Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
561/12.1TBAMR-A.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ALEGAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Sumário: - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º NCPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) M… veio deduzir oposição à execução mediante embargos na execução que a exequente R…, Lda, lhe moveu, onde conclui entendendo deverem os mesmos serem julgados procedentes por provados, levantando-se a penhora registada sobre o imóvel em questão.
Para tanto alega, em síntese, que não teve conhecimento da injunção contra si proposta, o que a impossibilitou de se defender.
De qualquer maneira, a embargante não adjudicou à exequente a realização de quaisquer trabalhos na sua habitação, uma vez que as obras foram adjudicadas e pagas a outra empresa.
A exequente e embargada R…, Lda, apresentou contestação onde conclui deverem os embargos serem julgados improcedentes, por não provados e, em consequência, ser a embargante condenada ao pagamento da quantia exequenda, bem como em indemnização nunca inferior a €2.000,00 por litigância de má-fé.
Foi proferido despacho saneador e dispensada a realização de audiência prévia.
Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar procedente a oposição e, em consequência, determinar a extinção da instância executiva.
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B) Inconformada com a sentença, veio a exequente e embargada R…, Lda, interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (fls. 229).
Nas alegações de recurso da apelante R…, Lda, são formuladas as seguintes conclusões:
1) A ora recorrente estabeleceu com a ora recorrida uma relação comercial, na qual a primeira forneceu à segunda serviços de carpintaria, não tendo aqueles sido liquidados pela executada, ora recorrida.
2) Nestes termos, e a fim de ver o seu trabalho ressarcido, a recorrente intentou, junto do Balcão Nacional de Injunções, procedimento de injunção, no qual peticionava o montante de €5.662,80 (cinco mil, seiscentos e sessenta e dois euros e oitenta cêntimos), acrescido de juros de mora, referentes aos serviços não liquidados pela ora recorrida.
3) A recorrida, notificada da ação executiva veio, mediante embargos de executado, alegar, entre outras questões, que não teve conhecimento de qualquer Injunção, pelo que não teve possibilidade de defesa, uma vez que mora em França e que só vem a Portugal pelas suas férias e que tal facto é do conhecimento da ora recorrente; e que, quando em Portugal, tem a sua residência na Avenida de…, freguesia de Ferreiros, concelho de Amares;
4) A ora recorrente contestou alegando, sucintamente, que o requerimento de Injunção foi remetido (primeiramente) para a morada de França e que só posteriormente o Balcão Nacional de Injunções é que o remeteu para a morada fiscal da recorrida, sita na Avenida de…, em Amares.
5) Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo, decidiu julgar procedentes os embargos apresentados, tendo dado como provados, designadamente que “a opoente reside em …, Marselha, França” e que “o requerimento de Injunção apresentado à execução foi depositado na caixa de correio do prédio sito na Avenida …., Ferreiros, Amares”,
6) Concluindo pois pela falta de citação da ora recorrida.
7) Acontece que a ora recorrente não se conforma com a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo. Porquanto,
8) Que a morada para a qual foi remetido, inicialmente, o requerimento de injunção foi a morada de França, mais concretamente para …, Marselha – cfr. doc. nº 1 junto.
9) Que o Balcão Nacional de Injunções depositou a missiva naquela morada de França, tendo a mesma aí permanecido depositada durante o período previsto, não tendo sido reclamada pela ora recorrida no prazo para o efeito, e por isso devolvida ao Balcão Nacional de Injunções - cfr. doc. nº 2 junto.
10) Que tendo-se frustrado todas as tentativas de entrega da missiva na morada indicada pela ora recorrente no requerimento de injunção, ou seja, na morada de França, o Balcão Nacional de Injunções procedeu a uma busca no seu sistema tendo-se deparado que a morada fiscal da ora recorrida é na Avenida de…, em Amares – cfr. doc. nº 3 junto.
11) Que o Balcão Nacional de Injunções, para o efeito, deu cumprimento ao estipulado no artigo 12º do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1º do Diploma Preambular, anexo ao Decreto-lei nº 269/98, de 1 de Setembro, com todas as devidas e legais alterações, e procedeu à notificação da ora recorrida para aquela morada, em Portugal – cfr. doc. nº 4 junto.
12) Qua a falta de notificação/conhecimento do requerimento de Injunção não é da responsabilidade da ora recorrente.
13) Que a ora recorrente indicou ao Balcão Nacional de Injunções a morada onde a recorrida reside, ou seja, em França.
14) Que o requerimento de Injunção foi remetido para a morada de França, a mesma morada em que recebeu a recorrida a fatura enviada pela ora recorrente (e que ficou provado, em sede de julgamento, ser a morada da ora recorrida), pelo que se a recorrida não recebeu a Injunção é por causa que lhe é imputável.
15) Que a recorrente não pode ficar prejudicada por algo que não é da sua responsabilidade.
16) Que se a ora recorrida recebeu a fatura nº 191, remetida pela ora recorrente, na sua morada em França, tinha, necessariamente, que ter recebido a missiva proveniente do Balcão Nacional de Injunções, cujo aviso de receção esteve depositado na sua caixa de correio em França, não tendo sido a missiva reclamada porque a recorrida assim não o quis.
17) Que, mais tarde, a recorrida recebeu o requerimento executivo na morada de Portugal (ao qual deduziu os embargos de executado), o que é inacreditável!!!
18) Não se compreende, portanto, não ter recebido o requerimento de injunção em nenhuma daquelas moradas, nem em França nem em Portugal…
19) Que a testemunha E… confessou, em sede de julgamento, ser quem toma conta do apartamento sito em Amares, domicílio fiscal da recorrida, onde foi depositada a missiva do Balcão Nacional de Injunções e, mais tarde, recebido o requerimento executivo.
20) Era, portanto, a testemunha, a responsável pela receção da correspondência da recorrida em Portugal.
21) Que a recorrida ignorou, propositadamente, quer em Portugal, quer em França, a comunicação proveniente do Balcão Nacional de Injunções para assim se furtar às suas responsabilidades.
22) Que, independentemente de quem recebeu o requerimento executivo (quer tenha sido a própria recorrida, quer tenha sido qualquer terceiro a quem estava incumbida essa tarefa), a verdade é que o receberam – pelo que tinham necessariamente que ter recebido, igualmente, o requerimento de Injunção.
23) Que a recorrida tinha, pelo menos, 15 dias para se opor à injunção: mais nos estranha, ainda, que durante 15 dias ninguém tenha ido à caixa de correio!
24) Posto isto, é a falta de citação imputável à ora recorrida, que com culpa não quis receber a notificação do Balcão Nacional de Injunções, visto que aquela esteve depositada nas suas duas moradas, na habitual e na fiscal.
25) Que jamais o Meritíssimo Juiz, com o respeito que lhe é devido, deveria ter decidido no sentido em que o fez, uma vez que todos os indícios factuais indicam para a falta culposa de citação,
26) Cuja cominação deveria ter sido a citação da recorrida, que agora se reclama.
27) Pelo que o recorrente se sente injustiçado e vitima da própria lei - artigo 12º nº 3 e nº 5 do Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1º do Diploma Preambular, anexo ao Decreto-lei nº 269/98, de 1 de Setembro, com todas as devidas e legais alterações -, na qual se pode ler “no caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência (…) do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da Segurança Social, da Direção Geral dos Impostos e da Direção Geral de Viação” e “se a residência (…) do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir para o local obtido nas bases de dados de todos os serviços inumerados no n.º 3, ou se nestes constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais”.
Conclui entendendo que a decisão a proferir deverá conduzir a um certo resultado que não seja o definido pela douta sentença, devendo a sentença ser corrigida, devendo a falta de citação/notificação da Injunção ser imputável à ora recorrida e, em consequência, considerar-se a mesma citada.
Não foi apresentada resposta.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir neste recurso são as de saber:
1) Se é possível e em que termos, a junção de documentos com as alegações de recurso;
2) Se deverá ser alterada a decisão recorrida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Considera-se provada a seguinte matéria de facto:
1) A opoente reside em …, Marselha, França.
2) O requerimento de injunção apresentado à execução foi depositado na caixa do correio do prédio sito na Avenida …, Ferreiros, Amares.
3) A opoente contratou com a ora exequente obras extras no seu prédio sito na Portela, Amares, no valor de 5.894,48 euros.
4) A opoente não liquidou à exequente o valor dessas obras extras que contratou com a exequente.
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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC).
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C) A apelante discorda da decisão proferida no que se refere à alegada falta de citação da recorrida, referindo que o Balcão Nacional de Injunções depositou a carta na residência em França em …, Marselha e a mesma permaneceu aí durante o período previsto, não tendo sido reclamada pela recorrida no prazo e devolvida ao Balcão Nacional de Injunções, tendo junto documentos com as alegações.
Importa notar que a matéria de facto a ter em conta é a que foi dada como provada na 1ª Instância, e não outra, uma vez que o recurso se limita à matéria de direito, dado que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 640º do NCPC.
Por outro lado, importa apreciar se é possível a junção de documentos com as alegações de recurso.
E como se pode ler no Acórdão desta Relação de Guimarães de 29/04/2014, proferido na Apelação nº 5439/12.6TBBRG, relatado pelo Desembargador António Santos, “para decisão da questão em apreço, importa no essencial atentar no preceituado no artigo 651 nº 1 do CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013,de 26 de Junho (NCPC) [considerando que o recurso incide sobre decisão proferida - em ação instaurada após 171/2008 - após 01/09/2013 e tendo presente o disposto nos artigos 5º nº 1 e 7º nº 1, ambos do citado diploma legal], rezando ele que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º NCPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
De igual modo e desde logo em face da referência ao mesmo no âmbito do preceito do artigo 651º nº 1 citado, justifica-se atentar no disposto no artigo 425º do NCPC, preceito este que dispõe: “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Conjugando ambas as referidas disposições com a do artigo 423º, quer o seu nº 1, quer o respetivo nº 2 do NCPC, tudo aponta para que os documentos possam ser juntos pelas partes até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, e, após o referido momento, podem ainda ser carreados para o processo e para serem ainda valorados pela primeira instância, até ao momento do encerramento da discussão (cfr. artigo 425º do NCPC) ou seja, até à conclusão das alegações orais (de facto e de direito - cfr. alínea e) do nº 3 do artigo 604º) e subsequente encerramento da audiência, e desde que a sua apresentação não tenha sido possível até então, objetiva ou subjetivamente, ou a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de uma ocorrência posterior (cfr. nº 3 do artigo 423º do NCPC).
Já depois do encerramento da audiência, no caso de recurso, a apresentação de documentos, sendo permitida desde que juntos com as alegações, lícita/admissível é tão só desde que se verifique uma de duas situações, a saber: a) Quando a sua apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, quer por impossibilidade objetiva (inexistência do documento em momento anterior), quer subjetiva (v.g. ignorância sobre a sua existência); b) Quando a sua junção se tenha tornado necessária devido ao julgamento na 1ª instância - v.g. quando a decisão proferida não era de todo expectável, tendo-se ancorado em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes, justificadamente, não contavam.
No que à situação referida em segundo lugar concerne, explica Abrantes Geraldes (In Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, pág. 254) que a admissibilidade da junção de documentos em sede recursória, justifica-se designadamente quando a parte/recorrente tenha sido surpreendida com o julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos documentos já constantes do processo.
Dito de uma outra forma (cfr. Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2dª Edição, Almedina, pág. 123),” a junção só tem razão de ser quando a fundamentação da sentença ou o objeto da decisão fazem surgir a necessidade de provar factos cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela.”
Ainda com referência à situação referida em segundo lugar, mas com a habitual clareza, sabedoria e rigor, diz-nos o Prof. Antunes Varela (em anotação ao Ac. do STJ de 09.12.1980, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, págs. 91 e segs.) que não basta, para que a junção do documento seja permitida, que ela seja necessária em face do julgamento da 1ª instância, exigindo-se outrossim que tal junção só (apenas) se tenha tornado necessária em virtude desse julgamento.
Tal equivale a dizer que, se a junção já era necessária (quer para fundamentar a ação, quer para ancorar a defesa) antes de ser proferida a decisão da 1ª instância, então não deve ela ser permitida.
Em suma, esclarece o saudoso Mestre, a decisão da 1ª instância “pode criar, pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam.
Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil.”
Comparando agora os atuais normativos que regulam a junção de documentos em sede recursória, com os artigos 524º e 693º-B, ambos do pretérito CPC, dir-se-á que, com as alterações introduzidas (maxime com a não inclusão no atual artigo 425º do nº 2, do nº 2, do pretérito artigo 524º, e, com a eliminação no atual 651º, da alusão que constava do pretérito artigo 693º-B, a algumas situações de recursos interpostos de decisões interlocutórias), lícito é concluir que o legislador como que deu um passo atrás no que concerne à possibilidade de junção de documentos em sede de recurso, alinhando e reforçando o entendimento de que, em rigor, a junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância.”
Do exposto resulta que os documentos que a apelante junta com as suas alegações podiam (e deviam) ser juntos na 1ª Instância, não sendo possível a sua junção com as alegações de recurso.
E, portanto, se consta da matéria de facto dada como provada que:
- A opoente reside em …, Marselha, França.
- O requerimento de injunção apresentado à execução foi depositado na caixa do correio do prédio sito na Avenida …, Ferreiros, Amares, então, não pode deixar de se concluir nos mesmos termos que conclui a decisão do tribunal a quo.
Isto é, não se pode deixar de considerar que a executada e apelada não foi validamente citada, pelo que é nulo todo o processado depois da petição inicial, salvando-se apenas esta (artigo 187º NCPC).
Termos em que a apelação terá de improceder e confirmar-se a douta sentença recorrida.
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D) Em conclusão:
- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º NCPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se julgar a apelação improcedente e confirmar-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Guimarães, 22/01/2015
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas