Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2230/21.2T8BRG.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
LEI APLICÁVEL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A lei aplicável à denúncia de um contrato de arrendamento é a da data da comunicação da mesma pelo senhorio ao arrendatário.
- Tendo um estabelecimento comercial obtido da Câmara Municipal o reconhecimento de estabelecimento de interesse histórico ao abrigo da Lei nº 42/2017 de 14 de junho, em data posterior à denúncia do contrato pelo senhorio e ao conhecimento desta intenção por parte da arrendatária, esta não pode beneficiar de tal regime, nomeadamente do disposto no nº 2 do art. 13º do mesmo.
- Com efeito, antes da concessão do reconhecimento e proteção acima mencionados, já se havia constituído na esfera jurídica das senhorias o direito à denúncia do contrato nas circunstâncias vigentes à data da mesma e estas já o tinham adequadamente exercido.
- A privação do uso de um imóvel por ocupação ilícita do mesmo, após a cessação do contrato de arrendamento por decurso do prazo de denúncia, consubstancia um dano ao lesado seu proprietário, que deve ser compensado.
- Caso não se prove o valor locativo do imóvel, a indemnização deve ser fixada com recurso à equidade, no valor que a arrendatária pagava mensalmente a título de renda.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

As autoras AA e AA, residentes na Rua ..., ..., em ..., ..., intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra a ré ÓPTICA ..., LDª, com sede na Rua ... (...), ..., pedindo que:

a. A ré seja condenada a reconhecer que as autoras são proprietárias do prédio urbano que descrevem;
b. A ré seja condenada a reconhecer a validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento correspondente ao ... do prédio urbano, com efeito, senão antes, no dia 1 de fevereiro de 2020;
c. A ré seja condenada a restituir às autoras o ... do prédio urbano livre de pessoas e bens;
d. A ré seja condenada a pagar às autoras a quantia mensal de € 2.000,00 a título de indemnização pela ocupação do ... a partir do dia 1 de fevereiro de 2020 até à sua restituição livre de pessoas e bens, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva a partir do dia 2 de abril de 2021 até integral pagamento, sendo o valor em dívida na data da propositura da ação de € 30.000,00;
e. A ré seja condenada a reconhecer o direito das autoras a fazerem sua a quantia de € 8.701,98 que foi paga pela ré, sendo este montante deduzido à indemnização que é devida.

Subsidiariamente:
f. Para a hipótese de não ser considerado que é devida a quantia mensal de € 2.000,00, deve a ré ser condenada a pagar às autoras a quantia mensal de, pelo menos, € 1.400,00 a título de indemnização pela ocupação do ... a partir do dia 1 de fevereiro de 2020 até à sua restituição livre de pessoas e bens, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva a partir do dia 2 de abril de 2021 até integral pagamento, sendo o valor em dívida na data da propositura da ação de € 21.000,00;
g. Para a hipótese de não ser considerado que é devida a quantia mensal de € 1.400,00, deve a ré ser condenada a pagar às autoras a quantia mensal de € 725,15 a título de indemnização pela ocupação do ... a partir do dia 1 de Fevereiro de 2020 até à sua restituição livre de pessoas e bens, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva a partir do dia 2 de Abril de 2021 até integral pagamento, sendo o valor em dívida na data da propositura da ação de € 10.877,25.

Também subsidiariamente:
h. Para a hipótese de se considerar que a denúncia do contrato de arrendamento só produziu efeitos decorridos cinco anos após a comunicação à ré, deve esta ser condenada a reconhecer que os efeitos se produziram no dia 1 de fevereiro de 2023 e a entregar o ... livre de pessoas e bens nesta data, sem prejuízo das obrigações que resultam do contrato de arrendamento;
i. Igualmente para esta hipótese, deve a ré ser condenada a pagar as rendas devidas, com o acréscimo legal resultante da mora.
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As autoras alegam que são proprietárias do prédio urbano que descrevem. No dia 29 de dezembro de 2000 celebraram com a ré um contrato de arrendamento relativo ao ... deste prédio urbano. O arrendamento teve início no dia 1 de janeiro de 2001 e destinou-se a ser explorado pela ré um estabelecimento comercial de venda a retalho de material ótico, serviços no domínio da ótica ocular, fotográfico, cinematrográfico, audiometria e instrumentos de precisão. No dia 28 de dezembro de 2017 comunicaram à ré a denúncia do contrato de arrendamento com efeitos a partir do dia 1 de fevereiro de 2020. A denúncia foi realizada nos termos do art. 1101º al. c) do Cód. Civil. A ré não procedeu à entrega do .... Assim, as autoras pretendem a sua condenação a proceder à entrega e a indemnizá-las pelos prejuízos que lhes foram causados.
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A ré contestou alegando que o estabelecimento comercial que explora existe há 125 anos e funciona no ... há mais de 100 anos. O ... foi utilizado pelos sucessivos proprietários do estabelecimento comercial sempre como arrendatários, tendo sido sempre paga a renda que era devida. No dia 29 de dezembro de 2000 não foi celebrado um novo contrato de arrendamento. Nesta altura o ... era utilizado ao abrigo de um contrato de arrendamento que era o mesmo desde há várias de dezenas de anos. O que se passou foi que o proprietário do estabelecimento comercial constituiu a sociedade comercial ré juntamente com o filho e os netos e, por acordo com as autoras, foi celebrado um documento em que passava a figurar como arrendatária a ré. Acrescenta que o estabelecimento comercial foi reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural, pelo que beneficia do regime previsto na Lei nº42/2017 de 14 de junho. Assim, as autoras não têm direito à denúncia do contrato de arrendamento e a ré não está obrigada a entregar o ....

O tribunal de 1ª instância proferiu decisão nos seguintes termos:

Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré:

1. A reconhecer que as autoras são proprietárias do prédio urbano de ... e quatro andares sito na Rua ..., ..., na união de freguesias ... (... e ...), em ..., descrito no art. ... da matriz predial e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº...73;
2. A reconhecer o direito das autoras a fazerem sua a quantia de € 8.701,98 que foi paga pela ré;
3. No mais, absolvo a ré dos pedidos contra si formulados. *
Custas a cargo das autoras.”.
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Inconformadas vieram as Autoras recorrer formulando as seguintes Conclusões:

1. Resulta o presente recurso, que versa matéria de facto e de direito, do inconformismo das Recorrentes relativamente à douta sentença, que julgou a ação “parcialmente procedente”, imputando ainda a totalidade das custas às AA., ora Apelantes, pelo que, sem prejuízo da absoluta discordância quanto ao decidido pelo Tribunal a quo.
2. Mesmo sem alteração da matéria de facto, a resposta dada no ponto 11 da matéria de facto provada, conjugada com os demais (1 a 10 e 12 a 17), não permite ao tribunal sustentar que o contrato de arrendamento de 29.12.2020 (deficientemente transcrito e de forma restritiva nessa resposta, como se extrai de fls. 16 dos autos) visou apenas harmonizar uma situação contabilística e sempre foi e é o mesmo, situação que configura evidente erro de julgamento.
3. Não existe sequer qualquer relação/ligação entre o facto 9 e 11 da matéria de facto provada (MFP), ou outros (apesar da contradição com o facto 10), a respeito do contrato de 29.12.2020 ser, em termos de facto e de direito, “desde sempre”, o mesmo e/ou que o permita sustentar, muito menos decidir nessa conformidade, o que reforça o erro de julgamento.
4. Da leitura do ponto 9 (MFP), o que se extrai é que o contrato de arrendamento “sempre” foi o mesmo, sem que se saiba desde quando e até quando, mas que, mesmo abstraindo das obras de remodelação total do prédio por volta de 1983, seguramente, não o foi após o processo judicial, (decorrido entre 1983 e 1984) em que foram intervenientes os pais das AA. e o pai do sócio-gerente da Ré, que culminou em 09.02.1984 com transação, -inclusive, quanto à projeção das cláusulas para um novo contrato de arrendamento -, nem após 29.12.2020, data do contrato atual.
5. O hábil argumento da Ré/apelada (mais um) de que se tratou “apenas de harmonização com a contabilidade da sociedade familiar”, para justificar ser o contrato de 29.12.2000 o mesmo que antecedeu essa data, além de ser contrariado nas cartas da autoria da Ré, (cfr. doc. ... a ...1 juntos com a p.i. e que à frente se faz referência), e serem novos os intervenientes e diferentes os seus efeitos, conduziria à legitimação das AA. a que, se a dita sociedade, pessoa coletiva (Ré), deixasse, por exemplo, de pagar as rendas ou causasse dano ao prédio, em responsabilizar, usando o mesmo argumento, os sócios e respetivo património pessoal, situação que não teria certamente acolhimento destes muito menos seria “validada” pelo tribunal a quo.
6. Mesmo abstraindo que foram outorgados posteriormente outros contratos com a dita pessoa coletiva, ora Ré, com datas diferentes, para os pisos superiores ao do locado em discussão, também ocupados pela Ré, o argumento contabilístico deixa também de ter sentido, e menos ainda quando a própria Ré nas denúncias, semelhantes à aqui em apreciação, respeitando o prazo desses mesmos contratos, procedeu à entrega do locado às AA. nas datas aí estabelecidas. (vide carta, doc. ...3, fls. 33 dos autos; as transcrições a respeito e adiante das declarações de parte da co-Autora, a instância do I. Mandatário da Ré, e do depoimento de parte 7. Se as partes quisessem salvaguardar que o contrato de arrendamento que constitui o doc. ..., junto com a p.i., materializava a situação aqui defendida pela Ré/Apelada, então deviam tê-lo dito, fazendo, por exemplo, consignar, além do mais, que era o mesmo contrato, em todo o seu teor/cláusulas, e os seus efeitos se reportavam já à data desse putativo contrato original, - seja anterior a 1983, seja de 1983/1984, seja posterior, etc.
8. Avisadas que estavam ou deviam estar, como se alude supra, (mãe e pai das AA. e pai do sócio gerente da Ré), tinham-se envolvido numa ação judicial o que, ao contrário do que fez transparecer o tribunal a quo, não evidencia a “boa relação” ao ponto das partes, ressalvada a displicência da Ré, dada a importância, entre outras, da alteração subjetiva, poderem extravasar, atento a tese da Ré, total incúria e/ou uma “confiança cega” entre si.
Sem conceder,
9. Os factos admitidos por acordo, a prova documental e a demais produzida em julgamento impunha que fossem dados como não provados factos que foram julgados provados e provados factos que, genericamente, foram dados como não provados, pelo que, revisitando toda a prova, e uma vez que o tribunal a quo formou a sua convicção com base “no depoimento de parte do gerente da ré, nas declarações de parte da primeira autora, no depoimento das testemunhas ouvidas e nos documentos juntos aos autos”, as recorrentes, lamentando a árdua tarefa, que aqui procuram facilitar com os excertos das transcrições, pretendem que este Venerando Tribunal proceda à sua reapreciação.
10. Na apreciação da matéria de facto, salienta-se desde já, o tribunal ad quem pode e deve tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, (se assim for entendido quanto à redação do item 1.º da douta contestação, “nada a opor ao alegado nos artigos…”, independentemente de tais factos terem sido ou não incluídos na base instrutória.
11. Começando pelos factos admitidos por acordo, o tribunal a quo, em clara violação do disposto no artigo 574.º n.º 1 e 2 do CPC., descurou, entre outros, em absoluto, os factos 5, 6, 17 (até “B...”), 20, 21, 30 e 31 da p.i., sendo que quanto a estes dois últimos, aceitando a receção das cartas a que se referem, não as impugnou e respondeu a cada uma, (doc. ... e ...1), em clara violação do disposto no artigo 574.º n.º 1 e 2 do CPC.
12. Confrontada a p.i., (itens 1 a 37), e contestação (item 1.º), não há dúvida que foram admitidos por acordo, entre os acabados de referir, o 5 e 6 da p.i. que materializa contrato de arrendamento de 29.12.2000, cuja redação se deve dar como reproduzida, (doc. ...), pelo que tais factos devem integrar, com essa redação, o elenco dos factos provados, reforçando estes o que se acaba de concluir nos pontos 1 a 8.
13. Mais ficou provado por acordo/confissão (bem assim, como se reforça infra, por prova testemunhal), o facto que resulta do item 17 da p.i., primeira parte, que alude não só ao facto de o locado se situar no centro da cidade ... (resposta restritiva dada no ponto 15 da MFP), mas também numa das zonas mais nobres e caras, muito próxima do famoso e emblemático “Café A B...”; 20, teor da carta a comunicar a denúncia remetida pelas AA. à Ré em 28.12.2017, aludindo-se aí ainda ao facto da Ré a ter recebido); 21, (teor da resposta da Ré), 30 e 31 (salvo, “mais uma vez de forma evasiva e, de certo modo, provocadora e desafiadora”), pelo que se impõe a inclusão desses factos no elenco dos factos provados, sendo que quanto ao referido ponto 15 da MFP com o aditamento “numa das zonas mais nobres e caras, muito próxima do famoso e emblemático “Café A B...” e quanto aos demais com a redação deles constante na p.i., que se dá também como reproduzida, e deles extrair as devidas consequências jurídicas.
14. No que concerne à prova documental, in casu, a respeito dos documentos juntos aos autos pela Ré, com a contestação (fotocópia de suposta declaração, tipo “diploma”, “lojas com história ...”), e posteriormente, a respeito da certidão, pronunciaram-se as AA., impugnando-os, quanto ao seu teor, letra e assinatura, (cfr. requerimento de 08.06.2021, ref. Citius ...53), sem que o tribunal a quo daí extraísse efeito, antes os valorizou para fundamentar o decidido, em claro erro de julgamento de valoração da matéria de facto;
15. Os documentos juntos pelas AA. com a p.i., 3, 8, 9, 10, 11 e 12, que se referem à relação locatícia, não foram impugnados, admitindo a Ré a veracidade do seu teor, letra e assinatura, não obstante o tribunal a quo, não relevou e/ou extraiu as consequências nas respostas à matéria de facto, pelo que assim não tendo decidido violou, entre outros, o disposto no art.º 444.º do CPC., reforçando o erro de julgamento.
16. O facto, aliás, do tribunal a quo referir que formou também a sua convicção com base na prova documental, dando a entender que se refere e/ou inclui, como seria suposto pressupor, os referidos documentos juntos pelas AA., é destituído de lógica e representa um contra senso, pois, não bastasse o acabado de dizer, desvirtuou ainda o sentido, efeito e alcance do contrato de arrendamento, doc. ... que, no contexto em causa, de forma invulgar, sem o qualificar, (e não foi por acaso), denomina, e de forma reiterada, apenas como “documento escrito”.
17. Neste iter, em reforço do acabado de referir supra, o tribunal a quo, em crescente sucessão de erros de julgamento, revelando profunda subjetividade e arbitrariedade, ignorou em absoluto, o teor da correspondência trocada entre AA. e Ré (cfr. doc. ... a ...2), não extraindo qualquer efeito, inclusive a da autoria desta, destacando-se a carta de 6 de Outubro de 2017, onde, e com sublinhado pela própria, refere expressamente, (...) “O nosso contrato de arrendamento data de 1 de janeiro de 2001 sendo, por isso, anterior à legislação publicada em Fevereiro de 2006 (NRAU) e, obviamente, a toda posterior.” (doc. ... junto com a p.i.), ademais, seguida de uma outra, (doc. ...1 junto com a p.i., fls. 32 dos autos), de 31.01.2020, bem reveladora da reflexão/ponderação da mesma, ao referir, “infelizmente, ainda não perceberam o sentido e o alcance da nossa carta enviada a 6 de Outubro de 2017 para cuja leitura atenta remetemos”.
18. Comportamento diferente, em contínuo erro, e em flagrante violação, entre outros, do citado art.º 444.º n.º 1 do CPC., teve o tribunal a quo relativamente aos “documentos”/peças contidos(as) na certidão judicial junta pela Ré, (que compreende, articulados das partes litigantes nesse processo judicial, p.i. e contestação e documentos anexos, - fls. 53 a 72 dos autos), à qual, (pois que, mesmo sendo estes insuficientes, outro(s) elemento(s) de prova não existem), terá ido buscar/colher as respostas que veio a dar a vários factos, como os contidos nos pontos 5 a 10 e 17 da matéria de facto dada como provada (MFP), mas que, de facto e de direito, não o podia fazer.
19. Salvo os documentos autênticos contido(s) e/ou que instruem a dita certidão e que instruíram o processo judicial em causa (como a escritura de partilha e ata de tentativa de conciliação), não se pode extrair do que está alegado nos articulados pela Ré e do que constou noutros documentos particulares, - como as duas páginas avulsas do intitulado “livro de ouro do comércio e indústria de Portugal”, “biografia de 1985”, - a base, muito menos segura, para tais respostas, pois que, além de não ter sido produzido qualquer prova a respeito, as AA., sobre esse mesmo documento (i.e., peças que compõem a dita certidão), de forma expressa e precisa, se haviam pronunciado, a fls. 75 vs dos autos, com a sua impugnação expressa.
20. Sobre a prova por depoimento de parte e declarações de parte, que o tribunal a quo refere ter contribuído para formar a sua convicção, deixando bem claro na errada fundamentação que a formou, quanto ao dito contrato de arrendamento, preferencialmente com base nas declarações de uma co-Autora, destaca-se, desde já, que as AA. requereram o depoimento de parte do sócio gerente da Ré, à matéria dos itens 3 a 35 da p.i., e que, face aos factos que entendia admitidos por acordo, se restringiram aos factos 8, 9, 11 a 19, 22 a 29, bem assim as declarações de parte da I A., à matéria dos itens 3 a 35 da p.i. e que, face aos factos admitidos por acordo, na prática, se restringiram em julgamento aos factos 8, 9, 11 a 19, 22 a 29.
21. A Ré, por sua vez, requereu as declarações de parte dos sócios da Ré, BB e CC (vide contestação) à matéria dos itens 4 a 30 da contestação, porém, em audiência de julgamento, prescindiu desse(s) depoimento(s) bem assim da prova testemunhal.
22. O depoimento de parte, previsto no art.º 452.º do CPC., só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, pretendendo-se com este a confissão de determinada realidade desfavorável à outra parte. (art.º 454.º n.º 1 do CPC.”, art. 417.º; art.º 466.º n.º 1 e 3, ambos do CPC.; e art.º 342.º n.º 1, 2 e 3 do CC.).
23. Sobre a prova que o tribunal a quo refere ter constituído a base para formar a sua convicção na resposta à MFP, resulta claro que o sócio gerente da Ré não se pronunciou, antes e tão só, como a tal foi indicado, à matéria dos factos que o tribunal a quo, genericamente, deu como não provados, pese embora, nesse segmento, como se adianta já, houvesse confissão de grande parte desses factos, e seguramente dos itens itens 13 a 16 da p.i., ou, se assim não fosse entendido como tal, deviam pelo menos ser a valorados pelo tribunal a quo ao abrigo do disposto no art.º 361.º do CC., normas estas claramente violadas como adiante se verá das transcrições.
24. Quanto às declarações de parte, estão previstas no art.º 466.º do CPC., sendo certo que, ressalvada a vertente que constitua confissão, devem ser valoradas, favoravelmente à parte que as produziu, se obtiverem suficiente confirmação noutros meios de prova produzidos e/ou constantes dos autos, pelo que é neste conspecto, sem desconsiderar a situação de litisconsórcio em causa, (que não vincula a outra A.) que pode e deve ser valoradas as ditas declarações, conjugando-as, principalmente, na vertente dos factos para as quais foi indicada essa prova, com os documentos juntos aos autos pelas AA. e o depoimento, que foi no mesmo sentido, das testemunhas das AA., arquiteto DD e, em parte, ....
25. Sobre estas declarações de parte da co-Autora, AA, como se verá, no essencial, sustentou, explicitando e complementando, a versão dos factos vertida nos articulados “p.i.” e “resposta à contestação”, delas não se extraindo qualquer confissão ou reconhecimento de qualquer facto desfavorável como erradamente, e sem que se saiba se numa ou noutra vertente, o julgou o tribunal a quo.
26. Concretizando, ao interpretar essas declarações como reconhecimento pela Co-Autora, grosso modo, de que o contrato de arrendamento junto aos autos com a p.i. (doc. ...), representa uma mera formalidade, sem relevância jurídica, i.e., uma “harmonização contabilística”, para mais sem qualquer outro elemento de prova que o corrobore ou sustente é, de todo, infundado, ademais quando, assertivamente e de modo espontâneo, negou tratar-se do mesmo contrato, inclusive desconhecendo o valor anterior da renda (como também sucedeu com o próprio sócio-gerente da Ré), deixando bem claro que eram realidades de facto distintas.
27. Porque inadmissível, e sem prejuízo da Ré não ter logrado provar (como não provou por documentos ou testemunhas), também por esta via, (depoimento de parte e declarações de Parte) a factualidade tida como provada nos pontos 5 a 10, 11, em maior grau, “por acordo entre todos” e 17, não se poderão ter por confessados, sequer relevado como elemento probatório a apreciar livremente pelo tribunal a quo, por força do citado art.º 361.º do CC., quaisquer factos, como, naturalmente, aqueles que integram a “narrativa” da contestação, ou em qualquer outro requerimento/articulado da Ré, pelo tendo decidido o tribunal a quo como decidiu, também a este respeito, violou, entre outros, o disposto nos artigos 461.º, n.º 1 e 2, 2.ª parte, 462.º n.º 1, 466.º n.º 1, 2 e 3 todos do CPC., art.º 352.º n.º 1, 353.º, 357.º, 360.º e 361.º do CC.
28. Precavendo, como mera hipótese, a possibilidade, “longínqua” relativamente a um ou outros destes factos, estarmos perante dúvida(s) sobre a veracidade dos factos, principalmente aquele dado como provado no ponto 11, salienta-se que o art.º 414.º do CPC. enuncia duas regras: 1 - A dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita; 2 - A dúvida sobre o ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
29. Incumbia à Ré provar, entre outros factos, impeditivos, modificativos ou extintivos, que se trata de um único e mesmo contrato, que se trata de loja com história e que juridicamente está abrangida pela Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, omissão que o tribunal a quo tentou suprir ao qualificar como lacuna e recorrer, de modo impróprio e deficiente, à integração.
30. Em face da prova produzida, mesmo que, no domínio das hipóteses, subsistissem algumas dúvidas sobre o eventual enquadramento da situação de facto na previsão da norma, onde se escuda a Ré, ao invocar – sem o provar – um facto modificativo ou extintivo dos direitos que as AA. pretendem fazer valer, a dúvida, a existir, como se concebe por mera cautela, terá que se resolver contra a parte a quem o facto aproveita, ou seja, contra a Ré/Apelada. (cfr. art.º 414.º do CPC.).
31. Posto isto, sem prejuízo da modificabilidade que se impõe dos factos acima mencionados, com base na admissão por acordo e da prova documental, passa a indicar-se os factos provados e não provados que, na ótica das AA./apelantes, impõem decisão diversa, a impugnar:

A - Factos provados:

Ponto 5 da MFP
5. Este estabelecimento comercial tem 125 anos de existência e funciona no ... desde há cerca de 100 anos.
a) Este facto, com relação como facto provado em 11, compulsado o que já foi dito, não resulta provado, muito menos com a redação que, arbitrariamente, lhe foi conferida pelo tribunal a quo, pois não foi produzida nem existe prova que o sustente;
b) Das declarações de parte (de uma das Autoras), a que já se aludiu, não se pode extrair qualquer confissão, tanto mais que, - mesmo abstraindo não cumprir os requisitos legais -, tal matéria de facto, como a demais respeitante à versão da Ré na contestação, não foi indicada, situação que, por não ter sido respeitada pelo tribunal a quo, configura erro de julgamento, também nesta vertente, da sentença, como resulta das seguintes passagens:
bb) Declarações de parte da co-A., AA. O depoimento ficou registado e teve a duração de 00:01 a 26 minutos e 13 seg., do contador da gravação da aplicação:
Rotação 00:17:59 a 00:18:24; Rotação 00:18:25 a 00:19:40; Rotação 00:19:41 a 00:20:35;
Rotação 00:20:36 a 00:21:38; Rotação 00:21:41 a 00:22:40, destacando-se: Adv. Autoras: As perguntas que foram feitas não constam do que foi pedido no depoimento de parte. Não constam daquelas que eu indiquei. Relativamente ao contrato, ao contrato (…) o contrato anterior, disse que era um contrato com pessoa individual? Autora EE, sim. Adv. Autoras: Muito bem. E depois foi feito um contrato para empresa, que é este, os termos do contrato entre um e outro, se eram iguais, o contexto em que ele foi feito, recorda-se disso? É exatamente igual? Não é exatamente igual? Autora AA: Não; Rotação 00:22:41 a 00:23:15; Rotação 00:23:16 a 00:23:51; Rotação 00:24:33 a 00:25:15; Rotação 00:25:16 a 00:26:13;
c) Independentemente do vício substantivo e processual, não se pode extrair de qualquer segmento das declarações que houve confissão, sequer valorizar o extrato da passagem, ademais descontextualizado e deturpado, que o tribunal a quo, enxertou na sentença para “fundamentar” essa e outras respostas, como a dada no ponto 11;
d) A respeito do depoimento da testemunha FF, que, embora em contexto diferente, se referiu a esta matéria. O depoimento ficou registado e teve a duração de 00:01 a 11 minutos e 36 seg., do contador da gravação, dele se extraindo exatamente o contrário do que resultou como provado e que, pelos vistos, na fundamentação do tribunal a quo, também esta testemunha é usada para sustentar a convicção que refere ter formado, como resulta das seguintes passagens: Rotação 00:07:38 a 00:09:08 m.
e) Passando ao depoimento de DD, Arquiteto, registado e teve a duração de 00:01 a 29 minutos e 28 seg., do contador da gravação, como sucedeu com a anterior, ao contrário do que sucedeu com as demais, pronunciou-se sobre a matéria, inclusive sobre a referente ao ponto 17 dos factos provados, contrariando o que a respeito foi dado como provado, como se extrai das passagens constantes da Rotação 00:17:18 a 00:18:10.
h) Decorre, pois, em reforço do já dito/impugnado a respeito, que este facto (5), e com ele relacionado o 9 e 11 da MFP, não pode ser dado como provado(s), pelo menos com a redação conferida pelo tribunal a quo e, quando muito, com a seguinte: “Este estabelecimento comercial tem muitos anos de existência e funciona no ...”.
Ponto(s) 6, 7 e 8 da MFP
6. “O estabelecimento comercial foi fundado por GG que era bisavô e trisavô dos actuais sócios da ré; 7. Após o falecimento do fundador passou por várias gerações, sempre de pai para filho; 8. A partir do ano de 1963, passou a ser explorado por HH que era neto do fundador”, impõe-se ainda dizer:
Não tendo a Ré produzido qualquer prova a respeito, muito menos documental, no entanto, mesmo que se admitisse que o dito “Livro de Ouro” aborda, mesmo superficialmente, algo a respeito, o certo é que, além de inábil, foi, tal como os demais impugnado, sendo também neste particular patente/ostensiva a violação pelo tribunal a quo do disposto, entre outros, dos artigos 374.º n.º 1 e 2 do CPC. e 342.º do CC.
Ponto 9 da MFP
9. O estabelecimento comercial sempre funcionou no ... ao abrigo de um contrato de arrendamento que se manteve o mesmo ao longo de várias dezenas de anos, tendo sido sempre entregue a renda mensal acordada e emitidos os recibos.
a) Dada a interligação destas respostas, repristinando o já referido a respeito, inclusive as declarações e parte da co-A., (que, como se referiu, não permitem tirar as ilações, muito menos sustentar a fundamentação), não existe qualquer elemento probatório, nem mesmo o referenciado “Livro de Ouro”, que permita ao tribunal a quo dar o facto como provado, ademais ainda com sucessivo e impróprio uso da palavra “sempre”;
b) As citadas declarações de parte, a poder extrair-se alguma relevância sobre esta matéria, que não pode, (pois a co-Autora nem sequer foi indicada a tal matéria), contrariam-no frontalmente. (cfr. pf., rotação 00:21:41 a 00:22:48);
c) Além do estabelecimento ter funcionado noutro local, onde hoje se situa a “B...”, e ter sido, em tempos, segundo a co-Autora, uma loja de artigos de eletricidade, o prédio onde se situava o locado foi reconstruído totalmente em 1983, logo nem sequer tem sentido referir que “sempre funcionou”;
d) A certidão judicial junta pela Ré, que expressa um conflito judicial com os anteriores inquilinos a respeito do espaço em causa, contraria o que foi dado como provado;
Por conseguinte, deve ser julgado não provado, pelo menos com a redação que lhe foi conferida, admitindo-se, porém, como já se anunciou, a seguinte, “O estabelecimento comercial funcionou no ... ao abrigo de um contrato de arrendamento”.
Ponto 10 da MFP
10. No mês de novembro de 2000, o referido HH constituiu a sociedade comercial ré juntamente com o filho HH e os netos CC e BB.
Este ponto da matéria de facto, como já se referiu, teria igualmente, como o tem, de ser dado como não provado, pois, em rigor, a Ré, mesmo abstraindo de nenhuma prova ter sido junta ou produzida (cfr. art.º 342.º n.º 2 do CC.), só o provaria por certidão ou, hipoteticamente, outro documento relevante e, se simples, desde que não impugnado Ponto 11 da MFP
11. No dia 29 de Dezembro de 2000, por acordo entre todos, foi celebrado um documento escrito entre a mãe das autoras, que ainda era titular de metade do usufruto, as autoras e a ré em que foi acordado o seguinte: - A mãe das autoras e as autoras arredavam à ré o ... do prédio urbano mediante o pagamento da renda anual de € 7.481,96; - A renda era paga em duodécimos mensais no valor de € 623,49 - O arrendamento era pelo prazo de um ano, renovável, com início no dia 1 de Janeiro de 2001; - O ... arrendado destinava-se a estabelecimento comercial de venda a retalho de material ótico, serviços no domínio da ótica ocular, fotográfico, cinematrográfico, audiometria e instrumentos de precisão.
a) Admitindo como mera hipótese de não se considerar admitido por acordo o item 5 e 6 da p.i., ou o teor do documento que o materializa, contrato de arrendamento, ou dado como assente o próprio documento, sempre se acrescenta que, além da resposta ser restritiva, o tribunal a quo não só confere uma redação com nuance diferente, deturpada, daquela constante no documento, como omite outras cláusulas do aludido documento, relevantes para a boa decisão, e que, juridicamente, configura e constitui um e único contrato de arrendamento;
b) As cláusulas 5.ª a 7.ª, a título de exemplo, referindo-se esta última à licença de utilização emitida em 1986 e as cláusulas anteriores a respeito das obras e o que (não) provou a Ré a respeito, são um elemento seguro e/ou indiciam que o dito “contrato anterior”, o tal que precisava de ser harmonizado contabilisticamente, não o previam, sequer com redação semelhante;
c) Pese embora o tribunal a quo contornasse tal realidade factual e jurídica, sendo esse contrato o único exibido e, com efeitos desde 01.01.2001, e passar a ser outra a pessoa jurídica, in casu, uma pessoa coletiva, com implicações jurídicas diferentes daquelas que existiam com a(s) pessoa(s) singular(es), (por exemplo, ao nível de responsabilidades do património pessoal, cessões de quotas), também não tirou sequer ilações, na parte não impugnada, da certidão junta no decurso da audiência, que demonstra o litígio anterior e que no prédio se realizariam obras de remodelação profundas, que obrigaram a Ré a desocupar o prédio;+
d) E sem prejuízo de não se perceber o que significa, por “acordo entre todos” e quem são esses “todos”, a resposta devia ser a correspondente à conjugação do item 5 e 6 da p.i., ademais, como se referiu, ambos admitidos por acordo, (cfr. item 1.º da douta Contestação), com a seguinte redação “Por contrato escrito, denominado contrato de arrendamento, de 29.12.2000, a referida AA e a I e II AA., nas ditas qualidades, deram, e a Ré tomou, de arrendamento, o rés-do-chão1 do prédio urbano descrito supra. (Item 5 da p.i.).
Nesse documento, adiante abreviado contrato, em que a AA é referenciada como “Primeira Contratante”, a I e II AA., como “Segundas Contratante”, “ e a Ré como “terceiro contratante” e/ou “locatário”, consta o seguinte:
Pelo presente contrato e nas referidas qualidades as primeiras e as segundas contratantes dão de arrendamento, à representada do terceiro contratante todo o ... do referido prédio, pelo prazo, renda e condições constantes das cláusulas seguintes:
Primeiro: O arrendamento é celebrado pelo prazo de 1 ano, renovável, e terá o seu início no dia um de janeiro de dois mil e um.
Segundo: A renda é de um milhão e quinhentos mil escudos, atualizável anualmente nos termos da lei, paga em duodécimos mensais de cento e vinte e cinco mil escudos, no primeiro dia útil do mês anterior a que cada prestação respeitar no estabelecimento a arrendar.
Terceiro: O ... arrendado destina-se a estabelecimento comercial de venda a retalho de material ótico, serviços no domínio da ótica ocular, fotográfico, cinematográfico, audiometria e instrumentos de precisão.

Quarto: O terceiro contratante poderá efetuar as obras e benfeitorias de decoração que entender necessárias, desde que não comprometa a segurança do prédio.
Quinto: Todas as obras e benfeitorias que o terceiro contraente fizer no local arrendado serão consideradas parte integrante deste, sem que possa, por isso, exigir das primeiras e segundas contratantes, qualquer indemnização ou direito, nem mesmo alegar direito de retenção.
Sexto: O locatário, poderá, a qualquer tempo, colocar no objeto arrendado, ao nível do ..., quaisquer reclamos necessários à publicidade do seu comércio, desde que não afete com isso os direitos das outras frações do prédio.
Sétimo: O local arrendado foi devidamente licenciado pela Câmara Municipal ..., através de licença de ocupação n.º 51, emitida em 21.02.1986”. (Item 6 da p.i.).
Ponto 12 da MFP
12. No dia 28 de dezembro de 2017, através de carta registada com aviso de receção, as autoras comunicaram à ré que denunciavam o contrato de arrendamento com efeito no dia 1 de fevereiro de 2020.
a) A resposta é igualmente restritiva, pelo que admitindo embora se possa subentender, deve incluir a seguir a “receção”, “que a Ré recebeu” (item 20 da p.i., segunda linha), bem assim, pela sua importância, a redação completa desse item 20, com reprodução da carta ou, se assim se não entender, e por brevidade, com a alusão de que se dava o documento ... como integralmente reproduzido b) Tal resulta, além do mais, do confronto com a p.i., item 20, o vertido pela Ré no item 1.º, que confessa e/ou admite por acordo o alegado pelas AA.32, sendo certo ainda que a própria Ré admite ter respondido, como sucedeu relativamente às demais, a essa carta.

Ponto 15 da MFP
15. O prédio urbano está situado no centro da cidade ....
a) Tal resposta é restritiva.
b) A Ré admitiu por acordo o facto alegado no item 17 da p.i. (apenas discordando quanto ao “valor dos preços do arrendamento referidos”), que a loja se situa no centro da cidade ..., numa das zonas mais nobres e caras, muito próxima do famoso e emblemático “Café A B...”, porém, se assim se não entender, compulsada a prova este respeito, que se adianta, impõe-se, se complete a resposta, como se indica no dito item 17, admitindo-se a seguinte redação final, “sendo que os preços de arrendamento praticados, para áreas semelhantes às ocupadas pela Ré, na ordem de 1.500,00 € a 2.500,00 €”, embora se aceite que esta parte fique autonomizada, como resulta do ponto 16 da matéria de facto provada;
c) Sobre esta matéria pronunciou-se o sócio gerente da Ré, no depoimento de parte, registo já referenciado, na rotação 00:09:03 a 00:09:31 e a testemunha já referenciada, Arquiteto DD, Arquiteto, situando a loja na esquina com a Rua ..., junto à B..., que é um café, salientando, “as primeiras lojas da Rua ... (impercetível) são mais valiosas”, (cfr. Rotação 00:26:47 a 00:27:12).
Ponto 17 da MFP
17. O estabelecimento comercial está reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural.
a) Verifica-se também aqui, e sobremaneira, total ausência de prova a respeito, sendo certo que não são as declarações de parte de uma das AA., que o não admitiu, e cujo depoimento, reafirma-se, não foi sequer indicado a essa matéria, que a suprem, nem têm sequer essa virtualidade;
b) Dá-se como reproduzido, a respeito, as transcrições das declarações de parte e o depoimento da testemunha as transcrições das declarações de parte e os depoimentos das testemunhas DD, bem assim II, únicos que se referiram a esta matéria, deixando,
32 E Embora se refira aí à receção da carta da A., o certo é que não impugna, em lado algum a restante redação do item 20 de forma bem expressiva, que a loja nada tem que a caracterize como loja com história, destacando-se as seguintes passagens: - Declarações de parte da AA: 00:24:33 a 00:25:15; - DD: 00:17:18 a 00:18:10; - JJ: 00:07:38 a 00:08:03; 00:08:58 a 00:09:08.
c) O putativo documento junto pela Ré com a Contestação, a respeito das "Lojas com história”, está materializado numa simples fotocópia e foi objeto de impugnação pelas AA., pelo que, não se tendo a Ré (pre)ocupado, também, com essa vertente da prova, cujo ónus lhe cometia, sibi imputet;
d) Tal prédio, por volta de 1983, foi totalmente reconstruído, só tendo ficado as paredes, o que, só por si, não deixa de relevar e ser curioso quanto à questão da “loja com história”;
e) A mera referência de que o “estabelecimento comercial está reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural”, não é bastante para o caracterizar como loja com história…
f) Tal facto deve, pois, ser julgado não provado.
B - Os Factos Não Provados

Os factos não provados 13 a 19, 20 (redação deficiente e restritiva na resposta ao facto 12 da matéria de facto provada), 21, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 da p.i., foram julgados erradamente, porém, para simplificar e dada a relação com a impugnação supra descrita e/ou porque já respondidos, as AA. cingem ora a apreciação aos factos 13 a 16, (sobre o 20 a 21, deveras relevantes, 30 e 31 já se abordou antes a respeito dos factos admitidos por acordo e constantes de prova documental, não impugnada), narrados na p.i., com a devida adaptação da sua redação ao essencial:
Itens 13, 14, 15 e 16 da P.I.
As AA., fragilizadas pela forma como viviam o dia-a-dia e insegurança com o futuro, agravada, a partir de Março de 2020, com a pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, continuam a viver em casa arrendada, embora no endereço que consta do introito desta acção (13); e, uma vez que os pisos do 1.º a 3.º andares ficaram desocupados, entre várias soluções para melhorar a condição de vida e rendimento, diligenciaram no sentido de vir a licenciar e restaurar esses espaços, principalmente com vista a habitação das próprias (14); porém, além de outros requisitos, e por razões funcionais, impunha-se a instalação de um elevador, o que implicava que a Ré libertasse uma pequena área do locado que ocupava, de cerca de 1 m2, a tal fim (15); para o que a Ré, nem antes nem depois da denúncia, infra referida, não se mostrou disponível nem interessada (16).
a) Sobre esta matéria, no seu conjunto, incidiu o depoimento de parte, (com relevância, atento o disposto no art.º 352.º, 353.º n.º 1 e, se se entender que não configura confissão, art.º 361.º, todos do CC.), que se anunciou supra e admitiu em grande parte, bem assim as declarações de parte e a testemunha, DD, donde resultou sobejamente provada, como resulta das passagens constantes das rotações que se passa a enunciar, e que se transcreveu supra,

aa) Depoimento de parte de HH, com domicílio na Rua ... em .... O depoimento ficou registado e teve a duração de 00:01 a 14 minutos e 28 seg., do contador da gravação da aplicação, donde resulta confessado/admitido o que foi vertido nesses itens, a saber, da conjugação: Rotação 00:00:35 a 00:01:57; Rotação 00:03:32 a 00:04:35; Rotação 00:04:36 a 00:05:10; Rotação 00:05:18 a 00:06:51; Rotação 00:06:52 a 00:07:19; Rotação 00:07:20 a 00:08:22; Rotação 00:09:03 a 00:09:31; Rotação 00:11:05 a 00:11:35; Rotação 00:13:26 a 00:14:23.
ab) Declarações de parte, com registo já referenciado supra: AA. Depoimento ficou registado e teve a duração de 00:01 a 26 minutos e 13 seg., do contador da gravação da aplicação, donde se extrai do conjunto das passagens que se enunciam a veracidade do vertido nos itens e causa, a saber: Rotação 00:00:34 a 00:00:59; Rotação 00:01:00 a 00:01:56; Rotação 00:02:30 a 00:03:02; Rotação 00:03:03 a 00:03:48; Rotação 00:03:49 a 00:04:25; Rotação 00:04:26 a 00:05:13; Rotação 00:05:14 a 00:06:05; Rotação 00:06:06 a 00:06:53; Rotação 00:06:54 a 00:07:34; Rotação 00:07:35 a 00:08:23; Rotação 00:08:24 a 00:08:52; Rotação 00:08:53 a 00:09:39; Rotação 00:09:40 a 00:10:52; Rotação 00:12:49 a 00:13:29; Rotação 00:15:07 a 00:16:02; Rotação 00:17:09 a 00:17:55;
ac) DD, Arquiteto. O depoimento ficou registado e teve a duração de 00:01 a 29 minutos e 28 seg., do contador da gravação, cujo depoimento infirmou o referido pelas AA. na p.i. quanto a esses itens, a saber: Rotação 00:01:04 a 00:02:00; Rotação 00:02:01 a 00:03:00; Rotação 00:03:01 a 00:04:15; Rotação 00:04:16 a 00:05:09; Rotação 00:06:19 a 00:07:22; Rotação 00:07:23 a 00:08:59;
b) Pelo que, não podia o tribunal a quo deixar de dar como provados estes itens, e com a redação neles formulada na p.i., que se dão como reproduzidos, admitindo, porém, quanto ao facto 13 uma redação mais restritiva, a saber: “As AA., fragilizadas pela forma como viviam o dia-a-dia e insegurança futura, continuam a viver em casa arrendada”.
32. Repristinando os argumentos já referidos a respeito do contrato de arrendamento, materializado no documento ..., desde logo se discorda da análise que o tribunal a quo, ao arrepio das mais elementares regras de direito sobre contratos, faz do objeto do litígio, focando-o, curiosamente, no “contexto em que foi celebrado o documento do dia 29 de dezembro de 2000”, ademais com recurso a uma “explicação” que, de todo, além de contrária ao direito, não tem qualquer sustentação na prova que se acabou de analisar.
33. Independentemente da irrelevância, com “grande informalidade” ou pequena informalidade, com mais facilitismo ou menos facilitismo, o certo é que a Ré não provou sequer que o contrato de 29.12.2000, ademais com partes diferentes, seja exatamente o mesmo, sendo bem expressivo que não se tratou, como forçadamente o refere o tribunal a quo, de “uma mera alteração relativamente à arrendatária sem que tivesse sido celebrado um novo contrato em substituição do arrendamento que se mantinha desde há várias dezenas de anos”, muito menos se vislumbra, ao contrário do que também sustenta, que do conjunto da prova, que a ré logrou provar que o ... era utilizado ao abrigo de um contrato de arrendamento que se manteve o mesmo ao longo de várias dezenas de anos e foi sempre paga a renda mensal acordada, sendo certo que não se discute que a falta de redução a escrito deste contrato foi imputável aos sucessivos arrendatários.
34. De modo ainda mais inconsistente e arbitrário, o tribunal a quo, ainda a respeito da sua douta fundamentação, referindo-se não só à co-Autora AA mas a ambas as AA., acrescenta “que as autoras não puseram em causa que existia um contrato de arrendamento anterior”, a que se seguiu uma “explicação”, de todo, inadmissível face à factualidade em causa, não só sobre a idade do estabelecimento, a génese e sucessão dos seus donos, a constituição e formação da dita sociedade comercial, aqui Ré, as vicissitudes ao longo dos anos e, espante-se, que o contrato de arrendamento, doc. ..., “celebrado no dia 29 de Dezembro de 2000 foi apenas mais uma destas vicissitudes”, bem assim a justificação que dá a respeito, etc., pois nada do que refere, sem prejuízo da irrelevância jurídica, foi provado, lembrando-se, de todo o modo, que a Co-Autora, AA não foi ouvida, seja em depoimento de parte seja em declarações de parte, o que bem traduz e reforça a arbitrariedade e erro de julgamento.
35. O tribunal a quo, não obstante não o contemplar nem ser aplicável ao caso sub judice, “substituindo-se ao legislador”, sustenta, com argumentação infundada, que “Seria incompreensível que estando em causa um contrato com prazo certo o senhorio não pudesse opor-se à renovação automática sem ter decorrido um período adicional de cinco anos, enquanto se estivesse em causa um contrato por tempo indeterminado podia proceder à denúncia com uma antecedência de apenas dois anos”, pelo que, “A conclusão não pode deixar de ser que existe uma lacuna na lei que deve ser preenchida pela norma aplicável aos casos análogos ou, na sua falta, pela norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (art. 10º nº1, 2, e 3 do Cód. Civil). Para este efeito, o art. 13º nº3 da Lei nº42/2017 de 14 de junho deve ser interpretado no sentido de incluir os contratos por tempo indeterminado para fins”.
36. O tribunal a quo, que reputa a situação, tratamento diferente entre contratos com prazo certo e contratos de duração indeterminada, como “incompreensível”, além de citar um acórdão que não serve a sua tese (Ac. da Relação de Lisboa de 22 de janeiro de 2019, proferido no processo n.º1316/18.5YLPRT.L1-7, in www.dgsi.pt), não cuidou sequer de fundamentar, muito menos fazer uma análise mais cuidada e profunda a este respeito, em matéria de interpretação da lei, por exemplo, (sequer referiu que, na sua ótica, numa análise e pesquisa de casos semelhantes não encontrou algum similar, “casos análogos”), optando, desde logo e sem qualquer base legal ou fundamentação, por se substituir ao legislador e indicar o que, no seu entender, este diria.

37. A interpretação e integração da denominada “lacuna”, além de redação inconstitucional, mormente ao limitar ainda mais os direitos dos locadores, já de si altamente penalizados com o regime dos contratos de duração indeterminada, pondo em causa, e de forma grave, o direito de propriedade das AA., ademais, in casu, sujeitas ao espartilho e condições do contrato (de duração indeterminada) desde 01.01.2001, não tem sentido nem cabimento legal, sendo curioso que nem mesmo a Ré na sua já de si ousada defesa foi tão longe, ou sequer se preocupou com tal vertente, prescindindo, aliás, de toda a prova, pese embora o recurso a argumentos, como aquele partilhado pelo tribunal a quo, em jeito de mérito, pouco aconselháveis, como o da tese do simulado “trespasse” para contornar a oposição das AA. e saudosa mãe à celebração do contrato de arrendamento, doc. ... junto com a p.i.
38. Posto isto, recorda-se que a obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação. (art.º 397.º do CC., Noção), e que dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver. (art.º 405.º, n.º 1 do CC., Liberdade contratual), porém, o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei. (art.º 406.º n.º 1 e 2 do CC.
39. Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. (art.º 1022.º do CC.). Diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel. (Artigo 1023.º do CC.).
40. O arrendamento urbano, independentemente do seu fim, cessa por revogação, resolução, caducidade, denúncia e/ou, por outras causas legalmente previstas. (art.º 1079.º e 1067.º n.º 1 do CC.).

41. No contrato de arrendamento em apreço não se fez constar expressamente que o mesmo ficava sujeito ao regime de "duração efetiva", tanto assim que a cláusula “(Primeira)”, de que “o arrendamento é celebrado pelo prazo de 1 ano, renovável, e terá o seu início no dia um de janeiro de dois mil e um”, não o revela, pois, para além de referir que é "renovável”, subentenda-se, por iguais períodos, -expressão da vontade das partes -, inculca também a ideia de sucessivas e indeterminadas renovações.
42. A dita cláusula estabelece um prazo de duração distinto do prazo mínimo previsto na lei, o que, só por si, constituía fundamento suficiente para considerar que não se revela inequívoca quanto ao regime de duração do contrato.
43. A denúncia e seus efeitos, como, e bem, foi entendido pelo tribunal a quo, rege-se, pois, pelo regime em vigor na data da comunicação, a Lei 31/2012 de 14 de agosto, como decorre do art.º 12.º n.º 2, 1.ª parte do Código Civil, quando prevê que se a lei dispõe sobre os efeitos de um facto, no caso de dúvida, só visa os factos novos. (cfr. Ac. STJ de 12-09-2019, n.º 587/17.9T8CHV-A.G1-A.S1 e Ac. RP de 9.11.2000, Relatora, Dra. Ana Paula Pereira de Amorim).
44. A alínea c) do art.º 1101.º do C.C., aplicável ao caso dos autos, dispunha na data da comunicação de denúncia que "o senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada" "mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a dois anos sobre a data em que pretenda a cessação".
45. A denúncia, a que se alude no ponto 12 dos factos provados, comunicada pelas I e II AA. à Ré, é assim juridicamente eficaz, produzindo, neste caso, definitiva e irreversivelmente, o efeito extintivo visado pelas I e II AA., pois que foi realizada em termos adequados a permitir o seu efetivo conhecimento pela Ré, que o teve, devendo, aliás, considerar-se feita na data em que foi emitida a declaração.
46. Sem conceder, como se aludiu na Resposta à Contestação, o pedido da Ré e invocado reconhecimento por parte desta pela Câmara Municipal ... de “loja com história”, a ponto de, até certa altura, o fazer crer como verdadeiro e válido - mesmo abstraindo do facto do arrendamento aqui em causa se reportar a 29.12.2000 e, como constatado e/ou confirmado pela prova produzida, a “loja”, em rigor, não reunir sequer os pressupostos ou requisitos legais a tal -, ao que transpareceu, visou dar oportunidade à Ré, já ciente da intenção das AA., de fazer prevalecer, embora erradamente, do “prolongamento do prazo” de duração do contrato, na previsão de que tal o permitiria a Lei 42/2017, de 14 de junho.
47. Apesar da loja em causa, nada ter de “história e/ou histórico”, sequer relevância arquitetónica ou qualquer elemento identificador, mesmo que mobiliário, que a destaque ou a releve, inclusive em termos turísticos, a não ser o de comercializar desde há vários anos óculos, o certo e incontornável, pese embora a errada fundamentação jurídica e ilegal “integração” do que entende e designa como “lacuna”, do tribunal a quo, é que o art.º 13.º, n.º 3 da lei 42/2017 de 14.06, conjugado com a al. d) do n.º 4 do art.º 51.º do NRAU (Lei 6/2006, de 27.02), apenas se aplica e/ou tem previsão quanto às situações de “oposição à renovação do contrato”, (atempadamente comunicada pelo senhorio), e em relação aos arrendamentos que tenham transitado para o NRAU nos termos da lei então aplicável.
48. O que não era nem é o caso, pois estamos perante uma denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio (art.º 1101.º al. c, do CC., na versão da lei 31/2012, de 14 de Agosto), livre ou não vinculada (ad libitum), com eficácia ex nunc, nos termos já mencionados na p.i., itens 22 a 24, sendo no mínimo estranho, que o legislador, ao contrário do que alude o tribunal a quo, se refira a estes dois pressupostos, fazendo constar expressamente a aplicação expressa à situação dos arrendamentos que transitaram para o NRAU, logo com prazo definido, e se venha a sustentar que não previu situações como a decorrente em discussão nos autos.

49. Mesmo abstraindo da inaplicabilidade do referido diploma legal à situação sub judice, a dita loja e mesmo o prédio em que se insere não tem qualquer elemento diferenciador ou de relevo que suscite interesse e se enquadre na previsão legal, prova que, de todo o modo, e como se referiu já, competia à Ré.
50. É manifesto que, sem prejuízo da impugnação da matéria de facto efetuada no presente recurso, a subsunção da factualidade adquirida nos autos ao direito aplicável, não só não permite, de todo, concluir que se trate de uma loja com história, muito menos, se o fosse, que seja enquadrável no regime legal acabado de referir.
51. À Ré, apelada, incumbe a restituição do locado livre de pessoas e bens, com efeitos desde 01.01.2020, bem assim suportar, desde essa data, o valor médio, referenciado no ponto 16 da matéria de facto provada, a título de indemnização, pela ocupação indevida e ilegítima, que se mantém, até à entrega do locado livre de pessoas e bens.
52. A decisão em matéria de custas configura mais um erro de julgamento, pois, o tribunal a quo, esquecendo, inclusive que o que determinou a competência do juízo central, ao invés do local onde foi processada inicialmente, foi precisamente o primeiro pedido, de reconhecimento do direito de propriedade, pois que as AA. eram, e até data recente, apenas titulares da raiz, determinando, inclusive, pagamento complementar de taxa de justiça;
53. Se assim não fosse entendido, então não se justificava a remessa do processo para o Juízo Central que, face ao decidido, como que fica a ideia que se tratou de mero procedimento arbitrário/administrativo.
54. O tribunal a quo, não bastasse o referido, deu ainda como procedente um segundo pedido, pelo que, até por aqui, fica-se sem se perceber a motivação, que é nula, da decisão a respeito, em clara e flagrante violação do artigo 527.º n.º 2 do CPC.;

55. Pelo que, tendo decidido como decidiu o tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 374.º n.º 1, 414.º, n.º 1, 417.º, 452.º, 454.º, n.º 1, 461.º, n.º 1 e 2, 462.º, n.º 1, 466.º, n.º 1 e 3, 527.º n.º 1 e 2, todos do CPC.; art.º 10.º, n.º 1, 2 e 3, 342.º n.º 1, 2 e 3, a 345.º, 352.º, n.º 1, 353.º, n.º 1 e 2, 357.º, 360.º, 361.º, 397.º, 405.º, 406.º, n.º 1 e 2, 1067.º e 1079.º, 1101.º alc. c), na redação que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14 de agosto, art.º 13.º da Lei 42/2017, de 14.06; art.º 18.º da CRP.
Termos em que, sempre com o mui douto suprimento, requer a Vossas Excelências que se dignem revogar a douta Sentença, substituindo-a por Acórdão que determine a procedência dos pedidos formulados na p.i. e pela ordem aí indicada, assim se fazendo Justiça.
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Questões a decidir:

- Verificar se a prova foi bem apreciada em 1ª instância;                - Analisar se a subsunção dos factos ao direito foi corretamente efetuada na sentença recorrida, caso se justifique.
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Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. As autoras são proprietárias do prédio urbano de ... e quatro andares sito na Rua ..., ..., na união de freguesias ... (... e ...), em ..., descrito no art. ... da matriz predial e inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº...73;
2. A mãe das autoras era titular de metade do usufruto deste prédio urbano;
3. Por escritura pública outorgada no dia 23 de agosto de 2010, a mãe das autoras renunciou ao usufruto;
4. No ... do prédio urbano é explorado o estabelecimento comercial denominado ÓPTICA ...;
5. Este estabelecimento comercial tem 125 anos de existência e funciona no ... desde há cerca de 100 anos;
6. O estabelecimento comercial foi fundado por GG que era bisavô e trisavô dos atuais sócios da ré;
7. Após o falecimento do fundador passou por várias gerações, sempre de pai para filho;
8. A partir do ano de 1963, passou a ser explorado por HH que era neto do fundador;
9. O estabelecimento comercial sempre funcionou no ... ao abrigo de um contrato de arrendamento que se manteve o mesmo ao longo de várias dezenas de anos, tendo sido sempre entregue a renda mensal acordada e emitidos os recibos;
10. No mês de novembro de 2000, o referido HH constituiu a sociedade comercial ré juntamente com o filho HH e os netos CC e BB;
11. No dia 29 de dezembro de 2000, por acordo entre todos, foi celebrado um documento escrito entre a mãe das autoras, que ainda era titular de metade do usufruto, as autoras e a ré em que foi acordado o seguinte:
- A mãe das autoras e as autoras arredavam à ré o ... do prédio urbano mediante o pagamento da renda anual de € 7.481,96;
- A renda era paga em duodécimos mensais no valor de € 623,49;
- O arrendamento era pelo prazo de um ano, renovável, com início no dia 1 de janeiro de 2001;
- O ... arrendado destinava-se a estabelecimento comercial de venda a retalho de material ótico, serviços no domínio da ótica ocular, fotográfico, cinematrográfico, audiometria e instrumentos de precisão.
12. No dia 28 de dezembro de 2017, através de carta registada com aviso de receção, as autoras comunicaram à ré que denunciavam o contrato de arrendamento com efeito no dia 1 de fevereiro de 2020.
13. A ré não entregou o ... às autoras;
14. As autoras pretendem fazer obras no prédio urbano mantendo o ... destinado a comércio, mas transformando os andares de um edifício adaptado a escritórios para um edifício residencial;
15. O prédio urbano está situado no centro da cidade ...;
16. Atualmente, a renda mensal para o arrendamento de espaços idênticos ao ... é no valor entre € 1.500,00 e € 2.500,00;
17. O estabelecimento comercial está reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural

Factos não provados:

Com relevância para a decisão da causa a primeira instância considerou que não resultaram provados quaisquer outros factos.
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Cumpre apreciar e decidir:
           
Reapreciação da decisão sobre a matéria de facto:
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As AA. pretendem se adite aos factos provados o teor dos artigos 13 a 19, 20, 21 e 26 a 31 da p.i.
As AA. entendem ainda que “O tribunal a quo descurou, entre outros, e em absoluto, os factos 5, 6, 17 (até “B...”, 20, 21, 30 e 31 da p.i., sendo que quanto a estes dois últimos, aceitando a recepção das cartas a que se referem, não as impugnou e respondeu a cada uma, (doc. ... e ...1), em clara violação do disposto no artigo 574.º n.º 1 e 2 do CPC.”          Não se entende esta alegação das AA. quanto à matéria dos pontos 5, 6, 11 e 20, pois a matéria dos pontos 5 e 6 (celebração do contrato de arrendamento aí referido) encontra-se, ainda que abreviada, no ponto 11 da matéria de facto e a matéria do ponto 20 (envio da carta à Ré a denunciar o contrato) encontra-se referida no ponto 12 dos factos provados.
As AA. dizem que a redação do ponto 11 da matéria de facto provada é “enviesada e parcial”, mas analisando o ponto em causa, o que se vê é que nesse ponto o Exmº Sr. Juiz se limitou a transcrever o que consta do documento nº ... que as próprias AA. juntaram. Não tem assim qualquer fundamento a alegação em causa. O que se passa é que as AA. misturam fundamentos de facto com fundamentos de direito e é com estes que as mesmas não concordam, no entanto, não cabe neste segmento da decisão analisar da bondade da decisão de mérito.
A matéria dos pontos 13 a 16 referem-se às circunstâncias de vida das AA. a partir de março de 2020 e à sua intenção de fazerem alterações no prédio onde se encontra instalado o estabelecimento comercial identificado nos autos e a reação da Ré a tais circunstâncias. Ora, esta matéria, salvo o devido respeito, não tem qualquer interesse para o que se discute nos autos, ou seja, para aferir se a denúncia do contrato de arrendamento efetuada pelas AA. é ou não válida.
Quanto ao teor do ponto 17 da p.i., o essencial do mesmo – que o imóvel se situa no centro da cidade ... – já se encontra no ponto 15 dos factos provados, não tendo que se aditar a estes que essa localização ocorre “numa das zonas mais nobres e caras”, uma vez que esta expressão encerra juízos de valor e, tal como decorre do disposto no art. 607º, nº 4 do C. P. Civil, ao juiz na fundamentação da sentença está vedada a utilização de conclusões ou conceitos de direito. Quanto ao valor dos preços de arrendamento que as AA. dizem serem praticados para imóveis semelhantes na zona e também referidos neste ponto, não houve prova segura dos mesmos.
Na verdade, as testemunhas DD (arquiteto que fez o projeto para alteração do prédio das AA.), KK (trabalha na área de promoção e construção de imóveis) e LL (trabalha na área de marketing) referiram valores díspares. O primeiro disse que as lojas naquela zona têm rendas que podem chegar aos 5.000/6000€. O segundo disse que uma loja semelhante pode ser arrendada por 3000/4000€ e terceiro adiantou valores na ordem dos 1700/2000€. Por outro lado, a referências aos valores de arrendamento, por parte das mencionadas testemunhas, não foram fundamentadas, nomeadamente com áreas e idade dos imóveis que referem e exemplos concretos. Deste modo, os valores referidos, por não estarem apoiados em factos, não podem ser atendidos por este Tribunal.
Relativamente segunda carta da A. e às respostas da Ré às cartas de 28/12/2017 e de 29/01/20 (pontos 21, 30 e 31 da p.i.), também não têm interesse para a decisão da causa, pois o que tem interesse é que as AA. comunicaram à Ré a denúncia do contrato (facto 12 da sentença) e que a Ré não entregou o imóvel às AA. (facto 13 da sentença).                     
Não é necessário aditar o teor do ponto 26 à matéria de facto provada uma vez que o segmento do mesmo que interessa para a decisão da causa já se encontra no ponto 13. A situação psicológica e económica das AA.  e o modo como a Ré reagiu à mesma não interfere com o direito ou não de as AA. denunciarem o contrato de arrendamento.
Quanto ao teor dos pontos 27 e 28 da p.i., o mesmo pode ter interesse para a boa decisão da causa, caso se entenda que a denúncia é válida e seja necessário fixar uma indemnização às AA. pela ocupação abusiva.

No caso, não cabe às AA. provar que a ré não pagou parte do valor devido pela ocupação do locado, cabendo tal prova à Ré por consubstanciar uma exceção (v. art. 342º, nº 2 do C. Civil), no entanto, não obstante a Ré dizer na sua contestação que sempre pagou tempestivamente a renda devida (art. 28º da contestação), o que é certo é que não fez tal prova.

Assim, adita-se aos factos provados um facto com o seguinte teor:

19 - A Ré depositou na conta conjunta das AA. um valor mensal igual ao que era devido a título de renda relativa a janeiro de 2020 a março de 2020, no global de 2.175,45 €, valor que as AA. devolveram à Ré, que os recebeu e fez seu.

Deste modo, procede apenas parcialmente o requerido aditamento de factos aos factos provados elencados na sentença.
*
As AA. insurgem-se contra a valoração das provas efetuada pelo Exmº, no entanto, o juiz aprecia a prova testemunhal segundo a sua prudente convicção (v. art. 607º, nº 5 do C. P. Civil). Quer isto dizer que “ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis” (v. José Lebre de Freitas e outros, código de Processo Civil anot., vol. 2º, pág. 635). É certo que o juiz tem de fundamentar a sua convicção, sob pena de nulidade da sentença, conforme resulta do disposto no art. 615º, nº 1 – b) do C. P. Civil, já acima mencionado, mas na sentença recorrida consta suficientemente a motivação da decisão ora posta em causa.
           
Se a prova foi bem analisada, é circunstância diferente e que analisaremos de seguida.

As AA. impugnam o teor dos pontos 5, 6, 9, 10, 11, 12 e 15 dos factos provados.

São os seguintes:

5. Este estabelecimento comercial tem 125 anos de existência e funciona no ... desde há cerca de 100 anos;
6. O estabelecimento comercial foi fundado por GG que era bisavô e trisavô dos atuais sócios da ré;
7. Após o falecimento do fundador passou por várias gerações, sempre de pai para filho;
8. A partir do ano de 1963, passou a ser explorado por HH que era neto do fundador;
9. O estabelecimento comercial sempre funcionou no ... ao abrigo de um contrato de arrendamento que se manteve o mesmo ao longo de várias dezenas de anos, tendo sido sempre entregue a renda mensal acordada e emitidos os recibos;
10. No mês de novembro de 2000, o referido HH constituiu a sociedade comercial ré juntamente com o filho HH e os netos CC e BB;
11. No dia 29 de dezembro de 2000, por acordo entre todos, foi celebrado um documento escrito entre a mãe das autoras, que ainda era titular de metade do usufruto, as autoras e a ré em que foi acordado o seguinte:
- A mãe das autoras e as autoras arredavam à ré o ... do prédio urbano mediante o pagamento da renda anual de € 7.481,96;
- A renda era paga em duodécimos mensais no valor de € 623,49;
- O arrendamento era pelo prazo de um ano, renovável, com início no dia 1 de janeiro de 2001;
- O ... arrendado destinava-se a estabelecimento comercial de venda a retalho de material ótico, serviços no domínio da ótica ocular, fotográfico, cinematrográfico, audiometria e instrumentos de precisão.
12. No dia 28 de dezembro de 2017, através de carta registada com aviso de receção, as autoras comunicaram à ré que denunciavam o contrato de arrendamento com efeito no dia 1 de fevereiro de 2020.
13. A ré não entregou o ... às autoras;
14. As autoras pretendem fazer obras no prédio urbano mantendo o ... destinado a comércio, mas transformando os andares de um edifício adaptado a escritórios para um edifício residencial;
15. O prédio urbano está situado no centro da cidade ....*
No que concerne ao ponto 5, na verdade, entendemos que a matéria do mesmo não se encontra provada na totalidade.
Com efeito, da prova produzida não se extrai desde quando existe o estabelecimento nem que o estabelecimento em causa funciona no ... há cerca de 100 anos. Na verdade, nenhuma das testemunhas o referiu, nem resultou das declarações de parte da A..
Por outro lado, de acordo com os documentos que a R. juntou extraídos do processo 500-A/1983, que correu termos no extinto ... juízo, 2ª secção do Tribunal ..., verifica-se que em 9/2/1984 foi celebrada transação no âmbito desse processo da qual consta que o prédio onde o aí Requerido HH tinha o seu estabelecimento instalado iria ser demolido e no local seria construído um novo prédio onde seria reinstalado o estabelecimento em causa. A A., AA, a testemunha DD (arquiteto) e a testemunha MM (que foi casada com o irmão mais velho das AA.) também referiram que nos anos 80 o prédio foi demolido/ transformado.
Deste documento e também das declarações da A. e das testemunhas referidas depreende-se que antes dessa demolição do prédio o estabelecimento de ótica já existia naquele local, no entanto, desconhece-se há quanto tempo. A A. referiu que o seu bisavô tinha lá um estabelecimento há cerca de 100 anos, mas era de eletricidade.
Deste modo, da prova produzida não resulta a matéria do ponto em causa, nem a matéria do ponto 6, 7, 8 e parte do 9.
Com efeito, apenas resultou provado que o estabelecimento de ótica se encontra naquele local desde 1983 (altura em que foi proposta a ação em causa) e que nessa altura era explorado por HH, desconhecendo-se quem foi o seu fundador.
Em face do aditamento à matéria de facto do ponto 18 não se pode concluir, como resulta do ponto 9 que a renda sempre foi paga.
A matéria atual dos pontos 5, 6, 7, 8 e o segmento do 9 relativo ao pagamento da renda passará para os factos não provados.

Os novos pontos 5 e 6 que passarão a ter a seguinte redação:

5 - Este estabelecimento comercial existe desde, pelo menos desde 1983, altura em que era explorado por HH.
6 – Desde, pelo menos, essa data que o estabelecimento funciona naquele local ao abrigo de um contrato de arrendamento.

No que concerne ao ponto 10 têm razão as recorrentes, pois não existe qualquer prova nos autos da constituição da sociedade comercial aí referida, prova essa que cabia à Ré e que seria fácil de fazer através da junção aos autos de certidão do registo comercial.
O ponto 10 dos factos provados será, pois, eliminado e remetido para os factos não provados.
           
Quanto ao ponto 11 nada há a alterar uma vez que a matéria que o mesmo contém se encontra provada por documento assinado também pelas Autoras e que não foi posto em causa por estas. O facto de no ponto em causa não se terem transcrito todas as cláusulas do contrato não invalida que o Tribunal as tenha em consideração caso tal seja necessário na análise do mérito da causa.

No que concerne aos pontos 12 e 15, a discordância das AA. é apenas relativa à sua redação, que entendem ser restritiva. Ora, quando ao ponto 15 remetemos para o que acima foi dito a propósito da pretensão das AA. de aditar matéria de facto aos factos provados e no que concerne ao ponto 12 têm as AA. razão ao referirem que do mencionado ponto deveria constar que a Ré recebeu a carta.
Assim, essa matéria será aditada ao ponto em causa.

Quanto à matéria do ponto 17, cabia à Ré prová-la (v. art. 342º, nº 2 do C. Civil.
Ora a Ré juntou para tal, o documento emitido pelo Município ... em 1 de junho de 2018, que refere que esse Município, através do programa “Lojas com História”, reconhece à “ÓPTICA ...” a proteção de estabelecimentos e entidades com interesse histórico e cultural ou social ao abrigo da Lei nº 42/2017.
Entendemos assim que basta esse documento para provar o facto em causa. A circunstância de algumas das testemunhas terem referido que a loja em causa tem interiores contemporâneos, não afasta a qualificação conferida ao estabelecimento pelo Município ....
No entanto, é necessário aditar ao ponto em causa a data em que tal reconhecimento foi efetivado, pois tal pode ter interesse para a boa decisão da causa.

Assim, o ponto 17 passará a ter a seguinte redação:

17 – O estabelecimento comercial está reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural desde 1 de junho de 2018.

A impugnação da matéria de facto procede, pois, em parte.
           
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O Direito:

No caso importa, em primeiro lugar, apurar quando foi celebrado o contrato de arrendamento que permite à Ré ocupar o locado.
A Ré sustenta que o contrato foi celebrado há mais de 100 anos e que o contrato de 2000 não consistiu num novo contrato, mas sim uma mera alteração formal decorrente do facto de entre HH, o filho HH e os netos CC e BB, ter sido constituída a sociedade comercial ora Ré. As AA., por seu turno sustentam que a 29/12/2000 foi celebrado um novo contrato.
Na sentença recorrida adotou-se a tese da Ré, no entanto, em face da alteração efetuada à matéria de facto provada, esse entendimento não tem sustentação fática. Com efeito, o mesmo baseava-se no facto de o estabelecimento ter sido transmitido de pais para filhos desde há mais de 100 anos e da celebração do contrato no ano 2000 ter sido motivada pela constituição de uma sociedade comercial, mantendo-se as condições do contrato.
Ora, não só não resultou provada a transmissão referida ao longo os tempos, como não resultou provado que a celebração do contrato tenha ocorrido apenas como necessidade de adequar formalmente o arrendamento com a constituição da sociedade comercial (aliás, pensamos que mesmo antes da alteração da matéria de facto tal circunstância não estava probatoriamente demonstrada, embora se admita que pudesse presumir-se das circunstâncias que então se consideraram demonstradas ligadas à transmissão do arrendamento ao longo dos tempos). Também não está (nem nunca esteve) provado que o arrendamento, não obstante a mudança de titular, obedecia às mesmas cláusulas que o anterior, nem tal se presume da matéria de facto provada. Com efeito, em lado algum dos autos se refere quais eram as cláusulas do arrendamento anterior.
Deste modo, para efeitos de apurar qual o regime jurídico aplicável, temos que considerar que o contrato vigente entre AA. e Ré, foi celebrado em 20/12/2000.
Nesse documento as partes consignaram que o arrendamento era pelo prazo de um ano e era renovável por iguais períodos.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 118º do Regime do Arrendamento Urbano (vigente à data de celebração do contrato), por referência ao art. 117º do mesmo diploma, no caso como o presente em que as partes convencionaram um prazo para a duração efetiva do contrato, o mesmo renova-se automaticamente no fim desse prazo, por igual período, quando não seja denunciado por qualquer das partes.
As autoras procederam à denúncia do contrato de arrendamento, em 28/12/2017, para produzir efeitos em 1/02/20.
A denúncia rege-se pela lei vigente à data em que foi comunicada ao arrendatário (v. Ac. do STJ de 23/3/21, Acs. da R. de Lisboa de 2/6/16 e de 24/5/22 e Ac. R. Évora de 20/12/18, todos em www.dgsi.pt ).
Como é sabido, denúncia é a declaração feita por um dos contraentes, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado (v. art. 12º, nº 2 do C. Civil e cfr. Antunes Varela, das Obrigações em Geral, vol.  II, 5ª ed., pág-, 279).
Deste modo, a validade e eficácia da denúncia tem que ser analisada ao abrigo do disposto no art. 1101º do C. Civil, com a redação dada pela Lei nº 31/2012, de 14 de agosto.
Este preceito, na sua alínea c), permitia ao senhorio denunciar o contrato de duração indeterminada mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a dois anos sobre a data da cessação.
Tendo as AA. procedido à denúncia do contrato no dia 28/12/17 para produzir efeitos em 1/2/20, foi respeitado o prazo acima referido.
No entanto, o estabelecimento comercial foi reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural, pelo que, na sentença recorrida se entendeu que beneficia do regime previsto na Lei nº 42/2017 de 14 de junho que consagra um regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local e conferir pelos respetivos municípios.
Neste diploma, no seu art. 13º, nº 2 estabelece-se que relativamente aos estabelecimentos comerciais que foram reconhecidos como estabelecimentos de interesse histórico e cultural e cujos arrendamentos tenham transitado para o novo Regime do Arrendamento Urbano, os senhorios não podem opor-se à renovação do contrato por um período adicional de cinco anos.

Apesar de no diploma em causa se fazer referência apenas aos contratos com prazo certo e á oposição à renovação automática regulada no art. 1097º do C. Civil, na sentença recorrida entendeu-se o seguinte:

Uma primeira análise poderia levar à conclusão de que tinham sido excluídos os contratos por tempo indeterminado. Sucede que esta conclusão traduzia-se na negação da finalidade que foi pretendida pelo legislador que, como referimos, consistiu em garantir o prolongamento dos contratos de arrendamento. Os contratos por tempo indeterminado não cessam por oposição à renovação, mas por denúncia. Para os contratos por tempo indeterminado para fins não habitacionais celebrados depois do Dl. nº257/95 de 30 de Setembro a denúncia pelo senhorio passou a ser admissível livremente, sem necessidade da invocação de qualquer motivo, nos termos no art. 1101º al. c) do Cód. Civil. Acresce que na altura em que entrou em vigor a Lei nº42/2017 de 14 de Junho a denúncia pelo senhorio estava sujeita a uma antecedência de apenas dois anos. Seria incompreensível que estando em causa um contrato com prazo certo o senhorio não pudesse opor-se à renovação automática sem ter decorrido um período adicional de cinco anos, enquanto se estivesse em causa um contrato por tempo indeterminado podia proceder à denúncia com uma antecedência de apenas dois anos.
A conclusão não pode deixar de ser que existe uma lacuna na lei que deve ser preenchida pela norma aplicável aos casos análogos ou, na sua falta, pela norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (art. 10º nº1, 2, e 3 do Cód. Civil). Para este efeito, o art. 13º nº3 da Lei nº42/2017 de 14 de Junho deve ser interpretado no sentido de incluir os contratos por tempo indeterminado para fins não habitacionais celebrados depois do Dl. nº257/95 de 30 de Setembro e, no que respeita a estes contratos, não ser admissível a denúncia pelo senhorio nos termos do art. 1101º al. c) do Cód. Civil sem terem decorrido cinco anos após a entrada em vigor da lei. Cremos que é esta a solução mais adequada, sob pena de a protecção que foi pretendida pelo legislador relativamente aos estabelecimentos comerciais que foram reconhecidos como estabelecimentos de interesse histórico e cultural ser recusada quando funcionam ao abrigo de contratos de arrendamento por tempo indeterminado.
Tendo a Lei nº 42/2017 de 14 de Junho entrado em vigor no dia 24 de Junho de 2017 as autoras apenas podiam proceder à denúncia a partir do dia 24 de Junho de 2022 e com uma antecedência de cinco anos, atendendo à actual redacção do art. 1901º al. c) do Cód. Civil, ou seja, com efeito a partir do dia 24 de Junho de 2027.
Este prazo está em harmonia com o regime e com a vontade do legislador expressa na Lei nº42/2017 de 14 de Junho. Por um lado, a protecção conferida por esta lei foi alargada até ao dia 31 de Dezembro de 2027 através da Lei do Orçamento do Estado de 2022 (art. 228º nº6 da Lei nº12/2022 de 27 de Junho). Por outro lado, nas situações de oposição à renovação o senhorio também tem que aguardar o decurso do período adicional de cinco anos e depois deste período o prazo de duração do contrato para proceder à cessação do arrendamento.”
Não obstante, em abstrato podermos concordar com este raciocínio do Sr. Juiz a quo, no caso concreto não o podemos subscrever.
Na verdade, na data em que a denúncia foi comunicada à arrendatária – 28/12/17 – o estabelecimento comercial em causa ainda não estava reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural, pois tal reconhecimento só ocorreu em 1 de junho de 2018.
Assim, o quadro jurídico que regia os requisitos da denúncia à data em que foi comunicada ao senhorio, não envolvia a proteção dada ao arrendamento pela Lei 42/2017 de 14 de junho.
Com efeito, antes da concessão do reconhecimento e proteção acima mencionados, já se havia constituído na esfera jurídica das senhorias o direito à denúncia do contrato nas circunstâncias vigentes à data da mesma e estas já o tinham adequadamente exercido.
Neste contexto, não pode a inquilina beneficiar do regime previsto no art. 13º, nº 3 da mencionada Lei, pelo que a denúncia produziu efeitos a partir de 1/2/20, cessando, pois, o contrato de arrendamento após o decurso do período de dois anos subsequente à comunicação efetuada pelas senhorias.
Esta seria também a solução final caso se tivesse entendido, como na decisão recorrida, que o contrato era o mesmo ao longo dos tempos.
A Ré tem, pois, de entregar às AA. o local que foi objeto do contrato de arrendamento entre elas celebrado.
*
As AA. pedem se condene a Ré no pagamento de uma indemnização no valor de 2000,00€/mês, pela ocupação do ..., a partir do dia 1 de fevereiro de 2020 até à sua restituição àquelas.
É certo que é devida às AA. uma indemnização pela ocupação culposa do local em causa por parte da Ré, sem título legítimo, ocupação essa que causa necessariamente prejuízos às AA., pela privação do seu uso (v. art. 483º do C. Civil).
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (v. art. 564º do C. Civil).
A compensação tem, necessariamente de ser fixada em dinheiro.
Não se provou qual o valor da renda que as AA. poderiam obter com o arrendamento daquele local, provando-se apenas que o valor da renda mensal que a Ré paga é de 725,15€. Assim, com base na equidade, será este o valor a ter em conta como critério indemnizatório pela privação do uso do imóvel por parte das proprietárias, em consequência da ocupação do mesmo pela Ré, devendo esta ser condenada a pagá-lo às AA.
A indemnização acima apurada deverá ser descontado o valor entretanto pago às AA. pela Ré e que as AA. podem fazer seu.
*
As AA. vêm ainda por em causa a decisão da primeira instância no que se refere às custas, que atribuiu a sua responsabilidade unicamente às AA., não obstante ter julgado procedente o pedido destas de reconhecimento da sua propriedade sobre o imóvel.
O Sr. Juiz a quo justificou a sua decisão dizendo que “Os pedidos em relação aos quais a acção foi procedente não têm verdadeira relevância para as autoras e não foram minimamente postos em causa pela ré. A procedência destes pedidos fica muito aquém da real motivação das autoras quando intentaram a acção, razão pela qual entendemos que as custas devem ficar integralmente a seu cargo. Neste sentido pode ver-se António Geraldes, in Custas Judiciais Cíveis - Centro de Estudos Judiciários, pág. 43, que, de forma particularmente expressiva, afirma que a procedência de pedidos como estes ‘não passa de uma vitória de pirro’ que não deve ser atendida para efeitos de custas”.

Vejamos:
O disposto no art. 527º do C. P. Civil diz-nos que “A decisão que julgue a ação ou alguns dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
No caso, os pedidos que constituem o verdadeiro objeto da ação e que a Ré contesta são apenas os que na primeira instância foram julgados improcedentes. O pedido de reconhecimento do direito de propriedade das AA. sobre o prédio arrendado tem, relativamente ao objeto da ação, um caráter secundário, sem qualquer reflexo no resultado da ação efetivamente pretendido pelas AA..
Assim, concordamos com a decisão da primeira instância quanto a custas.
*

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação revogando-se parcialmente a decisão recorrida e, em consequência:

- Condenar-se a Ré a reconhecer a validade e eficácia da denúncia do contrato de arrendamento celebrado com a Ré e que a mesma produziu efeitos a partir de 1 de fevereiro de 2020;
- Condenar a Ré a restituir às AA. o local que era o objeto desse contrato;
- Condenar a Ré a pagar às AA. a quantia mensal de 725,15€ (setecentos e vinte e cinco euros e quinze cêntimos) desde 2 de fevereiro de 2020 até à entrega do mencionado local, livre de pessoas e bens.
- Determinar que ao valor acima referido seja descontado o valor entretanto pago pela Ré às AA. e que as AA. podem fazer seu.
Custas na proporção de 4/6 para a Ré e 2/6 para as AA..
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Guimarães, 9 de março de 2023

Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo