Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
956/17.4T8GMR-C.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA DE IMÓVEL
HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE DO EXECUTADO OU DO SEU AGREGADO FAMILIAR
INSCRIÇÃO A FAVOR DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
POSTERIOR REGISTO DE PENHORA EFETUADA EM EXECUÇÃO COMUM
PROIBIÇÃO DA VENDA NA EXECUÇÃO FISCAL
PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO COMUM PARA VENDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - O facto de se encontrar registada penhora sobre imóvel inscrita a favor da Autoridade Tributária, com registo anterior à efetuada numa execução comum, não obsta ao prosseguimento desta execução com a venda desse bem, quando naquela execução tal venda não pode ocorrer, por força do disposto no art. 244º, nº 2 do CPPT, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016 de 23/5, por o imóvel constituir a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.

2 – Este regime apenas proíbe a venda do imóvel afeto à habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, desde que essa venda ocorra no âmbito de uma execução fiscal.

3 – Ao prosseguimento da execução nos termos referidos no ponto 1 deste sumário não obsta o disposto no art. 794º, nº 1 do C. P. Civil, já que o mesmo pressupõe que o processo onde ocorreu a primeira penhora se encontra a correr os seus termos e pretende evitar a execução simultânea do(s) mesmo(s) bem(ns), o que não se ocorre no caso em análise.
Decisão Texto Integral:
Relatório:

No âmbito do processo executivo acima identificado, em que é Exequente E. C. e Executados X Export, Lda, A. M. e S. D., veio a Caixa ... reclamar créditos, invocando hipoteca anterior com registo posterior à realizada nos presentes autos, respetivamente. Os créditos reclamados foram verificados e graduados no lugar que lhe competia.

No processo principal a Agente de Execução proferiu decisão sustando a execução quanto ao bem onerado com a hipoteca, por existir registo de penhora anterior, realizada pela Autoridade Tributária, sobre o mesmo bem.

Em 12/10/17 a Caixa ... apresentou requerimento no processo solicitando o prosseguimento dos autos para a venda do bem e pagamento do seu crédito uma vez que no processo tributário a venda do bem tinha sido suspensa ao abrigo do DL 13/2016 de 23/5, por o imóvel a vender ser a casa de habitação do executado.

Sobre este requerimento foi proferido o seguinte despacho:

“Notifique-se a Caixa ... que, relativamente à questão prévia que suscitou na reclamação de créditos, deverá diligenciar pela venda do imóvel no processo onde ocorreu a 1ª penhora.”

Inconformada veio a credora reclamante recorrer, formulando as seguintes conclusões:

1. A aqui Recorrente instaurou, em 09 de maio de 2017, ação executiva para pagamento do crédito emergente de financiamentos celebrados com o aqui Executado A. M..
2. No âmbito dos presentes autos foi penhorado (segunda penhora) o imóvel onerado com hipoteca a favor da Caixa ....
3. Por decisão da Agente de Execução em funções, de 26 de setembro de 2017, foram os autos de processo nº 2638/17.8T8GMR, supra melhor identificados, sustados quanto ao imóvel onerado com hipoteca em benefício da Caixa ...,
4. Sendo que a Caixa ... reclamou o seu crédito hipotecário no processo da (primeira) penhora, o qual com o n. ° 0418200901108247 e apensos corre termos pelo Serviço de Finanças … - 1.
5. A 24 de maio de 2016 entrou em vigor a Lei nº 13/2016, de 23 de maio que veio proteger as casas de morada de família no âmbito dos processos de execução fiscal.
6. A aqui Recorrente veio reclamar os seus créditos garantidos por hipoteca para pagamento pelo produto da venda do bem imóvel aqui penhorado, nestes autos executivos, com (segunda) penhora registada sobre o bem em apreço.
7. O presente recurso vem interposto do despacho que indeferiu o prosseguimento dos presentes autos e o levantamento da sustação da execução, com vista à venda do imóvel penhorado, por existir penhora anterior registada da Fazenda Nacional/fazendo incorreta aplicação e interpretação do art. 794.° do CPC.
8. O douto despacho que antecede, que merece a nossa sindicância, é omisso na fundamentação justificativa da decisão.
9. Preceitua o art. 205., nº 1 da CRP que "As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei" (sublinhado nosso)
10. Para cumprir esta imposição constitucional, a fundamentação há de ser expressa, clara, coerente e suficiente, ou seja, pretende-se que a descoberta das razões da decisão não sejam deixadas ao acaso pelo seu destinatário.
11. O despacho do Tribunal ad quo é omisso nas razões de direito e de facto que sustentem a asserção, ou melhor se diga, a imposição, que supra se descreveu.
12. O Tribunal ad quo limita-se a decidir - sem mais - uma situação controvertida, com opiniões distintas e debatidas, quando estão em causa interesses paralelos mas que convergem num só e único objetivo: o da venda do imóvel na execução civil, dada a inércia da Fazenda Nacional em promover a venda do imóvel penhorado, por se tratar da casa de morada de família.
13. A ser assim, como de facto é, esta omissão é seguramente prejudicial para todos os intervenientes processuais e não só para a Caixa ... já que se fica sem perceber quais as razões que levam o douto Tribunal ad quo a decidir tal qual decidiu.
14. Certo é que, a asserção contida no despacho aqui sindicado faz tábua rasa dos argumentos aduzidos nos autos pela aqui Recorrente.
15. Não sabendo a aqui Recorrente com que sustento doutrinário e/ou jurisprudencial o douto Tribunal ad quo se baseia para determinar - sem mais – que a Caixa ... deverá diligenciar pela venda do imóvel no processo onde ocorreu a primeira penhora
16. Não se pode defender contra-argumentando com premissas lógicas e que se baseiam em normas legais, posições doutrinárias e/ou decisões jurisprudenciais.
17. Nesta medida / o Tribunal ad quo viola o preceituado no art.154.°, n.º1 do CPC e art. 205.°, nº1 da CRP quando profere uma decisão que é e foi suscetível de influenciar a decisão da causa controvertida e processuais, mormente, decisão sem que faça fundamentação a posição dos demais intervenientes a Caixa ... enquanto parte prejudicada nessa nela constar a respetiva e necessária
18. O despacho ora sindicado deve ser declarado nulo por omissão dos fundamentos justificativos de facto e de direito da decisão, ao abrigo do disposto no art. 615., nº1, al. b) ex vi art. 613., nº 3 ambos do C.P.C. por violação das normas legais contidas no art. 154., nº 1 do CPC e no art. 205.°, nº1 da CRP.
19. Nulidade que aqui se argui, para todos os efeitos legais.
20. Não obstante, sempre se dirá que, perante a falta de andamento do processo de execução fiscal, a Recorrente insistiu, por várias vezes telefonicamente para saber quando o processo iria avançar para a venda do imóvel, sem êxito.
21. 0ra, em maio de 2016 entrou em vigor a Lei nº 13/2016 de 23 de maio, que prevê que, sendo penhorada em execução fiscal bem imóvel que corresponda a habitação própria e permanente do executado, não há lugar à realização da venda na execução fiscal; ou seja, a nova lei vem estabelecer um impedimento legal à venda dos imóveis que se encontrem nessas circunstâncias.
22. Face ao exposto, está a Recorrente numa situação de impasse, não podendo obter nem pela via dos presentes autos, nem pela via dos autos em que reclamou crédito, o pagamento da dívida hipotecária (de elevado montante).
23. Tal situação é claramente lesiva dos interesses da Recorrente, bem como, dos interesses dos Executados que têm visto penhorados os seus bens, uma vez que a presente execução está sustada quanto ao imóvel e na execução fiscal há um impedimento legal à realização da venda, do bem hipotecado e penhorado, mantendo-se a penhora do Fisco apenas como mera garantia do crédito fiscal, sem quaisquer outras consequências processuais, pois a venda não se irá realizar.
24. Requereu, deste modo, a Recorrente que o Tribunal reconhecendo o impedimento legal à realização da venda nas Finanças, levantasse a sustação e ordenasse o prosseguimento da execução, por não se verificar o circunstancialismo do art. 794., nº 1 do CPC (pendência de duas ou mais execuções dinâmicas sobre o mesmo bem).
25.Argumentando ainda que a Autoridade Tributária será sempre citada para reclamar créditos, os direitos desta não são prejudicados pelo prosseguimento da execução.
26. Como já se viu, o douto Tribunal ad quo indeferiu a pretensão da Recorrente, ordenando que esta fosse diligenciar pela venda no processo da primeira penhora, com o que não se concorda.
27. A disposição normativa constante do art. 794º do C.P.C. visa impedir a sobreposição de direitos sobre os mesmos bens, criando assim uma regra de prioridade temporal cujo objetivo é o de ordenar em um só processo (o da primeira penhora) a tramitação dos atos tendentes à venda executiva e subsequente distribuição do produto dessa venda.
28. Pretende o legislador, assim, impedir que o mesmo bem possa ser alienado duas ou mais vezes em dois ou mais processos distintos, ou que o direito de um primeiro exequente (o que mais cedo logrou obter penhora) possa ser postergado apenas porque outro credor posterior viu o seu processo correr em tribunal ou juízo de tramitação mais célere (ou por menor pendência ou por maior eficácia dos seus serviços) ou adstrito a solicitador de execução mais diligente.
29. Tem o normativo em apreço igualmente a função de garantir ao primeiro credor penhorante a manutenção da garantia proveniente da penhora e a respetiva execução no seu processo, uma vez que essa qualidade de credor com penhora efetuada não lhe atribui qualquer especial proteção em sede de citação de credores, designadamente para os efeitos previstos no art. 786.° do CPC.
30. No entanto, a proteção conferida ao credor com primeira penhora é, nos termos da lei processual civil, controlável pelos credores com penhora subsequente e que ao processo primeiro tenham vindo reclamar créditos por força do disposto no aludido art. 794.°.
31. Com efeito, estando a instância suspensa por inércia do exequente em promover os seus termos, pode o credor reclamante requerer o prosseguimento da execução para satisfação do seu crédito.
32. Existe, assim, uma tutela do credor reclamante por força do preceituado no art. 794.° do C.P.C. que lhe garante a execução do seu crédito em tempo útil, não ficando, por isso, totalmente refém da promoção do processo por parte do exequente.
33. Aliás, jurisprudência há no sentido de que a sustação da execução nos termos do art. 794.° do C.P.C. só deverá ocorrer se a execução da primeira penhora estiver em movimento, não fazendo sentido que se admita a reclamação de um crédito numa execução parada por inércia do exequente (neste sentido, Ac. RP de 30.05.89; BMJ 398°- 581; Ac. RP de 21.07.83: BMJ 329°- 620 ; Ac. STJ, de 12.12.72, BMJ 222°-360).
34. A razão de ser deste entendimento jurisprudencial prende-se com a circunstância de a proteção do credor reclamante no domínio da legislação processual civil não ocorrer na execução fiscal.
35. Resulta daqui que encontrando-se o credor reclamante na absoluta dependência da iniciativa do Serviço de Finanças territorialmente competente, nenhum ato processual poderá praticar que lhe permita tomar a direção do processo impulsionando-o.
36. Por este motivo, não podendo promover o serviço de finanças local o andamento dos autos de execução fiscal, o credor reclamante com execução própria instaurada e penhora registada posteriormente poderá ficar indefinidamente à espera de uma iniciativa processual que não consegue controlar e que poderá nunca vir a ocorrer.
37. Tal situação é particularmente danosa para o credor reclamante que, tal como sucede no caso dos autos, goza de hipoteca sobre o bem penhorado, tendo por isso a legítima expetativa de vir a ser graduado em primeiro lugar pelo produto da venda do bem onerado.
38. Não foi com certeza esta situação de impasse processual que o legislador visou alcançar.
39. Se o legislador, na ânsia de dotar a administração fiscal de mecanismos legais céleres e eficazes expressamente previu a não sustação do processo de execução fiscal em caso de penhora de bem já apreendido (por penhora anterior) por qualquer outro tribunal (art. 218.°/ nº3 CPPT)
40. Se esse mesmo legislador faz depender as diligências tendentes à venda dos bens penhorados em processo civil executivo da citação prévia da Fazenda Nacional para reclamar créditos (art. 786, nº2 do CPC).
41. Então nada obstará ao prosseguimento do sustado por penhora anterior da Fazenda Nacional, como é comprovadamente o caso dos autos.
42. Como atrás referido, o prosseguimento dos presentes autos nenhum prejuízo comportará para a administração fiscal, dado que o passo processual imediatamente seguinte será o da citação da Fazenda para reclamar os seus créditos.
43. Assim, temos que, mantendo-se a sustação da penhora registada à ordem destes autos, não logrará a Caixa ... ver satisfeito o seu crédito exequendo e hipotecário,
44. Dado não lhe ser possível promover os autos de execução fiscal, que a Fazenda mantém em estado de absoluta suspensão (até por estar ciente de que o crédito do Estado será graduado abaixo do crédito hipotecário, não tendo, por isso, qualquer interesse em promover a venda do imóvel)
45 .Levantando-se a sustação e prosseguindo os autos, será a Fazenda citada para reclamar os seus créditos, os quais serão então graduados no lugar que lhes compete, não advindo, por isso, qualquer prejuízo para o Estado, prosseguindo-se os fins da execução civil (e, concomitantemente, da execução fiscal) - a cobrança do crédito exequendo e créditos reclamados.
46. A não se admitir o prosseguimento da execução nestes casos, em que há um impedimento legal à venda do imóvel nas execuções fiscais, são postos em crise os princípios constitucionais da proporcionalidade e da garantia do direito à propriedade privada, previstos nos art. 18.° nº 2 e 62.° nº 1 da Constituição, isto na medida em que a Recorrente fica sujeita a uma intolerável compressão do exercício dos seus direitos, nomeadamente do seu direito à satisfação do seu crédito, indelevelmente ligado ao direito à propriedade privada, sendo que, por outro lado, sempre ficaria sujeito às vicissitudes próprias da suspensão da execução fiscal, determinada pelo impedimento legal à venda do imóvel, sem que, quanto a essas, tenha a possibilidade de, por via dos competentes mecanismos legais, promover ou requerer o prosseguimento.
47. Assim, a decisão recorrida, ao considerar que a Caixa ... deverá diligenciar pela venda do imóvel hipotecado no processo da primeira penhora, ou seja, processo de execução fiscal suspenso em virtude da Lei n. °13/2016, de 23 de maio, perfilha-se assim, como decisão violadora do art. 794.° nº 1 do CPC, bem como, dos princípios constitucionais da proporcionalidade de e da garantia do direito à propriedade privada, previstos nos art. 18.° nº 2 e 62.° nº 1 da Constituição, devendo, por conseguinte, ser revogada e substituída por outra que ordene a prossecução dos presentes autos quanto ao bem imóvel sub judice, notificando-se a Agente de Execução em funções para proceder às citações constantes do art. 786.° do CPC.

TERMOS EM QUE, revogando a sentença recorrida farão V. Exs.a JUSTIÇA!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questões a decidir:

- Da alegada nulidade da decisão por falta de fundamentação
- Verificar se assiste à Recorrente direito ao prosseguimento da presente execução com vista à satisfação integral do seu crédito, não obstante existir penhora com registo anterior sobre o mesmo bem a favor da Autoridade Tributária.
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Cumpre apreciar e decidir:

Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação:

Da decisão recorrida consta tão só o seguinte:

“Notifique-se a Caixa ... que, relativamente à questão prévia que suscitou na reclamação de créditos, deverá diligenciar pela venda do imóvel no processo onde ocorreu a 1ª penhora.”

Os termos da motivação de uma decisão judicial estão definidos no art. 607º, nº 4 do C. P. Civil, sendo essencial a motivação para a legitimação da decisão judicial.

Assim, o tribunal deve explicar as razões pelas quais decidiu em determinado sentido e não noutro, permitindo aos intérpretes dessa sua decisão perceber as razões da mesma.

No caso em apreço, a fundamentação, quer de facto, quer de direito é inexistente, já que o Sr. Juiz a quo não justificou, nem mesmo insuficientemente, a razão da sua decisão.

A nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto e de direito está prevista no art. 615º, nº 1, al b) do C. P. Civil.

A decisão em causa é pois nula por falta de fundamentação, o que se declara.

No entanto, possuindo este Tribunal os elementos necessários à decisão do recurso, irá fazê-lo ao abrigo do preceituado no art. 665º, nº 1 do C. P. Civil.
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Factos com interesse para a decisão da causa que se encontram demonstrados pelos documentos juntos ao processo e seus apensos e ainda da análise das peças processuais:

1 – Em 15/1/17 foi instaurada a presente execução que tem como partes as referidas no relatório desta decisão.
2 – Em 9/5/17 a Caixa ... instaurou ação executiva contra os ora executados, para pagamento da quantia total de 45.993,26€, que corre termos no Tribunal da Comarca de Braga – 2 º Juízo de Execução de Guimarães, sob o nº 2638/17.8T8GMR
3 – No âmbito do processo referido no ponto 2 foi penhorado o imóvel, onerado com hipoteca a favor da Caixa ..., para garantia dos créditos cujo pagamento se visa nessa execução, com a seguinte identificação:

- prédio urbano, composto por casa de rés-de-chão, andar e logradouro, sito no lugar …, freguesia de …, concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art. …. 4 – No processo mencionado no ponto 2 foi, em 26/9/17, proferida decisão pela AE, determinando a sustação da venda do bem imóvel penhorado, por existirem penhoras com data anterior à realizada nesses autos.
5 – Sobre o prédio identificado em 2 e com interesse para a decisão da causa, incidem os seguintes registos:
- Ap 3 de 28/3/2003 hipoteca voluntária a favor da Caixa ...; montante máximo assegurado: 35.588,75€
- Ap 2 de 19/12/2003 hipoteca voluntária a favor da Caixa ...; montante máximo assegurado: 55.973,60€;
- Ap. 1980 de 4/8/2010 arresto; quantia: 300.000,00€; sujeitos ativos M. M. e A. M..
- Ap. 2238 de 3/11/2014 penhora; quantia exequenda 39.416,23; sujeito ativo: Autoridade Tributária e Aduaneira (proc. de exc. Fiscal nº 041820090118247).
- Ap. 3626 de 22/05/2017 penhora; quantia exequenda 46.433,33€; sujeito ativo E. C. (proc. nº 956/17.4T8GMR).
- Ap. 2350 de 8/9/2017 penhora; quantia exequenda: 45.933,26€; sujeito ativo Caixa ... (proc. nº 2638/17.8T8GMR).
6 – A Caixa ... reclamou o seu crédito por apenso ao processo executivo de que o presente também depende.
7 – Nessa reclamação, como questão prévia, a Caixa ... explicou que reclamou o seu crédito na execução fiscal acima mencionada, tendo tal execução sido sustada quanto a esse bem por constituir a casa de habitação do executado, ao abrigo da Lei nº 13/2016 de 23/5, pelo que se encontra impedida de ver satisfeito o seu crédito sobre o executado, pedindo que os presentes autos sigam os seus termos com a venda do imóvel hipotecado, tanto mais que a Fazenda Nacional não ficará prejudicada pois pode reclamar os seus créditos no processo onde será vendido o imóvel.
8 – Em 19/2/18 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos no respetivo apenso (ao processo de que os presentes autos dependem).
9 – Como não recaiu despacho sobre o pedido referido no ponto 7, a Reclamante, veio reitera-lo nos autos principais.
10 – Sobre esse requerimento incidiu a decisão recorrida.
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O Direito:

Nos termos do preceituado no art. 794º, nº 1 do C.P. Civil, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.

No caso, resulta da factualidade assente que, sobre o bem imóvel onerado com hipoteca a favor da Reclamante, se encontra registada penhora inscrita a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, com registo anterior à efetuada pela credora reclamante no processo em que é exequente e, bem assim, à que se encontra efetuada no âmbito dos presentes autos (sendo esta anterior àquela).

Sabemos que atualmente, por força do disposto no art. 244º, nº 2 do CPPT, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016 de 23/5 que estabeleceu restrições à venda executiva no âmbito das execuções fiscais, quando esteja em causa a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar (com as exceções previstas no nº 3 desse preceito que não estão agora em causa), não pode a Administração Fiscal promover a venda do bem imóvel aí penhorado.

Analisando o regime legal introduzido pela mencionada Lei nº 13/2016, vemos que aí apenas se proíbe a venda do imóvel afeto à habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, desde que essa venda ocorra no âmbito de uma execução fiscal. Leia-se, com efeito, o seu nº 1 que, sob a epígrafe “Objeto”, estabelece que “A presente lei protege a casa de morada de família no âmbito dos processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado.” (sublinhado nosso).

No projeto de Lei nº 87/XIII/1ª, que iniciou o processo de alteração legislativa que visou a proteção da casa de morada de família no âmbito de execuções fiscais, pode ler-se na respetiva exposição de motivos que “com esta medida, pretende-se proteger um direito essencial dos cidadãos, com maior relevância social, no caso do direito à habitação, posto em causa quando, num processo de execução fiscal, a habitação é objeto de venda judicial por iniciativa do Estado, por vezes em razão de quantias irrisórias face ao valor do imóvel.”

Não houve, pois, intenção do legislador em estender a restrição prevista no mencionado diploma às execuções comuns, sacrificando os restantes credores e, designadamente os garantidos.

Por outro lado, analisando os diversos preceitos do CPPT relativos à penhora e à extinção da execução verificamos o seguinte:

- A penhora não pode ser levantada qualquer que seja o tempo por que se mantiver parada a execução, ainda que o motivo não seja imputável ao executado (art. 235º, nº 2 do CPPT) a não ser em caso de pagamento coercivo ou voluntário da dívida ou de anulação desta (arts. 260º, 269º e 271º, todos do CPPT).
- Não se encontra previsto o prosseguimento da execução por impulso dos credores reclamantes (v. sobre este tema Ac. STA de 3/2/2016 in www.dgsi.pt).

Em face deste regime e, sendo certo que a penhora não será levantada no âmbito da execução fiscal, a não ser que a dívida seja paga ou anulada, aplicando no caso o disposto no art. 794º, nº 1 do C. P. Civil, os credores com garantia real sobre o bem imóvel penhorado previamente na execução fiscal ficarão impedidos de satisfazer os seus créditos pelo produto da venda desse bem, que muitas vezes ou é o único bem, ou o único com valor suficiente para liquidar o crédito exequendo ou reclamado

Não nos parece que seja esta a intenção do legislador.

Com efeito, o que o art. 794º, nº 1 do C. P. Civil pretendeu foi que, estando pendentes várias execuções sobre o mesmo bem, a venda do mesmo fosse promovida apenas na execução onde tivesse ocorrido a primeira penhora, evitando a pendência de execuções simultâneas sobre os mesmos bens (v. Eurico Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª ed, pág. 493). Ora, no caso não há esse perigo, pois na primeira execução a venda do bem não pode ocorrer por força do disposto n art. 244º, nº 2 do CPPT.

Na verdade, o art. 794º, nº 1 do C. P. Civil pressupõe que a execução em que deve ocorrer a venda do bem se encontra a correr os seus termos. Não fazendo sentido que, em face da aplicação deste preceito a venda do bem ficasse suspensa “ad eternum”, deixando o credor com a penhora posterior “de mãos atadas”, por motivos que lhe são alheios, não podendo requerer o prosseguimento da execução própria, nem das que se encontram sustadas.

Por outro lado, e como acima já foi dito, o regime introduzido pela Lei 13/2016, não impede que a venda de um bem imóvel afeto à habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, ocorra no âmbito de uma execução comum.

Assim, não deve no caso ser aplicado o art. 794º do C. P. Civil, uma vez que há impossibilidade de prosseguimento da primeira execução, por causa não imputável ao credor, podendo este exercer os seus direitos na execução onde foi realizada a penhora posterior.

A isto não obsta o disposto no art. 822º do C. Civil, já que, a A.T. pode vir reclamar o seu crédito nesta outra execução, devendo para isso ser notificada ao abrigo do preceituado no art. 786º do C. P. Civil, sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir.

É certo que no caso existe um arresto, anterior à penhora, registado sobre o bem imóvel descrito nos autos, no entanto, o art. 794º, acima citado apenas manda sustar a execução quanto a um bem sobre o qual esteja registada penhora anterior.

Com efeito o arresto não convertido em penhora é mera providência cautelar não constituindo garantia real para efeito de reclamação de crédito em processo executivo e não concedendo qualquer preferência para efeitos de graduação ou de pagamento do crédito (v. entre outros Acs. do STJ de 21/11/2006 e 3/5/2007 in www.dgsi.pt).

Enquanto o arresto não for convertido em penhora, o beneficiário do mesmo poderá eventualmente lançar mão do disposto no art. 792º, nº 1 do C. P. Civil, solicitando que a graduação dos créditos relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em falta (v. Salvador da Costa in “O Concurso de Credores, 2ª ed., pág. 13 e Eurico Lopes Cardoso, ob. cit, pág. 485).
Atento o que acima se expôs concluiu-se que a Credora Reclamante não se encontra impedida de ver satisfeito o seu direito a ser pago pelo produto do bem hipotecado, bem esse que se encontra penhorado na execução de que dependem os presentes autos, podendo a mesma prosseguir quanto a esse bem, desde que se mantenha tal penhora ou no caso previsto na lei para o prosseguimento da execução a requerimento dos credores reclamantes.
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Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso, determinando-se o prosseguimento da execução quanto ao bem imóvel em causa nos autos, nos termos acima determinados.
Sem custas.

Guimarães, 17 de janeiro de 2019

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira