Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
364/12.3TCGMR.G1
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: PESSOA COLECTIVA
DIREITO DE PERSONALIDADE
DIREITO AO BOM NOME
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. As pessoas coletivas gozam da tutela de direitos de personalidade, ou de direitos afins com outra designação, nomeadamente direito ao crédito e ao bom nome, sendo várias as normas do sistema que o afirmam.
II. Tal tutela (de direitos das pessoas coletivas afins dos direitos de personalidade) é indissociável da natureza instrumental da personalidade coletiva e condicionada pelos fins por ela prosseguidos; pelo que nem todas as pessoas coletivas gozam dos mesmos direitos.

III.A possibilidade de pessoas coletivas de direito público serem titulares de direitos fundamentais apenas é concebível para algumas delas e, ainda assim, só casuisticamente pode ser aferida, em função da compatibilidade do direito em causa com a natureza de cada pessoa coletiva.

IV. Quando o exercício de um direito viola ilicitamente direito alheio, estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, e não no da colisão de direitos; o enquadramento e o remédio serão os previstos nos arts. 483 e ss. e 562 e ss. do CC, e não os contidos no art. 335 do mesmo Código, que pressupõem o exercício lícito de dois (ou mais) direitos.

V. O direito atingido pelo ato lesivo (v.g., direito ao bom nome e reputação) e o dano decorrente da lesão desse direito são entidades distintas; a lesão de um bem de natureza não patrimonial pode resultar num prejuízo patrimonial e a lesão de um bem patrimonial pode gerar dano moral.

VI. Quer o ato lesivo do direito atingido, quer o dano decorrente da lesão desse direito têm de ser provados pelo lesado, na medida em que não há indemnizações punitivas na responsabilidade civil extracontratual, face ao direito português vigente.

VII.O dano moral ou não patrimonial pressupõe que a vítima possa sentir, física ou psicologicamente, pelo que as pessoas coletivas não podem sofrer danos de natureza não patrimonial.

VIII. A ofensa do direito ao bom nome de uma pessoa coletiva apenas pode gerar (para a pessoa coletiva) danos de natureza patrimonial (ainda que danos patrimoniais indiretos).

Decisão Texto Integral:
I. Relatório
Objeto do recurso
II. Fundamentação de facto
III. Apreciação do mérito do recurso
A. Da prescrição
B. Da alteração da matéria de facto pretendida pelo Recorrido (Autor)
C. Da alteração da matéria de facto pretendida pelo Recorrente (Réu)
D. Dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual
1. Do ato ilícito (e culposo) ou, de outro ângulo, do direito violado
1.1. Liberdade de expressão
1.2. Liberdade de imprensa
1.3. Direito ao bom nome de pessoa coletiva
1.4. Cont. – Bom nome da pessoa coletiva pública «município»
1.5. Regressando ao facto do caso
1.6. Cont. – O facto como exercício da liberdade de expressão
2. Dos danos causados (danos não patrimoniais e personalidade coletiva)
Sumário (art. 663, n.º 7, do CPC):
IV. Decisão

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães[*]:

I. Relatório
AA, Réu na ação que lhe é movida pelo Município de Guimarães, notificado da sentença de 15/06/2015 que o condenou a pagar ao Autor a quantia de € 10.000 a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde então até integral e efetivo pagamento, e com ela não se conformando, interpõe o presente recurso.

Nas suas alegações de recurso, conclui:
«1. Da própria sentença constam factos e afirmações que contribuem para a absolvição do réu, donde há contradição entre a sentença e os factos provados e sua fundamentação.
2. Quando o réu foi citado já tinham decorrido, mais de 3 anos da data de publicação do jornal. Portanto, verificava-se a prescrição.
3. É verdade tudo o que o réu escreveu.
4. Na audiência de julgamento foi junta uma planta da própria Câmara, donde consta um projeto para urbanizar a área que pertence ao arquiteto e sua família.
5. Essa planta é a reprodução da folha 4 do jornal e vice-versa.
6. O réu contribuiu com a publicação do jornal para evitar um escândalo de especulação imobiliária com proporções inimagináveis.
7. A Câmara e seu arquiteto pretendiam enriquecer dessa forma, não se sabendo ao certo em que valor, mas era muito, pois como está provado e foi dito pelo mesmo arquiteto, à volta do Santuário é, praticamente, tudo dele e da sua família.
8. O tribunal não leu a PI reproduzida nos autos e dada como provada a sua existência.
9. Os factos dados como provados e a fundamentação e os depoimentos atrás transcritos do Presidente da Câmara e arquiteto mostram que o réu estava de boa-fé, convencido e com a certeza de que o que relatara era verdadeiro.
10. Ninguém perseguiu o réu por denúncia criminosa ou injúria ou difamação.
11. a) Tendo em conta o que consta da sentença já transcrito e conclusões anteriores e depoimentos atrás transcritos, do arquiteto BB e do ex-Presidente CC, que se dão aqui integralmente integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais,
b) Quer na sua fundamentação de facto,
c) Quer na sua fundamentação de direito,
d) Quer pelo que disseram as testemunhas e o réu, nos termos transcritos na sentença e agora também transcritos,
e) Tendo em conta o texto, o pretexto e o contexto…
12. … Deve dar-se como provado:
13. …Que as imputações não eram nem são aptas a denegrir a imagem, credibilidade, prestígio, bom nome e confiança no autor/Município;
14. …Que o réu tinha e tem fundamento para, na sua boa-fé, reputar como verdadeiros os factos que afirmou, pois as condutas aí relatadas existiram.
15. … Que foi afetado o património da Irmandade de S. Torcato, de que o réu foi membro e Juiz Presidente entre 1980 e 1995;
16. …Que tal facto continua impune e o grupo ou a minoria que dele tirou proveito encontra-se cada vez mais distante de ser responsabilizada e de responder, penal e civilmente, perante a justiça.
17. …Que as expressões “roubo de milhões” ou “roubo do século” foram, normalmente escritas entre aspas, e dentro de um contexto jornalístico sem especulação que permite a ironia, o exagero e a provocação.
18. …Que da Mesa da Irmandade, após a saída do réu, passou a fazer parte o Arquiteto BB e seus irmãos de sangue Eng. DD, funcionário da autarquia, e um terceiro irmão Eng. EE.
19. …Que o Boletim não teve nenhuma repercussão no interior da Câmara nem no concelho.
20. É irrelevante a prova do valor do terreno perdido pela obra do S. Torcato, sendo relevante que a obra de S. Torcato perdeu os terrenos à volta do Santuário.
21. Está provado com a planta junta na audiência de julgamento, que reproduz a página 4 do jornal, e com o depoimento do arquiteto, que este e família são donos da maioria dos terrenos vizinhos, ele e família que eram da confraria de S. Torcato, e que os procedimentos dele e da Câmara não eram regulares e geravam desconfiança e parcialidade.
22. A parcialidade resulta também na “guerra” que o Arquiteto BB e a Câmara fizeram ao réu, que cedeu, entre aspas, terrenos à Câmara e esta se vingou não aprovando o que prometera nem lhe pagando um cêntimo até agora, conforme ação no TAF de Braga, facto provado, violando todas as regras de um Estado que se intitula de Direito.
23. Em geral e em abstrato, é verdade que Portugal é dos países com menor transparência na administração pública, só ultrapassado pela África e América Latina, é dos países onde há mais corrupção.
24. Em geral e em abstrato, também é verdade que essa falta de transparência se situa mais na administração local e é difícil de provar.
25. E as vítimas, ou seja os contribuintes, pagam várias vezes essa praga com impostos, IMIS, e depois se abrem a boca como neste caso, ainda pagam indemnizações.
26. Em geral e em abstrato, em Portugal a administração local não tem, por isso, merecido a credibilidade que se exigia.
27. Há prova de que houve um acordo entre amigos da Irmandade e da Câmara e o funcionário da Câmara que também fazia parte da gestão da obra de S. Torcato.
28. Ficou provado nos depoimentos que o Arquiteto BB, desde 1994 até Novembro de 2009, era Chefe de Divisão do Planeamento Urbanístico da Câmara Municipal de Guimarães, um dos principais responsáveis pela elaboração do Estudo do PDM e do Plano de Pormenor de S. Torcato, como se demonstra na pág. 4 do Boletim, e simultaneamente continuou e continua a acumular um dos cargos diretivos na Irmandade de S. Torcato.
29. Há prova de que se verificou grande promiscuidade entre Câmara, o seu alto funcionário e arquiteto e a Irmandade de S. Torcato, de que este funcionário da Câmara fazia parte. Estava tudo entre amigos.
30. A afirmação Câmara passou a utilizar processos cada vez mais provocatórios de utilização.” (…) “Só agora, para dar ideia de uma firmeza que é justo confundir com falta de carácter e instintos fascistas, os dirigentes políticos talvez por que tinham “costas quentes” com o apoio de interesses materialistas ou da população da Corredoura, decidiram atuar com pulso de ferro.” (…) “A autarquia nunca se preocupou com questões de direito, praticando uma autêntica política do quero posso e mando””. [artigo 11º da contestação], é uma afirmação política, não ofensiva que se pode dizer em quaisquer circunstâncias, e muito mais nas circunstâncias que rodearam a publicação do jornal.
31. O tribunal de primeira instância só leu o texto, esquecendo o pretexto e o contexto.
32. As palavras “roubo”, “ladrões”, “assalto”, e sempre entre aspas não foram usadas em sentido técnico. É um “roubo” receber sem nada dar ou dar sem nada receber. O Mosteiro foi “roubado”, entre aspas. Foi prejudicada a obra e o património de S. Torcato.
33. Foi utilizada linguagem popular: como os políticos “roubam”, são uns “ladrões”, o Povo é “roubado”, trabalhamos e pagamos impostos para “ladrões”, tudo entre aspas, etc.
34. O arquiteto esclareceu que se demitiu por razões pessoais e não por causa do BOLETIM. Então a publicação quanto a ele foi inócua.
35. Os factos provam que havia associação entre o arquiteto, a Câmara e a Mesa do Santuário para entregar terrenos do Santuário à Câmara a troco de nada. E que foi um “roubo” essa entrega, isto é doação/ocupação a troco de nada.
36. Constava do artigo 57 da contestação uma PI contra o Município que o tribunal não teve em conta.
37. O texto ou conteúdo do blogue ou blogues não está nos autos. O blog não consta dos autos. Nem o réu nem o seu mandatário viram algo sobre isso.
38. Sobre isso nada pode ser dado como provado ou tido em conta.
39. Num blog cada um que lá vai escreve o que lhe apetece sem controlo do réu e de ninguém.
40. O blog Juan Papali citado pelo tribunal não é do réu.
41. O tribunal condenou o réu por comentários num blogue desconhecido, anónimo, que nem sequer constam dos autos, violando o direito ao contraditório.
42. O tribunal cita depoimentos segundo os quais a Câmara fez construções nos terrenos do réu, mas não tirou as consequências.
43. Os factos mostram que o Santuário perdeu terrenos para a Câmara.
44. Os factos provam que havia rivalidade política pelo meio.
45. Provam que havia muita política à mistura.
46. O tribunal decidiu contra a matéria provada.
47. Tirou ilações erradas.
48. O Tribunal admite que o Santuário ficou sem o que era dele a troco de nada ao afirmar: “decidiu ceder gratuitamente e integrar no domínio público do Município de Guimarães, todos os arruamentos pintados em tom laranja retratados na planta de fls. 92”.
49. É ilícito ao tribunal tratar o réu como criminoso, assacando-lhe a prática de um crime, quando ninguém dele participou, nunca tendo sido julgado.
50. E com o objetivo de declarar que não houve prescrição.
51. Por isso, houve violação do artigo 6, nº 2º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
52. O tribunal ignorou o artigo 6º nº 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a jurisprudência do TEDH ao utilizar as frases respetivas que põem em causa o princípio da presunção da inocência.
53. O tribunal partiu do princípio que o réu era culpado, apesar de não ter sido julgado.
54. Há violação do artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que garante a liberdade de expressão.
55. A liberdade de expressão e o interesse público prevalecem sobre a honra ou reputação.
56. O interesse público em manter o público informado sobre assuntos de interesse nacional e internacional prevalece sobre o interesse particular em proteger a reputação de alguém.
57. As pessoas coletivas não têm danos morais.
58. Porém, sobre os danos morais, o tribunal decidiu contra jurisprudência uniforme do STJ.
59. Ao decidir contra jurisprudência uniforme do STJ violou o artigo 6º, nº 1 e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
60. Violou os princípios da segurança e certeza jurídica, da legalidade e igualdade e respeito pela jurisprudência anterior.
61. O mínimo que se pode esperar dum tribunal de primeira instância é que decida de acordo com a jurisprudência dos tribunais de recurso, do tribunal superior, é que decida da mesma forma, sob pena de violar o artigo 6º, nº 1, e 14º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
62. O autor é uma pessoa coletiva pública e, se tivesse razão, e tivesse direito a ser indemnizado por danos morais, o que nunca se concede, só teria direito a uma indemnização simbólica, tal como é jurisprudência firme em casos entre particulares. (Ver processo Rangel e ASJP e SMMP atrás citado).
63. Também aqui não se percebe a sentença e a disparidade. Houve nova violação dos artigos 6º, nº 1 e 14º da Convenção, como atrás se escreveu.
64. Foi violado, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 6º, nº 1 e 2, 10º e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como todas as disposições legais citadas na sentença.
65. O tribunal de recurso deve revogar a sentença e substituí-la por acórdão que absolva o réu.»

O Autor respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, e, caso assim não se entenda, requerendo a ampliação do respetivo âmbito de modo a que, nos pontos 2 e 16 dos factos provados se considere provado que os factos ocorreram em inícios de dezembro de 2009.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
A. Perante a factualidade adquirida no processo, aquando da propositura da ação, o direito que o Autor (Recorrido) pretende fazer valer contra o Réu (Recorrente) já se mostrava prescrito?
B. Na positiva, deve ser alterada a matéria de facto nos termos pretendidos pelo Autor (Recorrido) em sede de ampliação do âmbito do recurso?
C. A prova foi mal apreciada e a matéria de facto deve ser alterada nos termos propostos pelo Recorrente (Réu)?
D. Com ou sem alteração dos fundamentos de facto, na verdade não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, devendo em consequência ser revogada a sentença do tribunal a quo? Nomeadamente porque os factos narrados pelo Recorrente e que motivaram a indemnização arbitrada ao Recorrido em 1.ª instância são verídicos, o que, juntamente com o seu interesse público, afasta a ilicitude?

II. Fundamentação de facto
A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos (que, pelos motivos expostos em III.B. e III.C., mantemos):
1. O Autor é uma pessoa coletiva territorial de direito público, dotada de órgãos representativos, bem como de serviços públicos, que visa a prossecução dos interesses próprios da população respetiva [artigo 1º da petição inicial].
2. No início de novembro de 2009 o Réu, depois de o ter escrito, editou e distribuiu gratuitamente pelo público do concelho de Guimarães um escrito denominado “Boletim Informativo de S. Torcato” com os seguintes dizeres na respetiva capa:
a) “EDITORIAL
Quinze anos depois
Quando em 1995 eclodiu em S. TORCATO o “ASSALTO” ao património da Irmandade e que na ocasião foi anunciado como “O ROUBO DO SÉCULO”, só um grupo muito restrito de Cidadãos tomou perfeita consciência da situação e dos enormes interesses envolventes.
Decorridos que estão QUINZE anos, foi o tempo suficiente para aclarar os propósitos que estiveram no cerne daquele odiento CRIME.
Durante este espaço de tempo, os progenitores desta odisseia, acabaram por concretizar os seus superiores objetivos, mas não conseguiram esconder os atos de atrocidades protagonizados, embora, parecendo convencidos que tudo já passou, o Povo já esqueceu e que a imunidade ficou silenciada.
Esta edição surge agora com o objetivo principal de consciencializar os Irmãos de S. Torcato e os Cidadãos em geral de questões subjacentes àquele monstruoso “ASSALTO” e ao mesmo tempo alertar as AUTORIDADES Civis e Religiosas dos métodos utilizados tendentes a apagar, tal como aconteceu, os Processos Judiciais e Embargos então surgidos”;
b) “EM DESTAQUE NESTA EDIÇÃO
O “roubo do século” e seus autores; Câmara Municipal recebe e utiliza terrenos avaliados em 300.000 contos e em contrapartida persegue e não honra compromissos;
Diretor de Urbanismo da Câmara Municipal ARQUITECTO BB acusado de desencadear em proveito próprio atos indignos de uso e abuso de poder na mira de milhões para enriquecimento do seu património;
Ação Judicial em curso reclama da Autarquia 2,5 milhões de euros (500.000 mil contos) de indemnização” [artigo 2º da petição inicial e artigo 1º da contestação].
3. Na página 2 do mesmo escrito o Réu escreveu os seguintes dizeres:
a) “Bloco de 23 habitações e sete lojas junto ao Santuário
Tudo começou com este escândalo
Goradas, como não podia deixar de ser, as tentativas de “NAMORO” que visavam facilitar o negócio dos MILHÕES, a primeira grande iniciativa teve a sua origem na pessoa do Senhor DR. FF, ao pretender construir, em proveito próprio, o Bloco Habitacional referenciado.
Pretendia aquele que é o atual Juiz da Irmandade a permissão para erguer aquele imóvel com quatro pisos e utilizar para o efeito uma considerável FAIXA DE TERRENO pertença da Confraria.
Para análise desta pretensão, foram chamados ao local os Arquitetos GG e o Paisagista, técnico responsável pela área ambiental e, por unanimidade, concluiu-se:
1. Que o Bloco em causa nunca poderia ir além de três pisos e não quatro, como aliás aconteceu de forma incorreta;
2. E que fosse salvaguardado, em relação aos futuros Moradores, o condicionamento de trânsito, aquando da Celebração, na área dos Coretos e não só, de atos religiosos ou de natureza cultural.
A inclusão de mais um andar a contrariar a deliberação dos Arquitetos responsáveis pelas obras da Irmandade de S. Torcato e ocupação indevida de cerca de 500 m2 de terreno pertença da mesma Instituição.”
b) “E aqui surgiu o primeiro osso para roer
Perante a posição extrema na defesa de interesses não coincidentes, há que engendrar, por parte do atual Juiz, DR. FF, formas de luta diversificadas.
De seguida tenta aquele Cidadão, como meio de atingir os seus superiores interesses, encontrar, a forma de se INFILTRAR, na área das decisões da Irmandade, o que veio a acontecer, felizmente para ELE e demais Compadres.
Apesar das Providências Cautelares entretanto apresentadas no Tribunal e de Embargos junto da Câmara Municipal, com o escandaloso fechar de olhos da Autarquia, a obra arrancou, os Tribunais foram desrespeitados e tudo rolou, a bel-prazer do Senhor Dr. FF, consumando, portanto, este grande arranque com a utilização de métodos piratas, logo se vislumbrava nova investida.”
c) ““O roubo do século”
QUINZE ANOS, praticamente decorridos, do que foi considerado o “ROUBO” do século, perpetrado contra o Património da Insigne Irmandade de S. Torcato, os protagonistas desta miserável odisseia e que, uma vez consumada, se infiltraram em massa no comando daquela Instituição, continuam como se nada tivesse acontecido, impunes e sorridentes a semear ódios, ao mesmo tempo que numa desfaçatez intolerável se preparam para engordar com MILHÕES DE EUROS as suas carteiras, como a seguir iremos demonstrar.
d) “O que era Património da Irmandade e como surgiu
Entre os anos de 1863 e 1983, algumas conceituadas Famílias e fervorosos devotas do NOSSO SANTO, doaram terrenos valiosos, visando dotar uma zona envolvente ao Santuário com PARQUES (para acolher os Fiéis que durante o ano acorriam de todos os pontos do País e fundamentalmente da vizinha Espanha a S. Torcato) e de um outro espaço a ser utilizado para celebração de MISSAS CAMPAIS e de outros eventos de natureza religiosa e cultural, tal como existem em tantos Santuários.
Para quem tem o privilégio de conhecer o Nosso GLORIOSO SANTO, o Majestoso Santuário que o acolhe e as tradições de Fé que ao longo dos séculos aqui se cultivam, reconhecem que houve imperiosa necessidade de se proteger toda aquela área, ali se garantindo a preservação dos meios indispensáveis de tranquilidade e de silêncio.” [artigo 3º da petição inicial].
4. Na página 3 do aludido escrito o Réu escreveu, entre outros, os seguintes dizeres:
a) “Fabricada uma nova gerência escolhida à maneira
Os que nos sacanearam
De referir que neste grupo de verdadeiros “ARTISTAS” se encontravam os maiores responsáveis da Igreja Bracarense (ex-Arcebispo D. HH e o seu Vigário Geral II), os que apadrinharam aquela miserável novela.
Para garantia de unanimidade nas decisões da nova Mesa, houve o cuidado de se selecionar, o seu elenco, colocando-se nos lugares de decisão os que mais diretamente pretendiam transformar, em proveito próprio, aquelas áreas de terreno.
E assim, a nova Mesa foi constituída, segundo esses objetivos.
O Arquiteto BB que já na ocasião exercia funções de diretor do Urbanismo da Câmara Municipal, logo se INFILTROU naquele Elenco Administrativo, bem como os seus irmãos de sangue, Eng.º DD e Eng.º. EE.
REPARE CARO LEITOR, LOGO TRÊS IRMÃOS!”
(…)
b) “O rosto dos que nos sacanearam
OS QUATRO “carrascos” que em nome da Igreja, da Irmandade e da Câmara Municipal de Guimarães promoveram o chamado “Roubo do Século”.”
Sob estes dizeres consta, entre outras, uma fotografia do Dr. António Magalhães, Presidente da Câmara Municipal de Guimarães.
5. Na página 4 do aludido escrito o Réu escreveu, entre outros, os seguintes dizeres:
“Os interesses imobiliários que ditaram o “Roubo do Século”
Conquistas perspetivadas
No mapa que aqui se publica terá o prezado leitor e, especialmente os Irmãos de S. Torcato e Torcatenses, a oportunidade de poderem analisar a natureza e os objetivos que presidiram a este audacioso “saque” que foi e continua a ser lembrado como o “roubo” do século”
(…)
“Arruamento 2 - Rua pirata de acesso ao Terreiro do Fogo e que desta forma permitiu que fossem viabilizadas as construções em vários terrenos agrícolas e de dois blocos habitacionais de número superior a 100 apartamentos pertença do Diretor do Urbanismo da Câmara, Arquiteto BB e seus irmãos.
Arruamento 3 - SEGUNDA RUA PIRATA e que da mesma forma veio permitir o acesso à cave do bloco habitacional do atual Juiz DR. FF e a construção de habitações em terrenos de outros “confrades” do diretor de Urbanismo da Câmara de Guimarães.
(…)
Arruamento 5 - VIA prevista no Estudo do novo PDM (Plano Diretor Municipal) e que permitirá ao Diretor de Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, ARQUITECTO BB e irmãos a construção de novos prédios para além dos 100 já referido
- Arruamento 6 - OUTRA VIA prevista no PDM e que permitirá também ao Diretor do Urbanismo da Câmara Municipal, ARQUITECTO BB, dois blocos habitacionais referidos no Arruamento PIRATA 2.
- Arruamento 7 - OUTRA VIA prevista no estudo do novo PDM e que dá acesso ao bloco habitacional, pertença do ARQUITECTO BB e irmãos, referido em Arruamento 2.
Arruamento 8 - NOVO ARRUAMENTO, parte do qual já aberto e que permitiu a construção de um bloco habitacional de 24 apartamentos e sete lojas, pertença de um atual membro da Irmandade e que dá acesso a parte dos terrenos pertença do diretor de Urbanismo da Câmara Municipal, ARQUITECTO BB e Família, área assinalada a verde no mapa.
Armamento 9 - FUTURA LIGAÇÃO, que partindo do lugar do Portuzelo, vai atravessar a área agrícola do Diretor de Urbanismo, ARQUITECTO VÍTORDD e Família ao terreiro do fogo, Corredoura e demais vias existentes no mapa.
Arruamento 10 - TERRENOS que circundam a estrada nacional 217-4 e que ligam o Lugar da Cachada ao Santuário de S. Torcato, confrontando em quase toda a sua extensão com terrenos do Diretor de Urbanismo, ARQUITECTO BB e Família, e que com “jeitinho” deixarão de ser consideradas áreas agrícolas para darem lugar a ZONA DE CONSTRUÇÃO.
Arruamento 11 - AVENIDA construída pela anterior Mesa da Irmandade destinada a acesso ao Terreiro do Fogo, da qual já ramificou um outro ramal atrás indicado com o número oito e que da mesma forma assegura a ligação aos terrenos do diretor de Urbanização da Câmara Municipal, BB e Família.
Arruamento 12 - AVENIDA reconstruída pela anterior Mesa da Irmandade e que consta no Estudo de Pormenor de S. Torcato e que visa dar acesso a terrenos agrícolas, fundamentalmente pertença do Diretor do Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, ARQUITECTO BB e Família.
Arruamento 13 - CAMINHO que irá ligar o Terreiro de Fogo aos lugares da Cachada e que atravessa a vasta área de terreno agrícola, pertença do Diretor do Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, ARQUITECTO BB e Família
Arruamento 14 - NOVO ARRUAMENTO encaixado no estudo do Plano Diretor de S. Torcato e que visa beneficiar prédios agrícolas pertença de COMPARSAS que hoje estão infiltrados na Mesa da Irmandade.
Arruamento 15 - MAIS UM ARRUAMENTO previsto no estudo do plano Diretor de S. Torcato e que liga ao arruamento n.º 3 do mapa e que vai ligar ao QUINTAL DA CASA paterna do Diretor do Urbanismo da Câmara Municipal, ARQUITECTO BB e irmãos
Arruamento 16 - NOVA ARTÉRIA prevista no estudo do Plano Diretor de S. Torcato e que da mesma forma irá ligar a Estrada 207-4 ao Lugar da Fonte do Santo e que permitirá ao Diretor de Urbanismo Câmara Municipal de Guimarães, ARQUITECTO BB e irmãos, a construção de várias habitações, além das atrás referenciadas.” [artigo 5º da petição inicial].
6. Na página 5 do mesmo escrito o Réu escreveu o seguinte:
a) “Quinta do Cardote
É o escândalo dos escândalos
ESTA PROPRIEDADE, CONHECIDA POR QUINTA DO CARDOTE, com uma área aproximada de 40.000 metros quadrados (quatro hectares), classificada como RESERVA AGRÍCOLA, está agora, segundo o mapa do estudo do novo PDM que aqui se publica, classificada como “RURAL - Aglomerados - área de CONSTRUÇÃO DISPERSA” e, desta forma, permitir deixar de pertencer a reserva agrícola para dar lugar a uma ZONA DE CONSTRUÇÃO, proporcionando assim que o Diretor de Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, ARQUITECTO BB e seus irmãos, encaixem nos seus bolsos uma autêntica FORTUNA
E ESTA?”
b) “Ganância dá origem a atos ilícitos
Acesso abusivo às ruas do Santuário”
(…) “Depois de anos e mais anos de abnegados esforços na conclusão deste sumptuoso património, logo surgiram os “abutres”, os novos “Doutores” do oportunismo, por sinal oriundos de ilustres Famílias e que nos tempos idos tanto fizeram pela causa de S. Torcato, a ignorarem os bons ensinamentos que lhe foram administrados, mas agora a utilizarem as modernas máquinas calculadoras na mira de prepararem, de forma miserável e asquerosa, os caminhos que os podem levar a fraudulentas fortunas.”
c) “E assim tudo começou!
A quase totalidade dos terrenos localizados, a sul e poente do Santuário, numa área muito próxima de um milhão de metros quadrados, é pertença de um pequeno grupo de Cidadãos.
Nessas áreas nunca seria possível a construção de habitações, tratando-se de Reserva Agrícola e por se estar em presença de terrenos confinantes com Arruamentos da Irmandade, mas sem ligação direta aos mesmos.” [artigo 6º da petição inicial].
7. Na página 6 do mesmo escrito o Réu escreveu o seguinte:
a) “UM MILHÃO DE CONTOS ENTREGUES À CÂMARA A TROCO DUMA MÃO CHEIA DE NADA
A interesses na ordem de milhões de contos, conduziram estes homens a moverem tudo ao seu alcance, visando tão cobiçado objetivo - “encher o saco”. Para o efeito, era necessário conquistar a Câmara Municipal, Junta de Freguesia e os responsáveis da Igreja Bracarense a pactuarem no jogo.
Congregados com êxito tais esforços, conseguiu-se finalmente que a Irmandade entregaria, o que afinal aconteceu, à Câmara Municipal sem praticamente nada receber, todos os arruamentos assinalados no mapa que aqui se publica, com uma área de 23.000 m2 sem que os Irmãos de S. Torcato tenham sido chamados a um debate sério e deliberado para o efeito.”
b) “Numa cuidada análise a este escandaloso Protocolo celebrado entre Irmandade e Câmara, ficou esclarecido em síntese:”
(…)
“Da análise a este protocolo e perante uma entrega de mais de UM MILHÃO DE CONTOS, sem autorização ou deliberação dos Irmãos de S. Torcato e, SEM CONTRAPARTIDAS, conclui-se que os representantes da Irmandade ou estavam num estado de demência ou cometeram deliberadamente esses atos em proveito próprio?”
(…)
“Repare prezado Leitor que foram entregues de mão beijada à Câmara, pelo que claramente se depreende, para pagamento de favores pessoais: 23.000 m2 de terreno, respeitantes aos arruamentos; As infraestruturas ali efetuadas pelas ofertas dos Fiéis e pelas doações dos Grandes Beneméritos. E ainda pelo esforço de tantos e tantos Servidores que ao longo dos tempos entregaram, de Alma e Coração, bens imóveis e donativos superior a um milhão de contos para a concretização destes projetos e que foram “sacados” de forma tão cruel e vergonhosa. Em face desta inqualificável atuação, não lhe parece, prezado Leitor, que por detrás de tudo isto há muitos e valiosos interesses?”
(…)
c) “Valor dos 23.000 m2 de Arruamentos “sacados” pela Câmara Municipal
Um milhão de contos em Jogo
Alguma vez, alguém ligado à causa de S. Torcato, tentou avaliar o quanto custou àquela instituição os 23.000 m2 de Arruamentos para, em troca de interesses meramente pessoais, os entregar de mão beijada à Câmara Municipal? O curioso nesta transação é que a hierarquia da Igreja, Câmara Municipal e Mesa da Irmandade, mentem quando afirmam naquele documento de transação que afinal a Câmara já beneficiava aqueles arruamentos, desde tempos imemoriais. Apesar da oferta de um milhão de contos, sem nada ou praticamente nada receber em contrapartida, foi a própria Irmandade que teve de suportar as CUSTAS JUDICIAIS resultantes do contencioso existente.”
(…)
“Um património tão elevado fruto da benemerência e do esforço de gerações de fiéis, é inconcebível que semelhante fraude não seja investigada e que não haja punição para aqueles que ousaram submeter-se a tão desonesto procedimento. Habituados como estamos, neste País, a tanto abusadores e que estão sob os olhares da JUSTIÇA, esperamos que este alerta conduza a uma cuidada investigação e ao seguimento que o Caso mereça.” [artigo 7º da petição inicial].
8. Nas páginas 7 e 8 do já aludido escrito o Réu refere o seguinte:
a) “Entre tantos distúrbios ainda mais esta
Um Milhão de Contos “Sacados” à Irmandade esta Confraria ainda assume Pagamentos de Custas Judiciais
Conforme nesta edição já relatamos, os novos DOUTORES da atual Mesa da Irmandade, ENTREGAM, sem nada ou quase nada, receber MAIS DE UM MILHÃO DE CONTOS, relativos aos arruamentos.
No Protocolo Judicial com a Autarquia, é a própria Irmandade que ainda a ASSUME o Pagamento das CUSTAS JUDICIAIS respetivas.
QUE DIZER A TUDO ISTO!”
(…)
b) “Mais uma escandalosa situação
O rol de atos de vingança e perseguição urdidos pela Câmara Municipal de Guimarães, onde a mão do seu Diretor de Urbanismo, o ARQUITECTO BB esteve presente, têm criado sequelas gravíssimas que em nada dignificam a Autarquia.
Na sequência deste triste tipo de situações de descrédito e de mau estar, vamos relatar a última que nos chegou ao conhecimento.
Entre 1977 e 1982, portanto há cerca de 30 anos, a Câmara Municipal emitiu em nome do autor desta edição, quatro alvarás de loteamento.
Para possibilitar o levantamento de dois destes quatro alvarás, a Autarquia exigiu CAUÇÕES BANCÁRIAS no valor total de 750 contos a fim de garantir a execução de infraestruturas, na ocasião ainda não concluídas. Uma vez cumpridas tais obrigações e obtidos os correspondentes alvarás, de imediato foi solicitada a intervenção da Câmara tendo em vista a anulação dessas garantias bancárias.
Portanto, durante 30 anos, já decorridos, onde talvez na ordem das centenas de vezes, tanto por escrito como pessoalmente, se insistiu na anulação daqueles documentos, a verdade é que os anos já passaram e até hoje apenas se assistiu à indiferença e a um desrespeito inqualificável.
Quando há relativamente pouco tempo, por escrito e pessoalmente, manifestamos o nosso profundo desagrado pelo que se estava a passar e como é sabido, naquela Autarquia quem tomar a ousadia de reclamar – LOGO COME – a resposta veio de imediato.
VEJA CARO LEITOR O QUE ACONTECEU:
1. Há TRINTA anos que foram cumpridas rigorosamente as obrigações determinadas e obtidos os respetivos alvarás;
2. Durante estes TRINTA anos a Câmara nunca utilizou o valor da garantia de 750 contos;
3. Vinte anos decorridos, por iniciativa da Câmara, foram a suas expensas efetuados trabalhos de ligação à rede pública de água e saneamento, entretanto criados, tal como aconteceu em todos os lugares circundantes e ao alargamento e pavimentação das vias e demais trabalhos que entendeu realizar;
Como agora o AUTOR reclamou com certa veemência sobre o marasmo e a indiferença evidenciados sobre a falta de resposta, por parte da Câmara, ao pedido de anulação daquele documento bancário e, como se está na fase das retaliações resultantes de questões ligadas à Irmandade e de que se volta a fazer eco nesta Edição, chegou-nos à mão um ofício, acompanhado de notas discriminativas de trabalhos recentemente efetuados e que depois de 30 anos de execução do loteamento é exigido o pagamento de 69.449 euros (cerca de 14 mil contos).
Senhor Construtor:
Se daqui a 100 ou 200 anos a Câmara Municipal de Guimarães tiver de realizar obras nas vias públicas junto de prédios construídos pela Empresa por si fundada e se porventura nessa ocasião o Senhor Arquiteto BB REENCARNAR, previna, caro amigo, o vosso sucessor porque não será de admirar que lhe seja exigida a recolocação, por exemplo, de novos pavimentos ou o alargamento dessas vias e tudo mais lhe vier ao toutiço.
MUITA ATENÇÃO, É O QUE RECOMENDAMOS.”
c) “Perseguições e graves prejuízos conduziram a uma Ação Judicial sem precedentes:
Pedido de indemnização à Câmara Municipal de 2,5 milhões de euros (500.000 contos) por incumprimento, sendo figura preponderante neste contencioso o Diretor de Urbanismo daquela Autarquia o Arquiteto BB
Numa atenta leitura ao mapa que nesta Edição inserimos e às legendas anexas, terá o Leitor a oportunidade de constatar que a grande maioria dos terrenos localizados a sul e a poente dos arruamentos que circundam o Santuário de S. Torcato, na ordem dos 900.000 mil m2, são classificados como Reserva Agrícola com valor aproximado de cinco milhões de euros e que uma vez classificados como zonas de construção o seu valor pode atingir 30 milhões de contos. Segundo os nossos cálculos, pode haver aqui uma mais-valia na ordem dos 25 milhões de contos. Todos estes terrenos são hoje praticamente pertença do diretor do Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, arquiteto BB e Família. Património classificado como área agrícola, o seu valor é insignificante na ordem dos sete euros e meio por m2 e, uma vez classificado como terreno de construção, o seu valor tem um acréscimo na ordem dos 900%, cerca de 25 milhões de contos.
Pelo exposto, demonstra-se aqui serem evidentes as motivações e os maus pensamentos e, nestas condições, porque não matar o amigo ou o familiar na mira de tão cobiçado cacau?
Com a família DD foi exatamente o que aconteceu.”
(…)
“Assim, aparecem nos lugares cimeiros da gerência da Irmandade, nada mais, nada menos, do que três irmãos: Arquiteto BB; Engenheiro DD; Engenheiro EE. A partir desta infiltração ficou meio caminho andado para o coroar de êxito do programa concebido. Tratando-se da presença do irmão arquiteto BB, no lugar de Diretor de Urbanismo da Câmara Municipal, tudo correu às mil maravilhas.
Com poderes no lugar que ocupa na Câmara e também como coordenador do estudo do novo PDM e detentor como é, de áreas enormes, com possibilidades de obter pecúlio relevante na concretização desses bens, há que tudo fazer para as respetivas prioridades:
Primeiro, EU!
Segundo, EU”
Em terceiro, se ainda houver alguma coisa … também, EU!
Com muita oportunidade, já cantava o Zeca Afonso:
“Eles querem tudo e não deixam nada”.
É esta a filosofia dos irmãos DD.
Depois de tudo isto, e da forma como o ex-Juiz AA desmascarou estas tristes novelas, esse senhor era portanto o “inimigo a abater”.” [artigo 8º da petição inicial].
9. Ainda na página 8 do mencionado escrito o Réu refere o seguinte:
a) “E a guerra muda e traiçoeira assim começou
Estando a decorrer os trâmites normais nos Serviços Técnicos da Câmara Municipal de licenciamento do loteamento para uma área de concessão de Pavilhões Industriais de que é proprietário o ex-Juiz AA, destinado a implantar 6.000 m2 de área de construção, desde 1994 até 2006 foram escandalosamente criados impasses sucessivos, como foi demonstrado na ação de pedido de indemnização de 500.000 contos já a correr seus ter-mos no Tribunal competente.
Numa tentativa de se ultrapassar esse disfarçado impasse foi assinado um acordo com a Câmara Municipal recebendo aquela Autarquia consideráveis áreas de terreno que transcrevemos - 2.200 metros quadrados junto à Igreja Paroquial; 640 metros quadrados junto ao cemitério para o seu alargamento; 3.500 metros quadrados anteriormente cedidos para o cemitério; 550 m2 de edifício construído em betão nas imediações da Igreja Paroquial; E área de 500 metros quadrados situados a sul da Urbanização Colina Verde; como contrapartida, a Câmara Municipal viabilizaria construções, segundo um plano que ficou anexo ao documento. A assinatura deste acordo em 21 de Março de 2000 surgiu a contento do Arquiteto, Diretor do Urbanismo da Câmara Municipal, Arquiteto BB, com quem as negociações decorreram, permitindo assim controlar o protelamento das decisões e, desta forma, afastar o “concorrente” e vingar-se por este não ter sido presa fácil na contenda do “ROUBO” DO SÉCULO, onde ele foi o grande protagonista.”
b) “O escândalo de proporções descaradas
No mapa que aqui publicamos está demonstrado um estudo elaborado pela Câmara Municipal e que se encontra apenso ao segundo Acordo referido, onde se definiram as construções ali a implantar.
Como atrás foi dito, essas construções só seriam viáveis após a inclusão do terreno no novo estudo do Plano Diretor Municipal (PDM). Tendo chegado às nossas mãos, o resultado do estudo final da tão falada revisão, escandalosamente se verifica que os tais ENVIDADOS esforços prometidos naquela área de 30.000 metros quadrados foram mesmo envidados, mas para concretizar mais um “CHORUDO NEGÓCIO” do Diretor do Urbanismo da Câmara Municipal, Arquiteto BB, que pelas suas próprias mãos e, sem ter cedido à Câmara o valor de um ÚNICO cêntimo, transformou a sua QUINTA DO CARDOTE, com uma área de cerca de 40.000 metros quadrados de terreno de RESERVA agrícola, em área de construção, o que lhe permitirá dividir com os seus irmãos o valor acrescentado muito próximo dos astronómicos 50 milhões de euros (10 MILHÕES DE CONTOS).
Em detrimento de uma outra área relacionada com o acordo celebrado com a Câmara Municipal, a que já fizemos referência, de quem esta Instituição recebeu terrenos valorizados em cerca de 300.000 mil contos. SERÁ TAMBÉM QUE DESTA ESCANDALOSA SITUAÇÃO O SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA ESTÁ ALHEIO?”
c) “Câmara Municipal não honra compromissos
Depois de a Câmara Municipal não ter honrado os compromissos no acordo de 31 de Março de 2000, mais tarde, em 5 de Setembro de 2005, com a necessidade de se obter mais um alargamento do cemitério, através do seu Diretor de Urbanismo, Arquiteto BB, é celebrado um outro acordo convencionando que a Câmara envidaria todos os esforços para contemplar na próxima revisão do PDM, uma área de cerca de 30,000 metros quadrados e outras pequenas parcelas e uma vez contempladas no mesmo Plano Diretor a inclusão referida, ficaria a Câmara em posse da área pretendida para nova ampliação do Cemitério de S. Torcato. Como contrapartida, para este segundo ACORDO, a Câmara já recebeu 6.100 m2 de terreno e que já permitiu a abertura da Avenida de acesso ao novo Centro de Saúde e ainda para implantar parte do edifício, agora em construção, para aqueles serviços de Saúde. Cumprindo-se rigorosamente a totalidade das ofertas em relação ao primeiro acordo de 31 de Março de 2000, a contrapartida constante daquele documento tem vindo sucessivamente a ser recusada pela Câmara Municipal protelando e impedindo que as construções avancem como se conta no Processo Judicial que corre os seus termos no Tribunal competente. Podemos afirmar que é a mão do Diretor do Urbanismo, ARQUITECTO BB, que fabrica estes impasses enquanto ELE LÁ VAI negociando os seus bens imobiliários e, naturalmente, fazendo “engordar a sua carteira”. De referir que até ao momento, a Câmara já recebeu no âmbito destes dois ACORDOS valores em terrenos que computamos em um 1,5 MILHÕES DE EUROS (300,000 contos) e escandalosamente a Câmara Municipal não HONROU qualquer contrapartida constante nos dois ACORDOS celebrados. Um segundo Acordo celebrado com a Câmara Municipal e o estudo que aqui reproduzimos elaborado pela mesma Autarquia, a área de terreno assinalada a vermelho previa a construção de seis blocos habitacionais e cinco habitações unifamiliares e que estão agora em risco de serem anulados para beneficiar a “Quinta do Cardote”, pertença do Diretor do Urbanismo, Arquiteto BB e seus Irmãos.
Será que o Senhor Presidente da Câmara desconhece esta situação? Se vê e a seguir fecha os OLHOS, algo estará mal, mesmo muito mal, na sua conduta, Senhor Presidente.
Neste mapa elaborado pela própria Câmara Municipal, constante das contrapartidas do ACORDO celebrado em 5 de Setembro de 2005, a Autarquia já RECEBEU 6.100m2 de terreno, o que permitiu a concessão de parte do novo Centro de Saúde e da Avenida de acesso ao mesmo. É curioso, que é sem escrúpulos retirado do novo estudo do PDM, mas em contrapartida é colocado naquele Plano a QUINTA DO CARDOTE, pertença do Diretor do Urbanismo da Câmara Arquiteto BB e Irmãos, sem que para o efeito tenham, tanto quanto se sabe, contribuído com um único cêntimo.” [artigo 9º da petição inicial].
10. Na página 9 do referido escrito o Réu escreveu o seguinte:
“Quinta do Cardote 40.000 m2 passa a zona de construção
Como atrás se faz referência, é grave e sem pudor o aproveitamento pessoal do Diretor do Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, ARQUITECTO BB, ao arrebatar pela sua própria mão a QUINTA DO CARDOTE, da sua pertença e de seus Irmãos, para área de construção, sem que para o efeito, tanto quanto se sabe, tenha oferecido à Autarquia ou à Terra qualquer contrapartida. As fotos aqui publicadas mostram que 40.000 mil metros quadrados deixarão de ser Terreno de Reserva Agrícola Nacional para serem classificados como Zona de Construção,
O QUE DIZER A ISTO?
Será que o Senhor Presidente da Câmara que reputamos como um Homem sério, estará conhecedor desses escandalosos atropelos, cometidos em nome da Autarquia a que preside?
Se VÊ e faz que não VÊ é muito grave o que se passa, Senhor Presidente.” [artigo 10º da petição inicial].
11. Na página 10 do aludido escrito o Réu ainda escreveu o seguinte:
“Carta aberta
Senhor Presidente da Câmara
Com a narração neste Boletim de situações ousadas e eivadas de honestidade, protagonizadas em nome da Câmara Municipal e com objetivos meramente pessoais pelo vosso submisso Colaborador arquiteto BB, custa-me acreditar como é possível “o fechar de olhos” para tantas e tão absurdas situações.
A elite de Técnicos e Colaboradores que nessa Autarquia vem ao longo dos anos com empenho dar o seu dedicado Trabalho, pode V. Excelência, apesar de tudo, orgulhar-se de neste percurso ter desempenhado um trabalho, que na nossa ótica, se traduz como positivo.
É pena que sendo Vossa Excelência um exemplo de Trabalho e dedicação à causa que durante estes longos anos abraça, não consiga distinguir os que servem a Autarquia dos que dela se servem em proveito próprio.
É pena, por exemplo, que no dia-a-dia, V.a Excelência seja um exemplo vivo de presença no posto de trabalho e que não se preocupe cruzar nos corredores da Câmara com um número muito significativo de Munícipes que durante horas ali esperam a entrada do Vosso Diretor de Urbanismo, arquiteto BB.
É pena, Senhor Presidente, que não se aperceba do sentimento de revolta silenciada que claramente se reflete no rosto da quase totalidade desse Munícipes. Será que V. Excelência terá plena consciência de que É o maior responsável por todas estas atrocidades?
Afinal, o porquê de tudo isto?
Finalmente, desejamos aqui declarar, que nesta Edição não se esgotaram as acusações graves sobre retaliações, abusos, incumprimentos, faltas de respeito e muito mais.
FICAREMOS ATENTOS, MUITO ATENTOS!” [artigo 11º da petição inicial].
12. Em 13 de dezembro de 2009 o Réu também publicou o escrito vindo de referir, na íntegra, no site www.saotorcato.blogspot.com [artigo 12º da petição inicial e artigo 1º da contestação].
13.Para além disso, em 7 de dezembro de 2009, o Réu deu entrada na Câmara Municipal de Guimarães de uma carta que escreveu na qual refere o seguinte:
Há algum tempo a esta parte, foi notícia o escandaloso “ASSALTO” perpetrado pela Câmara Municipal de Guimarães ao valioso património da Irmandade de S. Torcato, hoje ainda recordado como o “ROUBO DO SÉCULO”.
Na ocasião foi também notícia de grande destaque as motivações que conduziram os Responsáveis Camarários a tão deprimente e ousado procedimento, apontando-se interesses lucrativos.
Com o tempo já decorrido, tudo está bem clarificado, sendo chegado o momento oportuno para alertar os Órgãos Judiciais, a Comunicação Social e os próprios Cidadãos, visando aclarar a verdade dos factos e permitir a quem de Direito tomar as medidas punitivas adequadas.
Neste pensamento, entendemos fazer um Boletim agora editado, no qual está inserta uma síntese dos acontecimentos (…)” [artigo 13º da petição inicial].
14.Na página 6, sob o escrito 7) a) no interior de um quadro com o título “O TERMO DA TRANSACÇÃO” o Réu escreveu:
“Numa leitura atenta ao escandaloso termo de transação é possível verificar com clarividência o seguinte:
1º - A Irmandade de S. Torcato DÁ e integra no domínio público do Município de Guimarães todos os arruamentos que se acham pintados na planta, com a finalidade de afetação exclusiva ao uso comum de toda a população, sem possibilidade de autorização de usos privados desconformes com a finalidade principal dos terrenos em causa.
2º - Em contrapartida dessa DÁDIVA e integração, o Município de Guimarães:
a) Á semelhança do que aquela vinha fazendo desde tempos imemoriais, compromete-se a conceder à Irmandade o direito de exploração comercial desses Arruamentos no qual se inclui a cobrança de quaisquer taxas de ocupação, desde que essa exploração coincida com Atividades Religiosas do Santuário, designadamente nas datas das festividades que é hábito realizar anualmente, nas quais, ou em quaisquer ocasiões, por ela se costumam estender,
b) Compromete-se a OUVIR a Irmandade sobre as posturas de trânsito que incidam sobre esses terrenos, nomeadamente, quanto aos tipos de veículos que neles possam circular e aos necessários condicionamentos de trânsito nos dias das festividades religiosas.
c) Compromete-se à AUDIÇÃO no Plano de Pormenor de Ordenamento Territorial da Vila de S. Torcato que a Câmara está a executar, mormente em todas as zonas envolventes das propriedades da Irmandade;
d) Compromete-se a continuar a arranjar e a embelezar o referido espaço, bem como a COLABORAR na conservação, embelezamento e limpeza dos prédios da Irmandade abertos ao público COMO DO ANTECEDENTE JÁ VEM FAZENDO;
e) Compromete-se NA MEDIDA DO POSSÍVEL a conceder AJUDAS MATERIAIS para a concretização do projeto do Parque das Merendes (aonde se inclui o Largo do Conde de S. Bento), Santuário, Adro, Fonte do Santo, Terreiro das Missas Campais, Parque, Museu e outros.
3º - Por sua vez, o Município de Guimarães e a freguesia de S. Torcato reconhecem como propriedade da Irmandade de S. Torcato todos os prédios que se acham pintados a verde na planta anexa.
4º - A Irmandade de S. Torcato, o Município de Guimarães e a Junta de Freguesia declaram que sobre o prédio da primeira, denominado Terreiro das Missas Campais, existe uma servidão de passagem a favor dos prédios particulares que marginam do lado poente (…).
5º - TODAS AS CUSTAS EM DÍVIDA A JUÍZO E CUSTAS DE PARTE serão suportadas pela Ré (IRMANDADE DE S. TORCATO).” [aditamento ao abrigo do artigo 5º nº 2 do Código de Processo Civil, com base no documento de fls. 17 não impugnado pelas partes].
15. Os textos escritos pelo Réu contêm os realces a “negrito” e as letras maiúsculas que acima se assinalaram, com vista a enfatizar a mensagem que pretendia transmitir [artigo 14º da petição inicial].
16. O Réu distribuiu o aludido escrito (Boletim) pelo público, inclusivamente, entregando em mão exemplares do mesmo junto da entrada do edifício sede da Câmara Municipal de Guimarães, o que fez em inícios de novembro de 2009 [artigo 15º da petição inicial].
17. O teor do referido Boletim foi do conhecimento do público em geral, sobretudo do que reside no concelho de Guimarães, tendo sido objeto de conversas e comentários [artigo 16º da petição inicial].
18. Naqueles escritos o Réu, resumidamente, afirmou que o Diretor do Urbanismo do Autor alterou, ou pretende alterar, ilegalmente a qualificação de terrenos integrados em Reserva Agrícola para zona de construção, com o intuito de aumentar o valor desses terrenos e, assim, beneficiar-se a si próprio e seus familiares e que o Autor recebera terrenos sem honrar os acordos que assinara [artigo 17º da petição inicial].
19. Mais afirmou o Réu, nos mesmos escritos, que o Autor, através da pessoa do seu Diretor do Urbanismo, com o intuito de se vingar daquele pela oposição que fizera, retardara a concessão de licenças de construção em benefício do mesmo [artigo 18º da petição inicial].
20. O Réu ainda apresentou queixa-crime no Ministério Público e na Polícia Judiciária, contra a Câmara Municipal de Guimarães, imputando-lhe os factos referidos no aludido Boletim, o que deu lugar ao processo nº 2443/09.5TAGMR investigado pelo Departamento de Investigação Criminal de Braga da Polícia Judiciária, processo este que veio a ser arquivado [artigo 19º da petição inicial].
21. Os arruamentos referidos na cláusula 1ª da transação identificada em 14) encontram-se assinalados em tom laranja na planta de fls. 92 [artigo 12º da contestação].
22. O Autor não pagou qualquer montante pelos terrenos onde foram implantados os arruamentos identificados em 14) e 21) nem pelas infraestruturas que ali haviam sido realizadas pela Irmandade de S. Torcato [artigos 13º e 14º da contestação].
23. O Réu sabia que apenas os arruamentos tinham sido objeto da transação identificada em 14) e que os mesmos não valiam um milhão de contos [artigo 20º da petição inicial].
24. O Município de Guimarães desenvolve as suas atividades, nomeadamente, no âmbito da disciplina das operações urbanísticas que as entidades públicas e privadas pretendam levar a cabo observando o conteúdo do Plano Diretor Municipal [artigo 24º da petição inicial].
25. O Réu sabia e sabe que os escritos referidos em 2) a 13) criavam na população dúvidas acerca da regularidade dos procedimentos do Autor no que diz respeito à gestão urbanística e minavam a sua confiança no tratamento imparcial das pretensões dos cidadãos, o que representou e quis [artigo 22º da petição inicial].
25-A. Ao expressar-se como fez o Réu criou no Presidente e executivo do Autor e nos seus funcionários constrangimento pelos comentários do público, o que representou e quis [artigo 23º da petição inicial]. [Acrescentámos «A» dada a existência de dois factos com o mesmo número 25]
26. Com os escritos identificados em 2) a 13) os serviços do Autor saíram afetados na sua credibilidade, o que o Réu representou e quis [artigo 25º da petição inicial].
27. O Autor tomou conhecimento do conteúdo do “Boletim” no momento identificado em 16) [artigo 2º da contestação].
28. No Boletim Informativo da Irmandade de S. Torcato, de 4 de Junho de 1995, do qual o Réu era diretor na qualidade de Juiz da Irmandade, constam nas páginas 2 e 3 os títulos: “O assalto da autarquia aos bens da Irmandade” e “Carta aberta ao Presidente António Magalhães” [artigos 7º, 8º e 9º da contestação].
29. Na página 3 do jornal identificado em 28) escreve-se: “(…) a Câmara negociou os terrenos, prometendo aos proprietários chorudas valorizações imobiliárias, e arrancou com as obras. Quanto aos projetos da Irmandade, a autarquia, desligou-se totalmente de dar as devidas explicações e acabou por reclamar para si toda a autoridade sobre a gestão dos arruamentos do Santuário, numa clara usurpação de direitos seculares da Irmandade”. [artigo 10º da contestação].
30. Na página referida em 29) escreve-se: “A Câmara passou a utilizar processos cada vez mais provocatórios de utilização.” (…) “Só agora, para dar ideia de uma firmeza que é justo confundir com falta de carácter e instintos fascistas, os dirigentes políticos talvez por que tinham “costas quentes” com o apoio de interesses materialistas ou da população da Corredoura, decidiram atuar com pulso de ferro.” (…) “A autarquia nunca se preocupou com questões de direito, praticando uma autêntica “política do quero posso e mando””. [artigo 11º da contestação].
31. Na edição do jornal “O Comércio do Porto” de 17 de Agosto 1993 foi publicado um artigo do qual consta: “(…) a Câmara não hesita em incendiar o conflito que já esteve perto de provocar confrontos fratricidas. Pelo contrário, indiferente a esse clima de tensão, tem demonstrado que apenas lhe interessa vincar posições de força, mesmo quando isso possa pôr em risco a paz das populações. O novo capítulo desta batalha foi aberto no início da semana passada quando a Irmandade arrancou com uma obra num terreno seu situado nas traseiras do Santuário, junto das instalações dos Bombeiros Voluntários. Uns dias mais tarde, na quinta-feira, surgiu no local a Polícia Municipal anunciando o embargo das obras, por falta da respetiva licença. Segundo o Juiz da Irmandade, António Fernandes, essa brigada não vinha munida de qualquer notificação, exibindo apenas um papel manuscrito que não apresentava o devido recorte formal. Nessa altura os representantes da Câmara referiram que a obra já feita deveria ser demolida no prazo de… 24 horas. (…) As obras de demolição costumam obedecer em todas as câmaras do País, a prazos que, a partir do embargo, contemplam um tempo para requisição de licença, pagamento de multas e outras formalidades. (…) No entanto, tornando claro que em tempo de guerra não se limpam armas, a Câmara fez questão de abreviar tais formalidades. (…) Segundo António Fernandes, essa obra está incluída num projeto global que já conhecera aprovação camarária em 1993 numa altura em que todo o arranjo envolvente do santuário, bem como o próprio templo, se candidataram a comparticipações estatais. Entretanto, em contacto com o presidente da edilidade (…) adianta que tudo foi feito dentro da legalidade, uma vez que a Irmandade não tinha pedido licença para proceder a esta obra, o que foi entendido como “uma forma de afrontar a câmara. António Magalhães considera que aquele local é “o toural de S. Torcato”, o que o torna sujeito a especiais cuidados urbanísticos. Por outro lado, deixou claro que continuará a atuar com toda a firmeza, adiantando, despropositadamente: “E estou-me nas tintas para a Imprensa”.” [artigo 15º da contestação].
32. Na edição do “Comércio do Porto” de 19 de Agosto de 1993 foi publicada uma entrevista na qual o II, Vigário-Geral da Arquidiocese diz: “ A dada altura, eu fui procurado pela Irmandade, informando-me de abusos que estavam a ser cometidos pela autarquia local. Verifiquei «in loco» o que se passava e mandei escrever uma carta ao sr. Presidente da Câmara, pedindo uma audiência”(…)“Acordámos que a Irmandade iria continuar a pesquisa sobre elementos relativos à posse dos terrenos e quando as coisas estivessem mais ou menos ordenadas (e já estão, temos muitas provas da posse dos terrenos) então haveria um novo encontro. Mas as obras continuariam só até ao limite estabelecido, até ao muro dos terrenos da Irmandade. Mais uma vez, fui informado de novos atropelos.” (…) “Perante tudo isto, eu fui a S. Torcato, fiz uma homilia em que apelei à calma e à tranquilidade, mostrando tudo o que tinha sido feito de diligências pacíficas junto da Câmara Municipal. Apesar disso houve novos abusos.” (…) “Para mim, é uma questão meramente política e a política cega os homens muitas vezes”. (…) “…há um conluio da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia.” (…) Estamos a verificar a falta de respeito e de consideração da Câmara Municipal para com a Irmandade e para com a hierarquia diocesana. (…) “Eu entendo que há um mau procedimento por parte da autarquia. Neste momento, não aceito a boa fé do sr. Presidente da Câmara de Guimarães. Ainda dou o benefício da dúvida, pondo a hipótese de ele estar a ser desobedecido” [artigo 16º da contestação].
33. Consta da edição do “Comércio do Porto” de 2 de Setembro de 1993 um artigo com a seguinte introdução: “As divergências entre a autarquia vimaranense e as autoridades católicas, em torno do problema surgido com a estrada entre o lugar do Mosteiro e da Corredoura, na freguesia de S. Torcato, ainda não escaparam à via da discórdia. Embora tudo aponte para uma próxima supremacia do bom senso, um episódio recente veio provar que a Câmara não olha a meios para assumir uma postura de força, o que há de agradar aos, durante séculos, hostilizaram o poder espiritual (…)”.[artigo 17º da contestação].
34. Na edição de “O Comércio de Guimarães” de 16 de Setembro de 1993 consta da primeira página: “Um muito bem, ouvido do fundo da sala, não escondeu algum mal-estar provocado pelas palavras do Juiz da Irmandade da Penha no almoço das Comemorações do Centenário da Peregrinação à Penha. Joaquim Cosme trouxe à colação o diferendo entre a Câmara e a Irmandade de S. Torcato, para dizer que “débeis mentais, … homens de poderes constituídos, pretendem usurpar bens que são da Igreja”.” [artigo 18º da contestação].
35. Numa edição do jornal “O Comércio de Guimarães” num artigo de Joaquim Fernandes sob o título escreve-se: “Ex-Juiz da Irmandade de S. Torcato sem papas na língua - Igreja cede a negócio milhões: (…)“A Igreja de Braga vai ceder aos particulares com interesses imobiliários para a zona do recinto religioso de S. Torcato. Um negócio de milhões que explica a sua demissão num processo em que se sente traído por “amigos” e pelos mais altos responsáveis da Igreja de Braga. E porque assim pensa, António Fernandes bateu com a porta. Fiel à promessa que fizera quando estalou o conflito entre a Irmandade e a Câmara por causa da estrada Corredoura-Mosteiro.” (…) “António Fernandes não tem dúvidas de que se trata de uma situação que visa “fazer fortunas” aos donos dos terrenos adjacentes. Curiosamente, terrenos de pessoas que agora são indicadas para formar a nova Irmandade (…). “A Igreja cede, assim, a um jogo de interesses e de milhões” porque o Vigário Geral deixa-se ir por influências de amigos”. [artigo 19º da contestação].
36.Na primeira página da edição de “O Povo de Guimarães” de 9 de Junho de 1995 escreve-se:
“Na Irmandade de S. Torcato
Juiz Contra o Arcebispo
S. Torcato tem sido palco, nos últimos tempos, de graves divergências entre a Irmandade e o poder autárquico.
Perante o agravar dos conflitos e com a subida de tom das acusações, a hierarquia católica, de que depende a Irmandade, viu-se obrigada a intervir.
O Juiz da Irmandade não gostou e passou ao ataque, esgrimindo contra tudo e contra todos, desafiando mesmo o Arcebispo de Braga. António Fernandes foi mesmo à Serra e editou um Jornal em que relata tintim por tintim o filme dos acontecimentos” [artigo 20º da contestação].
37. Num artigo do “Jornal de Notícias” de 8 de Agosto de 1993 escreve-se:
“Caminhos de S. Torcato em “Guerra Santa”
Obras no santuário param depois de confrontos físicos
O recomeço das obras de construção de uma estrada de ligação entre os lugares da Corredoura e do Mosteiro em S. Torcato, voltou a extremar posições, naquela freguesia, entre diferentes grupos da população. É uma “guerra” nada “santa” entre a Junta e a Irmandade e que provocou, já, confrontos físicos, de que resultaram, pelo menos, dois feridos (…).
Esta “guerra de caminhos”, que opõe a Junta de Freguesia, responsável da obra, à Irmandade de S. Torcato, que se afirma proprietária dos terrenos onde a estrada irá desembocar, dura desde Março passado, em completo desentendimento entre as partes e com processo a decorrer em Tribunal.
Na terça-feira, quando os trabalhadores da Junta levantaram um pouco de empedrado do largo em frente ao Santuário, e o prepararam para “receber” a estrada, ao mesmo tempo que pretendiam descarregar a brita para a asfaltagem a via, apareceram no local os trabalhadores da Irmandade, por mando do Juiz da Mesa, a impedi-los.
Os ânimos exaltaram-se e a situação degenerou em confrontação física entre os populares, adeptos da Junta, que entretanto ali haviam acorrido. (…) Na sequência do incidente, a mesa da Irmandade, alegando falta de condições, mandou suspender todos os trabalhos, atualmente em curso no santuário e na zona envolvente, onde nos últimos dez anos, foram investidos cerca de um milhão de contos.
Foi anunciado, então, que a obra só terá continuidade quando se clarificar de vez a situação ou houver um acordo definitivo entre as partes.
Se entretanto, a situação não se clarificar, ficam em risco de desemprego os 50 trabalhadores da Irmandade, que se mantêm às portas da Escola de Cantaria, esperando o evoluir da situação. (…)
Para o presidente da Junta de S. Torcato, Joaquim Fernandes, a estrada em construções é uma antiga aspiração da população de S. Torcato, para quem o rio Selho e a Veiga que o margina têm representado uma barreira entre os lugares do Mosteiro e da Corredoura.
Segundo disse ao JN, o embargo da obra, determinado pelo tribunal, é processo que a Irmandade instaurou à Câmara, mas a obra é da Junta e até este momento não houve qualquer notificação para que parem os trabalhos. (…) Acusou, por outro lado, o Juiz da Irmandade, António Fernandes, de conduzir “uma guerra de supremacia pessoal e de ameaçar os trabalhadores do santuário e os alunos da Escola de Cantaria de que, se não fossem impedir a continuação dos trabalhos da estrada os deixaria sem emprego”. “Ele pretende fazer-se dono de tudo, inclusive da escola” – acusou.
António Fernandes contesta as alegações do presidente da Junta e afirma que a ação de embargo é contra o Município de Guimarães, neste caso a Câmara e a Junta de Freguesia. Com efeito, foram estas duas entidades que, em conjunto, fizeram entrar no Tribunal um processo no sentido de reclamar a posse jurídica de todos os arruamentos envolventes ao Santuário de S. Torcato, cuja pertença à Irmandade, até hoje, ninguém pôs em causa” [artigo 20º da contestação].
38. Em entrevista ao jornal “Povo de Guimarães”, edição de 9 de Junho de 1995, o Réu afirmou “Desde o início do conflito com a Câmara Municipal e com a Junta de Freguesia de S. Torcato a propósito do assalto aos bens da Irmandade, há cerca de dois anos, que a hierarquia da Igreja sempre manifestou a sua solidariedade e apoio à Mesa da Irmandade em todos os trâmites judiciais que estão a decorrer e em todas as iniciativas que teve de tomar em defesa dos bens e património. No entanto, viemos a aperceber que essa solidariedade e apoio que nos era dado era fictício porque encontrámos inúmeras situações de mudança súbita de opinião (…)”.[artigo 20º da contestação].
39. Na entrevista referida em 38), à pergunta do jornalista “A explicação de que as novas ruas iriam sobretudo beneficiar a população da Corredoura e, consequentemente o desenvolvimento de S. Torcato, é no seu entender um argumento falso?” o Réu respondeu: “Completamente falso porque o projeto comparticipado e elaborado para servir o lugar da Corredoura não era mais do que a ligação junto ao Santuário através de uma estrada secular que ali existia mas como essa estrada ia também ocupar terrenos de pessoas que são intocáveis aqui na terra, pessoas de peso que não convinha ferir de maneira nenhuma, essa estrada foi desviada e substituída por uma das quer colocamos em causa (…) Evidentemente que para levar por diante os objetivos pessoais que vão dar fortunas a ação judicial tem de ser eliminada e não demorará muito tempo para que o povo possa constatar essa realidade (…)”.[artigo 20º da contestação].
40. As expressões “roubo de milhões “ ou “roubo do século” foram escritas entre aspas [artigo 29º da contestação].
41. No final de novembro de 2009 o Arq.º BB apresentou a sua demissão do cargo de Diretor do Departamento de Projetos e Planeamento Urbanístico da Câmara Municipal de Guimarães ao Presidente da Autarquia, invocando motivos pessoais e de saúde, pedido que foi aceite, passando desde então a exercer funções de técnico superior [artigo 42º da contestação].
42. A demissão referida em 41) foi muito comentada na imprensa local que a associou a divergências com a Vereadora e mencionou a publicação do Boletim identificado em 2) [artigos 43º, 44º e 46º da contestação].
43. Em 1995 o Arq.º BB integrou a Mesa da Irmandade de S. Torcato na qualidade de Vogal [artigo 47º da contestação].
44. A família do Arq.º BB é proprietária de terrenos contíguos ao Santuário e aos arruamentos identificados em 14) e 21) [artigo 42º da contestação].
45. Em 2009 duas sociedades geridas pelo Réu, Casa do Assento – Empreendimentos Turísticos, Ld.ª e Tradição Mística, Construção Civil, Ld.ª, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga o processo nº 1757/09.9BBRG contra o aqui Autor pretendendo a condenação deste no pagamento de indemnização referente a uma alegada ocupação por este de terrenos pertencentes ao Réu e Maria Fernanda da Silva e Rocha e da Casa Agrícola do Órfão, terrenos esses objeto de acordo datado de 31 de Março de 2000 e questões associadas à instrução dos processos urbanísticos aludidos no ponto 9) [artigo 56º e 57º da contestação].
46. A presente ação deu entrada em 13 de novembro de 2012. [conforme retificado pelo despacho de 11/02/2016]
47.O Réu foi citado em 19 de novembro de 2012. [conforme retificado pelo despacho de 11/02/2016]

III. Apreciação do mérito do recurso
Relembramos as questões que se colocam:
A. Perante a factualidade adquirida no processo, aquando da propositura da ação, o direito que o Autor (Recorrido) pretende fazer valer contra o Réu (Recorrente) já se mostrava prescrito?
B. Na positiva, deve ser alterada a matéria de facto nos termos pretendidos pelo Autor (Recorrido) em sede de ampliação do âmbito do recurso?
C. A prova foi mal apreciada e a matéria de facto deve ser alterada nos termos propostos pelo Recorrente (Réu)?
D. Com ou sem alteração dos fundamentos de facto, na verdade não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, devendo em consequência ser revogada a sentença do tribunal a quo?

A. Da prescrição
O Réu contestou invocando que, antes da sua citação, já o direito que o Autor pretende fazer valer estava prescrito.
Mantém, em sede de recurso, a mesma posição.
Para, de facto, sustentar a sua pretensão de prescrição, convoca a factualidade acima descrita em 2, 16, 27, 46 e 47, da qual consta, em suma, que o jornal foi distribuído nos primeiros dias de novembro de 2009, que o Autor teve imediato conhecimento dele, e que o Réu apenas foi citado em 19 de novembro de 2012.

O tribunal a quo julgou a exceção de prescrição improcedente por ter entendido que se aplica ao caso o prazo prescricional de cinco anos, na medida em que os factos integram crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva (art. 187 do Código Penal), cometido através de meio de comunicação social e, por isso, punido, em abstrato, com pena de prisão até 2 anos (art. 183, n.º 2, do CP), pelo que o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos (artigo 118, n.º 1, alínea c) do CP).
Quid juris?

Aplica-se ao caso o conjunto de normas contido no art. 498 do CC, nomeadamente nos seus n.ºs 1 e 3:
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.

A prescrição é o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercidos durante certo tempo fixado na lei. Entende-se, em geral, que o fundamento de tais normas assenta em razões de equidade – se o titular do direito se abstém de o exercitar durante dado período de tempo, tal faz presumir a renúncia ao direito ou, pelo menos, que este terá deixado de ter, para o seu titular, suficiente relevância – e de segurança jurídica – permite definir situações de, de outro modo, ficariam para sempre no limbo.

No caso em apreço, considerando o facto n.º 2 –«No início de novembro de 2009, o Réu, depois de o ter escrito, editou e distribuiu gratuitamente pelo público do concelho de Guimarães um escrito denominado “Boletim Informativo de S. Torcato” (…)» – e o prazo prescricional de três anos a que alude o art. 498, n.º 1, do CC, poderia vir a considerar-se prescrito o direito de indemnização pelos danos emergentes da edição e distribuição do “Boletim” no início de novembro de 2009.

Sucede que, em 13 de dezembro de 2009, o Réu também publicou o escrito vindo de referir, na íntegra, no site www.saotorcato.blogspot.com (facto 12). Assim, mesmo que se viesse a considerar prescrito o direito a indemnização por causa dos factos do início de novembro de 2009, os factos de dezembro (nomeadamente o descrito em 12) seriam suficientes para alicerçar a responsabilidade (em abstrato, pois só adiante veremos se, em concreto, se verificam os pressupostos da responsabilidade civil).

Em suma, no caso dos autos, mesmo aplicando o prazo prescricional de três anos – prazo geral para a responsabilidade extra obrigacional, previsto no n.º 1 do art. 498 do CC – não se poderia entender prescrito o direito do Autor porquanto o facto descrito em 12, no qual assenta de igual modo a responsabilidade atribuída ao Réu nesta ação (ler factos 25 e 26), tinha ocorrido há menos de três anos, quando a ação foi intentada.
Pelo exposto, mesmo considerando o prazo mais curto, o direito do Autor não estaria prescrito.

B. Da alteração da matéria de facto pretendida pelo Recorrido (Autor)
O Município Autor, ora recorrido, prevenindo a possibilidade de, perante a factualidade assente, ser julgado procedente o recurso do Réu no que respeita à exceção de prescrição, requereu, invocando o disposto no art. 636, n.º 1, do CPC, a ampliação do objeto do recurso de modo a ver alterada a matéria de facto no que respeita à data em que o Réu editou e distribuiu gratuitamente pelo público do concelho de Guimarães o escrito denominado “Boletim Informativo de S. Torcato”.
Considerando o exposto em III.A. e a decisão aí tomada, não chegam a verificar-se os pressupostos da ampliação, pelo que a questão não será apreciada.

C. Da alteração da matéria de facto pretendida pelo Recorrente (Réu)
O Réu pede a alteração da matéria de facto dada como assente de modo a que se considere provado:
«13. …Que as imputações não eram nem são aptas a denegrir a imagem, credibilidade, prestígio, bom nome e confiança no autor/Município;
14. …Que o réu tinha e tem fundamento para, na sua boa-fé, reputar como verdadeiros os factos que afirmou, pois as condutas aí relatadas existiram.
15. … Que foi afetado o património da Irmandade de S. Torcato, de que o réu foi membro e Juiz Presidente entre 1980 e 1995;
16. …Que tal facto continua impune e o grupo ou a minoria que dele tirou proveito encontra-se cada vez mais distante de ser responsabilizada e de responder, penal e civilmente, perante a justiça.
17. …Que as expressões “roubo de milhões” ou “roubo do século” foram, normalmente escritas entre aspas, e dentro de um contexto jornalístico sem especulação que permite a ironia, o exagero e a provocação.
18. …Que da Mesa da Irmandade, após a saída do réu, passou a fazer parte o Arquiteto BB e seus irmãos de sangue Eng. DD, funcionário da autarquia, e um terceiro irmão Eng. EE.
19. …Que o Boletim não teve nenhuma repercussão no interior da Câmara nem no concelho.»

O recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, caso em que deverá observar as regras contidas no art. 640 do CPC. Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar: i) os pontos da matéria de facto de que discorda; ii) os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida, incluindo, quando se trate de meios probatórios gravados, a indicação das exatas passagens da gravação em que se funda o recurso; iii) a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O recorrente cumpriu estes ónus que entendemos deverem ser interpretados com a razoabilidade que decorre dos sumários da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a seguir transcritos. Nomeadamente, não tem o recorrente que reproduzir nas conclusões do recurso as transcrições dos depoimentos em que alicerça o seu pedido de reapreciação, nem os pontos concretos das gravações onde se encontram essas passagens.
Ac. STJ de 31/05/2016, proc. 889/10.5TBFIG.C1-A.S1:
«III – (…) indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte.
IV – Trata-se, no entanto, de um ónus secundário, que deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade.
V – Deste modo, tendo a recorrente, no caso, fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados os depoimentos e do início e termo dos mesmos, conforme o estabelecido em ata, e tendo, ainda, apresentado a respetiva transcrição, da qual consta, relativamente a cada depoimento, a sua localização no instrumento técnico que incorpora a gravação da audiência, haverá que entender que está adequadamente cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes.»
Ac. STJ de 21/04/2016, proc. 449/10.0TTVFR.P2.S1:
«I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adoção de entendimentos formais do processo e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coartando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.»

Não obstante, no caso dos autos, os putativos factos que o Recorrente quer elencar como provados, não o são (leia-se, não são factos). Com poucas exceções (em parte, já contempladas no elenco factual), as frases que o Recorrente quer acrescentar aos factos assentes contêm apenas conclusões, opiniões, considerações que se poderão, ou não, extrair dos factos.
Por esta razão se indefere o requerido.

D. Dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual
Assim chegamos ao cerne da causa e do recurso: apreciar se na situação fáctica acima descrita se verificam os pressupostos da responsabilidade civil que permitem condenar o Réu a pagar indemnização ao Autor.
Está em causa a chamada responsabilidade civil extracontratual, extra obrigacional ou aquiliana. A norma geral na matéria encontra-se positivada no art. 483 do CC, segundo o qual aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
A partir deste enunciado, generalizou-se a distinção de cinco pressupostos a preencher neste tipo de responsabilidade: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Esta partição e esta nomenclatura são as mais utilizadas pela doutrina e pela jurisprudência; são extensamente trabalhadas, por exemplo, por Almeida Costa, Menezes Leitão ou Antunes Varela[1]. Do ponto de vista teórico, podemos apreciar diferente sistematização. Lembramos Pessoa Jorge cujo pensamento se pode sintetizar na seguinte passagem: «os pressupostos da responsabilidade civil podem reconduzir-se essencialmente a dois: o ato ilícito e o prejuízo reparável. Isto não significa que se tornem desnecessários o nexo de imputação e o nexo de causalidade, mas entendemos que o primeiro se integra no ato ilícito, como seu elemento ou aspeto inseparável, e o segundo pertence à caracterização do prejuízo reparável»[2].
Na aplicação da norma aos casos concretos, todas as correntes conduzem à apreciação dos parâmetros enunciados, quer se lhes confira uma relevância paralela, quer se entendam alguns como integrados noutros. Vejamos pois.

1. Do ato ilícito (e culposo) ou, de outro ângulo, do direito violado
O ato apresenta-se como escrito – impresso em fascículo com cerca de dez páginas e distribuído em mão, e, ainda, inserido em blog na Internet –,alegadamente lesivo do direito ao bom nome e reputação do Autor, Município de Guimarães.
O ato, cuja ilicitude aferiremos, é praticado no exercício da liberdade de expressão do Réu.
Aparentemente – disso se queixa o Autor – o ato lesou o direito do Autor ao bom nome e reputação. A ser assim, o ato (lesivo de direito subjetivo alheio) veste a capa de ilicitude.
Situações em que se defrontam direitos de personalidade (ou afins) e liberdade de expressão são recorrentes. A do autos tem especificidades várias, sobre as quais nos vamos debruçar.

1.1. Liberdade de expressão
Preliminarmente, importa sublinhar com toda a ênfase que a liberdade de expressão assume um papel incontornável enquanto fundamento de qualquer sociedade democrática e livre. A Constituição da República Portuguesa (CRP) assim o reconhece logo no art. 2.º, ao dizer que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes.
Tal liberdade é concretizada no art. 37, n.º 1, da CRP onde inequivocamente se afirma que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, sem impedimentos nem discriminações.

Constituição da República Portuguesa
Artigo 37.º
(Liberdade de expressão e informação)
1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respetivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.
4. A todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

Todos têm, portanto, o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações (n.º 1). O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura (n.º 2). Todavia, no n.º 3 do mesmo artigo, perspetiva-se a possibilidade de o exercício destes direitos corresponder à prática de infração criminal ou de mera ordenação social.

Evidência da importância da liberdade que ora nos ocupa é o seu acolhimento nos mais relevantes documentos internacionais sobre direitos fundamentais, nomeadamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 19.º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 10.º). A primeira constitui parâmetro de interpretação e integração dos nossos preceitos constitucionais e legais, por via do disposto no art. 16, n.º 2, da CRP; a segunda foi aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de outubro, vigorando na ordem interna por via do disposto no art. 8.º, n.º 2, da CRP.
Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Artigo 19.º
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
Convenção Europeia dos Direitos do Homem:
Artigo 10.º
(Liberdade de expressão)
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.

1.2. Liberdade de imprensa
Poderá questionar-se se os atos praticados pelo Réu o foram no exercício da liberdade de imprensa.
A liberdade de imprensa é decorrência e aprofundamento da liberdade de expressão e apresenta-se também como liberdade fundamental em qualquer Estado de direito, o que se afirma com plena consciência da sua imprescindibilidade numa sociedade sã, respeitadora dos direitos fundamentais da pessoa humana. Além de liberdade fundamental, tem um papel indispensável na garantia de respeito pelos demais direitos e liberdades fundamentais, em todos os quadrantes sociais.
A CRP dedica-lhe um longo artigo 38 que, nos conjunto dos arts. 37 a 40, integra «uma ampla constituição da informação, que forma a base do regime jurídico desta»[3].

O art. 38 da CRP garante expressamente a liberdade de imprensa e explica as suas implicações. O art. 39 reporta-se à regulação da comunicação social.
Das acima transcritas normas contidas nos arts. 10.º, n.º 2, da CEDH, e 37, n.º 3, da CRP, resulta que a liberdade de expressão, nomeadamente na sua vertente de liberdade de imprensa, não é absoluta e ilimitada, podendo ter de recuar quando o seu exercício constitua infração, em especial, infração criminal.
Por outro lado, é de salientar desde já que a liberdade de imprensa transcende a liberdade de manifestar opiniões e pensamentos pelos meios de comunicação, ou mesmo o direito de transmitir informações, abrangendo também os direitos de cada um a ser informado e a informar-se. Esta tríplice face da liberdade de imprensa coloca indelevelmente o problema da qualidade da informação, designadamente da sua relevância social e da sua veracidade.
A disciplina constitucional em matéria de liberdade de imprensa, já de si bastante concretizada, é densificada pela Lei de Imprensa (Lei 2/99, de 13 de janeiro, alterada pelas Leis 18/2003, de 11 de junho, 19/2012, de 8 de maio, e 78/2015, de 29 de julho). No que tange ao conteúdo (e limites) da liberdade em causa, podem ler-se os arts. 1.º e 3.º que pouco acrescentam às normas fundamentais.

O que ora nos ocupa é saber se os atos do Réu integram o conceito de expressão através da imprensa. Para tanto há que atender à definição que nos fornece o art. 9.º da Lei da Imprensa.

Lei da Imprensa
Artigo 9.º
Definição
1 – Integram o conceito de imprensa, para efeitos da presente lei, todas as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuição utilizado.
2 – Excluem–se boletins de empresa, relatórios, estatísticas, listagens, catálogos, mapas,desdobráveis publicitários, cartazes, folhas volantes, programas, anúncios, avisos, impressos oficiais e os correntemente utilizados nas relações sociais e comerciais.
[Negritos introduzidos por nós.]

Sabemos que o escrito do Réu era um «boletim» com 10 páginas (facto 11) e que foi distribuído pelo público, em mão (facto 16). Sendo um boletim com dez páginas não se pode considerar uma «folha volante» e também não integra nenhuma das outras espécies excluídas pelo n.º 2 do art. 9.º. O modo de distribuição é irrelevante, pode ser qualquer um, de acordo com o dito no n.º 1 do mesmo artigo.
Nas classificações das reproduções impressas (publicações) referidas no artigo 9.º, o art. 10.º distingue periódicas e não periódicas.
Entendemos que o escrito no Réu entra no conceito de imprensa para fins de aplicação da Lei da Imprensa.
Ainda que assim não se entendesse, considerando a perspetiva da conduta do Réu que ora nos interessa – e que se prende com a sua subsunção ou não a uma situação de responsabilidade civil –, a integração no conceito de «expressão pela imprensa» pouco relevo terá, na medida em que, na determinação das formas de efetivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa, observam–se os princípios gerais. Assim o determina o n.º 1 do art. 29 da Lei da Imprensa.

No art. 1.º da Lei da Imprensa, temos uma vez mais evidenciado que a liberdade de imprensa abrange três direitos: informar, informar-se e ser informado, sem sujeição a qualquer forma ou tipo de censura. O que não significa que a fundamental liberdade de imprensa não possa/deva ser comprimida perante a atuação de outros direitos fundamentais. A Lei expressa-o de forma clara no art. 3.º: a liberdade de imprensa tem os limites que decorrem da Constituição e da lei de forma a garantir, para o que ora nos interessa, o direito ao bom nome.

1.3. Direito ao bom nome de pessoa coletiva
Na situação dos autos, o Autor (Município) alega que o comportamento do Réu pôs em causa o seu direito ao bom nome, crédito e reputação.
Diremos que bom nome, reputação e crédito são expressões de uma mesma realidade fundamental, de fácil apreensão por todos, mas de difícil definição (não é coisa rara). Dimanam, identificam-se ou confundem-se (para o caso pouco importa) com a honra incindível do ser humano. Usaremos predominantemente a expressão bom nome, que é socialmente mais neutra, e que é a utilizada na Lei de Imprensa e na Constituição da República Portuguesa (ainda que aqui acrescida de «e reputação»). O crédito surge acoplado ao bom nome no art. 484 do CC como direito das pessoas, singulares ou coletivas.

O direito ao bom nome afirma-se a um tempo como direito subjetivo absoluto e direito fundamental, direito subjetivo erga omnes com tutela constitucional de direito fundamental, direito fundamental subjetivo absoluto ou, noutra formulação ainda, direito subjetivo fundamental[4].
Podemos sintetizar o direito subjetivo fundamental ao bom nome como situação jurídica que confere ao sujeito o poder de exigir de todos os demais sujeitos e entidades, incluindo dos órgãos de soberania do Estado (desde logo, por via da proteção constitucional do art. 19 da CRP), o respeito pelo bom nome, consagrado como interesse juridicamente relevante ao mais elevado nível normativo.

Apesar de o direito ao bom nome ser intrínseco ao seu humano, e de a sua tutela ter nascido para proteção deste, hoje é pacífico – e face ao direito positivo português vigente, indiscutível –, que também as pessoas coletivas gozam da tutela de direitos de personalidade, ou de direitos afins com outra nomenclatura, tanto dá. Várias são as normas do sistema que o afirmam.
Desde logo, o art. 37 da Constituição, relativo à liberdade de expressão e acima transcrito, dispõe no seu n.º 4 que a todas as pessoas, singulares ou coletivas, é assegurado o direito de resposta e de retificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (atenção que não se refere de que tipo são os danos suscetíveis de serem sofridos por pessoas coletivas, tema sobre o qual nos debruçaremos adiante). Na medida em que os danos advêm da violação de direitos ou de disposições protetoras de interesses alheios (art. 483 do CC), temos que concluir que esta disposição constitucional prevê a possibilidade fáctica de o exercício da liberdade de expressão causar lesão em direitos de pessoas coletivas.
No Código Civil encontramos alusão direta ao direito ao bom nome e ao crédito de pessoas coletivas. O art. 70 dispensa a tutela geral da personalidade aos «indivíduos», mas o art. 484 estabelece que quem afirmar ou difundir facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados. Também aqui não se diz que tipo de danos podem ser causados às pessoas coletivas (a tal tema, iremos adiante), mas da norma decorre, sem dúvida, que pessoas coletivas têm direito ao bom nome e ao crédito.
Poderíamos continuar a busca noutros lugares do sistema(v.g. art. 187 do Código Penal), mas seria fastidioso e supérfluo para o nosso âmbito e propósito.

Avançamos, no entanto, que a tutela de direitos de personalidade (ou afins) da pessoa coletiva é indissociável da natureza instrumental da personalidade coletiva[5]. Isto mesmo é de alguma forma afirmado no art. 12, n.º 2, da CRP no que respeita aos direitos fundamentais das pessoas coletivas: «As pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza» (ênfase nossa). A personalidade coletiva é um instrumento criado pelo homem e ao serviço do homem, para a consecução de interesses das pessoas (singulares, em primeira linha) em sociedade. Consequentemente, a pessoa coletiva está condicionada pela prossecução dos seus fins. Em função dos fins diversos que prosseguem, as várias pessoas coletivas têm diferentes graus de autonomia patrimonial, diferentes regimes jurídicos, nomeadamente de responsabilidade e estão sempre dependentes da atuação de pessoas singulares para exprimir a sua vontade e agir no meio social. A diversidade de fins das várias pessoas coletivas impõe que as concretizações dos direitos ao bom nome e ao crédito de cada uma delas possam ser distintas.

1.4. Cont. – Bom nome da pessoa coletiva pública «município»
A possibilidade de pessoas coletivas de direito público serem titulares de direitos fundamentais é discutida.A tese negativa, nas palavras de Gomes Canotilho, radica essencialmente nos seguintes argumentos: «(1) os direitos fundamentais arrancam da ideia de uma esfera de liberdade perante os poderes públicos, não sendo concebível gozarem as corporações, instituições ou fundações de direito público da titularidade de direitos fundamentais no exercício de tarefas públicas (argumento da natureza dos direitos fundamentais); (2) é incompatível considerar o Estado (as suas corporações, instituições ou fundações) como destinatários dos direitos fundamentais e, simultaneamente, como titular dos mesmos direitos fundamentais (argumento da «identidade» ou da «confusão»)»[6].Não obstante, Gomes Canotilho e Vital Moreira aceitam a possibilidade, a aferir casuisticamente, em função da compatibilidade com a natureza de cada pessoa coletiva[7].
Bacelar Gouveia afasta a ideia de direitos fundamentais na titularidade de estruturas dotadas de poder público, uma vez que o elemento subjetivo do direito fundamental apenas tem sentido «a benefício de quem pretende enfrentar o poder estadual, ou qualquer outro poder público»: «Os direitos fundamentais, na sua génese, evolução e função, não se explicam senão num contexto dicotómico entre o Poder e a Sociedade, devendo por isso somente ser titulados por pessoas que se integram na Sociedade e que em relação ao Poder se possam contrapor»[8]. É a posição coerente com a definição de direitos fundamentais na perspetiva da Teoria do Direito Constitucional como «posições jurídicas ativas das pessoas integradas no Estado-Sociedade, exercidas por contraposição ao Estado-Poder, positivadas no texto constitucional»[9].
Muito restritivos, também, Jorge Miranda e Rui Medeiros:«Se os direitos fundamentais são situações jurídicas ativas das pessoas enquanto membros da comunidade política, seria contraditório pensar em direitos fundamentais das entidades em que se desdobra o poder político». Consentem, no entanto, direitos fundamentais na titularidade das associações públicas, nomeadamente profissionais, e das Universidades púbicas[10].
No mesmo sentido, Vieira de Andrade que apenas admite a existência de direitos fundamentais de entidades públicas que tenham por função proteger ou promover a liberdade e a dignidade das pessoas, como será o caso das Universidades em face da liberdade de ensino e de investigação[11].
Nuno Alonso Paixão assinala que a CRP consagra (ainda que de um modo indireto) a possibilidade de opor direitos fundamentais de pessoas coletivas públicas a entidades particulares, nos termos do disposto no seu art. 37, n.º 4, que não faz distinção entre pessoas coletivas públicas e privadas (e os arts. 24 ss. da Lei da Imprensa, que desenvolvem a norma constitucional, expressamente conferem esse direito de resposta e retificação a pessoas singulares ou coletivas, organizações, serviços ou organismos públicos). O Autor, em todo o caso, apenas concebe direitos fundamentais a associações públicas, universidades públicas, institutos públicos ou empresas públicas[12].

Com este pano de fundo, concluímos que, na relação entre município e munícipe, é de afastar um direito do município ao bom nome como direito fundamental.
O que não significa que não assista ao município um direito de outra ordem de exigir respeito pela sua imagem e bom nome por parte dos seus munícipes.
O município é a instituição nuclear da administração local portuguesa. Adotando a noção de Freitas do Amaral, diremos que «é a autarquia local que visa a prossecução de interesses próprios da população residente na circunscrição concelhia, mediante órgãos representativos por ela eleitos. Ao incluir na definição a expressão «autarquia local» já vai implícita a caracterização do município como pessoa coletiva pública, do tipo pessoa coletiva de população e território. E ao fazer referência aos interesses da população residente na «circunscrição concelhia», delimita-se o âmbito do município, distinguindo-o da freguesia e da região, que visam a prossecução de interesses próprios de outras regiões»[13].
Tendo por fim a prossecução dos interesses próprios da população residente, o direito ao bom nome do Município não pode deixar de se relacionar com os interesses coletivos dos residentes que o Município tem por função prosseguir e satisfazer. Naturalmente que o bom nome do Município ajuda a boa disposição e produtividade dos titulares dos seus órgãos e demais colaboradores, é importante para o bem-estar dos residentes, incentiva o investimento e a fixação da população, logo, o desenvolvimento do Município em prol de todos.
Mesmo admitindo que as pessoas coletivas«municípios», constituídas pela população residente, sejam titulares de um direito subjetivo ao bom nome (desprovido, já vimos, da tutela de direito subjetivo fundamental), exercitável erga omnes, ou seja, também contra elementos da população de que se compõem e que terão coincidente interesse no bom nome do seu município, tal direito sempre seria funcionalizado aos fins da pessoa coletiva «município», maxime à prossecução do interesse coletivo da população residente, que tem o direito de conhecer a atuação dos titulares dos órgãos do município, conhecimento que pode afetar o bom nome do mesmo. Podemos dizer que o direito ao bom nome do município sempre estaria balizado pelo interesse da população cujo interesse coletivo o município prossegue, podendo ser afetado pelo interesse dessa mesma população a informar-se e ser informada com verdade sobre a conduta das pessoas que pelo município agem.

1.5. Regressando ao facto do caso
Percorridos os factos, a larga maioria das imputações graves são feitas, não diretamente ao Município Autor, mas a pessoas que são titulares ou agentes dos seus órgãos e a terceiros.
Releiam-se os factos 2 a 11, de onde se extraem as passagens seguintes, sem dúvida de cariz ofensivo para várias pessoas nelas nomeadas (o que poderá não constituir ilicitude – lembramos as possibilidades de invocação da exceptio veritatis e da prossecução de interesse legítimo), encontrando-se a negrito e sublinhadas aquelas que são suscetíveis de integrar lesão ao bom nome e reputação do Município de Guimarães (únicas que relevam no âmbito do presente processo):
«Câmara Municipal recebe e utiliza terrenos avaliados em 300.000 contos e em contrapartida persegue e não honra compromissos;
Diretor de Urbanismo da Câmara Municipal ARQUITECTO BB acusado de desencadear em proveito próprio atos indignos de uso e abuso de poder na mira de milhões para enriquecimento do seu património;
(…) a primeira grande iniciativa teve a sua origem na pessoa do Senhor DR. FF, ao pretender construir, em proveito próprio, o Bloco Habitacional referenciado.
Pretendia aquele que é o atual Juiz da Irmandade (…)
Perante a posição extrema na defesa de interesses não coincidentes, há que engendrar, por parte do atual Juiz, DR. FF, formas de luta diversificadas.
De seguida tenta aquele Cidadão, como meio de atingir os seus superiores interesses, encontrar, a forma de se INFILTRAR, na área das decisões da Irmandade, o que veio a acontecer, felizmente para ELE e demais Compadres.
Apesar das Providências Cautelares entretanto apresentadas no Tribunal e de Embargos junto da Câmara Municipal, com o escandaloso fechar de olhos da Autarquia, a obra arrancou, os Tribunais foram desrespeitados e tudo rolou, a bel-prazer do Senhor Dr. FF, (…)
De referir que neste grupo de verdadeiros “ARTISTAS” se encontravam os maiores responsáveis da Igreja Bracarense (ex-Arcebispo D. HH e o seu Vigário Geral II), os que apadrinharam aquela miserável novela.
(…)
E assim, a nova Mesa foi constituída, segundo esses objetivos.
O Arquiteto BB que já na ocasião exercia funções de diretor do Urbanismo da Câmara Municipal, logo se INFILTROU naquele Elenco Administrativo, bem como os seus irmãos de sangue, Eng.º DD e Eng.º. EE.
(…)
b) “O rosto dos que nos sacanearam
OS QUATRO “carrascos” que em nome da Igreja, da Irmandade e da Câmara Municipal de Guimarães promoveram o chamado “Roubo do Século”.”
Sob estes dizeres consta, entre outras, uma fotografia do Dr. António Magalhães, Presidente da Câmara Municipal de Guimarães.
(…)
“Arruamento 2 - Rua pirata de acesso ao Terreiro do Fogo e que desta forma permitiu que fossem viabilizadas as construções em vários terrenos agrícolas e de dois blocos habitacionais de número superior a 100 apartamentos pertença do Diretor do Urbanismo da Câmara, Arquiteto BB e seus irmãos.
[Repetem-se factos semelhantes e imputados aos mesmos intervenientes relativos a mais de uma dúzia de outros arruamentos]
(…)
ESTA PROPRIEDADE, CONHECIDA POR QUINTA DO CARDOTE, com uma área aproximada de 40.000 metros quadrados (quatro hectares), classificada como RESERVA AGRÍCOLA, está agora, segundo o mapa do estudo do novo PDM que aqui se publica, classificada como “RURAL - Aglomerados - área de CONSTRUÇÃO DISPERSA” e, desta forma, permitir deixar de pertencer a reserva agrícola para dar lugar a uma ZONA DE CONSTRUÇÃO, proporcionando assim que o Diretor de Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, ARQUITECTO BB e seus irmãos, encaixem nos seus bolsos uma autêntica FORTUNA
(…)
a) “UM MILHÃO DE CONTOS ENTREGUES À CÂMARA A TROCO DUMA MÃO CHEIA DE NADA
(…)
“Da análise a este protocolo e perante uma entrega de mais de UM MILHÃO DE CONTOS, sem autorização ou deliberação dos Irmãos de S. Torcato e, SEM CONTRAPARTIDAS, conclui-se que os representantes da Irmandade ou estavam num estado de demência ou cometeram deliberadamente esses atos em proveito próprio?”
(…)
Repare prezado Leitor que foram entregues de mão beijada à Câmara, pelo que claramente se depreende, para pagamento de favores pessoais: 23.000 m2 de terreno, respeitantes aos arruamentos; As infraestruturas ali efetuadas pelas ofertas dos Fiéis e pelas doações dos Grandes Beneméritos. E ainda pelo esforço de tantos e tantos Servidores que ao longo dos tempos entregaram, de Alma e Coração, bens imóveis e donativos superior a um milhão de contos para a concretização destes projetos e que foram “sacados” de forma tão cruel e vergonhosa.
(…)
c) “Valor dos 23.000 m2 de Arruamentos “sacados” pela Câmara Municipal
(…)
O rol de atos de vingança e perseguição urdidos pela Câmara Municipal de Guimarães, onde a mão do seu Diretor de Urbanismo, o ARQUITECTO BB esteve presente, têm criado sequelas gravíssimas que em nada dignificam a Autarquia.
(…)
c) “Perseguições e graves prejuízos conduziram a uma Ação Judicial sem precedentes:
Pedido de indemnização à Câmara Municipal de 2,5 milhões de euros (500.000 contos) por incumprimento, sendo figura preponderante neste contencioso o Diretor de Urbanismo daquela Autarquia o Arquiteto BB
(…) Todos estes terrenos são hoje praticamente pertença do diretor do Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, arquiteto BB e Família.
(…)
“Assim, aparecem nos lugares cimeiros da gerência da Irmandade, nada mais, nada menos, do que três irmãos: Arquiteto BB; Engenheiro DD; Engenheiro EE. A partir desta infiltração ficou meio caminho andado para o coroar de êxito do programa concebido. Tratando-se da presença do irmão arquiteto BB, no lugar de Diretor de Urbanismo da Câmara Municipal, tudo correu às mil maravilhas.
(…)
Como atrás foi dito, essas construções só seriam viáveis após a inclusão do terreno no novo estudo do Plano Diretor Municipal (PDM). Tendo chegado às nossas mãos, o resultado do estudo final da tão falada revisão, escandalosamente se verifica que os tais ENVIDADOS esforços prometidos naquela área de 30.000 metros quadrados foram mesmo envidados, mas para concretizar mais um “CHORUDO NEGÓCIO” do Diretor do Urbanismo da Câmara Municipal, Arquiteto BB, que pelas suas próprias mãos e, sem ter cedido à Câmara o valor de um ÚNICO cêntimo, transformou a sua QUINTA DO CARDOTE, com uma área de cerca de 40.000 metros quadrados de terreno de RESERVA agrícola, em área de construção, o que lhe permitirá dividir com os seus irmãos o valor acrescentado muito próximo dos astronómicos 50 milhões de euros (10 MILHÕES DE CONTOS).
(…) SERÁ TAMBÉM QUE DESTA ESCANDALOSA SITUAÇÃO O SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA ESTÁ ALHEIO?”
c) “Câmara Municipal não honra compromissos
Depois de a Câmara Municipal não ter honrado os compromissos no acordo de 31 de Março de 2000, mais tarde, em 5 de Setembro de 2005, com a necessidade de se obter mais um alargamento do cemitério, através do seu Diretor de Urbanismo, Arquiteto BB, é celebrado um outro acordo convencionando que a Câmara envidaria todos os esforços para contemplar na próxima revisão do PDM, (…) Podemos afirmar que é a mão do Diretor do Urbanismo, ARQUITECTO BB, que fabrica estes impasses enquanto ELE LÁ VAI negociando os seus bens imobiliários e, naturalmente, fazendo “engordar a sua carteira”. De referir que até ao momento, a Câmara já recebeu no âmbito destes dois ACORDOS valores em terrenos que computamos em um 1,5 MILHÕES DE EUROS (300,000 contos) e escandalosamente a Câmara Municipal não HONROU qualquer contrapartida constante nos dois ACORDOS celebrados. Um segundo Acordo celebrado com a Câmara Municipal e o estudo que aqui reproduzimos elaborado pela mesma Autarquia, a área de terreno assinalada a vermelho previa a construção de seis blocos habitacionais e cinco habitações unifamiliares e que estão agora em risco de serem anulados para beneficiar a “Quinta do Cardote”, pertença do Diretor do Urbanismo, Arquiteto BB e seus Irmãos.
Será que o Senhor Presidente da Câmara desconhece esta situação? Se vê e a seguir fecha os OLHOS, algo estará mal, mesmo muito mal, na sua conduta, Senhor Presidente.
(…)
Como atrás se faz referência, é grave e sem pudor o aproveitamento pessoal do Diretor do Urbanismo da Câmara Municipal de Guimarães, ARQUITECTO BB, ao arrebatar pela sua própria mão a QUINTA DO CARDOTE, (…)
Será que o Senhor Presidente da Câmara que reputamos como um Homem sério, estará conhecedor desses escandalosos atropelos, cometidos em nome da Autarquia a que preside?
Se VÊ e faz que não VÊ é muito grave o que se passa, Senhor Presidente.”
(…)
“Carta aberta
Senhor Presidente da Câmara
Com a narração neste Boletim de situações ousadas e eivadas de honestidade, protagonizadas em nome da Câmara Municipal e com objetivos meramente pessoais pelo vosso submisso Colaborador arquiteto BB, custa-me acreditar como é possível “o fechar de olhos” para tantas e tão absurdas situações.
(…)»

Os factos mais graves consistem em imputações a pessoas concretas, umas com vínculo ao Município, outras a ele alheias. Essencialmente, e no que às primeiras respeita, o Réu afirma que o diretor do urbanismo do Autor alterou, ou pretende alterar, ilegalmente a qualificação de terrenos integrados em Reserva Agrícola para zona de construção, com o intuito de aumentar o valor desses terrenos, dos quais ele e seus familiares são proprietários; mais alega que, o mesmo diretor, com o intuito de se vingar do Réu pela oposição que este fizera, retarda a concessão de licenças de construção devidas ao Réu.Ao Presidente da Câmara imputa-se a conivência com a situação e o não saber escolher os seus diretores.
Os atos imputados à Autarquia, à Câmara ou ao Município (para o caso será indiferente), acima assinalados a negrito e sublinhados, são também suscetíveis de afetar o bom nome, reputação e imagem do Município Autor perante os munícipes e terceiros.

Porém, sabendo-se que o Réu agiu no exercício da sua liberdade de expressão e até de imprensa, ainda que ao Autor assista um direito ao bom nome oponível aos seus munícipes, há que entrar em linha de conta com outros dados e rever o caso a essa luz, ou seja, tendo em consideração que o ato foi praticado no uso daquelas liberdades.

1.6. Cont. – O facto como exercício da liberdade de expressão
Afastámos do direito ao bom nome dos municípios perante os munícipes a qualidade de direito fundamental. Não obstante, por facilidade de raciocínio, vamos admitir que o direito do Município Autor invocado nos autos se classificava como direito fundamental (portanto, de valia idêntica à liberdade de expressão do Réu), para concluirmos que, ainda assim, não assistiria razão ao Autor.

Como vimos, o direito ao bom nome enquanto direito fundamental pode constituir limite ao exercício da liberdade de expressão, particularmente, de imprensa. Assim sucede na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (expressamente, no art. 10.º, n.º 2), na CRP (ao referir no art. 37, n.º 2, as infrações cometidas no exercício destes direitos, e sabendo-se que a ofensa ao bom nome pode integrar os crimes de injúria e de difamação) e na Lei de Imprensa (de modo expresso no seu art. 3.º).
Poderão estas referências significar uma hierarquização entre a liberdade de imprensa e o direito ao bom nome, no sentido da subalternização da primeira? Serão elas indicadoras de que o direito ao bom nome é desprovido de limites, ao contrário do exercício da liberdade de imprensa?
A hierarquização, seja em que sentido for, não é defensável perante o ordenamento vigente. Hoje reconhece-se a igual hierarquia constitucional da liberdade de imprensa e do direito ao bom nome. Só perante o exercício concreto dos direitos é possível determinar qual deve prevalecer, e em que medida, recorrendo ao critério da ponderação de interesses e valores; tal critério deve obedecer ao princípio da proporcionalidade e não pode conduzir a um resultado que diminua o conteúdo essencial do direito restringido[14].
Na jurisprudência das últimas décadas, litígios entre o direito ao bom nome a o direito de livre expressão têm sido frequentemente entendidos como problemas de colisão de direitos a serem solucionados por via do disposto no art. 335, n.º 1, do CC: «havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento de qualquer das partes».
A jurisprudência portuguesa tem aceitado a idêntica valia hierárquica da liberdade de imprensa e dos direitos de personalidade e tem balançado estes direitos fundamentais em função das circunstâncias dos casos concretos[15].Leiam-se a este propósito os Acórdãos do STJ de 14/05/2002, na Revista n.º 650/02, de 05/12/2002, na Revista n.º 3553/02, de 16/11/2006, na Revista n.º 734/06, de 27-01-2010, na Revista n.º 48/04.6TBVNG.S1, de 29/04/2010, na Revista n.º 5583/04.3TBOER.S1, de 19/01/2012, na Revista n.º 414/07.5TVLSB.L1.S1, todos sumariados em caderno temático, em http://www.stj.pt/jurisprudencia/tematica.
Os princípios orientadores são essencialmente os mesmos:
1.º - Não há hierarquia entre liberdade de expressão/imprensa e direito ao bom nome, sendo ambos igualmente fundamentais à vivência saudável numa sociedade democrática e à existência do Estado de direito;
2.º - Considerando os limites da liberdade de imprensa, constitucional e legalmente consagrados, a atuação desta liberdade só pode lesar o direito ao bom nome mediante causa justificativa – na falta de causa de justificação não há verdadeiro conflito, devendo prevalecer o direito ao bom nome;
3.º - Para que a lesão do direito ao bom nome seja justificada é necessário que a notícia tenha relevância social, havendo um interesse geral ou de classe na informação em causa, que a lesão não vá além do razoável para cumprir o dever de informar e para satisfazer o direito de ser informado, e que a informação seja verdadeira ou assente em fontes razoavelmente credíveis[16];
4.º - Justificando-se a lesão, haverá conflito que será solucionado pela compressão de um ou ambos os direitos na medida que as circunstâncias do caso tornem necessário e razoável, para que ambos produzam no caso concreto o máximo efeito possível.

Em rigor, quando o exercício de um direito viola ilicitamente direito alheio, estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, e não no da colisão de direitos. O remédio será o previsto nos arts. 483 e 562 e ss. do CC, e não o prescrito no art. 335 do mesmo Código. Quando alguém se sente prejudicado num seu direito subjetivo de personalidade pelo exercício de um direito (de diferente ou de idêntica espécie – propriedade, iniciativa comercial, liberdade de expressão…) de que é titular um terceiro, a questão que se coloca é a da licitude ou ilicitude do exercício concreto destoutro direito. As regras previstas no art. 335 do CC para a colisão de direitos pressupõem o exercício lícito de dois (ou mais) direitos; a partir do momento em que um dos exercícios é ilícito não estamos no domínio da colisão de direitos, mas no da responsabilidade civil por ato ilícito. Da mesma maneira que, se A atropela B na rua, não estamos perante uma colisão entre o direito de B de andar a pé e o direito de A de conduzir um automóvel, a resolver pelas regras do art. 335 do CC, mas perante uma questão de responsabilidade por ato ilícito a resolver pelos normativos correspondentes.
Por outro ângulo atingiríamos idêntica conclusão: a colisão de direitos pressupõe que o exercício integral e simultâneo de dois (ou mais) direitos de sujeitos diferentes seja impossível pela escassez do objeto (comum) sobre o qual os direitos incidem. Esta noção estrita é adotada, por exemplo, por Elsa Vaz de Sequeira[17], e é aquela que melhor descreve as situações para as quais é adequada a disciplina do art. 335 do CC: prevalência do direito superior ou, sendo de idêntica valia, cedência parcial na medida necessária a que todos produzam igualmente o seu efeito. A Autora exemplifica com duas servidões sobre a mesma ponte estreita, que não permite duas passagens simultâneas. Já os direitos de personalidade, pela natureza do seu objeto (personalidade, saúde, vida, integridade do seu titular) não permitem concorrência: os objetos dos direitos de personalidade de cada indivíduo são exclusivos da sua própria pessoa, e não suscetíveis de serem partilhados por outros indivíduos.
Com direitos de personalidade haverá não mais que colisões aparentes de direitos, que em rigor se reconduzem a conflitos de normas (ou princípios). Os princípios subjacentes aos direitos em causa é que colidem entre si. A sua delimitação no caso concreto estabelecerá os limites extrínsecos aos direitos conferidos pelas normas em conflito[18].
Na verdade, não obstante em situações como a dos autos se invocar amiúde o art. 335 do CC sobre a colisão de direitos, o certo é que o remédio que se encontra não é o previsto nessa disposição, mas o da responsabilidade civil.

No caso dos autos, estava cumprido o interesse social dos factos narrados e provada a veracidade de alguns deles (factos 14, 22, 43, 44).
Interessa fortemente a todos os munícipes saber como exercem as suas funções os titulares dos órgãos do Município, pois só na posse desse conhecimento poderão votar com plena consciência e adequar o voto aos seus interesses.
Todos os factos respeitam ao múnus público e a situações que devem ser conhecidas do público e que os órgãos do Município têm o dever de publicamente justificar.
Dir-se-á que, in casu, foi dito muito mais que o necessário e de forma muito desagradável, acintosa, ofensiva. Mas a censura da forma e dos excessos pode ser muito perniciosa à sociedade livre e esclarecida e tem merecido, sim, a censura recorrente do TEDH (ainda com o recente caso, exaustivamente noticiado, «Tavares de Almeida Fernandes and Almeida Fernandes v. Portugal», cuja sentença e editorial que deu origem ao litígio se encontram acessíveis em vários sítios da Internet).
Não vamos alongar-nos na temática da qualificação do ato como ilícito e culposo (qualificação que, por várias razões a que já aludimos, duvidosa é), uma vez que, mesmo que viéssemos a concluir pela ilicitude do ato, a apelação do Réu seria procedente pelos motivos que expomos em seguida.

2. Dos danos causados (danos não patrimoniais e personalidade coletiva)
O Autor invocou danos de natureza não patrimonial e o tribunal a quo concedeu indemnização para os reparar.
Mas será que se provou efetivamente que o Autor Município padeceu de sofrimentos insuscetíveis de avaliação pecuniária, ou seja, que sofreu prejuízos de natureza não patrimonial?
No direito português, a função da responsabilidade civil não é punir, mas ressarcir. Portanto, a simples prática de um ilícito, desacompanhada de prejuízos dele decorrentes, não gera responsabilidade civil.
Vamos admitir que tinha havido uma efetiva lesão de direitos de personalidade do Município. Haveria, neste momento, que averiguar se essa lesão gerou danos, nomeadamente os invocados danos de natureza não patrimonial, também ditos, danos morais. Vamos usar indistintamente as duas expressões – danos de natureza não patrimonial (abreviadamente, danos não patrimoniais) e danos morais – embora, de acordo com determinadas posições, os primeiros possam ser mais abrangentes que os segundos.

A suscetibilidade de os danos não patrimoniais serem indemnizados está consagrada no art. 496 do CC nos seguintes termos: na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
O único entrave que a norma expressamente coloca à indemnização desta categoria de danos relaciona-se, portanto, com o grau de gravidade necessário para se considerarem merecedores da tutela jurídica.
Tanto não significa que todas as entidades sejam suscetíveis de sofrer danos morais. Trata-se de questão a montante e à qual a norma não responde. Tão-pouco lhe responde o art. 484 do CC ao estabelecer que quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados. Esta norma diz-nos, entre o mais, que as pessoas coletivas têm direito ao crédito e ao bom nome, que os factos lesivos desses direitos podem causar danos e que o lesante responde por eles. Mas não nos diz que a ofensa ao crédito e ao bom nome de uma pessoa coletiva lhe possa causar danos de natureza não patrimonial. Uma coisa é o bem atingido pelo ato lesivo ter natureza não patrimonial, ser insuscetível de avaliação pecuniária, outra distinta é o dano causado pelo ato lesivo nesse mesmo bem ter natureza não patrimonial, ser insuscetível da tal avaliação em dinheiro.

Direito atingido (pelo ato lesivo) e dano causado (pelo ato lesivo) são entidades diferentes. Tanto assim que a lesão de um bem de natureza não patrimonial pode resultar num prejuízo patrimonial (v.g., ofensa ao bom nome de um advogado que lhe diminui a clientela), e a lesão de um bem patrimonial pode gerar dano moral (v.g., atropelamento de um cão por quem o dono sentia muita estima).

O dano moral ou não patrimonial é um dano que é insuscetível de se avaliar pecuniariamente. Por isso mesmo, é insuscetível de ser indemnizado, tornado indemne (sem dano). Apenas pode ser compensado com uma quantia pecuniária que sirva para atenuar o mal-estar moral sofrido, a dor de alma, situações negativas que apenas os seres humanos podem experienciar.
A este propósito, escreve António Pinto Monteiro, em trabalho dirigido à particular temática que nos ocupa: «A própria índole do dano não patrimonial pressupõe que a vítima possa sofrer, ter dores, ter sentimentos e emoções; e o dinheiro com que se visa compensar esse dano pressupõe, igualmente, esses sentimentos, ou seja, em termos simples, pressupõe a capacidade de chorar e de rir!»[19]. Nega perentoriamente a possibilidade de as pessoas coletivas sofrerem danos de natureza não patrimonial, posição que, além do mais, é a mais adequada ao princípio da especialidade de fim dessas pessoas, como também refere.
Claro que se as ofensas atingirem pessoas físicas com vínculo ou interesses na pessoa coletiva, ainda que veladamente através de ataques diretos à pessoa coletiva, poderão aquelas pessoas singulares demandar o lesante pelos danos por elas sofridos.

Fazendo o ponto da situação: as pessoas coletivas, em geral, são titulares de direitos afins dos direitos de personalidade, nomeadamente, têm direito ao bom nome, reputação e crédito. Das ofensas a esses direitos podem emergir danos para as pessoas coletivas, mas apenas de natureza patrimonial (ainda que danos patrimoniais indiretos).
Recorrendo novamente ao já citado texto de António Pinto Monteiro, há que desfazer a confusão de se«partir da atribuição de direitos de personalidade às pessoas jurídicas para se aceitar, de imediato, o direito à reparação por danos não patrimoniais por uma eventual lesão de algum desses direitos. Dir-se-ia, nesta linha de pensamento – que não é a nossa! – que uma lesão do património moral causaria danos morais ou não patrimoniais. Mas não pode ser assim!É que, como vimos atrás, uma coisa é o dano e outra é o direito lesado – o que conta, no que toca à indemnização por danos não patrimoniais, é a natureza (não patrimonial) do próprio dano e não a natureza do bem ou interesse lesado.Nada obsta a que uma pessoa jurídica possa ser indemnizada por ofensa, por exemplo, ao seu bom nome e reputação, desde que prove ter sofrido danos patrimoniais»[20].

Na mesma linha de raciocínio, diz Filipe Albuquerque Matos na sua tese de doutoramento, justamente sobre responsabilidade civil por ofensa ao bom nome:«A circunstância de os visados pelas afirmações de facto violadoras do bom nome e do crédito serem pessoas coletivas traz consigo algumas restrições a nível do objeto da obrigação de indemnizar. Estamos a reportar-nos ao problema da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais. (…) Apenas são suscetíveis de ser ressarcíveis os comummente designados “danos patrimoniais indiretos”, ou seja, os prejuízos patrimoniais decorrentes da violação de bens ou valores, em si mesmos, não patrimoniais, entre os quais cumpre destacar o bom nome e o crédito»[21].

Identicamente, Nuno Miguel Alonso Paixão nega a possibilidade de as pessoas coletivas sofrerem danos insuscetíveis de avaliação pecuniária, danos não patrimoniais, tal como hoje são entendidos: «a essência do dano não patrimonial, como é largamente entendido, não reside em aspetos exteriores, mas numa dimensão interior única e privativa dos seres humanos. Neste sentido, deverá considerar-se que este tipo de danos é indissociável da personalidade singular (cfr. 160.º, 2 CC) e, como tal, incompatível com a personalidade coletiva (cfr. art. 12.º, 2 CRP)»[22]. No entanto, o Autor pronuncia-se no sentido de uma reformulação do atual paradigma de entendimento dos danos não patrimoniais de modo a poderem abranger danos na capacidade de prossecução dos fins da pessoa coletiva, não traduzíveis em dinheiro[23]. Todavia, afasta da suscetibilidade de sofrerem danos não patrimoniais as pessoas coletivas públicas que atuem em ambiente de monopólio, pelo que também a possibilidade de dano moral do município estaria afastada[24].

Regressando aos factos do caso, os únicos que poderiam confundir-se com danos são os dos n.ºs 25, 25-A e 26. Releiam-se:
«25. O Réu sabia e sabe que os escritos referidos em 2) a 13) criavam na população dúvidas acerca da regularidade dos procedimentos do Autor no que diz respeito à gestão urbanística e minavam a sua confiança no tratamento imparcial das pretensões dos cidadãos, o que representou e quis.
25-A. Ao expressar-se como fez o Réu criou no Presidente e executivo do Autor e nos seus funcionários constrangimento pelos comentários do público, o que representou e quis.
26. Com os escritos identificados em 2) a 13) os serviços do Autor saíram afetados na sua credibilidade, o que o Réu representou e quis.»
Os factos 25 e 26 reportam-se ao ato lesivo do bom nome e reputação, mas não concretizam qualquer dano. Como expusemos acima, direito atingido pelo ato (in casu, direito ao bom nome) e dano decorrente da lesão desse direito são coisas distintas; e ambos têm de ser provados pelo lesado na medida em que não há indemnizações punitivas na responsabilidade civil extracontratual, face ao direito português vigente. Como também vimos, tão-pouco a lesão do direito de crédito do Autor poderia concretizar um dano não patrimonial, pois o município não sente dor, não se angustia, não sofre de ansiedade.
Poderia talvez o Município Autor ter alegado e provado danos patrimoniais indiretos, por exemplo, que por causa da conduta do Autor tinha perdido população, investimentos privados, parcelas de orçamento público, o que por sua vez tinha afetado a sua capacidade de prossecução dos seus fins. Também não o fez.
O facto 25-A refere-se a danos (de relevância jurídica discutível - «constrangimentos») causados a terceiros, não ao Município Autor.
Concluímos, portanto, que a conduta do Réu não causou danos ao Autor, pelo que se impõe a revogação da sentença que condenou o primeiro a pagar quantia indemnizatória ao último.


IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente procedente, revogando a sentença recorrida e absolvendo o Réu, ora Recorrente, do pedido.
Custas pelo Recorrido.

Guimarães, 16/02/2017

Relatora: Higina Castelo

1.º Adjunto: João Peres Coelho

2.ª Adjunta: Isabel Silva


[*] Escrevemos todo o texto, incluindo citações de obras escritas à luz do Acordo Ortográfico de 1945, em conformidade com a grafia vigente, do Acordo Ortográfico de 1990. Usamos abreviaturas correntes em textos jurídicos, como CC para Código Civil, CPC para Código de Processo Civil, CRP para Constituição da República Portuguesa, ROA para Revista da Ordem dos Advogados, RMP para Revista do Ministério Público, CEDH para Convenção Europeia de Direitos do Homem, TEDH para Tribunal Europeu de Direitos do Homem, STJ para Supremo Tribunal de Justiça.
[1] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, 9.ª ed., pp. 509-560; Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, Direito das obrigações, I, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, pp. 289-351; João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, I, 7.ª ed., pp. 517-615.
[2] Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, 1995, pp. 52-57, sendo o trecho da p. 55.
[3] J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, p. 571.

[4] V. conceitos de direito subjetivo – por exemplo, em Ana Prata, Dicionário Jurídico, I, 5.ª ed., Almedina, 2008 («poder conferido pela ordem jurídica a um sujeito para tutela de um seu interesse juridicamente relevante, isto é, merecedor da tutela do direito»), ou em Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, t. I, 3.ª ed., Almedina, (reimp.) 2007, p. 332 («permissão normativa específica de aproveitamento de um bem»), direito absoluto – Ana Prata, ob. cit., Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 306-7 (ainda que referindo-se ao patamar mais elevado das situações jurídicas) – e direitos fundamentais – José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais…, cit., maxime pp. 19-49, 79-80. Sobre as características do direito subjetivo fundamental, v. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais…, cit., pp. 111 e ss.
[5] Este aspeto é notado por vários Autores. V., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, cit., pp. 330-1;Filipe Miguel Cruz de Albuquerque Matos, Responsabilidade civil por ofensa ao crédito ou ao bom nome, Almedina, 2011, pp. 363-79 (tese de doutoramento); Nuno Miguel Alonso Paixão, Danos Não Patrimoniais em Pessoas Coletivas, 2012, disponível no Repositório da Universidade do Porto, https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/75739/2/12212.pdf, pp. 68-9 (tese de mestrado).
[6] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed. (9.ª reimp.), Almedina, 2013, p. 422.
[7] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, cit., pp. 330-1; Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., pp. 422-3 (não se referindo em qualquer dos locais o direito ao bom nome de pessoas coletivas públicas).
[8] Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, II, 5.ª ed., Almedina, 2013, p. 919.
[9] Jorge Bacelar Gouveia, cit., p. 918.
[10] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 211.
[11] José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 5.ª ed., Almedina, 2012, p. 124.
[12] Nuno Miguel Alonso Paixão, Danos Não Patrimoniais em Pessoas Coletivas, cit., p. 86: «Quanto à aplicabilidade de direitos fundamentais a pessoas coletivas públicas não vemos motivos para não considerar que associações públicas, universidades públicas, institutos públicos ou empresas públicas sejam titulares de direitos fundamentais. (…)somos da opinião que as universidades públicas, assim como as associações públicas, atentas as específicas finalidades sociais que prosseguem a natureza híbrida do seu estatuto, devem poder não só ser titulares de direitos fundamentais pessoais, como de os opor a particulares. Esta nossa preocupação centra-se essencialmente num bem jurídico pessoal previsto no art. 26.º, 1 CRP – o bom nome. Com efeito, não encontramos justificação para impedir que estas pessoas coletivas, caso assistam a uma ofensa ao seu prestígio e credibilidade social não possam reagir contra o agressor. Poder-se-á contra-argumentar dizendo que elas são sujeitos passivos de um crime específico que tutela o seu bom nome, nos termos do art. 187.º CP. Todavia, a tutela penal, assim a entendemos, não deve ser encarada nem como a primeira, nem a única via de proteção de bens juridicamente relevantes».
[13] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 4.ª ed., Almedina, 2015, p. 450.
[14] Neste sentido, Artur Rodrigues da Costa, «A liberdade de imprensa e as limitações decorrentes da sua função», RMP, a. 10 (jan.-mar. 1989), n.º 37, pp. 7-31 (pp. 12-13); Ricardo Leite Pinto, «Liberdade de imprensa e vida privada», ROA, ano 54, n.º 1 (Abril 1994), pp. 27-147 (pp. 143 e 128-9); Nuno e Sousa, A liberdade de imprensa, Coimbra, 1984, pp. 290-5.
[15] Tânia Alexandra Arrais Pacheco Lopes, «A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa», RMP, a. 33 (jan.-mar. 2012), n.º 129, pp. 169-230, manifesta-se no sentido de a jurisprudência portuguesa, reconhecendo embora a igual hierarquia constitucional da liberdade de imprensa e do direito ao bom nome, tender a dar prevalência ao último (pp.206-9). A Autora contrapõe jurisprudência do TEDH, mais aberta à liberdade de imprensa (pp. 209 e ss.).
[16] Sobre estes aspetos, é interessante a leitura de Artur Rodrigues da Costa, «A liberdade de imprensa e as limitações decorrentes da sua função», cit.,pp. 25-31.
[17] Elsa Vaz de Sequeira, «Colisão de direitos», Cadernos de Direito Privado, n.º 52, out.-dez. 2015, pp. 20-34 (24-5).
[18] Elsa Vaz de Sequeira, cit., pp. 27-8: «está-se em crer que os direitos de personalidade, pela sua própria natureza, não colidem. Basta pensar, por um lado, que a exercitação do respetivo direito se traduz no gozo exclusivo do bem de personalidade e, por outro lado, que esse bem não pode pertencer a mais de uma pessoa, para se compreender facilmente a impossibilidade jurídico-factual de o exercício de um direito da espécie em apreço se encontrar com o exercício de outro direito, impedindo a sua atuação. Com efeito, se apenas o titular pode usufruir o seu bem de personalidade, então nunca outro indivíduo terá legitimidade para igualmente o usar. Aliás, de acordo com o preceituado no art. 70.º do Código Civil, regra geral. Qualquer interferência no desempenho de um direito de personalidade, por parte de um terceiro, é tida por ilícita.
Nem sempre é fácil perceber onde começa um direito e termina outro. Especialmente, quando os referidos direito têm a pretensão de abarcar no seu seio, a par de todas as variantes imagináveis do seu objeto, a totalidade das possíveis manifestações do seu conteúdo, como acontece justamente com os direitos de personalidade. (…) À primeira vista tudo leva a crer que, efetivamente, na situação em análise existem dois direitos, cujo exercício simultâneo se mostra impossível. Mas isso só estaria correto se cada uma das disposições pudesse ser interpretada isoladamente, o que, como é sabido, não é de todo defensável. A inserção de cada norma num sistema tem como postulado que o seu sentido útil provém, não apenas do seu teor intrínseco, mas também do preceituado pelas demais normas que compõem esse ordenamento. Semelhante interpretação sistemática revela que, em rigor, na hipótese base, uma norma restringe a outra, de molde a vigorar unicamente um direito.
Isto significa, portanto, que o problema jurídico suscitado pelas situações em consideração se reconduz a um típico conflito de normas ou princípios».
[19] António Pinto Monteiro, «A indemnização por danos não patrimoniais em debate: Também na responsabilidade contratual? Também a favor das pessoas jurídicas?», Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro, n.º 46 (1º semestre 2014), pp. 13-33 (p. 30).
[20] António Pinto Monteiro, «A indemnização por danos não patrimoniais em debate…», cit., p. 28.
[21] Filipe Miguel Cruz de Albuquerque Matos,Responsabilidade civil…, cit., pp. 379-380.
[22] Nuno Miguel Alonso Paixão, Danos Não Patrimoniais em Pessoas Coletivas, cit., p. 129.
[23] Ob. cit., pp. 129-33.
[24] Ob. cit., pp. 141-2.