposta do perito N. M. ao requerido nos pontos 5 a 21», o mesmo afirmou:

«(…)
Em resposta a estes pontos venho por este meio fazer os seguintes esclarecimentos obtive o grau académico de licenciatura, que me foi conferido pela instituição académica UTAD - Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, com o n.º de aluno … nas licenciaturas de Engenharia Florestal e Engenharia Agronómica.
Estas duas licenciaturas encontram-se inscritas na ordem dos engenheiros conforme tabela dos cursos extraída na página “web” da ordem dos engenheiros com o #link” (http:www.ordemengenheiros.pt/fotos/editor2/admissaoaordem/20180320 tabelas cursos.pdf), ou seja, os cursos referidos na tabela cumprem os requisitos exigidos pela ordem no que se refere a disciplinas, conteúdos programáticos, unidades de créditos e cargas horárias. Afirmo que durante a minha vida profissional nunca estive inscrito na referida ordem por não ser condição necessária para executar qualquer função ou para me candidatar a qualquer concurso ou proposta de emprego. Sendo assim por minha opção, não estar inscrito. Não obstante, frequentei a acção de formação “Avaliação de Propriedades Rústicas” ministrada pela Ordem dos Engenheiros da Região Norte na respectiva sede, tendo como única diferença ter de pagar mais pela inscrição, por não ser membro. Pondero num futuro próximo a possibilidade de fazer a inscrição como membro para utilizar o título de “Engenheiro” que me foi conferido academicamente, tendo a consciência e o princípio de que os títulos se obtêm com empenho, esforço e reconhecimento e não por pagar uma jóia e a cota anual.
(…)»

1.1.12. O Requerido (D. C. veio então reiterar a arguição de nulidade feita quanto à perícia colegial realizada, pedindo que a mesma fosse conhecida pelo Tribunal e se realizasse nova diligência; e pedindo ainda que fosse extraída certidão dos autos e remetida ao Ministério Público e às ordens profissionais que representam os engenheiros em Portugal, para os fins tidos pelos destinatários como convenientes.
Alegou para o efeito, em síntese, que, não sendo o perito nomeado pelo Tribunal detentor do título de engenheiro, ou de engenheiro técnico, não só não lhe poderia ser reconhecida competência técnica para intervir na perícia colegial em causa, como teria incorrido na prática de um crime de usurpação de funções (ao ter aceitado a imputada qualidade de engenheiro, e ao não ter pedido escusa do cargo deferido).
Mais alegou que, não tendo a perícia colegial em causa sido realizada por três pessoas dotadas de reconhecida idoneidade e competência técnica para o efeito, seria nula.

1.1.13. Foi proferido despacho, indeferindo a arguição da nulidade da perícia colegial efectuada, bem como a extracção de certidão dos autos e remessa ao Ministério Público e às Ordens de Engenheiros, e determinando a realização de uma segunda perícia, bem como de diligências de prova antes requeridas, lendo-se nomeadamente no mesmo:

«(…)
Vem o Requerido D. C., por requerimento de fls.458-467, arguir a nulidade da perícia, em síntese, pelo facto de o Sr. Perito N. M., nomeado pelo Tribunal, não ter idoneidade e competência técnica para o exercício de tal função.
A este propósito, dispõe o artigo 467.º, n.º 1 do CPC que “A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”
Ora, daqui decorre que não é legalmente exigido – ao contrário do que ocorre nos casos previstos no artigo 467.º, n.º 3 do CPC - em lado algum que o perito tenha o grau de engenheiro, mas apenas que tenha “idoneidade e competência na matéria em causa”.
Daqui decorre que, ainda que a invocada inexistência de “título” se verificasse, tal não significaria que a idoneidade do Sr. Perito estivesse posta em causa.
Acresce que, conforme referiu este Sr. Perito na sua resposta ao requerimento, em lado algum é exigida como condição obrigatória a inscrição na Ordem dos Engenheiros para o exercício da respectiva profissão.
Saliente-se ainda que o citado Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Novembro de 2016 citado pelo requerido se pronunciou pela falta de competência para figurar como perito de “Agente Técnico de Arquitetura e Engenharia”, e não de Licenciado em Engenharia como ocorre no caso dos autos com o perito nomeado pelo Tribunal.
Pelo que se conclui não existir qualquer fundamento susceptível de pôr em causa a idoneidade e competência do Sr. Perito, indeferindo-se o requerido afastamento do mesmo e a consequente nulidade da perícia invocada.
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Vem ainda o requerido requerer a “extração de certidão destes autos, instruída com o despacho de nomeação de perito, o relatório pericial subscrito, as declarações de compromisso de honra e o esclarecimento ao relatório pericial, e ordenar a sua remessa ao Ministério Público, à Ordem dos Engenheiros e à Ordem dos Engenheiros Técnicos, para os fins tidos por convenientes.”
Ora, não cabendo tal matéria, para além do já decidido, no âmbito dos presentes autos, indefere-se a requerida extracção de certidão, cabendo ao Requerido, se assim o entender, proceder ao envio de tais documentos às entidades que entenda por convenientes.
Pelo que se indefere o requerido.
Atento o agora decidido, fica prejudicada a invocada nulidade da primeira perícia invocada pelo requerido.
Notifique.
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(…)
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Atenta a tramitação destes autos até à data, e porque se afigura ao Tribunal necessária a opinião de outros peritos na matéria objecto destes autos, decide-se proceder à realização de segunda perícia, ao abrigo do disposto no artigo 927.º, n.º 3 do CPC.
Para o efeito, determina-se a realização de segunda perícia em modo colegial, com o mesmo objecto já definido para a primeira perícia efectuada nestes autos.
Pelo exposto, notifique os Requerentes e Requerido para, no prazo de 10 dias, virem aos autos indicar um perito a fim de proceder à realização da segunda perícia.
No mesmo prazo deve a Secção indicar pessoa idónea para ser nomeada como perito do Tribunal (artigo 468.º, n.º 2 do CPC).
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Uma vez que as diligências requeridas em sede de réplica e do requerimento enviado em 11/05/2016, com a referência nº 869254 (em concreto, a fls. 211) podem vir a ser relevantes para a decisão a proferir nestes autos, diligencie conforme o aí requerido.
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformado com esta decisão, o Requerido (D. C.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado procedente.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1) O Recorrente após tomar conhecimento de que o Sr. Perito indicado pelo Tribunal, N. M., não é engenheiro, como fez crer aos autos que era, consoante se retira do termo de notificação elaborado pela secretaria e relatório pericial com compromisso de honra assinado e apresentado por aquele, naquela qualidade e junto aos autos, veio arguir, por requerimento apresentado aos autos de fls. 458-467, a nulidade da perícia colegial realizada no âmbito dos presentes autos motivada na falta de idoneidade e competência técnica do referido Sr. Perito, legalmente exigidas para o exercício do cargo, função e atos praticados de perícia na qualidade de engenheiro.

2) O Recorrente na sua motivação demonstrou ao Tribunal a quo as suas razões de facto e de direito para a arguição da referida nulidade, juntando inclusive dois pareceres emitidos pelas duas Ordens Profissionais: a Ordem dos Engenheiros e a Ordem dos Engenheiros Técnicos bem como mais fez referência à legislação aplicável e em vigor (supramencionada na motivação), ainda que se entenda que tal conhecimento é oficioso do Tribunal.

3) Não obstante todo o alegado pelo Recorrente, a Mm. ª Juiz a quo decidiu, no despacho que ora se recorre, que o aludido Sr. Perito N. M., possui a idoneidade e competência técnica necessárias para a prática do de perícia judicial, fundamentando apenas a sua decisão no seguinte: “…em lado algum é exigida como condição obrigatória a inscrição na Ordem dos Engenheiros para o exercício da respetiva profissão.” … “Ora, daqui decorre que não é legalmente exigido – ao contrário do que ocorre nos casos previstos no artigo 467.º, n.º 3 do CPC - em lado algum que o perito tenha o grau de engenheiro, mas apenas que tenha “idoneidade e competência na matéria em causa”, violando deste modo, com a sua decisão, normas legais imperativas, aplicáveis e em vigor.

4) Normas que, e s.m.o. em contrário, assumem a natureza de normas especiais e por conseguinte derrogam a norma geral, prevista no artigo 467, n.º 1 do CPC, citada no referido despacho.

5) Deste modo, conclui-se que a decisão tomada pelo Tribunal a quo, de admitir como meio de prova o relatório pericial elaborado por um Perito, na qualidade de engenheiro, mas que a final, se veio a descobrir e provar que não o é, factualidade essa, dada a conhecer ao Tribunal a quo, origina a que tal meio de prova seja nulo, e por sua vez o despacho que o admitiu também, nulidade essa, insanável nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC, por se tratar da prática de um ato não permitido por lei e que pode influir na decisão da causa objeto dos presentes autos, nulidade essa, que se arguiu para os devidos e legais efeitos e que foi julgada improcedente no despacho recorrido pelo Tribunal a quo, mas que aqui se reitera.

6) Igualmente é nula a omissão da prática de ato pelo Tribunal a quo, designadamente a obrigação que lhe assiste em aplicar os preceitos legais aplicáveis e em vigor, como se impunha no caso concreto.

7) Acrescido do facto que o próprio Sr. Perito, posteriormente e após ter sido questionado pelo Recorrente, veio aos autos dizer que não era engenheiro e que nunca esteve inscrito em nenhuma das Ordens profissionais, por entender que não necessita e mostrando aliás um total desconhecimento dos normativos legais inerentes ao cargo para que foi nomeado.

8) Ora a omissão da prática de ato legalmente obrigatório como o supra descrito, consubstancia uma nulidade nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC, que se argui, para os devidos e legais efeitos, e que também se arguiu em sede de reclamação apresentada perante o Tribunal a quo.

9) Deverá, portanto, o Tribunal ad quem declarar nula a decisão proferida pela Mm.ª Juiz a quo que determinou válida a Perícia Colegial realizada e onde admitiu aquele meio de prova, e mais julgou válida a atuação do Sr. Perito N. M. nomeado pelo Tribunal, motivando a sua decisão no facto de em lado algum ser exigido como condição obrigatória para o exercício da profissão de engenheiro e prática de ato de engenharia de perícia, a inscrição na Ordem dos Engenheiros e/ou Ordem dos Engenheiros Técnicos, e demais atos subsequentes com as demais legais consequências.

10) No requerimento de fls. 409-416 o Recorrente mais requereu a extração de certidão destes autos, instruída com o despacho de nomeação de perito, o relatório pericial subscrito, as declarações de compromisso de honra e o esclarecimento ao relatório pericial, e ordenar a sua remessa ao Ministério Público, à Ordem dos Engenheiros e à Ordem dos Engenheiros Técnicos, para os fins tidos por convenientes.

11) Todavia, a Mm. ª Juiz a quo indeferiu o requerido fundamentando, em suma que, tal matéria não cabe, para além do já decidido, no âmbito dos presentes autos.

12) No entanto, não se conforma o Recorrente com tal decisão, uma vez que o Tribunal a quo tomou conhecimento, da prática de um ato ilegal e eventualmente punível nos termos da Lei Penal.

13) Acrescido do facto de resultar do Termo de Notificação pessoal efetuada ao referido Perito, pela secretaria do Tribunal aquando da sua nomeação que o referido Sr. N. M. é engenheiro agrónomo, quando na verdade e como veio o Recorrente a apurar, não possui essa qualidade, factualidade essa, mais do que provada nos presentes autos e aliás confessada pelo próprio.

14) Pelo que, se entende que, e salvo douta opinião contrária que, deveria até ser sido o próprio Tribunal a quo, a denunciar, obrigatoriamente, a factualidade que lhe foi dada a conhecer no exercício de funções.

15) Deste modo, e face ao suprarreferido, se conclui estar-se em presença de uma omissão da prática de ato legalmente obrigatório, que não foi praticado, como se impunha.

16) Agravado pelo facto de tal ato ser suscetível de influir no exame e boa decisão da causa, nomeadamente para apreciação da (in) validade da perícia realizada e relatório dali resultante - meio de prova - e que cuja nulidade oportunamente se arguiu mas que aqui se reitera, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195.º, 199.º e 200.º, todos do CPC, para os devidos e legais efeitos.

17) Assim e pelo supra expendido, o Tribunal ad quem deverá declarar nula a Decisão proferida que indeferiu a extração de certidões dos presentes autos, instruída com o despacho de nomeação de perito, o relatório pericial subscrito, as declarações de compromisso de honra e o esclarecimento ao relatório pericial, e ordenar a sua remessa ao Ministério Público, à Ordem dos engenheiros e à Ordem dos Engenheiros Técnicos, para os fins tidos por convenientes, por se tratar de um ato de conhecimento oficioso e de denúncia obrigatória e que o Tribunal conheceu, com as demais legais consequências.

18) No despacho recorrido mais foi determinou pelo Tribunal a quo a realização de segunda perícia, em modo colegial, com o mesmo objeto do já definido para a primeira perícia colegial realizada.

19) Contudo o Recorrente entende que, o Tribunal a quo não apreciou convenientemente como se impunha, a validade da primeira perícia realizada, motivado não só nos factos supra alegados pelo Recorrente, mas também face ao teor dos documentos juntos e sobretudo face aos normativos legais aplicáveis, dos quais resulta de forma evidente a falta de capacidade técnica e idoneidade do Sr. Perito nomeado pelo Tribunal, N. M. e por essa razão inquina de nulidade a primeira perícia colegial realizada.

20) Não obstante e como resulta evidente, a Perícia Colegial não foi efetuada por três pessoas/peritos, todos eles, com competência técnica necessária nos termos impostos no artigo 467.º, n.º1, do CPC, artigos 7.º, n.º 1, 6.º e 3.º, n.º 1 da Lei n.º 123/2015 e artigo 1.º do Regulamento n.º 420/2015, de 20 de Julho e artigo 2.º do Regulamento n.º 549/2016, de 3 de Junho e ainda do disposto na Lei n.º 31/2009, uma vez que o Sr. Perito nomeado N. M. está desprovido de reconhecida competência técnica e legal por falta de título de engenheiro e respetiva inscrição na Ordem, comprova-se que somente dois, dos três peritos nomeados, reúnem os requisitos legais para a realização da perícia colegial determinada.

21) Pelo que se conclui que, a Perícia Colegial realizada nestes autos enferma de nulidade por violação do disposto no n.º 467.º, n.º1, do CPC, artigos 7.º, n.º 1, 6.º e 3.º, n.º 1 da Lei n.º 123/2015 e artigo 1.º do Regulamento n.º 420/2015, de 20 de Julho e artigo 2.º do Regulamento n.º 549/2016, de 3 de Junho e ainda do disposto na Lei n.º 31/2009, a qual, expressamente, se arguiu perante o Tribunal a quo, mas que foi admitida pelo despacho recorrido, mas aqui se reitera a sua arguição, para os devidos e legais efeitos.

22) Assim, e, em consequência, deverá o Tribunal ad quem anular a Primeira Perícia Colegial realizada e mais determinar a sua repetição, nomeando para o efeito um outro Perito em substituição do Sr. N. M., valendo somente os dois Laudos apresentados pelos Senhores Peritos, de forma isolada, mas sem o valor de Perícia Colegial como meio de prova.

23) Na verdade, está-se perante um erro na forma do processo e numa inobservância de todas as formalidades legalmente impostas para a realização de perícia colegial, o que per si implica a declaração da sua nulidade, bem como a anulação de todos atos que não possam ser aproveitados, o que expressamente se invoca.

24) Acrescido do facto de que se impunha ao Tribunal a quo que, oficiosamente tivesse conhecido da ilegalidade da primeira perícia, pelos motivos supra aduzidos, e nessa sequência tivesse aproveitado os laudos realizados pelos dois Peritos aptos e creditados à realização de perícias, e bem assim ordenasse a repetição da primeira perícia, o que importa a declaração de nulidade, que se argui, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 193.º, 195.º, 199.º e 200.º, n.os 2 e 3, 4671, n.º1, 468.º, e 927, n.º 3, todos do CPC.

25) Assim e pelo supra expendido, o Tribunal ad quem deverá declarar nula a Decisão proferida que determinou válida a atuação do Sr. Perito N. M., motivado no facto de aquele Tribunal entender não ser condição obrigatória a inscrição na Ordem dos Engenheiros ou Ordem dos Engenheiros Técnicos para o exercício da respetiva profissão e prática de atos de engenharia, e por conseguinte declarou válida a Perícia por aquele realizada e cujo relatório pericial assinou como engenheiro, e demais atos subsequentes com as demais legais consequências.

26) Do despacho recorrido mais resulta a determinação da realização da segunda perícia colegial, ainda que por remissão ao objeto da primeira, objeto esse, que também por despacho resultou definido, igualmente por remissão, ao que havia sido requerido pelas partes, contudo e com o devido respeito que é muito, sem o devido cuidado de apreciação quanto ao requerido pelos Requerentes, uma vez que ali se extravasa o objeto dos presentes autos de ação especial de divisão de coisa comum e a informação ali requerida em nada contribui para a decisão a tomar nos presentes autos.

27) Deste modo, a decisão da Mm. ª Juiz a quo, leva à prática de atos inúteis no processo, nomeadamente, na parte em que determina a notificação de entidades para o apuramento do valor dos rendimentos obtidos pela venda dos produtos produzidos na exploração agrícola desde o ano de 2003 a 2016.

28) Não obstante, por requerimento datado de 11.05.2016, foram os próprios Requerentes quem vieram aos presentes autos dizer “… as questões que ali se levantam não são relevantes ou indispensáveis para a justa composição do litígio nos presentes autos, devendo as mesmas ser discutidas em sede própria, ou seja, em ação de prestação de contas”.

29) Pelo que se impunha que o Tribunal a quo tivesse restringido o objeto da perícia requerida pelos Requerentes, o que não sucedeu.

30) Assim e pelo supra expendido, o Tribunal ad quem deverá declarar nula a Decisão proferida que determinou a realização de segunda perícia, com o mesmo objeto da primeira ainda que o objeto desta contenha matéria que colide com o objeto da presente ação de divisão de coisa comum, e bem assim deferiu a obtenção de meios de prova (réplica e requerimento. de fls. 211), que se traduzem em atos inúteis por extravasarem manifestamente o objeto dos presentes de ação especial de divisão de coisa comum, com as demais legais consequências.

31) No despacho da Mm. ª Juiz a quo foram ainda admitidas todas as diligências requeridas em sede de réplica e requerimento de fls. 211 pelos Requerentes, as quais se traduzem num mecanismo habilmente utilizado pelos Requerentes para, por esta via tentar obter informação contabilística, comercial e por sua vez confidencial do Recorrente, que, de outro modo e sem intentar uma eventual ação especial de prestação de contas, não conseguiriam.

32) Resulta aliás, por demais evidente que aquilo que os Requerentes pretendem é transformar os presentes autos numa ação de prestação de contas.

33) E para atingir tal desiderato, cumulam pedidos destinados a uma ação, igualmente especial, in casu, de prestação de contas prevista no artigo 941.º e seguintes do CPC.

34) O que não deveria ser permitido pelo Tribunal a quo, mas que foi, uma vez que, com tal decisão, admitiu que fossem realizadas diligências conducentes ao apuramento das receitas da exploração agrícola do Recorrente, praticando assim um ato nulo, por legalmente inadmissível.

35) Acrescido do facto de que, a informação requerida pelos Requerentes, ser do foro privado e de natureza comercial do Recorrente, logo com carácter secreto da sua escrituração mercantil, pelo que a ser prestada nos termos ordenados, representaria uma clara intromissão na vida privada da sua atividade comercial, o que não se concebe.

36) Pois com efeito, o requerido pelos Requerentes não se insere em nenhuma das hipóteses previstas nas disposições conjugadas nos artigos 435.º do Código de Processo Civil e artigos 42.º a 44.º do Código Comercial, que permita a prestação de tais informações.

37) E no artigo 41.º do Código Comercial resulta consagrado o princípio de que a escrituração dos comerciantes é secreta, razão pela qual, e acima de tudo e por existirem outros meios processuais para o apuramento de tais valores, não deveria o Tribunal a quo sobrepor-se àquele princípio.

38) Sucede que, por requerimento apresentado em 17.05.2016, em resposta ao supracitado e requerido pelos Requerentes, o Recorrente apresentou a sua motivação para o indeferimento do ali requerido e bem assim requereu o desentranhamento do aludido requerimento.

39) Contudo, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto ao alegado pelo Recorrente, tendo deferido a realização das diligências requeridas pelos Requerentes, fazendo assim tábua rasa de todos os argumentos invocados pelo Recorrente e por conseguinte deixando de apreciar as questões por aquele suscitadas.

40) Pelo que se conclui que é nula a decisão recorrida, por violação, manifesta, na parte em que se demite de apreciar uma questão controvertida suscitada pelo Recorrente, mediante requerimento apresentado em tempo, aos autos, que devesse apreciar, e por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, tudo nos termos do disposto nos artigos 152.º, n.º2, 154.º e 615, n.º1, alínea d), todos do CPC, a qual é ora arguida, tempestivamente, tudo nos termos dos artigos 195.º, n.º 1, 199.º e 200.º, n.º3, todos do CPC, para os devidos e legais efeitos.

41) Mais padece de nulidade insanável a decisão recorrida, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do CPC, por se tratar da prática de um ato não permitido por lei e que pode influir na decisão da causa objeto dos presentes autos, e ainda pela omissão de pronúncia, nulidades que já se arguiram em sede de reclamação, mas que aqui mais se arguem para os devidos e legais efeitos.

42) Acresce ainda que, a ser processualmente admissível a discussão da factualidade supra vertida, o que não se concebe, sempre teria o Recorrente, e no exercício do direito ao contraditório e princípio de igualdade de armas, conferido por lei, o direito de exercer o seu contraditório, evidenciando para o efeito, se assim o entendesse, todas as despesas, impostos, taxas e outros encargos, por si integralmente pagos e assumidos, desde o ano de 2003 até 2016, respeitantes à sua atividade comercial.

43) Pois na verdade, e consoante o Tribunal a quo não pode desconhecer, a análise da situação financeira e económica de uma atividade comercial, não resulta unicamente do exame às suas receitas, como pretendem fazer crer os Requerentes, mas sim e também ao apuramento dos seus custos com balanço final.

44) Mais acresce que, a decisão recorrida contraria uma outra proferida por Despacho deste mesmo Tribunal a quo, datada de 08.05.2017 e onde se pode ler o seguinte: “É entendimento do Tribunal que tendo a perícia por objeto apurar da divisibilidade ou indivisibilidade do prédio …”.

45) Pelo que se conclui que a referida cumulação de pedidos formulada pelos Requerentes, ainda que de forma implícita mas intencional, teve como objetivo único um fim que em nada releva para o apuramento da possibilidade de (in) divisão dos prédios objeto dos presentes autos.

46) Cumulação, essa, que e s.m.o. legalmente inadmissível por corresponderem tais pedidos a formas de processo distintas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 37.º do CPC.

47) Deste modo, a Mm. ª Juiz a quo ao deferir o “pedido de informações” formulado pelos Requerentes, como deferiu, contribuiu para um uso indevido do processo pelos Requerentes.

48) Quando na verdade, deveria ter declarado a cumulação ilegal de pedidos por aqueles formulada, o que não fez, consubstanciando tal omissão uma nulidade prevista no n.º 1 do artigo 195.º do CPC, e que desde já se argui para os devidos e legais efeitos.

49) Incumbia à Mm. ª Juiz apreciar, ao abrigo da adequação formal, os “pedidos de informação” formulados pelos Requerentes, os quais mais não passam de meros expedientes para obtenção de prova destinada a uma eventual prestação de contas, em detrimento de decidir, como decidiu, que tais pedidos podem vir a ser relevantes para a decisão a proferir nos presentes autos de divisão dos prédios comuns, e sobretudo sem se pronunciar quanto ao pedido formulado pelo Recorrente em resposta e àquele título.

50) Razão pela qual se conclui que, o Tribunal a quo não tramitou os referidos “pedidos de informações” como verdadeiros pedidos de prestação de contas, que são, nos termos do disposto nos artigos 37, n.º 1, 546, n.º 2, 547.º e 941.º, todos do CPC, errando, portanto na qualificação do meio processual utilizado pelos Requerentes, erro esse, que se traduz uma nulidade nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 193.º do CPC, a qual aqui desde já se arguiu para os devidos e legais efeitos.

51) Sem prescindir, mais se acrescenta que o Tribunal a quo ao permitir, como permitiu, o uso dos presentes autos para que os Requerentes pudessem discutir questões atinentes às receitas da atividade comercial do Recorrente, a qual extravasa manifestamente o objeto em discussão e que não se concebe, impediu o cabal exercício do contraditório pelo Recorrente.

52) Uma vez que da informação requerida não resulta refletido o apuramento das despesas assumidas pelo Recorrente, ao longo de vários anos no exercício da referida actividade comercial, como acima se referiu.

53) Violando assim a decisão recorrida, um dos princípios basilares do processo civil e transversal a todo o ordenamento jurídico português, designadamente o princípio do contraditório.

54) Pelo que, se verifica um erro na forma do processo e a inobservância de formalidades legais impostas para a ação especial de prestação de contas, bem como a inobservância pelo respeito do princípio do contraditório ao Recorrente, o que importa a declaração de nulidade e a anulação de todos atos que não possam ser aproveitados, sendo que o Tribunal a quo podia e devia, oficiosamente, ter corrigido a qualificação do meio processual utilizado pelos Requerentes, e adotado a tramitação processual adequada, o que não fez, a qual é susceptível de influir na boa decisão da causa, tudo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 37, n.º 1, 546, n.º 2, 547.º e 941.º, 193.º, 195.º, 199.º e 200.º, n.os 2 e 3, todos do CPC.

55) Assim, e pelo supra expendido, o Tribunal ad quem deverá declarar nula a Decisão proferida que determinou a realização das diligências suprarreferidas, conforme requerido pelos Requerentes na réplica e requerimento de fls. 211, com as demais legais consequências.

56) Nessa conformidade, o Tribunal ad quem fará inteira justiça revogando as Decisões recorridas por nulas, com as demais consequências legais.
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1.2.2. Contra-alegações

Os Requerentes (A. C. e mulher, A. P.) não contra-alegaram.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Requerido (D. C.), três questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao não reconhecer a falta de idoneidade e competência técnica para a matéria dos autos (indivisibilidade de prédios rústicos) de perito que nomeou (nomeadamente, por o mesmo não ser engenheiro agrónomo), recusando ainda indevidamente a denúncia oficial de uso indevido de título de engenheiro ao Ministério Público e às Ordens Profissionais dos Engenheiros ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao ordenar a realização de uma segunda perícia com um objecto que extravasa o próprio e relevante dos autos (desse modo permitindo a prática de actos inúteis e uma cumulação ilegal de pedidos) ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao deferir a realização de diligências de prova estranhas ao objecto próprio e relevante dos autos, e violando ainda o princípio do contraditório e o princípio do sigilo comercial ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Prova Pericial

4.1.1.1. Definição/Natureza

Lê-se no art. 388.º do CC que «a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando seja necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuam».
Deste modo, a prova pericial «traduz-se na percepção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser directa e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos específicos ou técnicos especiais (…); ou na apreciação de quaisquer factos (na determinação das ilações que deles se possam tirar acerca de outros factos), caso dependa de conhecimentos daquela ordem, isto é, de regras de experiência que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se no juiz, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 262-263, com bold apócrifo).
Assim, a «nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspectiva de factos, mas poder trazer também a apreciação ou valoração de factos, ou apenas esta» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada,1985, pág. 576, com bold apócrifo).
Compreende-se, por isso, que a «prova pericial tanto pode visar a perceção indiciária de factos por inspecção de pessoas ou de coisas, móveis ou imóveis, como a determinação do valor de coisas ou direitos, ou ainda a revelação do conteúdo de documentos [maxime, os livros e documentos de suporte da escrita comercial e os documentos electrónicos] ou o reconhecimento de assinatura, letra (art. 482), data, alteração ou falta de autenticidade de documento» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 294).
O perito é, assim, uma «pessoa qualificada», e exerce a sua actividade «sobre dados técnicos, sobre matéria de índole especial», por isso se afirmando que «o perito maneja uma experiência especializada», dando ao «juiz critérios de valoração ou apreciação dos factos, juízo de valor, derivados da sua cultura especial e da sua experiência técnica». A sua função é a de «mobilizar os seus conhecimentos especiais em ordem à apreciação dos factos observados» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, págs. 168, 169 e 181).
Reitera-se, deste modo, que o «traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspectos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informações sobre máximas de experiência técnica que o julgador não possui e que são relevantes para a percepção e apreciação dos factos controvertidos. Em regra, além de facultar ao julgador o conhecimento dessas máximas de experiência técnica, o perito veicula a ilação concreta que se justifica no processo, construída partir de tais máximas da experiência» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2014, Almedina, Agosto de 2014, págs. 175 e 176, com bold apócrifo).
Concluindo, a prova pericial pode ter por objecto factos, máximas da experiência e prova sob prova», sendo que no primeiro caso [factos] visa «a afirmação de um juízo de certeza sobre os» factos «ou circunstâncias» (v.g. perícia sobre ADN de alguém), no segundo [máximas da experiência] visa «apenas proporcionar ao juiz regras ou princípios técnicos para que este, recorrendo aos mesmos, possa conhecer e apreciar os factos» (v.g. actuando o perito nos «mesmos moldes» que «o técnico que o juiz pode nomear para o elucidar sobre a averiguação e interpretação de factos que o juiz se propõe observar - cfr. Artigo 492º, nº 1 do Código de Processo Civil»), e no terceiro [prova sob prova] visa «conhecer o conteúdo e sentido de outra prova» (v.g. «exame grafológico» ou «tentativa de recuperar o que consta duma gravação sonora imperfeita») (Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem).
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4.1.1.2. Perito - «pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria da causa»

Requerida a perícia, será a mesma requisitada «a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria da causa» (art. 467.º, n.º 1 do CPC).
Logo (e desde a revisão de 1995-1996 do CPC de 1961, operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), a regra é a da requisição da perícia a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado; e a mesma só não será aplicada «quando tal seja impossível, quer naturalmente (o caso mais óbvio é o de não existência de entidade oficial apropriada), quer juridicamente (o caso mais flagrante é o de o Estado ou outra pessoa colectiva pública ser parte na causa), mas também quando seja inconveniente, considerados factos concretos como a distância entre o tribunal e a entidade oficial, a existência de perito independente e de renome, a possibilidade de obtenção mais célere do relatório pericial, etc.» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Junho de 2017, pág. 313).
Será, porém, realizada por mais de um perito, até ao número de três», quando «o juiz oficiosamente o determine, por entender que a perícia reveste especial complexidade ou exige conhecimento de matérias distintas», ou quando «alguma das partes» requeira «a realização de perícia colegial» (art. 468.º, n.º 1 do CPC).
Logo, a perícia singular passou (desde a reforma de 1995-1996 do CPC de 1961) a ser a regra, em vez da perícia colectiva.

Decidindo-se por uma perícia colegial, e na falta de acordo das partes na nomeação dos peritos, «cada parte escolhe um dos peritos e o juiz nomeia o terceiro» (n.º 2 do art. 468º citado).
Não se esquece que o «perito de cada uma das partes tem a tendência natural para dar dos factos a versão e a interpretação que convêm à pessoa que o nomeou (pecado de origem). Em vez de examinar os factos com absoluta objectividade e de os apreciar com perfeita serenidade e independência, a cada passo sucede que os deforma, mesmo involuntariamente, para os acomodar aos interesses da parte que supõe representar». Por forma a obsctacular a este mal, «o juiz exercerá o seu poder de livre apreciação sobre os laudos dos peritos das partes, os exageros dum lado serão temperados pelos exageros, em sentido contrário, do outro lado, e fica ainda o laudo do terceiro perito, presuntivamente mais imparcial» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume IV, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 203).
Contudo, a «maior credibilidade que porventura seja atribuída ao relatório subscrito pelo perito designado pelo tribunal, podendo constituir um paliativo, não é suficiente, sendo importante, através de pedidos de esclarecimento ou da exigência de melhores justificações, confrontar-se a opinião emitida pelos demais peritos, quando porventura as suas respostas suscitem dúvidas a respeito do modo como “perceccionaram” ou “apreciaram” os factos relevantes, em conexão com os atributos técnico-científicos que justificaram a sua intervenção (art. 388º do CC)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 535).

Com efeito, e independentemente de se estar perante uma perícia singular, ou uma perícia colegial, exige-se que o perito seja idóneo e competente na matéria em causa.
A aferição de uma outra, quando a lei não a pré-defina de forma imperativa (1), fica na disponibilidade do juiz, sem prejuízo de correntes boas práticas, como sejam «recorrer à lista de peritos da Relação respectiva, consultável em http:www.dgaj.mj.pt», no que tange a perícias de engenharia civil e arquitectura»; e, quanto «a perícias de índole financeira e contabilística, deve o tribunal solicitar a indicação de perito às ordens profissionais dos contabilistas certificados e dos revisores oficiais de contas» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 534).
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4.1.1.3. Segunda perícia - Objecto e regime

Lê-se no art. 487.º, n.º 2 do CPC que o «tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade».
Logo, o «próprio juiz pode, perante o resultado da primeira perícia, designadamente as contradições entre as posições dos peritos, quando ela tenha sido colegial, entender necessária a realização de uma segunda perícia» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Junho de 2017, pág. 342). A necessidade ou conveniência da sua realização, poderá radicar ainda no facto dos primeiros peritos terem visto mal os factos, ou terem emitido sobre eles juízos de valor que não mereceram confiança, ou que não satisfizeram (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume IV, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 297).

Mais se lê, no n.º 3.º do art. 487º citado que a «segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta».
Logo, o «objeto da segunda perícia coincide com o da primeira, isto é, com as questões de facto, indicadas pelas artes (art. 475-1 e 476-1) ou de iniciativa oficiosa, a que o juiz a tenha circunscrito (art. 476-2)».
Compreende-se, por isso, que se afirme que a segunda perícia não é uma nova perícia, mas apenas uma repetição da primeira. Por outras palavras, a «segunda perícia não constitui uma instância de recurso. Visa, sim, fornecer ao tribunal novos elementos relativamente aos factos que foram objeto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos (art. 488-a)) pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicial».
Contudo, tal «não impede que, dentro desse objeto, outros factos, que a primeira perícia devesse ter considerado mas que não haja considerado, sejam agora objeto de averiguação». O «que está vedado é requerer outra perícia com outro objeto» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Junho de 2017, págs. 342 e 343).

Quanto ao seu regime, lê-se no art. 488.º, n.º 1 do CPC que «a segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira, com as seguintes ressalvas: a) Não pode intervir na segunda perícia perito que tenha participado na primeira; b) Quando a primeira o tenha sido, a segunda perícia será colegial, tendo o mesmo número de peritos daquela».
Logo, tendencialmente a segunda perícia terá a mesma estrutura e o mesmo número de peritos da primeira (isto é, será singular ou colegial, consoante a primeira o tenha sido); mas nada impede que, sendo a primeira sido singular, a segunda seja colegial (2).
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4.1.1.4. Valor da prova pericial

Lê-se no art. 389.º do CC que a «força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal»; e lê-se no art. 489.º do CPC que a «segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal».
«Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 583).
Pondera-se, a propósito, que «o juiz, colocado, como está, num posto superior de observação, tendo em volta de si todo o material de instrução, todas as prova produzida, pode e deve exercer sobre elas as suas faculdades de análise crítica; e bem pode suceder que as razões invocada pelos peritos para justificar o seu laudo não sejam convincentes ou sejam até contrariadas e desmentidas por outras provas constantes dos autos ou adquiridas pelo tribunal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, págs. 183 e 184).

Precisa-se, porém, que, se por força desse princípio da livre convicção, o juiz não está obrigado a acatar as conclusões retiradas da perícia, também não pode deixar de entender-se que terá de justificar tal entendimento, rebatendo os argumentos nela expostos.

Com efeito, uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova; outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem técnica, científica ou artística; e com sujeição aos mesmos métodos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs.. 262-263, com bold apócrifo).

Logo, o «juiz, querendo responder, num certo sentido, a determinados pontos de facto controvertidos, relativamente aos quais o relatório pericial inculca uma resposta diferente, deverá naturalmente analisar criticamente as restantes provas (…) e mostrar, até certo ponto, que as razões invocadas pelos peritos para lograr determinadas respostas não são convincentes à luz do quadro mais geral de certas provas, que terão inculcado na mente do julgador uma diferente convicção» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, p. 560) (3).
Deverá, assim, reconhecer-se à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova (maxime, da prova testemunhal); mas, se em abstracto, se concede que nem sempre a razão estará do lado do maior número, há que igualmente admitir a possibilidade de um perito ser induzido em erro (4).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

4.1.2.1. Concretizando, verifica-se que, tendo o Requerido (D. C.) alegado nos autos a indivisibilidade (por múltiplas e distintas causas) dos oito prédios rústicos dele objecto, e requerido a realização de uma perícia que a comprovasse - a que os Requerentes (A. C. e mulher, A. P.) anuíram -, veio a mesma a ser ordenada, sob a forma colegial.
Mais se verifica que, indicando cada uma das partes o seu perito - o dos Requerentes uma engenheira topógrafa, e o dos Requerido um engenheiro agrícola -, o Tribunal a quo viria a escolher como perito próprio pessoa simultaneamente licenciada em engenharia florestal e em engenharia agronómica, e que ainda frequentou a acção de formação «Avaliação de Propriedades Rústicas», ministrada pela Ordem dos Engenheiros, região Norte (tudo conforme alegado nos autos, e não impugnado por qualquer das partes).
Por fim, verifica-se que, não obstante ter sido inicialmente indicado pela secretaria como sendo «engenheiro agrónomo» (no «TERMO DE NOTIFICAÇÃO» de fls. 23 dos autos), e tendo assinado o requerimento de junção do relatório pericial na qualidade de «Engº Agrónomo»), o perito indicado pelo Tribunal a quo esclareceu depois que nunca se inscreveu em qualquer das ordem profissionais que representam os engenheiros no nosso país, não obstante dispor de habilitações académicas idóneas para o efeito; e ter essa omissão radicado exclusivamente no seu entendimento de que a dita inscrição não seria «condição necessária para executar qualquer função ou para me candidatar a qualquer concurso ou proposta de emprego», não se onerando com o pagamento de «uma jóia e cota anual».
Será esta falta de inscrição na Ordem dos Engenheiros, ou na Ordem dos Engenheiros Técnicos, do perito nomeado pelo Tribunal a quo, suficiente para que se possa afirmar que não possui idoneidade e competência para a matéria dos autos ?

Dir-se-á, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que para se poder concluir desse modo seria necessário que, no caso dos autos, a lei imperativamente reservasse a realização da perícia em causa a quem detivesse o título de engenheiro; ou que a lei expressamente afirmasse que a apreciação da divisibilidade ou indivisibilidade de prédios rústicos constituísse um acto próprio e exclusivo de uma qualquer engenharia, que identificasse.
Ora, e compulsada nomeadamente a legislação citada pelo Requerido (D. C.) para o efeito, faz-se da mesma outra interpretação, isto é, se bem que afirme que a prática de actos de engenharia está reservada a engenheiros (isto é, a quem, dispondo de uma prévia habitação académica para o efeito, se haja inscrito numa das respectivas ordens profissionais), e que aqueles «são os constantes da Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho, e de outras leis que especialmente os consagram» (conforme art. 7.º, n.º 2 da Lei n.º 123/2015, de 2 de Setembro), não define em qualquer preceito como acto próprio e exclusivo da actividade de engenharia os implicados na perícia em causa nos autos.
Por outras palavras, se bem que se contenha na actividade própria de um engenheiro «a aplicação das ciências e técnicas respeitante às diferentes especialidades de engenharia nas atividades de investigação, conceção, estudo, projeto, fabrico, construção, produção, avaliação, fiscalização e controlo de qualidade e segurança, peritagem e auditoria de engenharia, incluindo a coordenação e gestão dessas atividades e outras com elas relacionadas» (conforme art. 7.º, n.º 1 da Lei n.º 123/2015, de 2 de Setembro), não está dito que a determinação da indivisibilidade de prédios rústicos integre necessariamente aquela actividade; e, mais importante, que lhe fique reservada de forma exclusiva (por mais nenhum outro saber ou especialidade - que não uma qualquer engenharia - ser idóneo ou competente para o efeito).
Dir-se-á ainda que o facto da Ordem dos Engenheiros, região Norte, ter ministrado uma acção de formação em avaliação de propriedades rústicas (aberta à frequência de engenheiros, e não engenheiros) inculca precisamente o contrário, pois não faria sentido que, cobrando por essa formação, e de forma acrescida a não engenheiros, defendesse que o formando que integrasse este último grupo não poderia depois rentabilizar os conhecimentos ministrados e adquiridos, em eventual prestação por ele próprio de um tal serviço a terceiros.
Dir-se-á, igualmente, que as respostas da Ordem dos Engenheiros (fls. 108), e da Ordem dos Engenheiros Técnicos (fls. 111, verso) juntas ao autos se limitam, respectivamente, a concluir que se está «igualmente perante a prática de um ato de engenharia sem a devida competência para tal», e que o perito nomeado pelo tribunal não preenche as condições para «efeitos de candidatura como perito judicial», precisamente por falta de inscrição em qualquer uma destas ordens profissionais; mas fizeram-no de forma absolutamente conforme com a concreta e precisa questão que, prévia e exclusivamente no que ora nos interessa) lhes foi colocada pelo Requerido (D. C.), isto é, se «esse mesmo cidadão, não obstante não se encontrar inscrito na Ordem dos Engenheiros [ou na Ordem dos Engenheiros Técnicos], está habilitado à realização de perícias no âmbito de um processo judicial».
Ora, reitera-se, o que está em causa nos autos não é a qualidade de perito judicial (isto é, dos que integram lista oficial da Relação a que pertence o Tribunal a quo, e limitada a perícias de engenharia civil e arquitectura), mas sim o carácter necessariamente reservado a uma qualquer engenharia (isto é, dela imperativamente exclusiva) da concreta perícia realizada; e, quanto a isso, nada foi esclarecido pelas informações prestadas pelas duas ordens profissionais em causa.

Concorda-se, assim, com o ajuizado no despacho recorrido, quando no mesmo se afirma que «não é legalmente exigido – ao contrário do que ocorre nos casos previstos no artigo 467.º, n.º 3 do CPC - em lado algum que o perito tenha o grau de engenheiro, mas apenas que tenha “idoneidade e competência na matéria em causa”».
Ora, considerando que o perito indicado possui, não uma, mas uma dupla licenciatura em engenharia - florestal e agronómica -, que qualquer delas está relacionada com a exploração de prédios rústicos, e que beneficiou ainda de uma formação em avaliação de propriedades rústicas, ministrada pela delegação do Norte da Ordem dos Engenheiros, não se tem por demonstrada a alegada falta de idoneidade e competência para intervir na perícia colegial realizada nos autos.
Dir-se-á ainda que, importando «aferir (…) se o referido perito se encontra habilitado, face às suas reais qualificações, para proceder à realização da perícia efectuada no âmbito dos presentes autos» (Ac. da RC, de 08.11.2016, Moreira do Carmo, Processo n.º 918/12.8TBCBR. C1), independentemente da sua não inscrição em qualquer uma das ordens profissionais que representam os engenheiros no nosso país, não se crê aqui aplicável o único acórdão citado pelo Requerido (D. C.) em abondo da sua posição (precisamente, o acabado de reproduzir).
Com efeito, o que nele estava em causa era a intervenção, como perito, de um «mero agente técnico de engenharia e arquitectura», em confronto com dois engenheiros civis, e não alguém duplamente licenciado em engenharia, sendo que qualquer delas com óbvio reporte à matéria objecto da perícia.

Não se vê, assim, razão para revogar a decisão do Tribunal a quo, quando o mesmo concluiu ela idoneidade e competência para a matéria da causa do perito que antes nomeara para intervir em seu nome a perícia colegial realizada nos autos.
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4.1.2.2. Concretizando novamente, verifica-se que o perito nomeado pelo Tribunal a quo não esclareceu inicialmente nos autos não ser engenheiro, por falta de inscrição em qualquer uma das ordens profissionais respectivas, mas sim licenciado em engenharia.
Verifica-se ainda que, nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 123/2015, de 2 de Setembro, « (…) a atribuição do título, o seu uso e o exercício da profissão de engenheiro dependem de inscrição como membro efetivo da Ordem, seja de forma liberal ou por conta de outrem, e independentemente do setor público, privado, cooperativo ou social em que a actividade seja exercida»; e que, nos termos n.º 4 do artigo 7.º do mesmo diploma, o «uso ilegal do título de engenheiro ou o exercício da respetiva profissão sem o cumprimento dos requisitos de acesso à profissão em território nacional são punidos nos termos da lei penal».
Por fim, verifica-se que, tendo o Requerido (D. C.) pedido que o Tribunal a quo extraísse certidão dos autos, e a remetesse ao Ministério Público e às ordens profissionais que representam os engenheiros no nosso país, para os fins tidos por convenientes, o Tribunal a quo o recusou, defendendo que, «não cabendo tal matéria, para além do já decidido, no âmbito dos presentes autos», caberia ao «Requerido, se assim o entender, proceder ao envio de tais documentos às entidades que entenda por convenientes».

Dir-se-á, a propósito, que o preenchimento do crime de usurpação de funções, previsto e punível no art. 358.º, al. b), do CP (5), não se basta com a invocação de um título profissional que não se possui, exigindo ainda que essa invocação seja acompanhada pelo exercício efectivo de profissão para o qual é conferido, ou a pratica de acto próprio da mesma.
Ora, e tal como referido antes, essa demonstração ficou por fazer no caso dos autos (isto é, ficou por demonstrar que a perícia realizada consubstanciasse acto próprio e exclusivo de uma qualquer engenharia).
Logo, e não obstante o juiz esteja obrigado a denunciar crime de que tome conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas (conforme arts. 242.º, n.º 1, b), do CPP), certo é que, no caso dos autos, não se mostra configurada a prática do único crime referido pelo Requerido (D. C.) nas suas alegações, por falta do seu elemento objectivo; e o próprio tê-lo-á implicitamente reconhecido, quando meramente admite que a confuta imputada ao perito nomeado pelo Tribunal a quo é «eventualmente punível nos termos da Lei Penal», é «susceptível até de eventualmente integrar a prática de ilícito criminal», sem nunca o afirmar assertivamente.

Já relativamente à extracção e envio de idêntica certidão às ordens profissionais que representam os engenheiros portugueses, não estava o mesmo Tribunal a quo obrigado por lei a fazê-lo; e tal actuação consubstanciaria mesmo um acto inútil, uma vez que as ditas ordens já tiveram conhecimento, pelo próprio Requerido (D. C.), da actuação em causa, podendo, sendo caso disso, reagir à mesma pelos meios, e com as diligências, que entendam por convenientes.

Não se vê, assim, razão para revogar a decisão do Tribunal a quo, quando o mesmo se absteve de extrair qualquer certidão dos autos e de a remeter para o Ministério Público ou para as duas ordens profissionais em causa, uma vez que no primeiro caso não se teve por praticado qualquer crime, e no segundo não só não estava obrigado a essa prática, como aquelas ordens já obtiveram conhecimento dos factos em causa.
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4.1.2.3. Concretizando uma vez mais, verifica-se que, tendo sido realizada uma primeira perícia colegial nos autos, com um objecto previamente definido, mercê do que ambas as partes propuseram para ela (concretas questões que enunciaram), veio o Tribunal a quo decidir realizar uma segunda, de novo colegial, e com o mesmo objecto da primeira.
Ao fazê-lo, actuou na estrita margem dos poderes que, para o efeito, a lei lhe confere, nomeadamente face ao disposto no art. 927.º, n.º 3 do CPC que expressamente citou (onde se lê que, uma vez apresentado relatório pericial, «o juiz decide segundo o seu prudente arbítrio, podendo fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia»); e ainda no que tange à definição do seu objecto, exclusivamente decalcado sobre, e repetindo o, que fora proposta e determinado para a primeira.
Assim, e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, consideram-se extemporâneas as objecções agora levantadas pelo Requerido (D. C.) quanto a parte do seu âmbito, por alegadamente colidir com o objecto da acção de divisão de comum em causa (objecções essas não apresentadas, quando foi proferido despacho definindo o objecto a primeira perícia aqui em causa).

Não se vê, assim, razão para revogar a decisão do Tribunal a quo, quando o mesmo determinou oficiosamente «a realização de segunda perícia em modo colegial, com o mesmo objecto já definido para a primeira perícia efectuada nestes autos».
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4.2. Obtenção de informações junto de terceiros

4.2.1.1. Direito à prova

Lê-se no art. 342.º do CC que àquele «que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), sendo que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2).
Logo, a iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto - e não ao tribunal -, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art. 346.º do CC, e art. 414.º do CPC).
«Ora, para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 207), corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º da CRP (6).
Precisa-se, porém, que incumbe ao tribunal remover qualquer obstáculo que as partes aleguem estar a condicionar o seu ónus probatório (art. 7.º, n.º 4 do CPC), bem como realizar ou ordenar oficiosamente «todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quando aos factos de que é lícito conhecer» (art. 411.º do CPC).
Deverá ainda ter presente que uma diligência de prova só será impertinente (e deverá, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa.
Por fim, deverá assegurar aqui, como ao longo de todo o processo, «um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente (…) no uso dos meios de defesa» (art. 4.º do CPC) - emanação do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC) - isto é, quanto à possibilidade de utilização dos meios de prova, assegurando o que se designa usualmente pelo princípio de igualdade de armas.
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4.2.1.2. Obtenção de informações junto de terceiros

Lê-se no art. 410.º do CPC, que «a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova».
Mais se lê, no art. 436.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC que «incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade», podendo essa requisição ser «feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros».

Contudo, desde cedo se entendeu que esta disposição legal só faria sentido relativamente àqueles elementos probatórias que a parte, por si mesma, não pudesse obter, necessitando por isso que o Tribunal, por meio de requisição oficial, ultrapassasse a respectiva impossibilidade.

Por outras palavras, «pode o juiz indeferir o requerimento se entender que a pretensão do requerente não tem razão de ser; é o caso de a parte pretender a junção de documento que ela própria possa obter.

Seria inadmissível que uma das partes requeresse, por exemplo, a notificação da parte contrária para juntar ao processo certidão de documento autêntico oficial ou extra-oficial; desde que o requerente tem a possibilidade de, por si, conseguir cópia do documento, não faz sentido que pretenda servir-se da cópia existente em poder da parte contrária» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 40, a propósito do preceito correspondente ao actual art. 429.º do CPC, sendo que a pág. 45 afirma, a propósito do preceito correspondente ao actual art. 425.º, «tem cabimento aqui a mesma observação que fizemos a propósitos dos arts. 552º e 553º», uma vez que «o regime do art. 554º só tem razão de ser a respeito de documentos que o requerente não possa obter por si»).
Lê-se ainda, no art. 437.º do CPC, que as «partes e terceiros que não cumpram a requisição incorrem em multa, salvo se justificarem o seu procedimento, sem prejuízo dos meios coercitivos destinados ao cumprimento da requisição»; e, no art. 439.º do mesmo diploma que a «obtenção dos documentos [ou outros elementos] será notificada às partes».
Por fim, lê-se no art. 927.º, n.º 3 do CPC que, junto o relatório pericial aos autos de acção de divisão de coisa comum, «o juiz decide segundo o seu prudente arbítrio, podendo fazer preceder a emissão da realização de segunda perícia ou de quaisquer outras diligências que considere necessárias».
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, junto as autos de divisão de coisa comum o relatório pericial resultante de primeira perícia (colegial) nele determinada, o Tribunal a quo entendeu, não só ordenar a realização de uma segunda perícia, como ordenar a notificação: da Direcção Regional de Agricultura e Pescas, do Norte, para prestar informações pertinentes a eventuais projectos de ajudas que tivessem por objecto os prédios rústicos cuja divisão ali se pretende operar (identificação dos imóveis abrangidos, prazo de execução dos contratos, montante global pago e/ou a pagar a título de financiamento/ajudas, identificação do beneficiário do financiamento/ajudas, e esclarecimento sobre se a divisão dos prédios em substância implicaria o não financiamento e/ou a devolução de ajudas entretanto recebidas); e Cooperativa dos Olivicultores, bem como da Adega Cooperativa, de …, para informarem quais os valores entregues ao Requerido (D. C.), entre os anos de 2003 e 2016, pela produção de azeite e vinho, relacionada com os imóveis objecto de divisão.
Mais se verifica que o primeiro daqueles pedidos de obtenção de informações foi apresentado pelos Requerentes (A. C. e mulher, A. P.) no final da sua réplica, e que o segundo foi apresentado por eles em requerimento avulso.
Por fim, verifica-se que o Requerido (D. C.) exerceu quanto a qualquer deles o seu direito de contraditório, nomeadamente desde logo defendendo que «tal informação a obter das referidas entidades é despicienda para os presentes autos», devendo por isso «ser considerado um ato inútil» (o que reiterou na suas alegações de recurso, acrescentando ainda que, a ser deferida, permitira uma cumulação ilegal de pedidos); e ser a mesma «privada e confidencial do Requerido», estando sujeita a sigilo comercial (o que reiterou nas suas alegações de recurso).

Dir-se-á, a propósito, que foi o próprio Requerido (D. C.) quem, na contestação que apresentou nos autos, invocou como um dos fundamentos de indivisibilidade em substância de parte dos prédios rústicos aqui em causa: resultar da divisão uma unidade mínima de cultura inferior à mínima legal, mercê nomeadamente da natureza da exploração agrícola que neles exerce desde o ano de 2003, defendendo que «primeiramente deverá ser efectuada uma classificação dos terrenos em função do predomínio das culturas neles existentes», já que «essa área de unidade de cultura varia consoante os terrenos são de sequeiro ou de regadio arvense ou regadio hortícula»; resultar da divisão uma «questão das águas e suas serventias», que poderia «comprometer o regadia das culturas e plantações de olival, vinha, amendoal e outras, existentes nos restantes prédios, cujas consequências originarão avultados prejuízos, não só económicos, mas sobretudo para a natureza e ecossistema daquela região»; impor-se o respeito pelo Plano Directório Municipal ..., na definição que faz de espaços agrícolas e florestais, uma vez que «nos prédios rústicos acima identificados, existe uma exploração agrícola, a qual compreende uma ampla área de cerca de 51,56 Hectares de cultural de Olival; uma área de cerca de 17,57 hectares de cultura de Amendoal; e ainda mais 7,1 Hectare de Vinha, e uma hora», tudo «desde Maio de 2003, gerida e explorada exclusivamente pelo Requerido», podendo advir do fraccionamento «prejuízos incalculáveis para as culturas ali existentes e consequente destabilização ecológica, bem como uma eventual inviabilidade técnico-económica da exploração agrícola ali existente»; e a necessidade de respeitar o contrato de arrendamento rural que, desde 26 de Março de 2003, lhe permite explorar, na qualidade de respectivo arrendatário, todos aqueles prédios.
Compreende-se, por isso, que essa matéria se contivesse nas questões concretas que desde logo enunciou como objecto de futura perícia, nomeadamente quando nelas exarou: «2 - Qual a cultura predominante em cada um dos referidos prédios ?»; «8º - Caso se conclua pela indivisibilidade individual dos prédios objecto da presente acção, seria, não obstante, ainda possível, a formação de dois lotes onde se incluísse, em cada qual, os prédios que entre si formem uma mesma unidade produtiva ?»; 9º - Em caso afirmativo, quais os prédios rústicos que deveriam integrar cada um dos lotes ?»; e «10º - Qual o valor médio anual dos rendimentos obtidos pela venda dos produtos produzidos em cada um dos prédios, desde o ano de 2003 até à actualidade ?».

Face ao exposto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não se vê como é que o pedido de obtenção de informações formulado de seguida pelos Requerentes (pertinente, precisamente, ao apuramento do rendimento obtido pelo Requerido com a alegada exploração agrícola feita dos prédios em causa, no concreto período por ele referido, de 2003 até à actualidade), extravase o objecto que ele próprio pré-definiu para a sua defesa, e para a perícia que impetrou, com vista à respectiva prova; e muito menos se vê como possa essa obtenção de informações junto de terceiros consubstanciar uma qualquer cumulação ilegal de pedidos, ou um qualquer erro na forma de processo, já que o pedido inicialmente formulado é o único que o Tribunal a quo terá que apreciar e decidir.

Mais se dirá que, não foi violado qualquer princípio de contraditório (na decisão de requisição oficiosa de tais informações, junto de terceiros), uma vez que o Requerido (D. C.) exerceu oportunamente aquele seu direito, nomeadamente apresentado os argumentos pelos quais pretendia ver indeferida a realização de uma tal diligência de prova; e, face ao resultado que venha a apresentar, poderá sempre pronunciar-se, juntando então para o efeito os elementos que tiver por convenientes.

Dir-se-á ainda que também não se vê de que modo esteja em causa a violação de um qualquer dever de sigilo que proteja a escrita comercial do Requerido (D. C.) - que invocou para efeito o art. 41.º do CCom -, já que não é a sua escritura mercantil que está a ser objecto de qualquer exame ou devassa.

Por fim, dir-se-á que inexiste qualquer nulidade, por falta de fundamentação, no despacho que deferiu a obtenção de informações, ou omissão de pronúncia (arts. 152.º, n.º 1, 154.º, 613.º, n.º 3, e 615.º, n.º1, als. b) e d), todos do CPC).
Com efeito, é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que: a primeira (falta de fundamentação) só ocorrerá quando for absoluta a falta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (7); e a segunda (omissão de pronúncia) só ocorrerá quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo) (8).

Não se vê, assim, razão para revogar a decisão do Tribunal a quo, quando o mesmo ordenou a notificação de Terceiros para prestarem nos autos informações pertinentes à exploração agrícola alegadamente realizada pelo Requerido (D. C.), desde o ano de 2003, nos prédios rústicos objecto de divisão.
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Deverá, por isso, decidir-se em conformidade, julgando totalmente improcedente o seu recurso de apelação, e confirmando integralmente as decisões recorridas.
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Requerido (D. C.) e, em consequência, em :

· Confirmar integralmente os despachos recorridos.
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Custas pelo Recorrente (art. 527.º, n.º 1 do CPC).
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Guimarães, 17 de Dezembro de 2019.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.



1. É, nomeadamente, o caso dos peritos e árbitros no âmbito dos procedimentos para a declaração de utilidade pública e para a posse administrativa dos processos de expropriação, cujos procedimentos de selecção e recrutamento, bem como de elaboração, publicação e actualização das respectivas listas oficiais, compete à Direcção-Geral da Administração da Justiça (conforme Decreto-Lei n.º 125/2002, de 10 de Maio). É, ainda, o caso dos peritos habilitados a prestar serviços de avaliação de imóveis a entidades do sistema financeiro nacional, registados na CMVM, a quem cabe proceder à divulgação da respectiva lista oficial (conforme Lei n.º 153/2015, de 14 de Setembro).
2. Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Junho de 2017, pág. 344; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 547; ou Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 378.
3. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 01.10.2015, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 40/12.7TBSBR.G1, onde se lê que «sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva». Ainda Ac. da RE, de 03.11.2016, José Manuel Galo Tomé de Carvalho, Processo n.º 232/10.3T2GDL.E1, onde se lê que as «conclusões apresentadas pelos peritos – unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes – só devem ser afastadas se o julgador, nos seus poderes de livre apreciação da prova, decorrentes dos artigos 655º e 591º do Código de Processo Civil, quando se constata que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se lhe deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correcção». Reiterando-o, Ac. da RE, de 09.03.2017, Albertina Pedroso, Processo n.º 81/14.0T8FAR.E1.
4. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 08.10.2015, Maria de Deus Correia, Processo n.º 8264/09.8T2SNT.L2-6, onde se lê que, «se, por definição, o que está em causa [na prova pericial] é a apreciação de factos para a qual são necessários conhecimentos especiais que o juiz não possui, impõe-se concluir que para apreciar esses factos, o juiz irá fundamentar-se principal ou mesmo exclusivamente, nessa mesma prova, por ser a mais idónea para o efeito»; e se «tiver sido feita a peritagem por três peritos e vier a ocorrer divergência entre os mesmos, havendo o acordo de dois peritos sobre determinada matéria e estando o outro perito em desacordo, na normalidade das situações, é razoável que o juiz opte pelo parecer técnico que obteve maioria», já que «há maior probabilidade de acerto no caso de serem dois peritos a afirmar determinado facto, em relação à afirmação defendida apenas por um perito».
5. Lê-se no art. 358.º, al. b), do CP que comete o crime de usurpação de funções quem exercer «profissão ou praticar acto próprio de uma profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê-las, quando o não possui ou não as preenche».
6. A propósito do direito à prova como parte do direito à tutela jurisdicional efectiva, face a decisões do Tribunal Constitucional Português, vide Nuno Lemos Jorge, «DIREITO À PROVA: BREVÍSSIMO ROTEIRO JURISPRUDENCIAL», Julgar, N.º 6, 2008, págs. 99 a 106.
7. Vide por todos, neste sentido, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332.
8. «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.143. Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, nº 439, pág. 526, Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 161, Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, pág. 105, e Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira).