Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
70/16.0GBBCLG1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
DECLARAÇÕES DA OFENDIDA
VALORAÇÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:

Num sistema processual penal em que vigora o princípio da livre apreciação da prova, nada impede o Tribunal de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto exclusivamente nas declarações da assistente, opostas às do arguido, desde que tal se encontre clara e devidamente justificado na motivação, com a exteriorização das razões pelas quais aquelas lhe mereceram maior credibilidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção Penal)

Relatora: Fátima Furtado;
Adjunta: Laura Maurício.

I. RELATÓRIO

No processo comum singular nº 70/16.0GBBCL, do juízo local criminal de Barcelos, juiz 1, da comarca de Braga, em que L. L. e R. C., com os demais sinais dos autos, têm, simultaneamente, ambos a qualidade de arguidos e assistentes, na sessão da audiência do dia 9 de janeiro de 2017, foi proferido o seguinte despacho:

«Das declarações prestadas pela assistente, resulta indiciado que no dia 24 de Janeiro de 2016, mencionado na acusação pública, o arguido além de atingi-la com duas bofetadas, pegou num copo de vidro e munido desse copo atingiu-a na face, sem que, em algum momento, tenha atirado esse copo na sua direcção, como se alega na acusação pública.

Por este facto não configurar alteração substancial dos factos descritos na acusação pública, determina-se seja dado cumprimento ao disposto no artigo 358.º, nº1 do C.P.Penal.

Notifique.»

*

Inconformado, o arguido/assistente L. L. interpôs recurso deste despacho intercalar de 09.012017, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:

1. «Vem o arguido recorrer do despacho proferido na audiência de julgamento de 09 de Janeiro de 2017, quanto ao alegado modo de execução do crime de que está acusado.

2. No entender do arguido, e contrariamente ao sustentado pelo Meritíssimo Juiz “a quo” tal alteração é substancial.

3. A alteração substancial dos factos vem definida no artigo 1º, alínea f), do Código de Processo Penal como “(…) aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

4. A respeito desta disposição legal, e, muito em particular, do que se possa entender por “crime diverso”, vieram já a jurisprudência e a doutrina enunciar diversos critérios interpretativos da norma.

5. Assim, a alteração de factos que, não se limitando a concretizar ou a esclarecer os constantes primitivamente da acusação ou da pronúncia, modifique o quadro factual descrito na acusação / pronúncia, e que afecte os direitos do arguido, é substancial.

6. Mas, sempre que os factos alterados se traduzam numa variação da configuração dos pressupostos da responsabilidade criminal imputada ao arguido (isto é, ao nível da forma de execução do facto típico, do(s) título(s) de comparticipação, e/ou das circunstâncias determinantes do dolo e da consciência da ilicitude criminal), deverão ser tratados como alterações substanciais de factos, donde o critério fundamental, na distinção entre a alteração substancial de factos e a alteração não substancial de factos, residirá, na maior parte das vezes, na alteração de circunstâncias passíveis de relevarem enquanto elementos do tipo penal.

7. Resumindo, todas as alterações que contendam com a configuração dos elementos essenciais do facto punível não poderão ter o tratamento processual previsto no artigo 358º do Código de Processo Penal, sob pena de a decisão final incorrer na nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

8. Ora, a acusação foi deduzida com base no auto de denúncia e nas declarações do assistente.

9. Não há fundamento para a alteração porque, por um lado, foi disso que a assistente se queixou e, por outro lado, a sua admissão implicaria que o arguido fosse acusado dum facto completamente diferente e do qual não existe qualquer prova ou indicio nos autos.

10. Refira-se a este propósito que nenhuma testemunha assistiu aos factos e que só a assistente e o arguido sobre os mesmos se pronunciaram.

11. Não é admissível que a acusação seja alterada de acordo com a flutuação de declarações da assistente, sendo certo que o arguido se defendeu duma acusação que aparece agora completamente subvertida.

12. Não é credível a versão ora apresentada pela assistente uma vez que contraria tudo o que anteriormente alegara e é alicerçada em afirmações vagas que não concretizam o modo de execução da alegada agressão.

13. A alteração foi promovida depois de ter findado a produção da prova apresentada pelo arguido, coarctando-lhe o exercício integral do seu direito de defesa.

14. A introdução deste novo facto, independentemente de ser verdadeiro ou não, constitui, objectiva e subjectivamente, uma absoluta surpresa para o arguido e a sua defesa.

15. Surpresa objectiva na medida em que estão em causa factos nunca antes mencionados, quer na acusação, quer na pronúncia, razão pela qual o arguido não contava que as mesmas pudessem vir a integrar o objecto do processo.

16. Em face de dúvida insanável quanto à natureza substancial ou não substancial da alteração, o que o arguido entende não ser o caso, deverá o tribunal considerar sempre a alteração como substancial, tendo em conta os princípio da presunção da inocência e do “in dubio pro reo

17. Em qualquer caso, a interpretação que resultasse da conjugação dos artigos 1º, alínea f), 358º e 359º do Código de Processo Penal, no sentido de ser qualificável e admissível como alteração não substancial dos factos a introdução de factos novos, quando estes digam respeito a um elemento típico do crime ou à sua forma de execução, redundaria em norma materialmente inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido, do princípio do acusatório e do princípio do processo justo e equitativo, insito nos artigos 20º, nº 4 e 32º, nºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, o que aqui se deixa expressamente arguido, para todos os efeitos legais.

18. De qualquer modo, a operada alteração é substancial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1º, alínea f) do Código de Processo Penal,

19. Não podendo ser admitida, nem tomada em conta, para efeito da decisão final a proferir nos presentes autos, atento o disposto nos artigos 359º, nº 1 e 379º, nº 1 alínea b) do Código de Processo Penal.

Foram violados:

- os artigos 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa.

- Os artigos 1º, 358º, 359º e 379º, todos do Código de Processo Penal.»

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O recurso do despacho intercalar foi admitido por despacho datado de 26 de abril de 2017, a subir a final, com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa e efeito devolutivo.

Respondeu o Ministério Público, pugnado pela improcedência deste recurso.

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O processo prosseguiu os seus termos, tendo sido terminada a audiência de julgamento e proferida sentença, datada de 10 de maio de 2017 e depositada no mesmo dia, com o seguinte dispositivo:

«a) condenar o arguido L. L. pela prática, como autor material, na forma consumada, de 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, e 152º, nº1, alínea a), nºs2, 4 e 5, todos do Código Penal:

- na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; e

- na pena acessória de, por qualquer forma, e pelo prazo de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, contactar ou aproximar-se da assistente R. C., incluindo, obviamente, a proibição de o arguido se aproximar ou deslocar-se à residência desta ou ao seu local de trabalho, não podendo aproximar-se desses espaços a menos de 300m, bem assim como de lhe telefonar, enviar mensagens ou qualquer outra forma de comunicação.

A proibição de contactos será fiscalizada, como determinado pelo nº5, do artigo 152º, do CP, por meios técnicos de controlo à distância (independentemente do consentimento do arguido, face ao superior interesse da vítima – cfr. artigo 36º, nº7, da Lei nº112/2009, de 16 de Setembro).

b) condenar a arguida R. C. pela prática, como autora material, na forma consumada e continuada, de 1 (um) crime de injúria, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, e 181º, nº1, todos do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de €7,00 (sete euros), perfazendo o montante global de €350,00 (trezentos e cinquenta euros);

c) suspender na sua execução e pelo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, a pena de prisão aplicada ao arguido L. L., nos termos do disposto no artigo 50º, nºs1 e 5, do CP, ficando essa suspensão condicionada ao dever de entregar à assistente/demandante R. C., no mesmo prazo de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, contados do trânsito em julgado da presente decisão, de 3/4 do montante de capital respeitante aos danos não patrimoniais do pedido de indemnização civil por ela formulado, nos termos decididos pelo tribunal (cfr. artigos 50º, nºs1 a 4, e 51º, nº1, alínea a), e nº2, este a contrario, ambos do CP), em 34 (trinta e quatro) prestações mensais, iguais e sucessivas, até ao dia 10 (dez) de cada mês, mediante transferência bancária para conta a indicar pela assistente/demandante, devendo comprovar nos autos tal pagamento;

d) condenar o arguido L. L. no pagamento das custas processuais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida (cfr. artigo 513º, nº1, do Código de Processo Penal, e 8º, nº9, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie;

e) condenar a arguida R. C. no pagamento das custas processuais, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida (cfr. artigo 513º, nº1, do Código de Processo Penal, e 8º, nº9, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie;

f) julgar o pedido de indemnização civil formulado pela assistente/demandante R. C. parcialmente procedente, e, em consequência, condenar o arguido/demandado L. L. no pagamento da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos competentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo de 4% a actualmente aplicável (cfr. Portaria nº291/2003, de 08 de Abril, ex vi artigo 559º, do Código Civil), calculados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, bem como na quantia que vier a liquidar-se em relação à cirurgia de reconstituição facial a que aquela irá submeter-se, a que acrescerão os competentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo de 4% a actualmente aplicável (cfr. Portaria nº291/2003, de 08 de Abril, ex vi artigo 559º, do Código Civil), desde a notificação do arguido/demandado para contestar o pedido de indemnização civil deduzido, e até efectivo e integral pagamento;

g) no mais, absolver o arguido/demandado L. L. do peticionado pela assistente/demandante R. C.;

h) em concretização do decidido em c), o arguido/demandado L. L., no prazo da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, ou seja, no prazo de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, contado do trânsito em julgado da presente decisão, deverá proceder ao pagamento de 3/4 do montante de capital respeitante aos danos não patrimoniais fixados em g), isto é, €3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), em 34 (trinta e quatro) prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de €110,00 (cento e dez euros), cada uma, com excepção da última, no valor de €120,00 (cento e vinte euros), a efectuar até ao dia 10 (dez) de cada mês, mediante transferência bancária para conta a indicar pela assistente/demandante, devendo comprovar nos autos tal pagamento;

i) condenar a assistente/demandante R. C. e o arguido/demandado L. L. no pagamento das custas civis, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 6/8 – para a assistente/demandante – e 2/8 – para o arguido/demandado (cfr. artigo 527º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 523º, este do Código de Processo Penal), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie(m) e sem prejuízo do disposto no artigo 4º, nº1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais;

j) julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante L. L. parcialmente procedente, e, em consequência, condenar a arguida/demandada R. C. no pagamento da quantia de €500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos competentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo de 4% a actualmente aplicável (cfr. Portaria nº291/2003, de 08 de Abril, ex vi artigo 559º, do Código Civil), calculados desde a prolação da presente decisão e até efectivo e integral pagamento;

k) no mais, absolver a arguida/demandada R. C. do peticionado pelo assistente/demandante L. L.;

l) condenar o assistente/demandante L. L. e a arguida/demandada R. C. no pagamento das custas civis, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 6/8 – para o assistente/demandante – e 2/8 – para a arguida/demandada (cfr. artigo 527º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 523º, este do Código de Processo Penal), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie(m) e sem prejuízo do disposto no artigo 4º, nº1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais.

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Notifique:

- sendo a assistente/demandante R. C. para, no prazo de 5 (cinco) dias, identificar a conta para a qual deverão ser efectuadas as transferências bancárias;

- sendo o arguido L. L. advertido de que o incumprimento da pena acessória de proibição de contactos em que foi condenado o fará incorrer na prática de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal.


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Após trânsito em julgado:
- remeta boletim ao registo criminal (cfr. artigos 5º e 6º, nº1, alínea a), da Lei nº37/2015, de 05 de Maio);

- comunique a presente decisão, sem dados nominativos, ao organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género, bem como à Direcção-Geral da Administração Interna, para efeitos de registo e tratamento de dados, nos termos do artigo 37º, nº1, do Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, aprovado pela Lei nº112/2009 de 16 de Setembro, tendo presente a Divulgação nº29/2012, do Conselho Superior da Magistratura e o ofício circular nº32 da DGAJ/DSAJ;

- solicite aos serviços da DGRSP, ao abrigo do preceituado no artigo 152º, nº5, do Código Penal, para diligenciar pela manutenção da fiscalização do cumprimento da pena acessória aplicada ao arguido L. L., fiscalização que, desde já, se determina seja feita independentemente da existência do consentimento do arguido, porque imprescindível para assegurar a protecção da vítima (cfr. artigo 36º, nº7, da Lei nº112/2009, de 16 de Setembro).


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Vai proceder-se ao depósito da sentença (cfr. artigos 372º, nºs4 e 5 e 373º, nº2, ambos do Código de Processo Penal).»

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Inconformado o arguido/assistente L. L. interpôs recurso da sentença, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso versa matéria de facto e matéria de direito.

2. Desde logo, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto uma vez que esta tem de assentar em factos dos quais decorra a prática do crime de que o recorrente vem acusado.

3. Nessa consonância, necessário seria que fossem descritas as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos foram praticados, o que não sucede no caso dos autos.

4. É o que decorre da simples leitura dos pontos 3 a 7 dos factos provados, alicerçados em conclusões e sem alicerce na prova produzida.

5. Daí que o ponto 9 também não pudesse ter sido considerado provado por não ter suporte fáctico na prova produzida.

6. A matéria de facto foi indevidamente julgada.

7. Na ausência de prova, os pontos 3 a 10 e 12 a 17 e 18 (parte) não poderiam ser dado como provados.

8. E os pontos h) e i) dos factos não provados deveriam ter merecido resposta positiva.

9. Em ambos os casos, ponderadas as declarações do recorrente e recorrida, os depoimentos das testemunhas supra transcritos e a prova documental carreada para os autos, sendo que relativamente à prova gravada o recorrente identificou, nos termos legais e com referência à acta, o momento e modo da sua prestação.

10. Verifica-se, de igual modo, erro notório na apreciação de prova, sendo necessário para o efeito analisar a motivação do Meritíssimo Juiz “a quo”.

11. Em primeiro lugar, a afirmação que as lesões podem ser resultantes de fragmentos de copo de vidro arremessado está em contradição com a alteração da matéria de facto e com o que veio a ser dado como provado no ponto 7.

12. Em segundo lugar, o tribunal reputa de essenciais as declarações da recorrida, descurando as queixas crime entretanto apresentadas contra ela por factos similares e não aceitando documentos juntos pelo recorrente em audiência de julgamento.

13. Em terceiro lugar, não aceita o recorrente a avaliação que o tribunal faz do comportamento agressivo da recorrida em tribunal, desvalorizando-o e desculpando-o.

14. Em quarto lugar, contrariamente ao alegado na sentença, a recorrida tentou denegrir a imagem do recorrente.

15. Em quinto lugar, do confronto das declarações da recorrida com o depoimento das testemunhas de acusação ressaltam inúmeras contradições que o tribunal não descortinou.

16. Em sexto lugar, como decorre da impugnação da matéria de facto, as testemunhas de acusação não confirmam a versão da recorrida, depoimentos que se estribam naquilo que aquela lhes transmitiu.

17. Em sétimo lugar, o Meritíssimo Juiz “a quo” desconsiderou completamente os depoimentos das testemunhas de defesa, optando por uma versão em detrimento de outra.

18. Em oitavo lugar, ninguém se referiu, com excepção da recorrida, ao ponto 3 dos factos provados, sendo certo também que como a recorrida admite havia troca de acusações entre ambos.

19. Em nono lugar, não existe prova documental, nem ninguém assistiu a essa alegada agressão.

20. Em décimo lugar, a recorrida tem declarações contraditórias relativamente ao ponto 5 dos factos provados.

21. Em décimo primeiro lugar, ninguém assistiu aos alegados episódios de salgamento do chá, não sendo as declarações da recorrida capazes de as provar.

22. Em décimo segundo lugar, a recorrida não tem declarações coerente e coincidentes quanto às alegadas lesões provocadas pelo copo.

23. Em décimo terceiro lugar, a recorrida refere que tem fotografias das lesões a soco mas nunca as juntou.

24. Em décimo quarto lugar, ouvida a fls, 78 a testemunha M. G. não relatou as injúrias sobre as quais em julgamento se pronunciou. Além de que contradiz as declarações da recorrida quanto aos motivos desta recorrer à assistência hospitalar.

25. Em décimo quinto lugar, a recorrida disse que o recorrente lhe começou a salgar a comida em finais de 2015 quando foi dado como provado que tal sucedeu no decurso de 2015.

26. Por fim, a recorrida referiu ter receio do recorrente quando, como está dado como provado, durante quase sete meses não se preocupou com a implementação das medidas de coacção impostas ao recorrente.

27. O tribunal assentou assim em premissas sem correspondência com a realidade, avaliando os factos de forma completamente transversa àquela que resulta de toda a prova produzida.

28. Mesmo que assim não se entendesse, o que só por mero dever de patrocínio se concede, não tendo sido feita prova suficiente que legítime a condenação do recorrente foi violado o princípio ínsito no artigo 32º do CPP relativo à presunção de inocência do arguido, cabendo à acusação a prova da culpa deste.

29. Este princípio implica que um facto só é verdadeiro quando provado, pressupondo que as provas trazidas ao processo são concludentes, apontando todas de modo concordante no sentido da culpabilidade do arguido.

30. Ora, dos elementos probatórios carreados para os presentes autos resulta que nenhuma prova foi feita da prática pelo recorrente de quaisquer actos preparatórios, instrumentais ou efectivos dos crimes de que vinha acusado, tendo sido menosprezadas as declarações do recorrente e das testemunhas por si arroladas e valorados os depoimentos de testemunhas que não tinham conhecimento directo dos factos e que encerram diversas contradições.

31. Assim sendo, também por esta via, devem considerar-se não provados os pontos de facto mencionados na impugnação da matéria de facto.

32. Sempre sem prescindir, diga-se que a matéria dada como provada impunha decisão diversa, uma vez que é, por um lado, em parte conclusiva e mereceu enquadramento jurídico incorrecto e que, por outro lado porque ocorreu aplicação de pena excessiva ao recorrente, bem como imposição de injunção incomportável para o mesmo.

33. Sempre sem prescindir, a pena aplicada seria elevada e excessiva, considerando os factos que militam a favor e contra o recorrente, anteriormente descritos.

34. A moldura penal do crime em causa oscila entre os dois e os cinco anos de prisão.

35. Atenta a jurisprudência mais actual e avisada, não pode ao recorrente ser aplicada pena para além do mínimo legal, considerando que o recorrente está perfeitamente integrado na sociedade, a sua conduta anterior e posterior aos factos e o grau da sua culpa.

36. É, por isso, possível um juízo de prognose favorável ao recorrente uma vez que ele mantem interesse em adoptar um comportamento adequado ao correcto cumprimento das regras sociais, pelo que a pena deveria situar-se sempre no limite mínimo de moldura penal abstracta.

37. Em caso de condenação, o que não se concede, entende o recorrente que semapre deveria fixar-se (reduzindo-se) a pena em um ano de prisão, na improcedência das anteriores questões e argumentos suscitados. Suspensa de acordo com o determinado na sentença, e pelo valor fixado (3/4 do montante arbitrado no pedido civil) que, como se verá, terá de ser inferior a € 5.000,00.

38. A sentença violou o disposto no nº 1 do artigo 609º do Código de Processo Civil condenando para além daquilo que foi peticionado.

39. A recorrida formulou pedido de indemnização para ressarcimento dos danos morais e já não dos danos patrimoniais, como consta do pedido civil e é reconhecido na sentença.

40. Não obstante, a sentença condenou o recorrente a pagar indemnização por danos patrimoniais, a liquidar em execução de sentença, o que também não foi pedido.

41. Tal condenação, por violadora da lei, comporta, nos termos do artigo 615º do Código de Processo Civil, nulidade da sentença nessa parte.

42. Além disso, a condenação no pagamento de € 5.000,00 a título de danos morais é excessiva.

43. Não existindo critérios para o cálculo deste tipo de indemnização, nem sendo mensurável a dor e o sofrimento, há que recorrer a critérios de equidade.

44. Na ponderação destes e na saga de melhor jurisprudência e doutrina, o montante adequado a reconstituir a situação em que a recorrida estaria antes dos factos é de € 3.500,00.

45. Por fim, entende o recorrente que a pena e seu montante aplicados à recorrida pecam por defeito.

46. A moldura penal do crime pelo qual ela foi condenado varia entre 10 e 120 dias.

47. O grau de ilicitude da recorrida é elevado, não militando a favor dela atenuantes, relevantes pelo que a pena de multa deve ser fixada em 2/3 do seu limite máximo, ou seja, 80 dias.

48. A pena de multa, que varia entre 5,00 e 500,00 €, tem uma função regenerativa mas deve corresponder-lhe um valor que desincentive o infractor de voltar a praticar crime igual ou diferente.

49. O montante fixado na sentença situa-se quase no seu mínimo, devendo por isso ser elevado para 12,50 € diários.

Foram violados:

- Os artigos 1º, 13º, 18º, 25º, 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa.

- Os artigos 118º, 112º, 152º, 277º, 363º e 364º do Código de Processo Penal.

- Os artigos 40º, 47º, 70º, 71º, 72º e 73º todos do Código Penal.

- Os artigos 609º e 615º do Código de Processo Civil

- O artigo 351º do Código Civil.»


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O recurso da sentença interposto pelo arguido/assistente L. L. foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, com o regime e efeito próprios.

O Ministério Público e a arguida/assistente R. C. responderam, ambos pugnando pelo não provimento deste recurso.

Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência quer do recurso intercalar do despacho proferido em 09.01.2017, quer do recurso da sentença.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (1).


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1. - Questões a decidir -

A. - Recurso do despacho intercalar de 09.01.2017, interposto pelo arguido/assistente L. L. –

A questão a decidir circunscreve-se a saber se é, ou não, substancial a alteração dos factos comunicada no final da sessão da audiência do dia 09.01.2017.

B. Recurso interposto da sentença pelo arguido/assistente L. L. –

As questões a decidir neste recurso são as seguintes:

B.1 impugnação da matéria de facto por erro de julgamento e vícios decisórios; violação da presunção de inocência do arguido;

B.2 quantum da pena principal e aplicabilidade da pena acessória;

B.3 medida concreta da pena aplicada à arguida R. C.;

B.4. condenação cível.


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2. Factos Provados
Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida:

«Discutida a causa, com relevo para a decisão a proferir, resultou provada a seguinte matéria de facto:

Da pronúncia/acusação pública

1. No assento de nascimento nº .., do ano de 1972, do Consulado de Portugal em Durban (República da África do Sul), consta averbado que a assistente R. C. casou civilmente com o arguido L. L. no dia 20 de Janeiro de 2012.

2. Desse casamento nasceu uma filha, de nome B. L..

3. Desde altura que, em concreto, não foi possível apurar, mas seguramente em 2014, o arguido L. L. passou a tratar a sua mulher R. C. por “puta”, dizendo-lhe, por diversas vezes, “tu és louca, não estás bem, bebes em excesso”.

4. Em dia que, em concreto, não foi possível determinar, mas situado em Julho de 2014, o arguido atingiu a assistente com um soco no braço, o que lhe causou, pelo menos, dores físicas.

5. Em data que, em concreto, não foi possível determinar, mas seguramente em 2014, o arguido disse à assistente “acabo com a tua vida, com a vida da nossa filha e depois mato-me”.

6. No decurso do ano de 2015, pelo menos em 3 (três) ou 4 (quatro) ocasiões, o arguido colocou sal no chá da assistente.

7. No dia 24 de Janeiro de 2016, em hora que em concreto não foi possível apurar, mas situada cerca das 18 horas, no interior da residência do casal, sita na Praça …, do concelho de Barcelos, na presença da filha menor de ambos, o arguido disse à assistente “não tens credibilidade nenhuma, és uma louca” e porque não gostou quando aquela R. C. o confrontou com a sua falta de credibilidade, o mencionado L. L. atingiu a assistente com duas bofetadas no rosto e de seguida pegou num copo de vidro e munido desse copo atingiu-a na face, o que de imediato lhe causou cinco feridas incisas a nível da região do mento, com necessidade de sutura com onze pontos de seda 5/0, que foram causa directa e necessária de 10 (dez) dias para a cura, sem incapacidade para o trabalho (geral e/ou profissional), e a que correspondem, como consequências permanentes, cinco cicatrizes que correspondem às cindo feridas descritas.

8. No dia 25 de Janeiro de 2016, a assistente, com medo do arguido, saiu de casa e procurou ajuda junto de amigos e familiares.

9. O arguido L. L. agiu de modo livre, voluntário e consciente, com vontade concretizada e de modo constante vexar, amedrontar, ofender a saúde física e psíquica da assistente R. C., sua mulher, aproveitando-se da sua superioridade física e do resguardo do lar para o fazer.

10. Bem sabia o arguido que as suas condutas, supra descritas, eram proibidas e punidas pela lei penal.

11. Do Certificado de Registo Criminal do arguido nada consta.

Do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante R. C.

12. Os comportamentos adoptados pelo demandado L. L., supra descritos, causaram na demandante R. C. sentimentos de insegurança, angústia, stress, medo, receio, depressão e humilhação, deixando-a num clima de constrangimento e terror, impedindo-a de reger livremente a sua vida.

13. A demandante sentiu-se vexada e humilhada. 14. Viu o seu estado de saúde gravemente abalado, causando-lhe grande debilidade, tendo sofrido graves dores físicas e mal-estar constante.

15. Ao ameaçar a demandante que acabava com a vida desta, o demandado provocou-lhe sério receio e preocupação, coibindo aquela R. C. de se movimentar livremente, para além de mantê-la em constante estado de desassossego.

16. Em resultado das ofensas perpetradas, a demandante sentiu-se profundamente deprimida, abatida, humilhada e envergonhada, sem vontade de sair de casa e trabalhar já que, permanentemente, relembrava o sucedido, causando-lhe sérias dificuldades, inclusivamente, de concentração para o desenvolvimento normal da sua actividade profissional.

17. Deste modo, a mencionada R. C. sentia enorme fadiga, grande desgaste e depressão, com consequências nefastas para a sua saúde física e psíquica.

18. Em virtude das condutas do demandado L. L., a demandante instaurou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge junto da secção de família e menores de Barcelos.

19. A demandante necessita e pretende submeter-se a uma cirurgia de reconstituição facial – cujo custo, em concreto, não foi possível apurar – que lhe permita minimizar as sequelas com que ficou, na sequência da agressão referida em 7., sequelas essas que se traduzem nas cicatrizes que apresenta na sua face e que só são passíveis de ser minoradas por via dessa cirurgia.

Da contestação

20. O arguido é empresário e engenheiro e tido junto daqueles com quem convive como tratando-se de pessoa educada, respeitável e respeitadora.

21. Em 2014 iniciou uma pós-graduação em energias renováveis e eficiência energética (ministrada em língua espanhola) nas Universidades Camilo José Cela (Madrid) e Instituto Madrileno de Formação.

22. Em 2014 o arguido apresentou queixa contra a assistente na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Barcelos, alegando que esta conduzia por vezes alcoolizada e transportando a filha menor de ambos, nomeadamente, numa manhã, ainda ressacada, fechou a menor no interior do seu veículo, tendo sido socorrida por vizinhas que partiram o vidro da viatura para abri-la.

23. A pedido do arguido esta denúncia foi tratada como anónima.

24. O arguido é pessoa socialmente inserida.

Da acusação particular

25. O assistente L. L. e a arguida R. C. encontram-se separados desde o dia 25 de Janeiro de 2016, data em que esta última abandonou o lar conjugal.

26. No dia 29 de Fevereiro de 2016, através do número de telemóvel +35191……., sua pertença, a arguida enviou as seguintes mensagens (sms’s) para o telemóvel do assistente, com o número 93……., do seguinte teor:

a) “Alcoólico!!! Gatuno!!! Putanheiro!!! Proxeneta!!! Maquiavélico!!! Nasceste assim!!! Está no sangue!!! No tribunal também está tudo provado!!!”;

b) “Fazer igual a ti??? Beber álcool??? Daqui a nada também dizes para eu entupirme de viagras como tu o fazes!!! Para renderes!!!!! L. L., eu não me vendoooo!!!!! Como tu!!!!!”;

c) “Já estás encharcado de Gin tónico! Drinks, como tu lhe chamas!!!! Mais um pouco do mesmo! És um desgraçado! Como se o álcool resolves se algum problema”;

d) “Então a família L., que pague o que deves me e vá assumir a fiança ao banco popular, borrachão!!!”;

e) “Anda!!! Força!!! Estás à espera de o que????? Bebado!”; f) “Anda, coisa aberrante!!! Anda!!!! Estou à espera!!! Nevado”;

g) “Aparece!!!!!!!!!!!!!!!! Alucinado!!!!!! Quanto viagras e drinks Tomás te?”;

h) “Não precisamos de ver o perigo que tu és para nós!!!! Está tudo provado e com medida de coasao aplicada contra ti! Contra fatos (…) entulho!!!”.

27. A arguida proferiu todas as palavras/expressões referidas em 26. de forma intencional, deliberada e consciente, ofendendo o bom-nome e honra do assistente, fazendo-o sentirse envergonhado, triste e amargurado, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente/demandante L. L.

28. Como consequência directa e necessária da conduta da demandada R. C., referida em 26., o demandante L. L. sentiu-se angustiado, triste, envergonhado e ofendido na sua honra e consideração.

Provou-se, ainda, que:

29. Do Certificado de Registo Criminal da arguida nada consta.

Provou-se, também, que:.

30. Pela sua actividade como empresário, o aludido L. L. aufere, por mês, um vencimento no valor de cerca de €800,00 (oitocentos euros).

31. Reside em casa emprestada, não pagando nenhum valor por aí residir, sendo responsável pelos gastos com água, luz e gás.

32. Tem uma filha menor, de um casamento anterior, pagando, a título de pensão de alimentos, a quantia de €170,00 (cento e setenta euros), acrescida de mais €60,00 (sessenta euros).

33. Suporta o montante de €120,00 (cento e vinte euros) com o infantário da filha nascida da relação que manteve com a identificada R. C..

34. Contraiu um crédito pessoal, no valor de €10.000,00 (dez mil euros), pagando uma prestação mensal que ronda a quantia de €100,00 (cem euros).

35. Possui como habilitações literárias uma licenciatura e uma pós-graduação.

36. Aquela R. C. é empresária e aufere a retribuição mínima mensal.

37. Reside em casa própria.

38. É dona de um veículo da marca “Audi”, modelo “A4”, com 12 (doze) anos.

39. Possui como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade.


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II.2. Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente:

a) que na situação referida sob o nº4, dos factos provados, o arguido L. L. desferisse mais do que um soco nos braços da assistente R. C.;

b) que em dia não concretamente determinado do ano de 2014, o arguido colocasse um GPS no veículo automóvel utilizado pela assistente, de modo a controlar todas as suas movimentações;

c) que o arguido, por diversas vezes, desde 2014, proferisse a expressão referida sob o nº5, da factualidade provada;

d) que o arguido, ao agir da forma descrita sob o nº6, da factualidade assente, o fizesse com o propósito de convencer a assistente de que não andava bem, que andava descontrolada e a enlouquecer;

e) que na situação ocorrida no dia 24 de Janeiro de 2016, referida sob o nº7, dos factos provados, o arguido atirasse um copo de vidro à assistente;

f) que o receio e preocupação referidos sob o nº15, dos factos provados, subsistissem até hoje;

g) que o referido sob os nºs16 e 17, da factualidade provada, perdurasse nos dias de hoje;

h) que fosse a assistente quem, há cerca de três anos e meio antes da separação, começasse a injuriar o arguido;

i) que tal comportamento decorresse do facto de a assistente ter incrementado o consumo de bebidas alcoólicas após a nascimento da filha menor do casal, tornando-se, então, completamente dependente do álcool ao qual é, aliás, pouco tolerante, doença de que já padecia antes do i violação da presunção de inocência do arguido;

nício do relacionamento com o aludido L. L. e que ocultou a este com o fito de engravidar;

j) que o arguido, em 23 (vinte e três) anos de exercício da sua actividade, nunca tivesse processo de qualquer índole;

k) que o arguido fosse Director Geral de um Alvará-XXXXX muito sensível de produção de energia e nunca tivesse sido repreendido por qualquer espécie de conduta moral ou profissional que são irrepreensíveis;

l) que no dia 23 de Janeiro de 2014, da parte da manhã, a assistente R. C. arremessasse ao identificado L. L. um porta velas em cristal, com cerca de 300gr de peso;

m) que o arguido ainda se desviasse mas mesmo assim fosse atingido de raspão na zona temporal direita;

n) que o referido arremesso tivesse provocado a quebra e deterioração de um televisor e de uma mesa de vidro;

o) que em consequência desta agressão, o arguido fosse socorrido no Hospital de Braga;

p) que na sequência da queixa referida sob o nº22, da factualidade provada, a arguida, notificada pelo tribunal, prometesse ao arguido alterar o seu comportamento, o que sucedeu durante cerca de dois/três meses;

q) que, por esse motivo, o arguido declarasse à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Barcelos que a situação estava a resolver-se;

r) que por a assistente não autorizar que tal Comissão investigasse os factos, o processo fosse arquivado;

s) que no dia 24 de Janeiro de 2016, o arguido se encontrasse com a filha a ver televisão na sala de estar, estando a assistente sozinha na cozinha a beber vinho (terceira garrafa, abrindo uma quarta por volta das 20 horas e 30 minutos);

t) que o arguido ouvisse então um barulho e se deslocasse à cozinha onde se deparou com a assistente a sangrar da face e com vidros espalhados por todo o lado;

u) que o arguido se oferecesse, nesse momento, e até à hora em que foi dormir, cerca das vinte e três horas, para transportar a assistente ao hospital para ser assistida;

v) que a assistente recusasse sempre o auxílio do arguido, alegando estar bem;

w) que, nestas circunstâncias, a assistente R. C. se deslocasse frequentes vezes ao jardim da residência a fim de aí fumar e tivesse continuado a beber bebidas alcoólicas e recusado a assistência que o arguido L. L. insistentemente lhe quis prestar;

x) que a demandante R. C., quando vivia com o demandado L. L., trabalhasse em média apenas um dia por semana, em resultado dos seus problemas alcoólicos e da sua personalidade;

y) que o arguido fosse pessoa conceituada;

z) que durante mais de dois anos, isto é, logo após o nascimento da filha de ambos, ocorrido em Novembro de 2013, a arguida R. C. começasse a maltratar psicologicamente o assistente L. L., apelidando-o de “alcoólico”, “putanheiro”, “proxeneta” e “maquiavélico”;

aa) que estes nomes fossem proferidos publicamente pela arguida;

bb) que como consequência directa e necessária da conduta da demandada R. C., referida sob o nº26, dos factos provados, o demandante L. L. ainda hoje se sentisse angustiado, triste, envergonhado e ofendido na sua honra e consideração;

cc) que o demandante sofresse com a publicitação daquelas expressões perante pessoas conhecidas, familiares e amigos, sendo certo que vive num “meio pequeno” onde tais episódios são facilmente publicitados;

dd) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir.


*

II.3. Motivação

A convicção deste tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na avaliação de todos os meios de prova produzidos e/ou analisados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do Código de Processo Penal), sempre no confronto com as regras gerais da experiência e da norma do artigo 127º, do Código de Processo Penal.

Antes de mais, importa sublinhar que quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador.

Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência das mesmas declarações e depoimentos (para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal, vide RICCI BITTI/BRUNA ZANI, A comunicação como processo social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997).

O juiz deve ter uma atitude crítica de avaliação da credibilidade do depoimento não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso saber (vide Acórdão de 17 de Janeiro de 1994, publicado na revista Sub Judice, nº6-91).

A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, há-de fundar-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros mas que não poderá deixar de ser enformada por uma convicção pessoal.

Obviamente que essa apreciação de prova está sujeita ao dever de fundamentação, desde logo, como decorrência do disposto no artigo 205º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, pelo que o princípio da livre apreciação das provas, previsto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado.

Cumpre, ainda, salientar, na sequência do que vem de expor-se, que a tarefa do julgador na decisão da matéria de facto está necessariamente condicionada pelos limites do conhecimento humano.

A vivência social e conhecimento da realidade, ainda que consubstanciando sempre uma certa margem de risco relativamente ao apuramento da verdade, mas com o qual se deve conviver, sempre temperam a decisão sem excessivos dramatismos e sem descurar os cuidados que necessariamente se impõem.

Outro sistema, que não este, que tem consagração no já referido princípio da livre apreciação e convicção do julgador, que não admitisse este risco conflituaria com direitos fundamentais ou poderia conduzir a situações de verdadeira denegação de justiça.

Deste modo, a matéria de facto tida como provada pelo tribunal resultou da análise da prova produzida em audiência de julgamento, tendo em conta os parâmetros vindos de referir.

O tribunal atendeu, desde logo, aos documentos juntos aos autos e aos dados objectivos que dos mesmos é possível extrair, em concreto: [i] às fotografias de fls.16/60 e 73, que retratam as lesões apresentadas pela assistente/arguida R. C. na sequência do sucedido no dia 24 de Janeiro de 2016; [ii] ao assento de nascimento desta última, a fls.24-25, com os respectivos averbamentos, designadamente, o casamento que contraiu com o assistente/arguido L. L.; [iii] ao exame médico-legal, a fls.39-41/93-95, onde se encontram descritas as lesões corporais evidenciadas pela assistente/arguida – de natureza corto-contundente, em concreto, 5 (cinco) feridas incisas suturadas na região do mento – e o período de doença que lhe adveio como consequência necessária e directa dessas lesões – 10 dias para a consolidação médico-legal, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional; [iv] à informação clínica remetida por “Hospital, S. A.”, a fls.43/62/132- 133/420-421, mencionando que a assistente/arguida, no dia 25 de Janeiro de 2016, apresentava 5 (cinco) feridas incisas a nível da região do mento, com sinais inflamatórios locais, que foram desinfectadas e suturadas; [v] à cópia da petição da acção de divórcio intentada pela aludida R. C. contra o identificado L. L., a fls.245-257; [vi] ao assento de nascimento do assistente/arguido, a fls.252-253; [vii] ao assento de nascimento da filha do casal, B. L., a fls.254-255; [viii] à informação médica, de fls.578-579, onde se esclarece que as lesões apresentadas pela assistente/arguida (cinco feridas incisas ao nível do mento), podem ser resultantes de fragmentos de copo de vidro arremessado contra a examinada conforme o descrito nas conclusões do relatório médico de 26-01-2016; [ix] à informação remetida pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Barcelos, a fls.607; [x] ao exame de psiquiatria forense a que se submeteu a assistente/arguida no âmbito do Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, que corre termos neste Juízo Local de Barcelos – Secção de Família e Menores, cuja cópia mostra-se junta a fls.705-708, onde se conclui que (…) Da análise da entrevista clínica, do exame do estado mental e da consulta de peças processuais é possível afirmar que a examinanda não sofre de doença psiquiátrica nem apresenta vestígios de consumo abusivo de bebidas alcoólicas (…); [xi] ao auto de transcrição de mensagens escritas do telemóvel do assistente/arguido, a fls.28-40, do apenso ‘A’, conjugado com o auto de transcrição de fls.91, do mesmo apenso; e [xii] ao assento de casamento do assistente/arguido e da assistente/arguida, a fls.53, do apenso ‘A’.

Os supra enunciados elementos documentais foram conjugados com a apreciação crítica das declarações dos assistentes/arguidos L. L. e R. C. e com o depoimento das testemunhas M. C – amigo do casal e padrinho da filha menor destes –, M. M. G. – amiga do casal há 15 (quinze) anos e madrinha da filha menor destes –, J. G. – que foi empregada do casal na casa destes –, José – empregado do arguido/assistente –, J. R. – amigo do arguido/assistente –, M. J. – vizinha dos arguidos/assistentes e amiga de infância do arguido/assistente –, Maria – amiga da arguida/assistente há 17 (dezassete) anos –, A. H. – amiga da arguida/assistente –, Maria S. – amiga da arguida/assistente desde 2001 –, Manuela – vizinha dos arguidos/assistentes e amiga da arguida/assistente –, A. S. – amiga da arguida/assistente desde 2013 –, António – que efectuou o exame médico-legal supra referido, prestou os esclarecimentos de fls.578-579, bem como voltou a prestá-los em sede de audiência de julgamento, mencionando a este respeito que o arremesso de um copo pode provocar ferida incisa –, Fernanda – que trabalha na Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Barcelos –, M. H. – vizinha dos arguidos/assistentes –, J. R. – que conhece o arguido/assistente há anos –, J. B. – que conhece o arguido/assistente há anos –, A. C. – que já foi casada com o arguido/assistente –, F. R. – amigo do arguido –, e M. L. – irmã do arguido.

A convicção do tribunal formou-se em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que transpareceram em audiência, dessas mesmas declarações e depoimentos.

Sabendo-se que a explicação da formação da convicção não carece da descrição exaustiva do teor das declarações e dos depoimentos testemunhais, optaremos, in casu, por aprofundar os discursos dos arguidos e das testemunhas nas partes que julgamos revestidas de maior interesse para a compreensão da formação da convicção do tribunal, na medida em que, por esta via e neste caso em concreto, se nos afigura que a análise resultará revestida de maior transparência.

Posto isto, escreve-se no Acórdão da Relação de Lisboa, de 06 de Junho de 2001, que a criminalização das condutas inseridas na chamada “violência doméstica”, e consequente responsabilização penal dos seus agentes, resulta da progressiva consciencialização da sua gravidade individual e social, sendo imperioso prevenir as condutas de quem, a coberto de uma pretensa impunidade resultante da ausência de testemunhas presenciais, inflige ao cônjuge (...) maus tratos físicos ou psíquicos. Assim, neste tipo de criminalidade, as declarações das vítimas merecem uma ponderada valorização, uma vez que maus tratos físicos e psíquicos infligidos ocorrem normalmente dentro do domicílio conjugal, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservada da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida privada dum casal (sublinhado nosso; acessível em www.dgsi.pt/jtrl, número convencional JTRL00033358, relator ADELINO SALVADO; vide, ainda, o Acórdão da mesma relação, de 23 de Novembro de 2010, acessível em www.dgsi.pt/jtrl, Processo nº856/08.9TAOER.L1-5, relator NETO MOURA).

As declarações da mencionada R. C. assumiram-se essenciais para o apuramento da verdade.

Não obstante em vários momentos dessas declarações a assistente ter demonstrado um particular afoitismo e mesmo falta de capacidade de autocontrolo, tal deveu-se, em nosso modesto entender, não a um qualquer carácter tendencioso e artificial do relato prestado, mas antes ao facto de ter de voltar a recordar e vivenciar situações que a fizeram sofrer, não sendo esse, certamente, o desfecho que idealizou para o casamento que contraiu com o arguido L. L..

A tudo isto acresce o facto de a assistente ter prestado declarações depois de ser ouvido o arguido e de este, fundamentalmente, descrevê-la como tratando-se de uma bêbada.

Explica-se, deste modo, a forma mais apaixonada, mais sentida e mais emotiva que esteve subjacente ao discurso da aludida R. C., sem que o tribunal tenha entendido este “exagero” como sinal de uma elaboração mental da mesma, destituída de qualquer correspondência com a verdade.

Pelo contrário, aquela R. C. aludiu aos acontecimentos sob apreciação nos presentes autos de forma espontânea, com segurança e através de uma descrição que se mostrou lógica, linear e coerente, localizando-os devidamente no tempo e no espaço.

A sua postura em julgamento foi genuína, evidenciadora de que procurou tão-só o esclarecimento do tribunal quanto à factualidade sob discussão.

Não se logrou descortinar que procurasse ampliar os factos sobre que depôs, nem que pretendesse prejudicar o arguido, como seria até tentador, atenta a natureza humana e considerado o contexto e a gravidade das situações que se apreciam.

Em momento algum procurou denegrir o identificado L. L..

A abordagem da assistente não se revelou hostil, o que contribuiu, decisivamente, para que o tribunal se convencesse da veracidade do seu relato.

Acresce que no seu discurso não resultaram evidenciadas quaisquer contradições, pelo menos, flagrantes, nem mesmo quando sujeita a interpelações que a poderiam induzir nesse sentido.

Poder-se-á argumentar – e é legítimo que se faça – que as declarações de assistente devem ser apreciadas com bastante precaução, pois que tem um interesse natural no desfecho do processo, até porque, no caso decidendo, deduziu um pedido de indemnização civil.

Não pode deixar de reconhecer-se que, verificado que seja algum tipo de interesse, directo ou indirecto, no desfecho de qualquer causa – o que se verifica, em geral e pela natureza das coisas, relativamente à pessoa do ofendido, não sendo, porém, apanágio singular dele –, devem as declarações de quem se encontre nessa indicada posição merecer especiais cautelas. Não significa, no entanto, que isso possa, ou deva, retirar-se, sem mais, ou seja, aprioristicamente, credibilidade aos relatos produzidos.

É que tudo depende, como é evidente, dos termos em que as declarações são prestadas.

E se o forem de forma devidamente circunstanciada e coerente, nenhuma razão de princípio pode determinar a não atendibilidade de qualquer meio de prova previsto na lei, seja ele qual for.

E as declarações do ofendido são, como é sabido, um meio de prova como outro qualquer.

Acresce que, conforme se alude no acórdão da Relação de Lisboa, supra citado, muitas das situações de violência doméstica ocorrem a coberto da casa da morada da família, longe dos olhares indiscretos de vizinhos e amigos.

Nestes casos, o apuramento dos factos depende, sobretudo, das declarações da própria vítima.

No caso de que nos ocupamos, as declarações da assistente R. C. foram prestadas de forma devidamente circunstanciada e de modo concordante com a possibilidade de ocorrência de factos da natureza daqueles que descreveu e que se mostram alegados na acusação pública.

Acresce que tais declarações apresentam-se sustentadas em outros elementos de prova, a que infra aludiremos.

A testemunha M. C, sendo amiga do casal, conhecendo o arguido há 16 (dezasseis) anos e a assistente há 8 (oito) anos, não revelou nenhum particular interesse no desfecho da causa. Tampouco se logrou descortinar que estivesse inimizado com um ou outro ou ambos.

Esta testemunha procurou apenas relatar o que lhe foi dado observar e que decorre, precisamente, do seu relacionamento com os aludidos R. C. e L. L., o que fez através de um depoimento honesto, sequencial, circunstanciado, verosímil e isento.

Aquele M. C., que costumava visitar o casal entre uma a duas vezes por mês – até porque é padrinho da filha –, a partir de 2014, presenciou por três ou quatro vezes discussões entre marido e mulher, sendo que a assistente acusava o arguido de lhe ser infiel e de não lhe pagar o dinheiro que lhe devia, ao passo que este apelidava-a de “bêbada” e de “louca”. Nessas ocasiões notou que a assistente sentia-se revoltada e que negava o consumo de álcool. No âmbito dessas discussões havia “troca de palavras” entre os envolvidos.

Numa ocasião que não soube precisar, mas em que a assistente encontrava-se ausente, ouviu o arguido dizer que a matava e que depois se matava a si.

Acrescentou que no início do ano de 2014 aquela R. C. mostrou-lhe o braço, tendo-se apercebido que “tinha o braço pisado, com diversos hematomas” e que, segundo lhe contou a assistente, tudo teria ocorrido no decurso de uma discussão com o arguido.

Centrando-se no sucedido no dia 24 de Janeiro de 2016, esclareceu que por volta das 19 horas/20 horas “começaram a cair fotografias” do rosto da assistente. Nessa altura contactou-a e esta disse-lhe “Confiem em mim. Eu estou a fazer isto pela Bruna”. No dia seguinte aconselhou-a a ir a um Hospital e notou que aquela R. C. tinha medo que o arguido soubesse. Convenceu-a, então, a deslocar-se à “Clinica”, tendo a mesma acedido, com a condição de não ser contado a ninguém. Após a consulta, a assistente pediu que a levassem à GNR para formalizar uma queixa.

Acrescentou que a identificada R. C. permaneceu na sua [da testemunha] habitação durante cerca de 15 (quinze) dias.

A testemunha M. M. G. – casada com a testemunha anterior –, sendo amiga do casal, conhecendo o arguido há 15 (quinze) anos e a assistente há 5 (cinco) anos, não evidenciou qualquer pretensão no sentido de procurar favorecer a posição de um deles.

Foi escorreita, sincera, clara, ponderada e credível no depoimento que prestou.

Tal como o aludido M. C. presenciou discussões entre o casal em que havia “bocas” de parte a parte (“volta e meia mandavam bocas um ao outro”), retendo, sobretudo, na memória que o arguido apelidava a assistente de “louca” e de “bêbada”, mais dizendo que “tu não estás bem”, justificando que o aludido L. L. implicava mais com a mencionada R. C..

Devido à proximidade que tinha com o casal, numa ocasião que não soube precisar, recebeu uma mensagem (sms) remetida pelo arguido dizendo que a assistente não andava bem. Apesar do teor dessa sms, a verdade é que a testemunha, nesse dia, este com aquela R. C. e não lhe notou nada de estranho.

Em virtude da mencionada proximidade, a assistente também desabafava com a testemunha, contando-lhe que o marido a acusava de ser alcoólica e que lhe punha sal no chá e na pimenta.

Numa ocasião que não soube identificar, mas que situou em 2014, recebeu um telefonema da assistente que lhe contou ter sido agredida pelo arguido no braço. Apesar de aquela R. C. nunca ter mostrado o braço à testemunha, esta referiu que o marido teve oportunidade de observá-lo, o que, aliás, foi confirmado por este, nos termos já supra expostos.

No que concerne aos acontecimentos do dia 24 de Janeiro de 2016, o relato que prestou foi em tudo idêntico ao mencionado M. C..

Ambas as testemunhas afirmaram nunca terem visto a assistente alcoolizada.

Devido aos comportamentos do arguido, aquela R. C. estava “muito em baixo”, “bastante afectada”, “muito triste”, sendo perceptível um misto de revolta, tristeza e decepção. A cicatriz que apresenta no rosto incomodava-a, tendo verbalizado pretender recorrer a uma cirurgia estética.

Nos dias que se seguiram ao 24 de Janeiro de 2016, a assistente estava aterrorizada, em pânico, passando os dias com medo e deprimida, razão pela qual, depois de sair da habitação destas testemunhas foi para a residência do irmão.

Da conjugação do depoimento das testemunhas M. C e M. M. G. com as declarações da assistente R. C. sobressaem inequívocas semelhanças e correspondências de conteúdo.

Complementaram-se, pois, entre si, seja individual, seja conjuntamente.

Não se denotou qualquer subjectividade no discurso das referidas testemunhas, que se revestiram essenciais para a dilucidação dos acontecimentos em apreço nestes autos, devido à proximidade que tinham com o casal formado pelo arguido e pela assistente.

Revelaram conhecimento directo sobre factos que depuseram e fizeram-no, em nosso entender, de forma totalmente credível.

Por essa razão, o relato destas testemunhas assumiu um particular peso persuasivo, tanto mais que foi prestado de forma verdadeira, sentida e consistente.

Acresce que estes depoimentos mostram-se, ainda, sustentados por prova documental e pericial (as fotografias de fls.16/60 e 73, o exame médico-legal de fls.39-41/93-95, a informação clínica de fls.43/62/132-133/420-421, e a informação médica de fls.578-579).

A testemunha J. G. esclareceu nunca ter presenciado qualquer discussão entre o arguido e a assistente, nem tê-los visto, tampouco, alcoolizados.

Apesar de aquele L. L. ter desabafado com esta testemunha, dizendo-lhe que a assistente não estava bem e que bebia, o certo é que a identificada J. G. nunca a viu beber, nem nunca encontrou garrafas vazias.

A testemunha A. H., devido à relação de amizade que a une à assistente, de quem é próxima, negou que esta tivesse qualquer adição ao álcool.

Esclareceu que era confidente da aludida R. C. e que esta contou-lhe ter sido agredida com um copo, exibindo-lhe fotografias (serão aquelas de fls.16/60 e 73).

Notou que a assistente se sentia envergonhada e incomodada, até porque dizia que já não era bonita. Acrescentou que depois do casamento a assistente não era aquela pessoa alegre, trabalhadora e lutadora que fora antes, tendo confidenciado à testemunha, por várias vezes, ter medo do arguido L. L., até porque já tinha sido agredida por ele.

A testemunha Maria S., devido à sua amizade com a assistente, que remonta a 2001, mencionou que se antes do casamento era uma pessoa com muita vida, muito bem arranjada e bem-disposta, depois do nascimento da filha notou que passou a ser alguém triste, desconfortável, nervosa, relatando que tinha pouca ligação com o marido, que não recebia atenção, que este teria outra mulheres e que trocavam insultos mutuamente.

Para a testemunha a assistente “não é nem 1/10” do que era antes, “transformou-se muito”, “perdeu vontade de viver” e “entrou em depressão”.

Mais referiu que a cicatriz que aquela R. C. apresenta na face a incomoda.

Por fim asseverou nunca ter visto a assistente alcoolizada.

A testemunha A. S., tal como as testemunhas A. H. e Maria S. referiu que a assistente era uma mulher muito feliz, bem tratada e cuidada. Sucede que, ao longo do tempo, foi-se apagando e tornou-se numa pessoa triste, só e desleixada.

Foi esta testemunha que encorajou a mencionada R. C. a formalizar uma queixa contra o arguido, passando a acompanhá-la mais proximamente, o que lhe permitiu aperceber-se que estava em pânico, pois tinha medo de estar a ser seguida e mostrava-se preocupadíssima com a segurança da filha.

A testemunha Manuela, por ser vizinha e amiga da assistente e também sua confidente, descreveu-a como uma pessoa “muito abatida”, “muito abalada”, “completamente destroçada”, “sem chão”, que se sentia usada pelo arguido L. L..

A testemunha Maria, que é amiga da assistente há 17 (dezassete) anos, pôde verificar que após o nascimento da filha do casal o relacionamento entre ambos começou a “descambar”, tendo a aludida R. C. confidenciado que havia emprestado dinheiro ao marido e que este a traía; já no ano de 2014 referiu à testemunha que tinha medo daquele L. L..

No que concerne ao sucedido no dia 24 de Janeiro de 2016, a testemunha foi contactada pela assistente cerca de 7 (sete) dias depois, tendo podido reparar que ainda não estava recuperada, não se conseguia concentrar, a cicatriz incomodava-a – tendo-lhe sido sugerida uma cirurgia estética –, tinha vergonha de ser vista em público e apresentava uma auto-estima muito baixa.

Acrescentou que numa ocasião que situa no Verão de 2014, a identificada R. C. mostrou o braço à testemunha, sendo visível uma nódoa negra, dizendo-lhe que havia sido provocada pelo arguido, que a empurrara no decurso de uma discussão.

A testemunha José – empregado do arguido – esclareceu que em 2014-2015 ia à casa do casal almoçar e jantar, o que lhe permitiu aperceber-se que a assistente gostava de beber álcool em exagero (duas a três garrafas).

A testemunha M. J. – vizinha e amiga de infância do arguido – afirmou que entre 2013 e 2014 viu várias vezes a assistente sob o efeito do álcool. A testemunha J. B. – que conhece o arguido há anos –, aludiu a uma ocasião, que não soube precisar, em que se deparou com a identificada R. C. num restaurante com sinais de encontrar-se embriagada.

A testemunha F. R. – amigo do arguido –, referiu que este, há uns anos atrás, pediu ajuda médica para tratar uma dependência alcoólica da assistente.

A testemunha M. L. – irmã do arguido – afirmou que em mais do que uma ocasião viu a assistente com sinais de encontrar-se embriagada.

O arguido L. L., nas declarações que prestou, enfatizou o consumo excessivo de álcool por parte da assistente, mais referindo que esses hábitos alcoólicos estiveram na origem da situação verificada no dia 24 de Janeiro de 2016. Concretizando, a aludida R. C. começou a beber álcool por volta das 14 horas; cerca das 18 horas, encontrando-se o arguido a ver televisão, ouviu um estouro de algo a partir na cozinha. Acto contínuo deslocou-se a esta divisão e, para além de ver um copo partido, apercebeu-se que a assistente estava de pé a escorrer sangue “em fio”. Não obstante as tentativas que empreendeu para auxiliá-la, deparou-se sempre com a recusa por parte da assistente.

Aquela R. C., nas declarações que prestou, negou, de modo rotundo, o que foi afirmado pelo arguido.

Desta forma, no que concerne à (putativa) dependência alcoólica da assistente, deparamo-nos em sede de julgamento com duas versões antagónicas, a saber: [i] a que é sustentada pelo arguido e pelas testemunhas José, Maria, J. B., F. R. e M. L.; e [ii] a que é defendida pela assistente e pelas testemunhas M. C., M. M. G., J. G., A. H. e Maria S..

Como mencionamos supra, o julgador não é um mero colector de depoimentos, impondo-se-lhe que os avalie criticamente, que os submeta ao crivo da razão e ao filtro da lógica, valendo-se das regras gerais da experiência corrente, da sua vivência social e pessoal e do conhecimento da normalidade do acontecer.

A convicção do juiz forma-se livremente, podendo, neste juízo de verosimilhança acerca dos dados processualmente adquiridos, estribar-se nas máximas da experiência e nos parâmetros de normalidade que subjazem à generalidade dos acontecimentos (cfr. artigo 127º, do Código de Processo Penal).

No caso vertente e no que tange aos invocados hábitos alcoólicos daquela R. C., não pudemos deixar de verificar que as apontadas versões são suportadas por pessoas próximas ou do arguido ou da assistente, seja por questões de parentesco, de profissão ou de amizade.

Essa proximidade é susceptível de aportar para os respectivos discursos uma maior subjectividade e parcialidade e um particular interesse em ver vingar a versão defendida.

Há, todavia, excepções, que radicam nos depoimentos isentos das testemunhas M. C. e M. M. G. – pelos motivos que foram já supra aludidos – e da testemunha J. G..

Na verdade, tendo esta última trabalhado na habitação do arguido e da assistente durante cerca de 4 (quatro) anos, o certo é que nunca viu a mencionada R. C. alcoolizada.

A posição da assistente resulta, ainda, reforçada pelo depoimento da testemunha Fernanda que, por força da sua profissão na CPCJ de Barcelos, esclareceu, de forma objectiva, segura e dotada de consistência que o arguido fez uma denúncia em 2014, que pediu que fosse tratada como anónima, dando conta do facto de aquela R. C. consumir álcool em excesso.

Sucede que, efectuadas as necessárias averiguações, a CPCJ concluiu que a assistente não era alcoólica.

Todos estes elementos probatórios ganham maior força quando conjugados com o exame de psiquiatria forense a que se submeteu a assistente no âmbito do Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, que corre termos neste Juízo Local de Barcelos – Secção de Família e Menores, cuja cópia mostra-se junta a fls.705-708.

Deste modo, em face do que fica sobredito, a versão sustentada pela assistente granjeou a adesão do tribunal.

No contraponto, as declarações prestadas pelo arguido não se revestiram das características de coerência, objectividade, lógica e seriedade necessárias para abalar a convicção formada pelo tribunal, assim não tendo convencido da respectiva correspondência com a realidade, designadamente, no que respeita aos acontecimentos do dia 24 de Janeiro de 2016.

Fazendo, aqui, apelo ao que ditam os juízos da experiência comum e da normalidade do acontecer, não se afigura lógico que a identificada R. C., por causa de um incidente que a própria provocou – a crer no que afirma o arguido –, tenha decidido enviar fotos do seu rosto às testemunhas M. C. e M. M. G..

Por outro lado dificilmente se concebe que aquele M. C., no próprio dia, já após o sucedido, tenha conseguido falar com a assistente sem notar que estivesse embriagada – a crer no que afirma o arguido –, sobretudo quando este refere que a esposa começou a beber pelas 14 horas e às 20 horas ainda se mantinha a ingerir bebidas alcoólicas.

Na verdade, a ter ocorrido como descreve o arguido, inevitavelmente aquela testemunha ter-se-ia apercebido que a sua amiga encontrava-se fortemente inebriada.

Ora, não foi o que sucedeu, pois que a aludida testemunha conseguiu manter um diálogo com a assistente, sem que esta evidenciasse um discurso arrastado e/ou delirante e/ou ilógico, próprio de quem está sob o efeito do álcool.

Por fim, a versão relatada pelo arguido claudica por não ser compaginável com o teor do telefonema que efectuou à esposa e que foi ouvido pela testemunha M. C., já que a mencionada R. C. colocou-o em alta voz.

Nesse telefonema o identificado L. L. disse à assistente que esta sabia que tinha sido um acidente, que tinha sido o copo e, note-se, pediu-lhe desculpa.

Socorrendo-nos, uma vez mais, das regras da experiência corrente, afigura-se-nos algo absurdo que o arguido tenha sentido necessidade de pedir desculpa à assistente por um incidente que (alegadamente) esta própria provocou e em que aquele não teve nenhuma intervenção, pois que estava noutra divisão da residência a ver televisão.

Como se sabe, a credibilidade da prova passa pela plausibilidade da descrição factual, que, para ser tida em conta, deverá pautar-se pela lógica e coerência, aferida à luz das regras da experiência.

Ora, a versão dos acontecimentos sustentada pelo arguido apresentou-se incoerente, inconsistente e isolada.

No que respeita à matéria da acusação particular, a arguida R. C. reconheceu ter sido a autora das mensagens transcritas a fls.91, do apenso ‘A’, acrescentando que foram enviadas num momento de muita revolta e numa altura em que o marido lhe queria tirar a filha e a tratava de “bêbada” e “louca”.

A testemunha Maria, por causa da proximidade que tem com a arguida, referiu que esta, perante aquela, reconheceu ter usado palavras menos próprias e ter agido de “cabeça quente”, numa altura complicada da sua vida, em que não trabalhava, tinha vergonha de se expor em público e estando o assistente a residir na casa de morada da família.

A testemunha José, devido à sua relação profissional com o assistente, esclareceu que chegou a ver as mensagens (sms’s) remetidas pela arguida, por via das quais insultava o patrão de “putanheiro” e “proxeneta”.

Essas sms’s foram, também, vistas pela testemunha J. R..

A referida testemunha precisou, contudo, que nunca viu a arguida a insultar o assistente.

A testemunha M. J. afirmou que ouviu várias vezes a arguida insultar o assistente de “cornudo”, “filho da puta”, “putanheiro”, “alcoólico”, “proxeneta” e “maquiavélico”, isto não obstante viver do outro lado da rua, que é atravessada por uma estrada.

Já a testemunha M. H., que vive a cerca de 20m – 30m da residência do assistente, ou seja, mais próximo que aquela Maria, ouviu menos e diferente, pois que, como explicou, só escutou de vez em quando e as palavras proferidas eram “corno”, “corno manso” e “filho da mãe”.

Em face das inconsistências vindas de apontar, nenhuma destas testemunhas foi merecedora de credibilidade. Acresce que uma outra vizinha dos aludidos R. C. e L. L. – a testemunha Manuela – negou que se ouvissem discussões provindas da habitação do casal.

A testemunha M. L., por ser irmã do assistente L. L., não se apresentou totalmente desinteressada, distante e imparcial em relação ao desfecho destes autos.

Acresce que, como esclareceu, a convivência que manteve com o casal perdurou por um período curto.

No que respeita aos factos atinentes ao foro volitivo dos arguidos, insusceptível de percepção sensorial, importa salientar que, conforme ensina GERMANO MARQUES DA SILVA, na valoração da prova intervêm deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo certo que se as inferências não dependem substancialmente da imediação, terão de basear-se na correcção do raciocínio, o qual se alicerçará nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (vide Curso de Processo Penal, Volume II, p.127). A este propósito, a convicção do tribunal formou-se em virtude da conjugação da atitude desenvolvida pelos arguidos L. L. e R. C. com as consequências que, segundo é adequado e esperado – atentas as regras da experiência –, dela decorrem, podendo concluir-se, com segurança: [i] que o arguido, na pendência do casamento, ao adoptar comportamentos ameaçadores para com a sua esposa, bem como ao agredi-la física e verbalmente, atingindo-a na sua saúde, auto-estima, dignidade e consideração, agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, atentando contra a integridade física e moral daquela R. C. –, que se viu vexada, amedrontada e coarctada na sua liberdade –, não obstante saber que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; [ii] que a arguida, por via das mensagens (sms’s) que remeteu ao assistente, no contexto em que o fez, visou atingir a honra, consideração e dignidade deste, bem sabendo que as palavras/expressões que usou são social e juridicamente censuráveis, além de que nada se provou que afastasse no caso tal conclusão.

Quanto às repercussões que os comportamentos do arguido tiveram na vida e na pessoa da assistente a R. C., o tribunal considerou as declarações que esta prestou e conjugouas com o que esclareceram as testemunhas M. C, M. M. G., A. H., Maria S., A. S., Manuela e Maria, sendo certo que tudo o que descreveram se mostra absolutamente compatível com o que ditam os juízos da experiência comum e da normalidade do acontecer.

Tais declarações e depoimentos foram conjugados com a prova documental e pericial já supra enunciada (as fotografias de fls.16/60 e 73, o exame médico-legal de fls.39-41/93-95, a informação clínica de fls.43/62/132-133/420-421, e a informação médica de fls.578-579).

No que concerne às repercussões que a conduta da arguida teve na vida e na pessoa do assistente L. L., considerou-se o que, a este propósito, o próprio referiu (“claro que sofri com isso”), conjugado com o que aquela R. C. esclareceu, aliado ao depoimento da testemunha Manuela – a quem a amiga reconheceu ter agido de “cabeça quente” –, sendo que tudo o que relataram encontra reflexo no que dizem as regras da experiência corrente.

No que respeita às condições pessoais, familiares, profissionais, económicas e sociais dos arguidos, face à ausência de outros elementos, o tribunal atendeu ao que os próprios declararam a este respeito, sendo que as suas declarações, nesta parte, assumiram-se consistentes.

Quanto aos aspectos atinentes à personalidade do aludido L. L., atendeu-se ao depoimento das testemunhas José, M. J., J. R., J. B., A. C. e F. R. que, sendo com aquele conviventes por razões de profissão, de vizinhança e/ou de amizade, depuseram de modo que se afigurou sério e verdadeiro.

A convicção do tribunal, quanto à ausência de antecedentes criminais dos arguidos, alicerçou-se nos respectivos Certificados de Registo Criminal, juntos a fls.514 (quanto ao mencionado L. L.) e a fls.165, do apenso ‘A’ (quanto à identificada R. C.).


*

A não demonstração dos factos não provados resultou, sempre sem prejuízo do exposto em sede de motivação dos factos provados, de, sobre os mesmos, não se ter logrado fazer prova (documental e/ou testemunhal), tendente a permitir concluir pela sua verificação, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, do Código de Processo Penal.»

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3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

A. RECURSO DO DESPACHO INTERCALAR DE 09.01.2017.

O recorrente L. L. alega que a factualidade que foi objeto do despacho recorrido integra uma alteração substancial dos factos constantes da acusação pública contra si deduzida, não podendo ser tida em conta na sentença final, sob pena de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal.

Vejamos.

O nosso sistema processual penal tem natureza acusatória, o que implica que tribunal de julgamento esteja naturalmente subordinado ao princípio da vinculação temática, só podendo atender a factos novos, diversos dos constantes na acusação ou pronúncia, nos precisos termos dos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.

No caso dos autos, o arguido foi acusado pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º1, alínea a) e n.ºs 2, 4 e 5, do Código Penal.

Da factualidade descrita na acusação, que define o objeto do processo e limita o objeto do julgamento, consta (para além do mais) que :

«No dia 24 de Janeiro de 2016 cerca das 18H00 no interior da residência do casal, sita na Praça …, Barcelos, e na presença da filha menor o arguido disse à ofendida “não tens credibilidade nenhuma, és uma louca” e porque não gostou quando a ofendida o confrontou com a sua falta de credibilidade, o arguido atingiu a ofendida com duas bofetadas no rosto e de seguida atirou um copo de vidro à ofendida que a atingiu na face, o que de imediato lhe causou cinco feridas incisas a nível da região do mento, com necessidade de sutura com onze pontos de seda 5/0, que foram causa directa e necessária de 10 dias para a cura, sem incapacidade para o trabalho, e a que correspondem como consequências permanentes em cinco cicatrizes que correspondem às cinco feridas descritas.»

Contudo, no despacho recorrido dá-se conta que da prova até esse momento produzida em audiência, designadamente das declarações prestadas pela assistente, resulta indiciado que no episódio ocorrido no dia 24 de janeiro de 2016, mencionado na acusação pública, o arguido além de desferir duas bofetadas no rosto da assistente «pegou num copo de vidro e munido desse copo atingiu-a na face, sem que, em algum momento, tenha atirado esse copo na sua direção»

Como vemos, o facto novo reconduz-se aqui, apenas, à forma como o arguido, munido de um copo de vidro, atingiu a assistente na face. Mais concretamente, se lançou o copo em direção à cara da assistente – como refere a acusação – ou se, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar e com as mesmas consequências ao nível dos ferimentos e sequelas permanentes, a atingiu com o copo mas sem o ter atirado em direção à cara da assistente – como consta da alteração comunicada pelo Tribunal.

Este quadro, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não constitui de modo algum uma alteração substancial dos factos, uma vez que o facto novo não tem como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções, nos termos da respetiva definição legal da alínea f), do artigo 1.º do Código de Processo Penal.

Efetivamente, é já hoje pacífico que a expressão «mesmo crime» tem de ser entendida como «uma certa conduta ou comportamento, melhor, como um dado facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui um crime» (2). E não há a mínima dúvida de que a factualidade nova, que foi objeto da comunicação, integra precisamente o mesmo crime pelo qual o arguido havia sido acusado e narra o mesmo episódio, entre as mesmas pessoas, ocorrido nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, reportado à mesma ofensa à integridade física, perpetrada com o mesmo instrumento – um copo de vido – e da qual advieram para a assistente exatamente as mesmas consequências. Apenas variando a forma como foi utilizado o instrumento, se o arguido lançou o copo em direção à cara da assistente, atingindo-a, ou se a atingiu com o copo na cara mas sem o ter atirado em direção a ela.

Fica assim definitivamente afastada a hipótese da alteração substancial dos factos, levantada pelo recorrente.

O facto novo integra assim, e apenas, uma alteração não substancial, tal como considerou o Tribunal a quo no despacho recorrido, através do qual o introduziu validamente em juízo, com o cumprimento do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.

Perante o que o arguido teve efetiva oportunidade de também desse facto novo se defender, como fez, pedindo logo prazo para esse feito, que lhe foi concedido (3), como era seu direito.

Quanto à questão – também suscitada pelo recorrente – de saber se da prova produzida em audiência resulta, ou não, o facto novo comunicado pelo Tribunal, não poderá ser resolvida nesta sede. A discordância da decisão sobre a matéria de facto só pode ser conhecida em recurso com esse objeto que venha a ser interposto da sentença final.

De todo o modo, o despacho recorrido apenas dá conta da possibilidade da alteração factual e introduz o facto em juízo para que o arguido dele se possa defender. O que não significa, de modo algum, que o facto novo venha necessariamente a ser considerado provado na decisão final.

Improcede, assim, o recurso intercalar.


***

B. RECURSO DA SENTENÇA

B.1 Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento e vícios decisórios. Violação da presunção de inocência do arguido.

O recorrente alega a insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, que concretiza com a falta de descrição das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos foram praticados, a que acresce a referência como apurados a determinados factos sem fundamento na prova produzida, como acontece nos pontos 3 a 7 e 9.

Invoca o erro notório na apreciação da prova, argumentando que a afirmação feita na motivação de que as lesões podem ser resultantes de fragmentos de vidro arremessado está em contradição com a factualidade que veio a ser dada como provada no ponto 7.

Para além de considerar, também, que a prova produzida em audiência não permitia que se considerassem provados os factos vertidos nos pontos 3 a 10, 12 a 17 e 18, que deveriam ter sido dados como não provados; considerando-se antes apurada a factualidade das alíneas h) e i).

Vejamos.

A matéria de facto pode ser impugnada de duas formas distintas, através da invocação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que respeita o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.

No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios da sentença, previstos nas alíneas a), b) e c), do n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal, os quais têm necessariamente de resultar «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos.

No segundo caso, ou seja, na impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e se pode extrair da prova produzida em audiência, devidamente documentada, embora sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no cumprimento do ónus de especificação que lhe é imposto pelos n.º 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.

No caso sub judice, da leitura da motivação e conclusões do recurso tudo indica que o recorrente, apesar de por vezes confundir os vícios da sentença com o erro de julgamento, apresenta argumentos para a impugnação da matéria de facto por aquelas duas vias.

Comecemos pois pelos vícios decisórios, previstos no artigo 410.º, n.º 2, als. a), b) e c) do Código de Processo Penal, entre os quais se contam a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova, invocados pelo recorrente.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na al. a), é a «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher» (4).

Sendo o erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c), o que se traduz numa «falha grosseira e ostensiva na análise da prova» que leva a que «um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou que se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis» (5).

Da leitura integral da sentença recorrida, designadamente da factualidade nela descrita como tendo sido apurada, resulta que ela se reporta a factos ocorridos quando recorrente e a assistente R. C. estavam casados e viviam juntos como marido e mulher, mais precisamente entre data não concretamente apurada de 2014 e o dia 25 de janeiro de 2016, altura em que a assistente saiu da casa de morada da família; descrevendo-se várias condutas que o recorrente teve para com a assistente ao longo desse período de tempo – injúrias, humilhações, ameaças e ofensas à integridade física –, umas delas apenas localizadas por referência ao ano e outras ao mês e ao ano, concretizando-se depois pormenorizadamente um episódio ocorrido em 24 de janeiro de 2016, na morada de família.

E é quanto basta para contextualizar a prática dos factos imputados ao arguido e permitir a sua subsunção ao tipo de crime de violência doméstica previsto e punível pelo artigo 152.º do Código Penal, que exige, como elemento objetivo, a prática de maus tratos físicos ou psíquicos, tais como ofensas à integridade física, ameaças, humilhações, provocações, injúrias, cometidos dentro de determinadas relações familiares ou análogas.

A factualidade considerada apurada suporta pois perfeitamente o enquadramento jurídico efetuado, não se verificando neste ponto qualquer lacuna.

Por outro lado, não é verdade que na motivação da sentença recorrida se afirme que os ferimentos/lesões sofridos pela assistente possam ser resultantes de fragmentos de vidro arremessado. Sendo que a prova pericial a que se alude na motivação não é perentória nesse ponto.

Quanto aos demais argumentos invocados pelo recorrente para fundamentar a impugnação da matéria de facto, eles já não respeitam aos vícios decisórios do artigo 410.º, n.º 2, mas antes a erros na apreciação da prova, relativamente ao que o Tribunal deveria, ou não, na sua perspetiva, ter considerado provado. Criticando a valoração feita pelo Tribunal a quo da prova produzida em audiência de julgamento, argumentando que a decisão da matéria de facto não está em conformidade com essa prova, e indicando as passagens das declarações e depoimentos produzidos oralmente em que se funda.

Matéria cuja análise tem lugar na impugnação da matéria de facto por errada apreciação e valoração da prova, que irá ser apreciada de seguida.

Improcedendo a alegação da existência de vícios decisórios.


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Passemos pois ao cerne da impugnação da matéria de facto, feita com base no alegado erro de julgamento, por errada apreciação e valoração da prova.

Note-se, contudo, que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido.

Nestes casos, o Tribunal da Relação não faz um segundo julgamento, não vai à procura de uma nova convicção, antes se limitando a fazer o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e das provas que imponham, e não só que permitam, decisão diferente. Pois a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tendo de respeitar, o princípio da livre apreciação da prova do julgador, expresso no artigo 127.º do Código de Processo Penal e a sua relação com a imediação e oralidade, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração efetuada na primeira instância da prova testemunhal, face à ausência de contacto direto com essa prova, o que integra uma das grandes limitações deste tipo de recursos.

Posto isto, e dentro dos limites que a lei estabelece para a apreciação do recurso da matéria de facto, vejamos pois se o Tribunal a quo errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência e se o resultado do processo probatório devia ser outro.

No caso em apreço, da motivação da matéria de facto, já supra transcrita, logo se alcança que a prova da factualidade posta em causa pelo recorrente foi feita, essencialmente, com base nas declarações da assistente R. C..

Ouvida a gravação das respetivas declarações, verifica-se que a assistente narrou como entre data que já não recorda do ano de 2014 e o dia 24 de janeiro de 2016, estando casada e vivendo com o arguido, seu marido, este a insultava (de «puta», dizendo-lhe também, por diversas vezes, «tu és louca, não estás bem, bebes em excesso»); a ameaçou («acabo com a tua vida, com a vida da nossa filha e depois mato-me»); colocou sal no seu chá; lhe deu um soco no braço que lhe causou dores; e concretizou um último episódio de injúria e agressão, ocorrido cerca das 18 horas do dia 24 de janeiro de 2016, no interior da residência do casal, em que ele lhe chamou «louca», lhe desferiu duas bofetadas e, munido de um copo de vidro, a atingiu na face, causando-lhe cinco feridas incisas a nível da região do mento, com necessidade de sutura com onze pontos de seda 5/0, que foram causa directa e necessária de 10 (dez) dias para a cura, sem incapacidade para o trabalho (geral e/ou profissional), e a que correspondem, como consequências permanentes, cinco cicatrizes que correspondem às cindo feridas descritas..

É certo que a assistente, no decurso das suas declarações, revelou alguma falta de autocontrolo e até agressividade para com o arguido, como este enfatiza no seu recurso. Situação que não é escamoteada na motivação da sentença recorrida, onde se dá conta como no processo de imediação em que tais declarações foram prestadas, o Tribunal a quo se apercebeu que tal postura não se ficava a dever «a um qualquer carácter tendencioso e artificial do relato prestado, mas antes ao facto de ter de voltar a recordar e vivenciar situações que a fizeram sofrer, não sendo esse, certamente, o desfecho que idealizou para o casamento que contraiu com o arguido L. L..

A tudo isto acresce o facto de a assistente ter prestado declarações depois de ser ouvido o arguido e de este, fundamentalmente, descrevê-la como tratando-se de uma bêbada.

Explica-se, deste modo, a forma mais apaixonada, mais sentida e mais emotiva que esteve subjacente ao discurso da aludida R. C., sem que o tribunal tenha entendido este “exagero” como sinal de uma elaboração mental da mesma, destituída de qualquer correspondência com a verdade.

Pelo contrário, aquela R. C. aludiu aos acontecimentos sob apreciação nos presentes autos de forma espontânea, com segurança e através de uma descrição que se mostrou lógica, linear e coerente, localizando-os devidamente no tempo e no espaço.

A sua postura em julgamento foi genuína, evidenciadora de que procurou tão-só o esclarecimento do tribunal quanto à factualidade sob discussão.

Não se logrou descortinar que procurasse ampliar os factos sobre que depôs, nem que pretendesse prejudicar o arguido, como seria até tentador, atenta a natureza humana e considerado o contexto e a gravidade das situações que se apreciam.

Em momento algum procurou denegrir o identificado L. L..

A abordagem da assistente não se revelou hostil, o que contribuiu, decisivamente, para que o tribunal se convencesse da veracidade do seu relato.

Acresce que no seu discurso não resultaram evidenciadas quaisquer contradições, pelo menos, flagrantes, nem mesmo quando sujeita a interpelações que a poderiam induzir nesse sentido.» (6)

Por outro lado, as declarações da assistente encontram-se parcialmente corroboradas por prova documental e pericial, como sejam as fotografias de fls.16/60 e 73, o exame médico-legal de fls.39-41/93-95, a informação clínica de fls.43/62/132-133/420-421, e a informação médica de fls.578-579; bem como pelos depoimentos das testemunhas M. C, M. M. G., J. G., A. H. e Maria S..

Por tudo tendo o Tribunal a quo ficado convencido de que a assistente R. C. falou verdade, motivo pelo qual conferiu total credibilidade às suas declarações, mesmo em alguns pontos sobre os quais não havia outra prova que os confirmasse.

É certo que, como salienta o recorrente, as declarações da assistente são omissas quanto a algumas datas, contêm imprecisões, pequenas incongruências e contradições. Contudo, tais são caraterísticas próprias deste tipo de prova.

Não obstante, se apreciarmos globalmente essas declarações e não nos detivermos em pormenores descontextualizados, não há dúvida que as mesmas contêm uma narrativa suficientemente percetível, demonstradora da factualidade apurada.

Designadamente também no que respeita à presença da filha menor do casal aquando dos acontecimentos descritos no ponto 7. O que, contrariamente ao alegado no recurso, é afirmado pela assistente nas suas declarações quando, em resposta à pergunta do senhor procurador sobre se tinha, ou não, a certeza sobre a presença da filha, declarou: «Estava, estava, a B. L. quando eu olho para o lado a B. L., a B. L. estava ao meu lado»

Nada impedindo que o Tribunal a quo, quanto a alguns dos factos apurados, fundamente a sua convicção apenas nas declarações da assistente, desde que tal se encontre justificado, como acontece no caso em apreço.

Não cabendo aqui analisar alegadas discrepâncias entre as declarações prestadas em audiência pela assistente e testemunhas com declarações pelas mesmas prestadas em momentos processuais anteriores, pois não tendo estas últimas sido reproduzidas em audiência não constituem prova válida, não podendo por isso ser considerados neste âmbito, como pretende o recorrente.

É certo que o arguido, como alega, apresentou em audiência uma outra versão, na qual não só negou a prática dos factos que lhe são imputados como enfatizou o consumo excessivo de álcool por parte da assistente, referindo inclusive que esses hábitos alcoólicos estiveram na origem da situação verificada no dia 24 de janeiro de 2016, em que a assistente, embriagada, se feriu sozinha. O que foi de certa forma corroborado pelos depoimentos das testemunhas José, Maria, J. B., F. R. e M. L., que afirmaram a dependência alcoólica da assistente.

Versão a que o Tribunal a quo também alude expressamente na motivação, onde a pondera e dá conta que não lhe mereceu credibilidade, justificando fundamentadamente essa sua posição, como se alcança do seguinte excerto: «No caso vertente e no que tange aos invocados hábitos alcoólicos daquela R. C., não pudemos deixar de verificar que as apontadas versões são suportadas por pessoas próximas ou do arguido ou da assistente, seja por questões de parentesco, de profissão ou de amizade.

Essa proximidade é susceptível de aportar para os respectivos discursos uma maior subjectividade e parcialidade e um particular interesse em ver vingar a versão defendida.

Há, todavia, excepções, que radicam nos depoimentos isentos das testemunhas M. C. e M. M. G. – pelos motivos que foram já supra aludidos – e da testemunha J. G..

Na verdade, tendo esta última trabalhado na habitação do arguido e da assistente durante cerca de 4 (quatro) anos, o certo é que nunca viu a mencionada R. C. alcoolizada.

A posição da assistente resulta, ainda, reforçada pelo depoimento da testemunha Fernanda que, por força da sua profissão na CPCJ de Barcelos, esclareceu, de forma objectiva, segura e dotada de consistência que o arguido fez uma denúncia em 2014, que pediu que fosse tratada como anónima, dando conta do facto de aquela R. C. consumir álcool em excesso.

Sucede que, efectuadas as necessárias averiguações, a CPCJ concluiu que a assistente não era alcoólica.

Todos estes elementos probatórios ganham maior força quando conjugados com o exame de psiquiatria forense a que se submeteu a assistente no âmbito do Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, que corre termos neste Juízo Local de Barcelos – Secção de Família e Menores, cuja cópia mostra-se junta a fls.705-708.

Deste modo, em face do que fica sobredito, a versão sustentada pela assistente granjeou a adesão do tribunal.

No contraponto, as declarações prestadas pelo arguido não se revestiram das características de coerência, objectividade, lógica e seriedade necessárias para abalar a convicção formada pelo tribunal, assim não tendo convencido da respectiva correspondência com a realidade, designadamente, no que respeita aos acontecimentos do dia 24 de Janeiro de 2016.

Fazendo, aqui, apelo ao que ditam os juízos da experiência comum e da normalidade do acontecer, não se afigura lógico que a identificada R. C., por causa de um incidente que a própria provocou – a crer no que afirma o arguido –, tenha decidido enviar fotos do seu rosto às testemunhas M. C. e M. M. G..

Por outro lado dificilmente se concebe que aquele M. C., no próprio dia, já após o sucedido, tenha conseguido falar com a assistente sem notar que estivesse embriagada – a crer no que afirma o arguido –, sobretudo quando este refere que a esposa começou a beber pelas 14 horas e às 20 horas ainda se mantinha a ingerir bebidas alcoólicas.

Na verdade, a ter ocorrido como descreve o arguido, inevitavelmente aquela testemunha ter-se-ia apercebido que a sua amiga encontrava-se fortemente inebriada.

Ora, não foi o que sucedeu, pois que a aludida testemunha conseguiu manter um diálogo com a assistente, sem que esta evidenciasse um discurso arrastado e/ou delirante e/ou ilógico, próprio de quem está sob o efeito do álcool.

Por fim, a versão relatada pelo arguido claudica por não ser compaginável com o teor do telefonema que efectuou à esposa e que foi ouvido pela testemunha M. C., já que a mencionada R. C. colocou-o em alta voz.

Nesse telefonema o identificado L. L. disse à assistente que esta sabia que tinha sido um acidente, que tinha sido o copo e, note-se, pediu-lhe desculpa.

Socorrendo-nos, uma vez mais, das regras da experiência corrente, afigura-se-nos algo absurdo que o arguido tenha sentido necessidade de pedir desculpa à assistente por um incidente que (alegadamente) esta própria provocou e em que aquele não teve nenhuma intervenção, pois que estava noutra divisão da residência a ver televisão.

Como se sabe, a credibilidade da prova passa pela plausibilidade da descrição factual, que, para ser tida em conta, deverá pautar-se pela lógica e coerência, aferida à luz das regras da experiência.

Ora, a versão dos acontecimentos sustentada pelo arguido apresentou-se incoerente, inconsistente e isolada.»

E se o Tribunal a quo, que teve a imediação da prova, ficou com esta perceção, não acreditando na versão apresentada pelo recorrente, antes optando pela versão da assistente, não há dúvida que optou por uma solução plausível segundo as regras da experiência comum, suportada pelas provas que invoca na fundamentação e já supra referidas.

Como ensina Figueiredo Dias (7), a decisão sobre a matéria de facto, para além da atividade racional que envolve, tem sempre de conter uma convicção pessoal, na qual estão presentes elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais, designadamente no que respeita à credibilidade dos depoimentos.

Note-se, aliás, que o legislador, consciente das limitações que o recurso da matéria de facto necessariamente tem envolver, teve o cuidado de dizer que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa (8).

E, in casu, é indubitável que a argumentação e prova indicadas pelo recorrente não impõem decisão diversa da proferida, nos termos da al. b), do n.º 3 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, apenas sendo exemplificativas de outra interpretação da prova.

Sendo assim a decisão do Tribunal a quo inatacável neste ponto, porque proferida de acordo com a sua livre convicção, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal e em absoluto respeito dos dispositivos legais aplicáveis.

E nem se diga, como o recorrente, ter havido violação do princípio do in dubio pro reo, postulado do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

O princípio in dubio pro reo surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição apenas quando a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado. Tendo esse non liquet de ser resolvido sempre a favor do arguido, sob pena de preterição do referido princípio da presunção de inocência.

A violação do princípio in dubio pro reo pressupõe assim, necessariamente, um estado de dúvida do julgador resolvido contra o arguido.

Por outras palavras e como se escreveu em acórdão do Tribunal da Relação do Porto (9): «O princípio in dubio pro reo pressupõe que após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos fatos; não de uma dúvida hipotética e abstracta, sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas antes uma dúvida assumida pelo próprio julgador. Só há violação do princípio in dubio pro reo quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo versão que o desfavorece».

Ora, como flui já da exposição imediatamente antecedente, o Tribunal a quo considerou provados todos os factos relevantes para além de qualquer dúvida razoável sobre eles, ou seja, sem dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos.

Não decorrendo da sentença a existência ou confronto do julgador com qualquer dúvida insanável sobre factos, motivo pelo qual não houve nem há dúvida para ser valorada a favor do arguido.

Neste contexto, não tem aqui aplicação o princípio in dubio pro reo, não tendo havido violação do princípio da presunção de inocência.

Improcedendo totalmente a impugnação da matéria de facto.


*

B.3 Medida concreta da pena aplicada ao arguido e aplicabilidade da pena acessória.

O recorrente reputa exagerada a pena principal que lhe foi aplicada, que entende dever ser especialmente atenuada e fixada no mínimo legal, argumentando com a sua integração social e comportamento anterior e posterior aos factos.

Contesta, ainda, a aplicabilidade da pena acessória, que diz ser incomportável.

Vejamos.

Ao crime de violência doméstica pelo qual o arguido foi condenado, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.ºs 1, al. a), 2, 4 e 5 do Código Penal, corresponde a moldura penal abstrata de dois a cinco anos de prisão; podendo ainda ser-lhe aplicáveis as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

Por sua vez, a atenuação especial da pena que o recorrente reclama está prevista no artigo 72.º, n.º 1 do Código Penal e destina-se àqueles casos em que existam circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime ou contemporâneas dele, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. Sendo algumas dessas circunstâncias exemplificativamente enumeradas nas várias alíneas do n.º 2 da mesma disposição legal.

A atenuação especial funciona como uma verdadeira «válvula de escape» do sistema, destinando-se apenas àqueles casos que, pelo seu caráter excecional, apresentem uma gravidade tão diminuída que não coube na previsão do legislador quando fixou os limites normais da respetiva moldura legal; já que para os casos «normais», «vulgares» ou «comuns», «lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios.» (10)

No caso em apreço, o recorrente apresenta como fundamento da reclamada atenuação especial a integração social, aludindo ainda, mas sem concretizar, à conduta anterior e posterior aos factos e ao grau da sua culpa.

Se atentarmos à factualidade apurada, verificamos que se provou efetivamente uma positiva integração profissional e social do recorrente, que é empresário e engenheiro, tido como pessoa educada, respeitável e respeitadora; sem antecedentes criminais.

Contudo, tal circunstancialismo, se bem que milite a favor do arguido em termos gerais, não tem potencialidade para diminuir a gravidade do facto, a culpa do agente ou as necessidades de prevenção, desde logo porque estamos perante um crime de violência doméstica, que em regra é praticado na intimidade da vida familiar. Sendo relativamente frequente nestes casos o agente do crime encontrar-se social e profissionalmente integrado, restringindo-se a atividade criminosa à vida privada.

Por outro lado, a ilicitude do crime cometido pelo recorrente, se bem que de grau abaixo da média – face às situações de muita maior gravidade que cabem dentro do tipo – não assume de modo algum uma gravidade tão diminuída que não caiba na previsão do legislador quando fixou os limites normais da respetiva moldura legal. Note-se que as condutas do arguido prolongaram-se por um período de tempo de pelo menos um ano e, entre elas, há um episódio de agressão física que foi causa direta e necessária para a assistente de cinco feridas incisas a nível da região do mento, com necessidade de sutura com onze pontos de seda 5/0, que demandaram 10 (dez) dias para a cura, sem incapacidade para o trabalho (geral e/ou profissional), e a que correspondem, como consequências permanentes, cinco cicatrizes que correspondem às cindo feridas descritas.

A culpa do agente é mediana, com dolo direto.

O alarme social causado pela comissão deste tipo de crimes é muito grande, sendo, assim, a prevenção geral elevada.

Quanto às exigências de prevenção especial, não sendo elevadas, têm algum significado, pois embora o arguido beneficie de uma positiva integração social e profissional, não tendo antecedentes criminais, o certo é que agiu impunemente durante pelo menos um ano, devido ao silêncio da ofendida.

Neste contexto, não se vislumbram fatores que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da respetiva pena, não assumindo as circunstâncias que militam a favor do arguido a dimensão necessária e suficiente para que se possa considerar a possibilidade de uma atenuação especial nos termos do artigo 72.º do Código Penal.

Já se justificando, contudo, que a pena concreta se situe próximo do primeiro quarto da moldura legal do crime de violência doméstica cometido pelo arguido, que como já vimos vai de 2 a 5 anos de prisão.

Pelo que a pena principal encontrada pelo Tribunal a quo, de dois anos e dez meses de prisão, que apenas em um mês ultrapassa o primeiro quarto daquela moldura legal, surge como equilibrada e justa sendo de manter.

Justificando-se igualmente a suspensão da sua execução, nos termos decididos na sentença recorrida, que nesse ponto não é impugnada pelo recorrente, exceto no que toca ao montante da indemnização a pagar à assistente como condição da suspensão da execução da pena, mas apenas por referência à redução da condenação civil, também objeto do recurso, e que infra se decidirá.

Vejamos agora a pena acessória.

Nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal, nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso de porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

Ao recorrente foi aplicada a pena de proibição de contacto com a vítima.

A aplicação desta pena acessória, tal como das demais, depende da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso.

Na sentença recorrida a aplicação da pena acessória é justificada da seguinte forma: «sem prejuízo de já não fazerem uma vida em comum, a assistente R. C. e o arguido L. L. são pais de uma filha, menor de idade, cujas responsabilidades parentais estarão, segundo cremos, já definidas, pelo menos, a título provisório. Um dos aspectos da regulação dessas responsabilidades consubstancia-se no estabelecimento de contactos pessoais por parte do progenitor não guardião. Ora, a concretização destes contactos com a menor poderá implicar que o arguido se aproxime da assistente vítima e reincida em comportamentos da natureza daqueles sob apreciação nos presentes autos. Em face do exposto, cremos que a melhor forma de se compatibilizarem os desígnios de reinserção do arguido e de defesa da vítima será a de obrigar o aludido L. L., compulsivamente, a afastar-se da identificada R. C.. De resto, com a aplicação de tal medida, ficará o arguido consciente de que, caso a viole, incorrerá na prática de um novo crime, em concreto, num crime de violação de proibições.»

Tais argumentos não nos parecem suficientes para a decisão de aplicação de uma pena acessória ao arguido, desde logo por dos factos apurados resultar que à data da audiência o arguido e a assistente estavam separados de facto há já cerca de um ano, nada se tendo apurado quanto ao comportamento do arguido durante este período de tempo, designadamente se teve contactos com a assistente e de que forma decorreram.

Por outro lado, no quadro fático que emana da factualidade apurada, a pena acessória de proibição de contactos com a assistente não se revela necessária para que a sanção principal satisfaça de forma adequada e suficiente as necessidades da punição, nomeadamente evitando eventuais comportamentos ilícitos por parte do arguido. Sendo a pena principal de prisão com execução suspensa, se durante o período dessa suspensão o arguido voltar a cometer quaisquer crimes, na pessoa da assistente, poderá a suspensão ser revogada, obrigando-o ao cumprimento de pena de prisão efetiva.

Situação que face à apurada integração social e profissional do arguido, que é engenheiro, empresário e pessoa respeitada, tudo indica que quererá ao máximo evitar.

De tudo decorrendo que a ameaça da prisão inerente à suspensão da execução da pena, com a condição fixada, se afigura só por si adequada às finalidades da punição, sendo consequentemente desnecessária a aplicação de uma pena acessória.

Procedendo neste ponto o recurso, em consequência do que se revogará a condenação do arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, pelo período de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses.


*

B.4. Medida concreta da pena aplicada à arguida R. C..

O recurso interposto pelo arguido/assistente tem por objeto também a condenação criminal da arguida/assistente R. C., na parte em que nele se pede agravação da concreta pena de multa e do respetivo quantitativo diário que lhe foi aplicada, pela prática do crime de um crime de injúria, previsto e punível pelo artigo 181.º, n.º1, do Código Penal.

O recorrente é o próprio ofendido, que se constituiu assistente, deduziu acusação particular e pedido de indemnização cível, vindo este a ser julgado parcialmente procedente.

Ora, é dado assente que as questões concernentes à espécie e medida da pena fazem parte do núcleo punitivo do Estado, no exercício do seu jus puniendi, cuja defesa não cabe aos particulares.

Neste contexto, a pretensão do recorrente de ver agravada a pena em que a arguida R. C. foi condenada mostra-se à partida como assunto que não o afeta, na medida em que não tem virtualidade de contender com os seus interesses próprios, nem de forma direta nem sequer indiretamente, como consequência da força do caso julgado penal. Não podendo por isso considerar-se que a fixação da medida concreta da pena seja uma decisão contra ele, para os efeitos do disposto no supra citado artigo 401.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal.

Esta questão foi inclusive já objeto do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 8/99, de 02-07-98, in DR – I-A de 10.8.99, que fixou jurisprudência no sentido de que: «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstre um concreto e próprio interesse em agir».

E, no caso, o recorrente não demonstra que o agravamento da pena de multa aplicada à arguida integre para si um interesse concreto e próprio, diverso do interesse punitivo do Estado, cuja defesa não lhe pertence nem pode assumir.

Assim, não tendo o Ministério Público recorrido, o recorrente – ainda que agora na posição de assistente – não tem legitimidade para recorrer quanto ao agravamento da pena, pelo que não se conhecerá desta parte do recurso.

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B.5. Condenação cível.

No que à parte cível respeita, o recorrente sustenta ter sido condenado a pagar uma indemnização por danos patrimoniais sem que a demandante tenha pedido o ressarcimento desse tipo de danos, o que integra a nulidade da sentença nessa parte.

Reputa ainda como exagerado o montante da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, que pretende ver minorada.

Da leitura integral do pedido cível, designadamente da factualidade articulada nos seus pontos 16 e 18, decorre inequivocamente que a demandante pede também o ressarcimento da quantia que irá gastar com a cirurgia de reconstituição facial que lhe permita minimizar as cicatrizes permanentes com que ficou em consequência da agressão do arguido.

A propósito do que consta do ponto 16 que «a Ofendida necessita e pretende submeter-se a uma cirurgia de reconstituição facial, para a qual terá de despender uma elevada quantia, que lhe permita minimizar as sequelas com que ficou, em virtude da bárbara agressão de que foi vítima.». Referindo-se depois expressamente no último artigo do pedido – o 18 – que «Todos os factos supra descritos constituem um dano patrimonial e não patrimonial, ambos indemnizáveis, para cuja compensação o Arguido deverá ser condenado a pagar à Assistente uma indemnização, no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros).»

Neste contexto, a circunstância de, logo em seguida, a demandante concluir o pedido cível pedindo «a condenação do Arguido a indemnizar a Ofendida por todos os danos morais», sem referência expressa a danos patrimoniais, surge como um lapso manifesto e absolutamente percetível em face do teor global do requerimento. Tanto mais que os danos peticionados na conclusão do pedido são também aí contabilizados em € 20.000,00, ou seja, exatamente no montante mencionado no último artigo de tal articulado, onde há referência expressa a que tal montante engloba os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados.

Improcede pois a alegação do recorrente de que a sua condenação vai além do respetivo pedido.


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Por fim, a última questão a decidir é se deve ser reduzida a compensação fixada em € 5.000,00 para a demandante R. C., pelos danos não patrimoniais sofridos.

O recorrente defende essa redução, embora não alegue razões concretas para tal, para além de afirmar que «as premissas a ponderar na quantificação deste dano incidem na condição económica, pessoal e social do lesado, a sua idade, os valores sufragados pelos tribunais e critérios de equidade».

E efetivamente, a propósito dos danos não patrimoniais, o artigo 496.º n.º 3, 1ª parte, do Código Civil, estatui que o montante da indemnização deve ser fixado por critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo diploma, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.

Como ensina Antunes Varela (11), a indemnização dos danos não patrimoniais, prevista no artigo 496º do Código Civil, reveste uma natureza acentuadamente mista; por um lado, visa a compensação de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Na determinação da mencionada compensação deve assim atender-se ao grau de culpabilidade do responsável e à sua situação económica, assim como à do lesado. Tudo devidamente sopesado em juízos de equidade, aos quais não podem também ser alheias as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes.

No caso dos autos, os factos ilícitos que originaram os danos não patrimoniais da demandante R. C. integram crime doloso em que o grau de culpa do agente se mostra elevado, com violação repetida dos direitos de personalidade da demandante, precisamente por parte de quem, como marido e pai da filha comum, tinha um particular dever de os respeitar.

E tiveram, como consequência para a demandante, não só dores físicas e psíquicas, como ainda sequelas permanentes a nível físico, consistentes em cinco cicatrizes na região do mento, descritas no ponto 7 dos factos provados. Para além da inevitável destruição de um projeto de vida que passava pelo casamento com o arguido.

Tomando tudo em consideração, entendemos mostrar-se perfeitamente adequado o quantum indemnizatório encontrado pelo Tribunal a quo para compensar os danos não patrimoniais, no montante de € 5.000,00.

Naufragando este ponto do recurso.


***

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães em:

A. Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido/assistente L. L. do despacho proferido no final da sessão da audiência de 09.01.2016.

Vai o recorrente condenado em custas, fixando-se em 3 (três) Ucs a taxa de justiça.


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B. Conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pelo arguido/assistente L. L. e, em consequência, revogar a sua condenação na pena acessória.

No demais se mantendo integralmente a sentença recorrida.


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Guimarães, 25 de Setembro de 2017

(Elaborado e revisto pela relatora)


1. Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
2. Cfr. Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 1992, p. 221.
3. Cfr. parte final da ata da sessão da audiência do dia 9 de janeiro de 2017.
4. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, Editora Rei dos Livros , 8ª ed. Lisboa, 2012, p. 74.
5. Simas Santos e Leal Henriques, op. citada na nota anterior, p. 80.
6. In motivação da sentença recorrida.
7. Direito Processual Penal, vol. I. ed.1974. p. 204.
8. Cfr. artigo 412.º, n.º 3, al. b) do Código de Processo Penal.
9. Ac. do TRP de 17.11.2010, proc. 97/08.2GCSTS.P1, disponível em www.dgsi/jtrp.pt.
10. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias § 454 e § 465.
11. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8.ª edição, Almedina , p. 611 e seguintes.