Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1300/20.9T8VNF-F.G1
Relator: JOSÉ CARLOS DUARTE
Descritores: CIRE
NOTIFICAÇÃO PARA A TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
PROPORCIONALIDADE DA MULTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade do Relator - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. À notificação para comparência em tentativa de conciliação designada nos termos do art.º 136º n.º 1 do CIRE, aplica-se o disposto no art.º 247º n.º 2 do CPC e segue o regime do n.º 1 do art.º 249º do CPC.
II. A presunção estabelecida no n.º 1 do art.º 249º do CPC é ilidível, mediante a prova, a efectuar pelo destinatário da notificação, de que aquela não foi efectuada ou ocorreu em data posterior á presumida, por razões que não lhe são imputáveis.
III. O facto de constar da pesquisa de objectos dos CTT que as cartas de notificação foram entregues em local diferente da residência dos recorrentes e a pessoa diferente, não é suficiente, por si só, na falta de outra prova, para ilidir aquela presunção.
IV. Os recorrentes, impugnantes de vários créditos, têm uma posição processual independente de outros impugnantes; e nessa medida as questões que se suscitem quanto à impugnação por si deduzida, só por si (ou por mandatário munido de poderes especiais) podem ser decididas.
V. Não padece de excesso a multa de 2 UC’s, aplicada a cada um dos recorrentes, por não terem comparecido injustificadamente à tentativa de conciliação, tendo em consideração que a sua ausência inviabilizou a sua realização no que respeita á impugnação dos créditos reconhecidos que apresentaram.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório
Nos autos de reclamação de créditos, apensa ao processo de insolvência em que é insolvente a herança aberta por óbito de A. F., apresentada a lista de credores reconhecidos, os credores reconhecidos M. C. e M. F. e R. G. (estes dois últimos titulares do mesmo crédito) apresentaram impugnação aos créditos reconhecidos ao Banco …, Banco …, S.A. e X Imobiliária, Lda..
*
A 24/05/2021 foi sugerido o dia 14/06/2021 para tentativa de conciliação nos termos do art.º 136º n.º 1 do CIRE, tendo sido ordenada a notificação dos mesmos para comparecer.
*
Por despacho de 01/06/2021 foi alterada a data para o dia 28/06/2021.
*
A 02/06/2021 a secretaria elaborou as cartas de notificação dos credores reclamantes acima identificados, que no PE têm as referências 173631001 e 173631004, constando como morada dos mesmos Avenida … e o seguinte texto:
Fica notificado/a, relativamente ao processo supra identificado, do despacho proferido de que se junta cópia e de que se encontra designado o dia 28/06/2021, ás 10H00, para a tentativa de conciliação.
Deverá comparecer pessoalmente ou fazer-se representar por procurador com podres especiais, sob pena de multa faltando e não justificando a falta no prazo legal.

E no final consta ainda:
“Contacte previamente o tribunal:
(…)
- seja maior de 70 anos..
(…)”.
*
No dia 28/06/2021 realizou-se a Tentativa de Conciliação, constando da respectiva acta:
“Presentes:
(…)
Não presentes:
Mandatário dos credores M. F. e R. G.: Dr. A. P..
Credor: M. F., devidamente notificado;
Credor: R. G..
Declarada aberta a audiência (…) pelos Ilustres mandatários presentes foi pedida a palavra e sendo-lhe concedida disseram que se encontra em vias de chegar a acordo, pelo que nos termos do art.º 272º n.º 2 do CPC requereram a suspensão da instância pelo período de 30 dias.
De seguida o Mmº Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Atento o alegado pelas partes, defiro o requerido e, em consequência, suspendo a instância pelo período de 30 dias, nos termos do art.º 272º, n.º 1 do Código de processo Civil.
Uma vez que os credores M. F. e R. G. se encontram devidamente notificados, e não comunicaram a sua ausência vai cada um deles condenado na multa de 2 UC’s, caso não justifiquem a sua ausência dentro [d]o prazo legal.
Notifique.”
*
Na mesma data e no PE estão juntos, sob a designação “Folha”, duas impressões da pesquisa de objectos dos CTT com as referências 174119250 e 174119272, sendo a primeira relativa à carta de notificação da credora R. G. e a segunda relativa á carta de notificação do credor M. e onde consta que ambas as cartas foram entregues no dia 04 de Junho, no Centro de Entrega … - Braga e o receptor “F. F.”.
*
Os credores reclamantes M. e R. G. foram notificados da aplicação da multa por cartas de 01/07/2021.
*
Efectuada a pesquisa de objectos no sitio dos CTT pelo aqui Relator, relativamente às citadas cartas de notificação da aplicação da multa, verifica-se que as mesmas foram entregues no dia 06 de Julho, no Centro de Entrega … - Braga e o receptor é “F. F.”.
*
A 06/07/2021 vieram os referidos credores M. e R. G. dizer:
“a) declarar que não foram notificados para estarem presentes na tentativa de conciliação marcada, e realizada, no dia 28 de junho de 2021;
b) declarar que não tiveram conhecimento de que estavam convocados para referida diligência;
c) declarar que são maiores de 70 anos (cfr., documentos que ora se juntam sob os números 1 e 2), pelo que estão convencidos que não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal nos termos do disposto no artigo 6.º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março;
d) requerer, considerando o exposto, que a falta seja considerada justificada; e
e) requerer, caso seja marcada nova tentativa de conciliação, que o acompanhamento da diligência se realize através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio.”
*
A 08/07/2021 foi proferido o seguinte despacho:
Refª 11703835: vêm os credores M. F. e R. G. declarar que não foram notificados para estarem presentes na tentativa de conciliação marcada, e realizada, no dia 28 de junho de 2021 e que não tiveram conhecimento de que estavam convocados para referida diligência.
Mais afirmam que são maiores de 70 anos, pelo que estão convencidos que não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal nos termos do disposto no artigo 6.º-E, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Requerem que a falta seja considerada justificada.
*
Cumpre apreciar e decidir.
Resulta claro da análise do processo que os credores M. F. e R. G. foram notificados para comparência na Tentativa de Conciliação realizada a 28/6/2021.
As respectivas cartas de notificação foram enviadas a 2/6/2021 – cfr. refªs 173631001 e 173631004.
As cartas foram enviadas e foram recebidas, conforme se constata pela informação dos CTT – refªs 174119250 e 174119272.
Conclui-se, portanto, que os credores faltam à verdade quanto afirmam que não foram notificados para estarem presentes na tentativa de conciliação.
Finalmente, o facto de serem maiores de 70 anos não isenta os credores em causa de se fazerem representar na referida diligência por mandatário com poderes especiais para transigir, conforme determina o art. 594º, nº 2 do Código de Processo Civil ex vi art. 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Pelo exposto, improcede manifestamente a pretensão dos credores.
Termos em que indefiro a pretensão dos credores M. F. e R. G., mantendo-se a multa aplicada.
Notifique.”
*
O Ilustre mandatário dos referidos credores foi notificado a 19/07/2021.
*
A 21/07/2021 vieram os referidos M. F. e R. G. interpor recurso da decisão que os condenou em multa por falta de comparência à tentativa de conciliação que teve lugar no presente processo no dia de 28 de junho de 2021, pedindo seja mesma anulada ou, subsidiariamente, seja mesma revogada, substituindo-se por outra que não aplique multa aos recorrentes ou aplique multa de valor igual a 0,5UCs, formulando as seguintes conclusões:
I. Decorre dos atos com as referências eletrónicas 174119250 e 174119272 que as notificações destinadas a chamar os recorrentes para a prática de um ato pessoal (vg., a comparência na tentativa de conciliação marcada para o dia 28 de junho de 2021) não foram recebidas pelos recorrentes, mas antes por outrem, de nome F. F..
II. Dos mesmos atos depreende-se que a remessa das notificações não se mostra realizada para o domicílio ou residência ou local de trabalho dos recorrentes, mas para outro lugar (in casu, o Centro de Entrega .. – Braga), onde foram recebidas por aquela F. F..
III. Extrai-se do exposto que:
a) os recorrentes não receberam as notificações;
b) as notificações foram feitas na pessoa de terceiro, de nome F. F., ou recebidas por terceiro;
c) as notificações foram na pessoa de F. F., ou por esta recebidas, no Centro de Entrega .. – Braga;
d) o lugar onde foram entregues as notificações, o Centro de Entrega .. – Braga, não corresponde, notoriamente, ao domicílio, residência ou local de trabalho dos Recorrentes, donde se conclui que as notificações dirigidas a estes não foram feitas (por tal não resultar diretamente dos factos, nem deles ser possível presumir tal facto – cfr., artigos 250.º, 228.º e 230.º, ou 247.º, n.º 2 e 249.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC), não tendo lhes tendo sido possível, por isso, tomar conhecimento dos atos, por facto que não lhes é imputável.
IV. A omissão destas notificações, que a lei prescreve (cfr., artigos 594.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), produz nulidade (cfr., artigo 201.º, n.º 1, idem) e determina a anulação dos atos subsequentes praticados na sua dependência, nomeadamente, a decisão ora impugnada (cfr., idem, n.º 2), que teve por pressuposto precisamente a notificação do ato aos Recorrentes.
V. As notificações para comparência em ato processual não foram feitas com a observância das formalidades devidas, essencialmente na medida em que 1) os atos não chegaram a ser remetidos para o lugar da residência, domicílio ou trabalho dos aqui Recorrentes e 2) foram efetuados na pessoa de F. F. fora do lugar do domicílio, da residência ou do trabalho dos Recorrentes (cfr., artigos 250.º, 228.º e 230.º, ou 247.º, n.º 2 e 249.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC).
VI. A omissão destas formalidades produz a nulidade daqueles atos e a anulação de todos os atos subsequentes que deles dependam, nomeadamente a decisão ora impugnada.
VII. A fixação da multa em 2 UCs pressupõe uma infração com reflexos particularmente graves na regular tramitação do processo e/ou na correta decisão da causa (cfr., artigo 27.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais), posto que a medida da multa fixada se encontra já bem longe do seu mínimo legal (cfr., artigo 27.º, n.º 1, idem).
VIII. Embora seja desconhecido se o tribunal a quo sopesou, na graduação da multa, o impacto que a violação teve na regular tramitação do processo e/ou na correta decisão da causa, o certo é que com segurança se pode afirmar que a falta dos recorrentes ao ato processual não teve qualquer reflexo na regular tramitação do processo ou na correta, e ainda inexistente, decisão da causa, já que, no próprio ato ao qual não compareceram os recorrentes, a instância foi, por determinação do juiz, suspensa por 30 dias a pedido das partes presentes – cfr., ato com a referência eletrónica ato com a referência eletrónica 174054225.
IX. Não tendo a falta dos recorrentes ao ato processual produzido qualquer reflexo negativo na regular tramitação do processo e tendo a instância sido suspensa mal iniciado o ato processual ao qual faltaram os recorrentes, evidente é que, por força do princípio da proporcionalidade e o disposto no n.º 4 do artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais, a aplicação de uma multa não se justifica ou, caso assim não se entenda, não é justificável uma multa superior a 0,5 UCs.
X. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o princípio da proporcionalidade e o disposto no artigo 27.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais.
*
O tribunal recorrido não admitiu o recurso.
*
Tendo sido apresentada Reclamação nos termos do art.º 643º do CPC, foi a mesma julgada procedente, admitido o recurso e ordenada a subida dos presentes autos a esta Relação.
*
2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

Tendo em consideração as conclusões dos recorrentes, as questões que importa decidir são:
- os recorrentes foram regularmente notificados da designação da Tentativa de Conciliação para o dia 28/06/2021;
- a multa é proporcional face á violação ocorrida.
*
3. Fundamentação de facto

Os factos a considerar são os que constam do Relatório supra e que traduz o consta dos autos.
*
4. Direito

- Da notificação para comparência pessoal –

O art.º 136º n.º 1 do CIRE dispõe que junto o parecer da comissão de credores ou decorrido o prazo previsto no artigo anterior sem que tal junção se verifique, o juiz declara verificados com valor de sentença os créditos incluídos na respetiva lista e não impugnados, salvo o caso de erro manifesto, e pode designar dia e hora para uma tentativa de conciliação a realizar dentro dos 10 dias seguintes, para a qual são notificados, a fim de comparecerem pessoalmente ou de se fazerem representar por procuradores com poderes especiais para transigir, todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de credores e o administrador da insolvência.
A referida tentativa de conciliação tem em vista alcançar um acordo entre o credor que viu o seu crédito reconhecido e o impugnante desse crédito evitando assim, se possível, a eventual realização de um julgamento ou, não havendo necessidade de julgamento, a prolação de uma decisão judicial.
Em geral e como refere Joana Campos Carvalho in A função da conciliação do juiz nos conflitos civis e comerciais, pág. 2, consultável in Acção de Formação do Centro de Estudos Judiciários sobre A mediação e a conciliação nos conflitos civis e comerciais, consultável in https://elearning.cej.mj.pt/course/view.php?id=428, “a conciliação judicial (…) [é] um procedimento em que é devolvida às partes a responsabilidade para que encontrem a melhor solução para o seu caso. (…)
A conciliação judicial, se levada a cabo de forma eficaz, pode contribuir para a melhoria da qualidade do sistema judicial, pois permite uma segunda via de solução para o conflito, alternativa à sentença: o acordo.
*
Relativamente ao modo de realizar a notificação a que se refere a norma, o CIRE não contem qualquer disposição especial.
Assim e nos termos do disposto no art.º 17º do CIRE é aplicável o disposto no Código de Processo Civil.
O art.º 219º n.º 2 do CPC dispõe que a notificação serve para chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto.
O art.º 220º n.º 1 do CPC consagra a regra da oficiosidade da notificação dispondo que a notificação relativa a processo pendente deve considerar-se consequência necessária do despacho que designa dia para qualquer acto em que devam comparecer determinadas pessoas.

O art.º 247º n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 97/19, de 26 de Julho, dispõe (sublinhado nosso):
2 - Quando a notificação se destine a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também notificada a parte, pela via prevista no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou pela expedição pelo correio de um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência.
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3ª edição, pág. 482 e Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 301, um dos casos a que este normativo tem aplicação, é à designação de data para tentativa de conciliação, prevista no art.º 594º do CPC, determinando o n.º 2 deste normativo que as partes são notificadas para comparecer pessoalmente ou se fazerem representar por mandatário judicial com poderes especiais…
Destarte, dada a similitude de situações e na falta de disposição especial, temos por aplicável à notificação a que se refere o art.º 136º n.º 1 do CIRE, o disposto no art.º 247º n.º 2 do CPC.
Para os autos não releva a possibilidade de notificação nos termos do art.º 219º n.º 5 do CPC e que se refere às citações e notificações electrónicas de pessoas colectivas.
Tratando-se de pessoas singulares, a notificação de uma parte para comparecer numa tentativa de conciliação é efectuada mediante a expedição pelo correio de um aviso registado à própria parte, indicando a data, o local e o fim da comparência.
Estamos, assim perante uma das modalidades de notificação postal (a este respeito cfr. Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I, Almedina, 1998, pág. 140 que embora referido ao regime vigente à data, é aplicável em face do direito actual, que, neste domínio, poucas diferenças tem daquele).
O facto de a norma se referir à expedição de aviso, em vez de notificação, visa vincar a complementaridade da notificação dirigida à parte; mas a mesma não deixa, por isso, de ser essencial, com sujeição à regra geral das notificações – cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3ª edição, pág. 483.
Quanto ao regime aplicável à notificação em referência, é aplicável o disposto no art.º 249º, com as devidas adaptações, resultando do disposto no n.º 1 que o aviso a que se refere o n.º 2 do art.º 247º é dirigido para a residência da parte ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de receber notificações, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
A presunção em causa é ilidível, mediante a prova, a efectuar pelo destinatário da notificação, de que aquela não foi efectuada ou ocorreu em data posterior á presumida, por razões que não lhe são imputáveis.
E o n.º 2 dispõe que a notificação efetuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.
Feito este excurso importa deixar claro que à notificação do credor para comparecer na tentativa de conciliação a que alude o art.º 136º n.º 1 do CPC, não tem aplicação o disposto no art.º 250º do CPC, o qual tem em vista notificações a que se aplicam as regras relativas à realização da citação pessoal, o que não é, manifestamente, o caso da notificação em referência.
*
- Da situação dos autos -

Alegam os recorrentes que não receberam as cartas de notificação destinadas a chamá-los para comparecer na tentativa de conciliação marcada para o dia 28 de junho de 2021, atendendo ao que consta da impressão da pesquisa de objectos.
Resulta da factualidade constante do Relatório supra que a 02/06/2021 a secretaria elaborou as cartas de notificação dos recorrentes, que no PE têm as referências 173631001 e 173631004 (e não como referem, as referências 174119250 e 174119272, já que estas dizem respeito ás folhas em que estão as impressões da pesquisa de objectos dos CTT relativamente às sobreditas cartas de notificação).
Desde logo impõem-se duas observações: a primeira é que as referidas cartas foram dirigidas/endereçadas para a morada dos recorrentes que consta dos autos (ao contrário do que alegam).
A segunda é que as referidas cartas nunca foram devolvidas aos autos.
Atendendo ao que consta da pesquisa de objectos, quem terá recebido as cartas (não apenas uma, mas as duas…) de notificação, foi uma pessoa que não é nenhum dos recorrentes.
Porém, esse facto, só por si, não significa que as cartas em causa não chegaram ao poder dos mesmos, já que, como resulta das regras de experiência comum (e, aliás, é prevenido na lei para a citação – cfr. art.º 228º n.º 2 do CPC) a carta pode ser entregue a terceiro que não o seu destinatário (sendo normal sejam entregues a pessoa relacionada com o destinatário).
Neste contexto, não deixa de ser curioso que efectuada pelo aqui Relator, a pesquisa de objectos no sitio dos CTT, também se verifica que as cartas de notificação aos aqui recorrentes da aplicação das multas, datadas de 01/07/2021, foram entregues no Centro de Entrega .. - Braga e o receptor é “F. F.”.
É também certo que na pesquisa de objectos consta que as cartas foram entregues no Centro de entrega .. – Braga.
Porém, também esse facto, por si só, não significa que as cartas em causa não chegaram ao poder dos aqui recorrentes, pois: a) desconhece-se qual o exato significado do Centro de Entrega ..; b) nada impede que uma carta registada seja entregue a um terceiro.
Para além das referidas impressões da pesquisa de objectos, que, por si e em face do que fica dito, em nada obstam à presunção de recebimento das cartas de notificação para comparecer na tentativa de conciliação de 28/06, os recorrentes não produziram qualquer prova que permitisse ilidir tal presunção. E era aos recorrentes que cabia essa ilisão.
Além disso e em face de tudo o que fica exposto, é destituída de qualquer fundamento a alegação dos recorrentes de que a entrega ao destinatário e no local da sua residência constituem formalidades essenciais da notificação a que alude o art.º 247º n.º 2 do CPC, já que tal não se encontra previsto em parte alguma da lei.
Em face do exposto, impõe-se considerar que os recorrentes foram notificados para comparecer na tentativa de conciliação designada para o dia 28/06, ficando assim prejudicado tudo o que consta das conclusões IV a VI.
*
- Da proporcionalidade da multa –

Relativamente a esta questão, dispõe o art.º 27º n.º 1 do RCP que sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.
E o n.º 2 dispõe que nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC.
Finalmente, o n.º 4 dispõe que o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
Importa ainda ter em consideração o principio da proporcionalidade, que, pese embora apareça positivado na CRPortuguesa de forma assistemática, tem, enquanto instrumento de combate ao arbítrio dos poderes do Estado e sobretudo dos atos e omissões que se possam revelar agressivos para os direitos dos indivíduos, uma vocação global (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, in CRP Anotada, I, 2ª edição, 2017, pág. 274), ou seja, constitui um principio geral, independentemente da sua concreta positivação.
Tal princípio, na vertente de proibição de excesso, analisa-se em três sub-princípios relativamente autónomos: adequação; necessidade; e proporcionalidade em sentido estrito.
No caso releva o último que prescreve “uma exigência de racionalidade e justa medida, no sentido de que o órgão competente proceda a uma correcta avaliação da providência adoptada em termos qualitativos e quantitativos e, bem assim, para que esta não fique aquém ou além do que importa para se obter o resultado devido “ (aut. e ob. cit. pág. 274)
*
- Da situação dos autos –

Pela não comparência dos recorrentes na tentativa de conciliação o tribunal recorrido aplicou a cada um dos recorrentes a multa de 2 Uc’s
Consideram os recorrentes que a multa é desproporcional já que sua ausência não teve qualquer reflexo na regular tramitação do processo ou na correta, e ainda inexistente, decisão da causa, já que, no próprio ato ao qual não compareceram os recorrentes, a instância foi, por determinação do juiz, suspensa por 30 dias a pedido das partes presentes.
Resulta da factualidade supra referida que a tentativa de conciliação terminou por um pedido de suspensão da instância por 30 dias por parte dos mandatários presentes, alegando encontrarem-se em vias de chegar a acordo (que os autos revelam não ter sido atingido, tendo o processo seguido para julgamento), pedido aquele que foi deferido.
Mas é irrelevante que as restantes partes tenham solicitado a suspensão da instância e a mesma tenha sido deferida.
Os aqui recorrentes, enquanto impugnantes, são detentores de uma posição processual independente de outros impugnantes; e nessa medida as questões que se suscitarem quanto à impugnação por si deduzida, só por si (ou por mandatário munido de poderes especiais) podem ser decididas.
Inclusive, os impugnantes têm, entre si, uma posição independente, já que nada impede um de reconhecer créditos e outro não.
Por isso foram ambos chamados pelo tribunal.
E para dizer das suas razões, ouvir as razões da contraparte e ouvir o que se oferecesse ao tribunal dizer, tendo em vista a conciliação.
Os recorrentes foram chamados a fazer parte da solução do litigio, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do mesmo, alcançada através da sua participação e poder de decisão, com as vantagens daí emergentes.
E nesta medida e á luz do disposto no art.º 7º n.º s 1 e 3 do CPC e sob pena de multa, aplicável nos termos do art.º 417º do CPC, estavam obrigados a comparecer, ainda que, naturalmente, não estivessem obrigados, no final, depois de expressarem as suas razões, de ouvirem as razões da contraparte e o que se oferecesse ao tribunal dizer, a conciliar-se.
Os recorrentes não compareceram, de forma injustificada, tornando assim inviável qualquer possibilidade de conciliação, no que diz respeito á sua impugnação.
Assim sendo, a sua ausência teve influência na regular realização da tentativa de conciliação ordenada pelo tribunal, ao abrigo da lei (art.º 136º n.º 1 do CIRE), no que diz respeito á impugnação que ofereceram, ou seja, inviabilizou a tentativa de conciliação.
Neste contexto, a pretendida alteração da medida da multa para 0,5 UC não tem qualquer consistência (sendo que, face ao exposto, nem sequer teria em consideração as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, no caso, da tentativa de conciliação).
Nada vindo invocado quanto à situação económica dos recorrentes e quanto à repercussão da multa no respectivo património e tendo a multa sido fixada em 2 UC’s, ou seja, em montante inferior a metade do máximo aplicável, que é de 5 UC’s, a mesma adequa-se á situação descrita, sem que haja desproporção no sentido de excesso.
Pelo exposto, impõe-se julgar a apelação improcedente e manter a decisão recorrida.
*
5. Decisão

Termos em que se julga improcedente a apelação e em consequência mantêm-se a decisão recorrida
*
Custas pelos recorrentes – art.º 527º n.º 1 do CPC.
*
Notifique- se
*
Guimarães, 03/03/2022

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relator - José Carlos Pereira Duarte;
1.º Adjunto - José Fernando Cardoso Amaral;
2.º Adjunto - Eduardo José Oliveira Azevedo.