Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
119/15.3T8CBC.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Não se verificam os pressupostos da nulidade prevista no artigo 615 n.º 1 al e) do CPC, porque o tribunal recorrido não condenou em pedido diverso do formulado, uma vez que qualificou os factos alegados pelo autor dentro dos poderes de interpretação que lhe são conferidos no artigo 5.º do CPC.

2. Apenas foi considerado não provado o ponto 3.º da matéria de facto provada porque o TRG ficou com dúvidas, depois de apreciada a prova produzida, sobre a verdade dos factos insertos no ponto de facto questionado.

3. Verificam-se os pressupostos da aquisição da servidão de passagem por destino de pai de família e usucapião, a favor do prédio dos autores sobre o prédio da ré”.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1)

António e Maria propuseram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. F., pedindo a condenação da Ré a reconhecer os Autores como legítimos proprietários do bem imóvel respeitante ao prédio misto denominado “Casal Xs”, descrito na Conservatória sob o nº ... e inscrito na matriz urbana no artigo 231 e na matriz rústica no artigo 219, a ser declarada e reconhecida a constituição de uma servidão, a favor do prédio dos Autores, de passagem a pé, com animais, veículos de qualquer natureza de tração animal ou mecânica por destinação de pai de família e por usucapião, a ser a Ré condenada a ver reconhecido tal direito de servidão e, em consequência, a repor o caminho na situação em que se encontrava antes das obras realizadas, a condenar a Ré a repor a faixa de terreno que destruiu com as obras por si realizadas e a retirar o aterro que colocou junto à margem esquerda do regato que divide o prédio dos Autores com o da Ré, bem como a pagar aos Autores uma indemnização pelos prejuízos sofridos pela inutilização da servidão, a liquidar em execução de sentença, acrescido de € 1.000,00 pelo dano causado com o arranque de árvores e uma cancela, e que os Autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide ambos os prédios, assim como a indemnizá-los pela privação do uso da água.

Para tanto, os Autores alegaram que o prédio em causa, bem como o prédio denominado “Casal Y”, pertenciam a Joaquim; que ambos os prédios estão separados por um regato; que em tal regato existia um passadiço em pedra e terra, através do qual era feito o acesso ao prédio que atualmente pertence aos Autores; que em 1996 o Autor concordou com o anterior proprietário na compra do seu prédio, na condição de ser melhorado o leito do caminho de acesso a tal prédio; que durante o ano de 1997 o caminho foi melhorado e construídas manilhas na zona do regato; que posteriormente foi celebrada escritura pública de compra e venda; que o aludido prédio se encontra registado a seu favor, sob o n.º ..., e que há mais de 20 anos, por si e antepossuidores utilizam o mesmo, exercendo a posse sem a oposição de quem quer que seja; que a água do regato sempre foi utilizada pelos proprietários do terreno; que a Ré adquiriu, em 2014, o prédio denominado “Casal Y”; que a Ré procedeu à terraplanagem do terreno por si adquirido, tendo em consequência destruído a passagem, bem como as manilhas e pedras construídas pelo Autor, uma cancela e diversas árvores; e que bloqueou, com pedras, o acesso aos Autores através de tal caminho; e que tiveram prejuízos com a conduta da Ré.

Citada a Ré, veio a mesma apresentar contestação, negando a existência de um caminho de servidão e referindo que os Autores tinham acesso ao seu prédio através de outro caminho.

Foi realizada audiência prévia, na qual foram fixados os termos do litígio e os temas de prova.

Em sede de audiência prévia, os Autores apresentaram articulado superveniente, no âmbito do qual alegaram que a Ré construiu viveiros para peixes no leito do caminho, durante a pendência da presente ação, vindo tal articulado superveniente a ser admitido.

Foi requerida a prestação de depoimento antecipado da testemunha M. M., tendo a mesma sido deferida e realizada anteriormente ao julgamento.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo a mesma decorrido sob a observância de todo o formalismo legal, como da respetiva ata consta.

Em sede de julgamento, foi apresentado novo articulado superveniente, motivado pelo facto de, segundo os Autores, a Ré ter construído três portões no leito do caminho.

O articulado superveniente apresentado foi julgado improcedente, por inócuos para a apreciação da causa, sem prejuízo da apreciação dos factos constantes nos mesmos.

Foi proferida sentença que decidiu da forma seguinte:

“Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação totalmente procedente e, em consequência:

a) Declarar que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio misto denominado “Casal Xs”, abaixo da estrada, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de 40 m2 e terreno de cultivo com 35.400 m2, descrito na Conservatória sob o nº ... e inscrito na matriz urbana no artigo 231 e na matriz rústica no artigo 219;
b) Declarar que o terreno se encontra delimitado, do lado nascente, por uma cancela construída pelo Autor;
c) Declarar que sobre o prédio da Ré, composto por terreno culto e inculto denominado de “Casal Y, abaixo da estrada”, descrito na Conservatória sob o nº ... e inscrito na matriz nos artigos 241, 242 e 243, está constituída uma servidão de passagem para veículos de tração mecânica, pessoas a pé e animais, a favor do prédio dos Autores, por destinação de pai de família, através de um caminho em terra batida com a largura de cerca de 4 metros, com início no prédio dos Autores, passando sobre o regato existente, atravessando o prédio da Ré em toda a sua extensão, no sentido poente/nascente, até atingir o caminho público;
d) Condenar a Ré a repor o caminho na situação em que se encontrava antes das obras por si realizadas e a não mais perturbar, por qualquer modo, o livre exercício de tal servidão;
e) Condenar a Ré a repor a faixa de terreno que pertence ao prédio dos Autores que desaterrou com as obras por si realizadas;
f) Condenar a Ré a retirar o aterro que colocou junto á margem esquerda do regato que divide os dois prédios, de modo a que tal regato fique com o mesmo percurso que tinha antes das obras por si realizadas;
g) Declarar que os Autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide o prédio dos Autores e da Ré, por serem proprietários de metade e, quanto à restante metade, pelo exercício de uma servidão constituída por destinação do pai de família; e
h) Condenar a Ré a indemnizar os autores em quantia a liquidar em execução de sentença para reparação dos danos causados pela privação do uso da servidão de passagem, da água do regato e pela remoção da cancela, das árvores e danificação dos tubos de condução de água;”

Inconformada com o decidido a ré interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

a) Considera a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade por violação do disposto nos artigos 5.°, 608.°, n.º 2 e 609.°, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, ao ter reconhecido e declarado "que os Autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide o prédio dos Autores e da Ré, por serem proprietários de metade e, quanto á restante metade, pelo exercício de uma servidão constituída por destinação do pai de família'. (Vide ponto g) da sentença).
b) Sobre a questão da água, o Tribunal a quo propôs-se decidir "Do direito dos Autores á utilização da água existente no regato”.
c) Os Autores alegaram factos que, se provados, levariam à procedência do pedido "h) Declare e reconheça que os autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide o prédio dos autores e da ré!' O que os Autores peticionaram foi o reconhecimento do direito a fazer uso da água do regato nos termos que vinha sendo feita pelos anteriores proprietários dos prédios rústicos que com o regato fazem margem, conforme decorre da Petição Inicial.
d) Em momento algum, os Autores alegaram factos conducentes ao reconhecimento do direito de propriedade de metade da água do regato, e factos conducentes ao reconhecimento de uma servidão por destinação do pai de família sobre a outra metade da água do mesmo regato. Nem foram feitos pedidos nestes sentidos.
e) Tratam-se de direitos com conteúdo diverso e com causas de pedir diversas - artigos 1400.°, 1305.° e 1549.° do Código Civil.
f) o Tribunal a quo, ao ter condenado em coisa diversa do peticionado, incorreu em nulidade prevista no artigo 615.°, n.º 1, e), do Código de Processo Civil. Nulidade que se requer com as legais consequências legais.
g) Considera a Apelante que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida, na atribuição de força probatória às diferentes provas, errou na sua decisão e respetiva fundamentação.
h) No que concerne à matéria de facto, encontram-se incorretamente julgados os factos vertidos na fundamentação de facto sob os pontos 3, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 32 e 35 (factos provados), da sentença recorrida, porquanto deveriam ter sido julgados não provados.
i) No que diz respeito ao ponto 3 (provado), o Tribunal a quo fundou a sua convicção nos depoimentos do Autor e das testemunhas Nuno e A. V.. Sendo que o Autor prestou declarações, depois de ouvidas as suas testemunhas. Limitando-se a reiterar o que havia vertido na Petição Inicial e a tentar colmatar falhas das testemunhas por si arroladas. No entanto, não deixou de manifestar diversas contradições e de afirmar factos que são completamente destituídos de verdade e afastados de qualquer realidade.
j) Quanto às outras duas testemunhas, o primeiro é amigo desde infância do Autor, com que convive nas "tainadas", e a outra foi contratada, e paga, pelo Autor para abrir o caminho por entre o prédio "Casal Y" até ao prédio do Autor, "Casal X".
k) Com relevância para este ponto em concreto, referiu a testemunha Nuno que antes não havia nenhuma passagem e para passar de um lado para o outro tinha de saltar sobre o regato. Quando o Autor comprou o imóvel "aquilo estava tudo a monte", por fim, referiu que não havia caminho de carros de bois. Por sua vez, a testemunha A. V. apenas conhecia os imóveis por lá ter andado a fazer o caminho para o Autor. Referiu ainda que o prédio por onde abriu o caminho estava coberto de silvas e árvores mais altas que a máquina retroescavadora que usou nos trabalhos. E não dava ideia de haver trilho de caminho de carro de vacas. Mais referiu que em 1997, o prédio por onde abriu o caminho estava abandonado há mais de 30 anos. (Depoimentos com referência às concretas passagens dos mesmos que infirmam o ponto aqui em causa encontram-se identificados e descritos no corpo das Alegações).
1) No entender da Apelante, bastaria o Tribunal a quo ter analisado criteriosamente, e com o grau de empirismo necessário, os depoimentos destas duas testemunhas e facilmente concluiria que ali nunca houve nenhum caminho ou passagem. Ainda que por hipótese tivesse equacionado que em tempos houve caminho, com o decurso de mais de 30 anos, tendo os prédios ficado ao abandono, expostos às intempéries e às enxurradas que corriam regato abaixo, com o crescimento de silvas e outras infestantes, sem a mínima dificuldade o juiz a quo concluiria que era impossível ter subsistido qualquer sinal de caminho, fosse a pé fosse de carro de vacas. São sinais que no máximo em dois anos se apagam com o crescimento de infestantes sobre os mesmos.
m) Não obstante, foram ainda ouvidos os últimos caseiros que granjearam os imóveis que vieram a ser adquiridos pelos Autores e pela Ré - M. S., Manuel e A. T.. Tratam-se de pessoas simples, do campo, que sempre viveram naquela localidade. Que passaram a maior parte das suas vidas a viver naqueles prédios. Conheciam as quintas, dos Autores e da Ré, melhor que o próprio dono, que sempre viveu em Lisboa. Não tinham qualquer interesse na demanda. Prestaram depoimentos claros, precisos, lineares, sempre perentórios em tudo quanto afirmaram e manifestamente desinteressados. Porém, não foram minimamente valorados pelo Tribunal a quo.
n) Estas três testemunhas, tendo a sua razão de ciência fundada no conhecimento direto que tinham dos factos, por ali terem vivido e cultivado aquelas quintas durante muitos anos, foram perentórias em afirmar que ali nunca existiu qualquer caminho entre as duas quintas. Nem a pé nem de carro de vacas. Nunca ali passaram carros de vacas ou outros. O único acesso ao prédio do Autor era feito pelo "Caminho da Mua". As quintas sempre tiveram caseiros diferentes. Sendo que nunca o mesmo caseiro agricultou ambas as quintas em simultâneo. As quintas sempre estiveram divididas pelo ribeiro. E o único caminho que ali existiu foi o que o Autor mandou fazer. Mais afirmaram que o caminho foi aberto unicamente para permitir a passagem de camiões com materiais de construção. Assim se justifica a largura do mesmo. (Vide depoimentos registados na aplicação informática "Hebilus Media Studid', ficheiros áudios wma nos 2017040415225C 4963129_2870576, 2017040415575C 4963129_2870576 e 20170516105012A963129_2870576, respetivamente, cujas referências às concretas passagens que infirmam o ponto 3 encontram-se identificadas e descritas no corpo das Alegações).
o) Também a testemunha M. M., afirmou que sabia que o acesso que antigamente existia para a quinta dos Autores era pelo "Caminho da Mua" e que por lá se retiravam os frutos da quinta em direção à Igreja. (Depoimento com referência às concretas passagens dos mesmo que infirmam o ponto aqui em causa encontram-se identificados e descritos no corpo das Alegações).
p) Neste sentido também depôs a testemunha A. L., que referiu que o acesso à quinta do Autor era pelo "Caminho da Mua" ou "Cercas da Mula" e não havia qualquer outro acesso à quinta. Mais referiu que as quintas sempre estiveram divididas pelo ribeiro. (Depoimento com referência às concretas passagens do mesmo, que infirmam o ponto aqui em causa encontram-se identificadas e descritas no corpo das Alegações).
q) Conforme se colhe dos depoimentos acabados de referir, de pessoas que conheciam os imóveis melhor que ninguém, como era o caso dos antigos caseiros daquelas quintas, que não manifestaram qualquer interesse na ação, e que com a audição dos mesmos melhor se compreenderá que tiveram depoimentos claros, inequívocos, resulta claro e evidente que entre as duas quintas nunca existiu qualquer caminho ou passagem. Entre as duas quintas não existia qualquer relação de interdependência ou de serventia de uma para a outra. Após os caseiros terem entregue as quintas ao dono, as mesmas ficaram ao abandono. Sendo que a que a Ré comprou estava já em 1997 abandonada há mais de 30 anos.
r) Em torno das conclusões supra, deve o ponto 3 deve ser julgado não provado.
s) Quanto aos pontos n.ºs 9, 10 e 11. ° dos factos julgados provados, postergou o Tribunal a quo as regras mais elementares da força probatória dos diferentes meios de prova. Para julgar provados estes pontos baseou-se nos depoimentos de M. M., A. V. e Nuno.
t) M. M., que foi ajudante da CRP durante cerca de 50 anos, referiu que era condição essencial do negócio de compra e venda do Autor, este poder constituir uma servidão de passagem para carros até à propriedade que se propunha adquirir. Mais referiu que foi quem elaborou o contrato promessa de compra e venda, elaborou o recibo de quitação do pagamento de parte do preço e foi parte ativa na escritura pública de compra e venda.
u) Porém, compulsados os referidos documentos, concluiu-se que a alegada condição essencial - constituição de uma servidão de passagem - não é referida em nenhum deles. Por outro lado, o depoimento desta testemunha foi completamente díspar do que a mesma testemunha prestou em sede de providência cautelar, decretada sem audição prévia da parte contrária, onde nunca em momento algum se referiu a condições prévias essenciais ao negócio ou quaisquer outras. Por fim, a falta de referências nos documentos da alegada condição essencial não é compatível com o comportamento de alguém que sempre lidou com contratos, e que melhor que ninguém saberia que a alegada condição essencial teria de constar nos documentos, com especial relevância na escritura pública de compra e venda e ser levada registo. Razões pelas quais o seu depoimento não deveria ter sido valorado.
v) De igual forma não deveria o Tribunal a quo ter relevado as falhas da testemunha com base numa alegada relação de confiança das partes, pois, se assim fosse, não haveria necessidade de ter de se redigir um contrato promessa e um recibo de quitação. A relação de confiança não pode ser invocada para uns factos e ser postergada para outros.
w) O motivo pelo qual a alegada necessária servidão de passagem não é mencionada em nenhum dos documentos deve-se à verdade dos factos: O dono do prédio, Joaquim, apenas permitiu a abertura do caminho para que o Autor pudesse passar com os camiões carregados com a pedra e materiais de construção que seriam usados na construção de muros e reconstrução do urbano existente na quinta. Facto confirmado pela testemunha A. L. e por A. T.. A testemunha A. L. referiu que quando o Sr. Joaquim soube que o Autor continuava a passar pelo caminho, mandou abrir uma rota no caminho, de forma a impedir futuras passagens. (Depoimentos com referência às concretas passagens dos mesmos que infirmam os pontos aqui em causa encontram-se identificadas e descritas no corpo das Alegações).
x) O depoimento da testemunha A. V. também não deveria ter sido valorado, porquanto não participou em nada que estivesse relacionado com o negócio. E tudo o que sabia foi de ouvir dizer do Autor. Sendo, portanto, um depoimento indireto.
y) De igual forma não colhe o argumento do preço pago pelo caminho, porquanto sempre seria necessário a abertura de um caminho ou reconfiguração do existente para poder fazer passar os camiões com a pedra e restantes materiais de construção.
z) Tivesse o Tribunal analisado a prova de forma criteriosa e com a ponderação que lhe era exigível e facilmente concluiria que o dono do prédio "Casal Y", nunca iria permitir a construção de um caminho por entre a propriedade, com carater permanente. Pois, se assim fosse, estaria a destruir os campos ali existentes, a hipotecar a capacidade produtiva do imóvel e a hipotecar uma futura venda do imóvel. Sendo que este imóvel tem mais área que o dos Autores, melhores acessos e melhor exposição solar. Valendo, como se provou com a venda à Ré, muito mais.
aa) Pelos motivos expostos nas conclusões supra, devem os pontos n.ºs 9, 10 e 11, devem ser reapreciados em conformidade ao que se vem de acabar de expor, serem julgados não provados.
bb) Quanto aos pontos 15, 16, e 17, dos factos julgados provados, entende a Apelante que deveriam ter merecido a resposta de "não provados". Porquanto resulta do depoimento de parte do Autor que este sempre trabalhou e viveu na Suíça. Quando em Portugal tem residência noutro local diferente do prédio "Casal X". Por conseguinte, só muito esporadicamente passaria por ali, não existindo o necessário uso continuado daquele caminho.
cc) As testemunhas M. M., José, R. V. e Nuno foram completamente parciais. Relataram factos que não correspondiam à verdade, nem podiam de tão distantes da realidade. Colocaram o Autor no local, em momentos em que o mesmo estava na Suíça. Foram contraditórios e demonstraram ter interesse na procedência da ação. Conforme decorre das concretas passagens identificadas e descritas no corpo das Alegações. Razões pelas quais os seus depoimentos não deveriam ter sido valorados.
dd) Entende a Apelante que não poderia o Tribunal a quo ter declarado que a testemunha M. S. não conhecia o local, e como tal não iria valorar o seu depoimento, quando a mesma referiu que desde os cinco anos ali viveu, casou e teve filhos. E, melhor que ninguém, conhecia o local como a palma das suas mãos.
ee) Resultou provado que em finais de 2014 e inícios de 2015 a Ré, com o objetivo de levar a cabo a construção de um empreendimento turístico no prédio "Casal Y", deu início às obras e plantação de árvores. O que implicou movimentação de terras. Tais factos resultam das fotografias juntas aos autos pelos Autores e pela Ré e ainda pelo Sr. Perito, com a Relatório Pericial.
ff) Com a execução destes trabalhos, o invocado caminho deixou de existir a partir de finais de 2014. No entanto, o Autor não deixou de cuidar do seu prédio e de a ele aceder por outro caminho, nomeadamente, pelo denominado "Caminho da Mua". Continuou a limpar o terreno, a fazer a poda e a regar as árvores, conforme resulta das fotografias do imóvel, juntas aos autos com a Petição Inicial, Contestação e Relatório Pericial.
gg) Por outro lado, referiu a testemunha A. L. que a abertura do caminho para os fins que o Autor lhe pretendia dar, foi sem ordem do Sr. Joaquim. Acrescentou que o Autor passou a comportar-se como dono daquilo tudo, incluindo da quinta "Casal Y", tendo vedado a mesma com dois cadeados. Facto que foi confirmado pelo Autor. O que por si denota a má-fé com que agiu desde início, logo após a aquisição que realizou.
hh) Bem sabia o Autor que a autorização que recebeu de Joaquim era limitada no tempo e no espaço. Razão pelas quais as futuras passagens que fez, devem-se ao facto de o dono morar em Lisboa, ter idade avançada e não poder controlar quem por ali passava.
ii) Mais referiu a testemunha A. L. que, mal o Sr. Joaquim soube que o Autor continuou a usar o caminho, mandou que o mesmo fosse destruído.
jj) Assim, e face às conclusões supra, torna-se evidente que os factos descritos nos pontos 15, 16 e 17 não têm a mínima correspondência com a realidade. Nem nada se provou nesse sentido. Devendo, por conseguinte, os factos referidos transitar para os factos não provados.
kk) Quanto aos pontos 18.° e 35.° dos factos julgados provados, entende a Apelante que os mesmos deveriam ter sido julgados não provados.
11) Por um lado, a testemunha A. T., durante o tempo em que granjeou o prédio dos Autores chegou lá a levar uma carrinha, descendo pelo "Caminho da Mua". Por outro lado, resulta do relatório pericial e da resposta aos pedidos de esclarecimentos que as duas viaturas aparcadas no prédio do Autor podiam sair do local, sem grandes dificuldades, fazendo uso do "Caminho da Mua".
mm) Assim, desde logo parece-nos evidente que quer antes de o Autor ter construído o caminho por entre o prédio denominado "Casal Y", quer depois de o caminho ter deixado de existir, o Autor podia aceder à sua propriedade com veículos automóveis. Razão pela qual os pontos 18.° e 35.° devem ser julgados não provados.
nn) Por fim, quanto ao ponto 32.°, resulta do relatório pericial e da envolvente do prédio, precisamente o oposto: no prédio do Autor continuam a existir os tubos de rega. O regato que o ladeia continua a ter água a correr em direção ao rio. O prédio do Autor faz margem com o Rio Peio / Rio Ouro. Assim, se o Autor não rega o imóvel é porque não quer. Razão pela qual deve o ponto 32.° dos factos provados transitar para os factos não provados.
00) Reposto, assim, o acerto das respostas à matéria de facto com as provas produzidas, tem a ação que ser julgada improcedente.
pp) Resulta claro e evidente que ao Autores não lograram alegar e provar a relação de serventia, ou de interdependência, entre os dois prédios - "Casal X" e "Casal Y". De igual passo não provaram que, até o Autor ter adquirido o prédio e mandado construir o caminho, ali existissem sinais de outro caminho que unisse as duas propriedades. qq) Na esteira do que foi defendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30-06-211, proferido no processo n.º 819/05.6TBSSB.L1-6 e disponível in www.dgsi.pt. "Constituem requisitos, cumulativos, da constituição da servidão por destinação do pai de família:

Existência de dois prédios, ou duas frações do mesmo prédio, que tenham pertencido ao mesmo proprietário;
Existência de uma relação de serventia entre esses dois prédios ou as duas frações do mesmo prédio;
Estabelecimento dessa relação de serventia por atos do proprietário dos dois prédios ou frações;
Aparência ou visibilidade dos sinais que revelem a existência da servidão; Inexistência de declaração de exclusão da constituição da servidão no documento de alienação."
rr) Ora, de acordo com o disposto no artigo 1549.° do Código Civil; com a doutrina a ele dedicada; e no seguimento da jurisprudência dos tribunais superiores, como são exemplo os doutos acórdãos identificados no corpo das Alegações, e em face a prova produzida em sede de audiência de julgamento, parece-nos por demais evidente que os requisitos para a declaração e constituição de uma servidão por destinação de pai de família, não se encontram verificados.
ss) O mesmo se diga relativamente à constituição de uma servidão de passagem com fundamento na usucapião.
tt) O Autor não logrou provar a sua boa-fé, porquanto o seu comportamento sempre foi contrário ao acordado com o Sr. Joaquim e contrário à vontade deste. Agindo, assim, de má-fé e aproveitando-se do facto de o dono do prédio não poder controlar quem por lá passava. Por outro lado, nunca o Autor teve o animus de quem exerce um direito próprio.
uu) Ora, conjugadas a má-fé do Autor, com a falta do animus, com a falta de título e ainda por se ter provado que as eventuais passagens que por ali fazia se resumiam ao curto período de férias em Portugal, faltando assim o necessário uso continuado, entende a Apelante que não se verificam os requisitos para aplicação do instituto da usucapião.
vv) Quanto aos demais danos que os Autores pudessem ter sofrido, os mesmos resultam da única e exclusiva responsabilidade destes e não da Ré, que em nada concorreu para que os mesmos se pudessem, eventualmente, ter verificado.
ww) Face ao exposto nas conclusões supra, deve a ação ser julgada totalmente improcedente.
xx) A douta decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 5.°, 607.°, 608.°, n.º 2 e 609.° do Código de Processo Civil e 202.°, 562.°, 483.°, 1260.°, n.º 2, 1305.°, 1400.°, 1547.°, 1548.° e 1549.° do Código Civil.

NESTES TERMOS, e noutros que v-« Ex.as sabiamente suprirão:

Deve o Tribunal ad quem alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, revogando-se a sentença proferida e substituindo-a por uma outra em conformidade, com todas as legais consequências; Dando-se assim provimento ao presente recurso.”

Houve contra-alegações a defender o decidido.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1. Se a sentença recorrida está ferida de nulidade por ter condenado em objeto diferente do peticionado.
2. Alteração das respostas positivas para negativas aos pontos de facto 3, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 32 e 35 da matéria de facto provada.
3. Se em face das alterações propostas às respostas aos pontos de facto impugnados é de revogar a decisão recorrida.

Vamos conhecer das questões enunciadas.

1. A ré apelante suscita a nulidade prevista no artigo 615 n.º 1 al. e) do CPC porque o tribunal conheceu de objeto diferente ao peticionado, materializado na alínea g) da sentença (Declarar que os Autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide o prédio dos Autores e da Ré, por serem proprietários de metade e, quanto à restante metade, pelo exercício de uma servidão constituída por destinação do pai de família;), diferente do formulado na alínea h) da petição inicial (Declare e reconheça que os autores têm direito ao uso da água existente no regato que divide o prédio dos autores e da ré), pedido este fundamentado na matéria de facto alegada nos artigos 25, 26, 27, 28 e 30, o que levaria a que o uso da água peticionado seria o derivado dos usos e costumes da divisão da mesma ao abrigo do disposto no artigo 1400 do C.Civil.

Analisando o teor do pedido formalizado na al. h) da petição inicial e a al. g) da sentença constata-se que a decisão incide sobre o mesmo pedido. Apenas o tribunal indicou na al. g) as razões porque considerou que o autor tinha direito ao uso da água e nada mais, que são diferentes das que a apelante invoca para justificar a nulidade da sentença.

O que está em discussão é saber se o autor tem direito a usar a água do regato e a que título. E o tribunal respondeu no sentido de que o autor tem direito a usá-la com base no direito de propriedade numa parte e na outra com fundamento numa servidão por destinação de pai de família. O tribunal qualificou os factos alegados pelo autor dentro dos poderes de interpretação que lhe são conferidos no artigo 5.º do CPC. E isto não fere a decisão de nulidade, porque a apelante considera que os factos em causa se enquadram noutra qualificação. Esta divergência é fundamento de recurso e não de nulidade.

Em face do exposto julgamos que não se verifica a nulidade invocada pela apelante.

2. Alteração das respostas positivas para negativas aos pontos de facto 3, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 32 e 35 da matéria de facto provada.

A ré pretende a alteração das respostas positivas para negativas aos pontos de facto indicados, atacando, essencialmente, a valoração dos depoimentos de várias testemunhas, pelo tribunal, na formação da sua convicção, em detrimento de outros e das declarações de parte do autor.

Iremos seguir a metodologia da apelante, confrontando-a com a do tribunal, destacando o teor dos pontos de facto questionados.

Começaremos pelo n.º 3:

3. Em tal regato existia um passadiço em pedra e terra, através do qual podia ser realizado o acesso ao prédio denominado “Casal X” para veículos de tração animal e pessoas a pé, por um caminho que saía da Estrada Nacional e que atravessava o prédio denominado “Casal Y”.

O tribunal justificou a formação da sua convicção, essencialmente, no depoimento das testemunhas Nuno, A. V. e nas declarações de parte do autor António, que lhe mereceram credibilidade, afastando os depoimentos das testemunhas António L. e A. L., por não lhes merecerem credibilidade, por aquele ser familiar desta e esta se revelar uma pessoa hostil ao autor, e não ter capacidade de resposta relativamente a determinadas questões que lhe foram formuladas pelo autor.

No que concerne aos depoimentos das testemunhas B. T. e Manuel, não o convenceram porque já não iam à propriedade em discussão, há mais de trinta, sendo plausível que, no decurso deste tempo, ter lá surgido o acesso questionado.

A apelante destaca excertos de várias testemunhas, sua razão de ciência, para infirmar os fundamentos do tribunal, no sentido de convencer o tribunal de recurso a valorar os seus depoimentos em detrimento dos invocados pelo tribunal recorrido. Elenca os depoimentos das testemunhas M. S., A. T., Manuel, M. M., A. L., e destaca o facto de todas, com exceção do M. M., viverem vários anos nas propriedades, tendo um conhecimento direto dos factos, pelo que os seus depoimentos deveriam ter sido valorados pelo tribunal, o que imporia uma resposta negativa ao ponto de facto impugnado.

A questão não está na razão de ciência, que o tribunal não deixou de valorar, mas antes na credibilidade dos depoimentos. Daí o afastamento liminar dos depoimentos do A. T. e da A. L.. Considerou os depoimentos do Manuel e B. T., mas que, devido ao tempo que deixaram de ir ao local, as suas afirmações não afastavam a possibilidade de o acesso ter sido constituído posteriormente.

Reapreciando a prova envolvida na resposta ao ponto de facto questionado e outra indicada pela apelante, julgamos que no que concerne às pedras existentes, colocadas no regato para permitir a passagem a pé e carro de tração animal de um prédio para o outro, não é crível a versão apresentada pelos autores e confirmadas pelo autor nas suas declarações de parte e pelos depoimentos das testemunhas A. V. e Nuno. E isto porque o autor apenas se referiu de forma fugaz à existência das pedras, o Nuno começou por dizer que não se passava de um prédio para o outro, e, só depois de várias instâncias do mandatário dos autores, começou por dizer que se saltava o ribeiro, que era fundo, e já numa fase mais adiantada referiu que o Manuel as colocou para passar e que o viu lá passar várias vezes com o carro de vacas. Por sua vez, o A. V., sobre o assunto, começou por não compreender as perguntas do mandatário do autor. Depois sempre foi dizendo que se notavam lá umas pedritas no ribeiro, mais abaixo do local onde fez a passagem, por onde se poderia passar com carros de bois, referindo que o ribeiro nesse sítio era baixo, estava ao nível do caminho antigo.

Esta posição é contrária ao afirmado, de forma categórica, pelo Manuel e sua esposa M. S. que viveram na propriedade, que é hoje dos autores, mais de trinta anos, como caseiros, e não foi posta em causa a credibilidade e não é de colocar, uma vez que não há razões para tal. Não poderá ser pelo facto de lá terem saído há mais de vinte anos e não terem lá voltado posteriormente. Pois não é crível que tenham sido colocadas, posteriormente, face ao estado em que se encontrava a propriedade, que é hoje da ré, tendo o A. V. afirmado que as silvas já ultrapassavam a máquina que utilizou para alargar o caminho antigo, e que estaria abandonada há mais de trinta anos. Em face de tudo isto fica a dúvida se havia a passagem de um prédio para o outro e se existiam as pedras no ribeiro que o permitiriam. Daí que se tenha de alterar para negativa a resposta ao ponto de facto 3º.

Pontos de facto 9,10 e 11.

9. A aquisição do imóvel denominado “Casal X” pelo Autor ao mencionado Joaquim foi realizada com a condição de este último permitir que junto ao local onde se encontrava o referido regato fossem colocadas manilhas em cimento e depositada terra sobre as mesmas, a fim de eliminar o desnível dos dois prédios em relação ao regato.
10. Mais ficou acordado, como condição prévia, que o Autor podia alargar o caminho para acesso ao prédio que existia através do prédio rústico denominado “Casal Y”.
11. Assim, conforme o acordado, o Autor, durante o ano de 1997, alargou o aludido caminho e colocou, em parte do leito do mencionado regato e do prédio que iria comprar, 9 manilhas em cimento, com 1 metro de comprimento e com o diâmetro de 110 cm para desviar a água do leito, sobre as quais colocou terra até a altura de cerca de 2 metros do mesmo e nivelou o respetivo piso.

Estes pontos de facto dizem respeito ao acordo formulado entre o autor marido e o anterior proprietário para a execução de obras de alargamento de um caminho e colocação de uma passagem sobre um regato com o fim de permitir fazer a ligação entre o prédio que o autor queria comprar e o confinante e a via pública, condição essencial para a outorga do contrato de compra e venda.

O tribunal formou a sua convicção, essencialmente, nos depoimentos das testemunhas M. M., A. V. e Nuno e desvalorizou os depoimentos das testemunhas A. L. e A. T. por não serem credíveis.

A apelante, nas suas alegações, põe em causa a credibilidade dos depoimentos que estiveram na base da formação da convicção do tribunal, destacando a formação profissional da testemunha M. M., funcionário já aposentado e com muita experiência no domínio do Registo Predial, que elaborou o contrato-promessa de compra e venda e o recibo de quitação do restante do preço, sem que tivesse mencionado nestes documentos, nem na escritura, a abertura do caminho como condição essencial para a outorga do contrato de compra e venda, o que revela que o mesmo era transitório e apenas para o transporte de pedra para a reconstrução de um casa existente na propriedade a comprar, como o afirmaram as testemunhas A. L. e A. T., cujos depoimentos deveriam ter sido credibilizados.

A testemunha M. M., pela forma como depôs, com serenidade, e pelas relações de confiança que merecia do autor e do Joaquim revelou-se uma testemunha credível ao tribunal recorrido, elaborou os documentos preparatórios para a conclusão do contrato definitivo – contrato de compra e venda de um imóvel. E disse que foi mencionado, expressamente, no seu escritório, sito sua residência, que o autor impôs, como condição da concretização do negócio, a abertura de um caminho que ligasse a via pública ao prédio que pretendia comprar, para passagem de veículos automóveis. E que o Joaquim anuiu, sendo feito o contrato promessa e pago, como sinal, a quantia de 1.500.000$00, em abril de 1997. Depois de executado o caminho, o autor e o Joaquim apareceram no seu escritório para pagamento do restante preço, porque o caminho já estava executado. E assim foi feito, tendo o autor pago ao Joaquim o montante de 4.000.000$00 em agosto de 1997, sendo realizada, mais tarde, a respetiva escritura, em janeiro de 1998. E explicou porque razão não foi mencionado na escritura o referido caminho, porque, aquando da sua realização, já estava executado, não havendo razões, da sua parte, para mencionar uma condição que já estava cumprida.

E julgamos que esta razão é plausível, uma vez que uma condição só tem razão de fazer parte de um contrato quando for para cumprir e não quando já foi concretizada. Neste caso as partes comprometeram-se a autorizar e a executar um caminho como condição da celebração de um contrato de compra e venda de um imóvel. Assumiram esse compromisso verbalmente, que foi oportunamente cumprido, o que levou à concretização do negócio prometido. Daí que não vemos razões para desvalorizar o depoimento desta testemunha, que julgamos que é credível e crucial para a prova destes factos.

E, para complementar esta prova, temos o depoimento da testemunha A. V., que executou a obra de alargamento do caminho antigo juntamente com o A. C., marido da testemunha A. L., que, juntamente com ela, definiram o seu trajeto e o local da passagem sobre o regato para a ligação das duas propriedades. Referiu que a A. L. era a que mandava, era a patroa, e esteve sempre presente.

O depoimento da testemunha A. L. foi muito errático. Apresentou-se no tribunal contrariada e ressabiada com o autor António. Durante o seu depoimento mudou de voz conforme as circunstâncias. Iniciou-o num tom melancólico, mas revelou-se altiva e categórica naquilo que lhe interessava vincar. No que queria que não fosse relevante escudava-se na ausência de memória, cuja atitude era contraditória com a realidade das coisas. Na verdade, quis fazer crer que não esteve presente no projeto e execução das obras do caminho, mas foi descaindo que ia todos os dias levar e buscar o seu marido à obra. E não é crível que no local não visse o que estava a ser feito e por onde. Tentou convencer que o negócio firmado, referente ao caminho, era apenas para levar pedras para a reconstrução da casa e nada mais, o que não é crível face às características da obra, à finalidade do negócio (trânsito de veículos automóveis) e ao preço da sua execução. Daí que o seu depoimento não possa ser credível à luz das regras da experiência. Revelou-se parcial, apesar de tentar disfarçar com a idade (79 anos) e com a doença. Mas nunca perdeu o controlo do que queria e não queria dizer. Além disso, nunca se opôs a que o autor e seus amigos, desde a conclusão do caminho, lá passassem de automóvel, apesar de estar incumbida de zelar pela propriedade. Apenas se limitou a retirar e ordenar que fossem retiradas as correntes colocadas pelo António, no início e fim do caminho.

O A. T., no que tange ao negócio, não tem conhecimento direto, apenas o que a testemunha A. L., sua irmã, lhe contava. E referiu que a colocação das correntes, pelo António, ocorreu depois do caminho estar concluído.

Face a todo o exposto julgamos que a resposta positiva corresponde à prova produzida em audiência de julgamento, pelo que é de manter.

Pontos 15 a 17

15. E, a partir dessa data, o Autor passou a transitar continuadamente através daquele prédio, com veículos automóveis, animais soltos e a pé para aceder ao caminho público situado no lado nascente, o que fazia através de um caminho em terra batida, com a largura de cerca de 4 metros e com trilho bem definido, no qual estavam bem visíveis as marcas deixadas pelo trânsito de veículos, pessoas e animais.
16. O caminho em causa tem início no prédio dos Autores, passa sobre o regato aí existente, atravessa o prédio denominado “Casal Y” em toda a sua extensão, no sentido poente/nascente, até atingir o caminho público.
17. Desde início de 1998 até à presente data, os Autores acedem ao seu prédio com veículos automóveis e a pé apenas e só através do caminho acabado de identificar, de forma continuada e ininterrupta, à vista de toda a gente, sem qualquer espécie de violência ou oposição de quem quer que seja, no convencimento de que ao praticar tais factos agem no exercício de direito próprio e que não prejudicam direitos de outrem.
Neste conjunto de pontos de facto que a apelante impugnou no sentido de ver revertidas as respostas positivas para negativas, fez uma análise crítica a cada um deles.

Relativamente ao ponto de facto 15 indicou um conjunto de excertos de depoimentos de algumas testemunhas, como R. V., Nuno, José, concluindo que não são credíveis, pelo que a resposta terá de ser negativa por falta de prova.

Quanto à testemunha R. V. referiu que foi viver com oito anos, para a Maia, esteve num colégio no Porto e lá casou e vive. E daqui concluiu que não era crível que conhecesse a propriedade em causa e tivesse qualquer interesse em visitar o local.

O certo é que a testemunha é natural do Arco, tem lá uma casa e vai lá quase todos os fins de semana. Daí que tenha razões para dizer que conhece a propriedade e ter identificado o caminho que seguiu para lá ir. Do seu depoimento resulta que conhece a propriedade, referindo um anexo que lá se encontra construído e é crível que se tenha deslocado de carro.

No que tange à testemunha Nuno destaca, nos excertos aludidos, que não viu cabras nem ovelhas, mas o autor tinha cães, coelhos e um pónei; que não soube identificar um caminho numa fotografia que lhe foi exibida e reconhece o caminho da Mua embora desconhecesse o seu nome, para concluir que o seu depoimento não é credível no sentido de ter ido à propriedade pelo caminho que foi construído pelo autor.

Mas o seu depoimento não se fica pelos excertos destacados. A testemunha referiu que esteve lá na propriedade com vários amigos citando o Ramiro, o Quim da beira-rio e que se dava bem com a A. L. e o A. C.. Que viu a construção do caminho e que por lá passou várias vezes. Da análise de todo o depoimento desta testemunha não se pode concluir, sem mais, que não passou no caminho em causa.

Por outro lado, o facto de o autor ser emigrante na Suíça não significa que não utilizasse o terreno em causa, e não passasse pelo caminho que construiu. A partir do momento que comprou o terreno, em janeiro de 1998, começou a fazer obras no seu terreno e era esse o caminho que era utilizado, como o referiu nas suas declarações de parte. Teve lá animais, plantou várias árvores, e construiu um anexo que revela o fim de lazer que lhe destinou após o desenlace do seu namoro. E esse caminho era utilizado, como o revelam os veículos que se encontram na propriedade, que não podem sair depois da destruição da passagem sobre o regato, como o demonstram as fotografias juntas aos autos a fls.227 e incorporadas na perícia, e a fotografia de fls. 152 que identifica um ciclista a circular no caminho aberto pelo autor no sentido do prédio que é hoje da ré para o prédio do autor.

Perante todos estes elementos de prova julgamos que é de manter a resposta positiva ao ponto de facto questionado sob o número 15.

Quanto ao ponto de facto 16, a apelante nada alega de relevante no sentido que leve à alteração da resposta positiva para negativa. Pois apenas se limita a dizer que comprou o terreno confinante sem servidão de passagem. O que não demonstra que o caminho não tenha sido construído e existisse até que foi destruído, em parte pela ré apelante. Daí a manutenção da resposta positiva.

No que diz respeito ao ponto de facto 17 a apelante continua a considerar que não há caminho a partir das obras de terraplanagem que levou a cabo no seu terreno. E que o pouco uso que fez antes desta obra foi contra a vontade dos donos, citando a oposição da testemunha A. L. e seu irmão A. T..

O certo é que a prova produzida em audiência de julgamento foi abundante neste ponto. Os depoimentos das testemunhas invocadas não mereceram credibilidade por parte do tribunal recorrido e da Relação como já foi dito anteriormente. Daí que se mantenha a resposta positiva ao ponto de facto 17.

Pontos de facto 18 e 35

18. Anteriormente à realização das obras pelo Autor, não era possível o acesso de veículos automóveis ao seu terreno.
35. Os factos supra descritos impedem os Autores de acederem ao seu prédio com veículos automóveis.

O tribunal fundamentou as respostas positivas aos pontos de facto questionados no teor do relatório pericial de fls. 216 a 233 e respetivos esclarecimentos de fls. 261 a 264.

A apelante contrapõe o depoimento da testemunha A. T., que um dia passou pelo caminho da Mua com uma Toyota Haice, e com os esclarecimentos prestados pelo perito sobre a possibilidade de passarem veículos automóveis por este caminho em direção à propriedade do autor.

Quanto ao depoimento da testemunha não é crível que tenha feito a aventura que aflorou. Na verdade, pela forma como depôs e explicou porque o fez não convenceu o tribunal recorrido nem a Relação. Pois, na parte final deste depoimento, no que concerne a este ponto, rematou que só fez isto, entrou nesta aventura, porque a viatura não era dele. Se fosse nunca o faria. E isto porque tinha a noção que, nas condições em que se encontrava o caminho, no tempo em que disse que cultivou o terreno, que hoje é dos autores, era impossível lá passar com veículos automóveis. E o relatório pericial vai nesse sentido ao dizer que veículos automóveis de turismo, atendendo às suas caraterísticas, não podiam lá passar livremente, com segurança, todo o ano, correndo o risco de lá ficarem e terem de ser rebocados. É o que resulta das respostas aos quesitos formulados pelos autores e ré a fls. 227 e 231 e 232. E mesmo relativamente a outras viaturas, com características um pouco diferentes, como as que se encontram no local, e foram identificadas no relatório, o perito, em esclarecimentos prestados, concluiu que é muito difícil circularem pelo respetivo caminho, face à forte inclinação que tem. Só veículos como tratores e todo o terreno teriam hipótese de circularem com alguma facilidade.

Daí que as respostas tenham de se manter positivas, porque correspondem à prova produzida em audiência de julgamento.

Ponto de facto 32

32. Em consequência da conduta da Ré, os Autores estão impossibilitados de irrigar a parte inferior do seu prédio.

O tribunal fundamentou a resposta a este ponto de facto no teor do relatório pericial e nas declarações de parte do autor.

A apelante insurge-se contra esta resposta argumentando que do relatório pericial resulta o contrário, ou seja, que era possível aos autores regarem o seu prédio porque existem lá os tubos e corre água pelo regato.

O certo é que o tribunal não se estribou apenas no relatório pericial para dar a resposta positiva a este ponto de facto. Conjugou-o com as declarações de parte do autor, que disse que com as obras realizadas pela ré foi destruída a passagem, dobrados e partidos os tubos da água, colocados para rega. Em face disto, e tendo em conta que o ponto de facto questionado está em conexão com as respostas aos pontos de facto anteriores (28 a 31) e que relatam a destruição da passagem e de parte dos tubos de condução de água, é de concluir que a resposta não poderia ser outra que não fosse a positiva, pelo que é de manter.

Vamos fixar a matéria de facto provada:

1. Joaquim foi dono e legítimo possuidor, durante mais de 10 anos, dos imóveis sitos na freguesia de …, concelho de Cabeceiras de Basto, a seguir identificados:

a) Prédio misto denominado “Casal Xs”, abaixo da estrada, composto de casa de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de 40 m2 e terreno de cultivo com 35.400 m2, descrito na Conservatória sob o nº ... e inscrito na matriz urbana no artigo 231 e na matriz rústica no artigo 219; e
b) Terreno culto e inculto denominado de “Casal Y, abaixo da estrada”, descrito na Conservatória sob o nº ... e inscrito na matriz nos artigos 241, 242 e 243.
2. Os dois prédios acabados de referir estão separados entre si por um pequeno regato.

4. Em fins de 1996, princípios de 1997, o Autor acordou com o mencionado Joaquim comprar-lhe o prédio denominado “Casal Xs”.
5. Assim, por escritura pública lavrada no cartório notarial, em 12/01/1998, exarada de fls. 54 a fls. 56 do Livro 20-C, o Autor e T. S. adquiriram, em comum e partes iguais, o prédio misto denominado “Casal X”.
6. Por escritura pública lavrada em 18/05/2004, no cartório notarial, exarada de fls. 85 a fls. 86 do Livro …, o Autor comprou à mencionada T. S. a metade do referido prédio misto que a esta pertencia.
7. A mencionada aquisição foi definitivamente registada a favor do Autor pela Ap. 10 de 1997/12/19 e Ap. 01 de 2004/05/20.
8. Quando o Autor adquiriu a metade pertencente à referida T. S. era casado sob o regime da comunhão de adquiridos com Maria.
9. A aquisição do imóvel denominado “Casal X” pelo Autor ao mencionado Joaquim foi realizada com a condição de este último permitir que junto ao local onde se encontrava o referido regato fossem colocadas manilhas em cimento e depositada terra sobre as mesmas, a fim de eliminar o desnível dos dois prédios em relação ao regato.
10. Mais ficou acordado, como condição prévia, que o Autor podia alargar o caminho para acesso ao prédio que existia através do prédio rústico denominado “Casal Y”.
11. Assim, conforme o acordado, o Autor, durante o ano de 1997, alargou o aludido caminho e colocou, em parte do leito do mencionado regato e do prédio que iria comprar, 9 manilhas em cimento, com 1 metro de comprimento e com o diâmetro de 110 cm para desviar a água do leito, sobre as quais colocou terra até a altura de cerca de 2 metros do mesmo e nivelou o respectivo piso.
12. Quando executou as obras acabadas de referir, o Autor já havia pago o preço integral do prédio em causa, em 19 de agosto de 1997. 13. E, por isso, pela Ap. 10 de 1997/12/19 foi registada provisoriamente a aquisição do mencionado prédio misto denominado “Casal X” a favor do Autor e de T. S..
14. A partir de Janeiro de 1998, o Autor construiu anexos e muros em pedra no seu prédio e passou com o respectivo material para a construção dos mesmos, através do prédio denominado “Casal Y”.
15. E, a partir dessa data, o Autor passou a transitar continuadamente através daquele prédio, com veículos automóveis, animais soltos e a pé para aceder ao caminho público situado no lado nascente, o que fazia através de um caminho em terra batida, com a largura de cerca de 4 metros e com trilho bem definido, no qual estavam bem visíveis as marcas deixadas pelo trânsito de veículos, pessoas e animais.
16. O caminho em causa tem início no prédio dos Autores, passa sobre o regato aí existente, atravessa o prédio denominado “Casal Y” em toda a sua extensão, no sentido poente/nascente, até atingir o caminho público.
17. Desde início de 1998 até à presente data, os Autores acedem ao seu prédio com veículos automóveis e a pé apenas e só através do caminho acabado de identificar, de forma continuada e ininterrupta, à vista de toda a gente, sem qualquer espécie de violência ou oposição de quem quer que seja, no convencimento de que ao praticar tais factos agem no exercício de direito próprio e que não prejudicam direitos de outrem.
18. Anteriormente à realização das obras pelo Autor, não era possível o acesso de veículos automóveis ao seu terreno.
19. Na parte inferior do prédio dos Autores, desde há mais de 150 anos, até onde chega a memória dos vivos, sempre foi utilizada a água do regato que delimita os dois prédios, que era armazenada numa poça de pedra e terra existente no leito do regato e desviada para o prédio dos Autores, através de um pequeno açude de terra e pedra e conduzida para o interior deste prédio através de um rego a céu aberto.
20. Tal água vinha sendo utilizada de forma continuada e ininterrupta, à vista de toda a gente, sem qualquer espécie de violência ou oposição de quem quer que seja, agindo os Autores e seus antepossuidores no convencimento de que ao praticar tais factos agem no exercício de direito próprio e que não prejudicam direitos de outrem.
21. As nove manilhas construídas pelo Autor em 1997 foram colocadas em posição oblíqua, flectindo para o interior do prédio dos Autores, ficando parte da primeira manilha colocada no leito do ribeiro e todas as restantes no interior do prédio dos Autores.
22. Quando foram colocadas as referidas manilhas, o talude situado do lado da nascente do regato, ou seja, do lado norte, ficou suportado por um muro de pedra até à altura de cerca de 3 metros, com a finalidade de tal muro servir para armazenar as águas existentes no regato em causa.
23. Para armazenamento de tais águas, o Autor colocou uma comporta na boca da primeira manilha.
24. Depois das obras realizadas pelo Autor, as águas passaram a ser conduzidas através das nove manilhas para o seu prédio, onde eram utilizadas para irrigar a sua parte inferior.
25. Depois de terem colocado as manilhas supra referidas, o Autor colocou no interior das mesmas dois tubos de plástico, um de 4 polegadas e outro de 1 polegada, para mais comodamente irrigar a parte inferior do seu prédio e as respectivas árvores de fruto, e junto à boca da última manilha, no local onde existia o rego a céu aberto, colocou várias meias canas em cimento para facilitar a condução da água saída das manilhas.
26. Quando construiu a passagem sobre o regato, o Autor plantou no seu terreno, junto ao ribeiro, algumas árvores, nomeadamente pinheiros e loureiros ornamentais e uma cerejeira, e colocou uma cancela em ferro.
27. Por escritura pública lavrada no cartório notarial da notária Dra. L. M., em 30/12/2014, exarada de fls. 28 a fls. 29 v do Livro …, o mencionado Joaquim vendeu à Ré, A. F., o prédio rústico denominado “Casal Y”.
28. A Ré, ou alguém a seu mando, procedeu em Dezembro de 2014 à terraplanagem de parte do prédio do Autor, destruindo a passagem que este tinha construído sobre o regato e desaterrando uma faixa de terreno com cerca de três metros de largura, que pertencia ao prédio dos Autores.
29. Para o efeito, deslocou a terra, as manilhas e as pedras colocadas pelo Autor para a margem esquerda do regato, aumentando o talude do seu prédio com as pedras e os resíduos das manilhas deslocadas, encontrando-se uma das manilhas no local e as restantes manilhas e pedras soterradas no talude do prédio desta que margina o regato, e arrancou parte dos tubos de condução de água.
30. A Ré arrancou ainda a cancela construída pelo Autor, assim como um pinheiro bravo adulto, dois pinheiros jovens, loureiros e uma cerejeira que aí se encontravam.
31. Com a remoção da cancela e das árvores, a Ré causou aos Autores um prejuízo de valor não concretamente apurado.
32. Em consequência da conduta da Ré, os Autores estão impossibilitados de irrigar a parte inferior do seu prédio.
33. A Ré igualmente destruiu parte do leito do caminho construído pelo Autor para acesso ao seu terreno, tornando-o intransitável para veículos automóveis, e colocou pedras de grande dimensão no início do caminho em causa, junto ao caminho público, e outras pedras, sensivelmente a meio do percurso do mesmo, a fim de impedir que os Autores transitem para o seu prédio através do caminho em causa.
34. Após a propositura da presente acção, a Ré construiu um tanque/viveiro para peixes, bem como três portões no leito do caminho de acesso ao terreno dos Autores.
35. Os factos supra descritos impedem os Autores de acederem ao seu prédio com veículos automóveis.
36. No interior do seu prédio, os Autores têm guardado dois veículos automóveis que também não podem ser retirados.
37. Os Autores sofrem incómodos e prejuízos com a manutenção da situação actual.”

3. Se em face das alterações propostas às respostas aos pontos de facto impugnados é de revogar a decisão recorrida.

O tribunal recorrido, em face da matéria de facto provada, considerou provado o direito ao uso da água do regato, por parte dos autores, na servidão constituída por destinação do pai de família e por usucapião e o mesmo sucedendo no que respeita ao caminho que dá acesso da via pública ao terreno dos autores, passando pelo prédio que era do Joaquim e que, desde 2014, foi adquirido pela ré. E reconheceu que a ré é responsável, civilmente, pelos danos causados aos autores pelas obras realizadas no seu prédio, que atingiram o caminho por onde os autores circulavam para aceder ao seu prédio.

A apelante, nas suas conclusões, e tendo sempre em conta as alterações à matéria de facto questionada, defende que não se constituiu a servidão de passagem sobre o seu terreno por destinação do pai de família porque os prédios sempre foram separados e nunca houve qualquer ligação entre si, pelo anterior proprietário. E também não aconteceu, com fundamento na usucapião, porque os autores nunca tiveram posse sobre o caminho aberto e o uso que lhe deram foi com oposição dos proprietários, de má fé, não se tendo concluído o prazo de 20 anos para que a usucapião se concretizasse. E, no que respeita à responsabilidade civil, não se verificam os pressupostos do artigo 483 do C.Civil, porque a ré realizou as obras no exercício do direito de propriedade pleno, sem encargos, nomeadamento a servidão de passagam que os autores invocam, porque quando compraram o terreno foi-lhes garantido que não existia qualquer servidão.

Apenas houve alteração da resposta positiva para negativa ao ponto de facto 3º.

Esta alteração em nada influencia a subsunção jurídica que o tribunal recorrido fez para fundamentar a constituição de uma servidão de passagem, sobre o prédio da ré, a favor do prédio dos autores, por destinação do pai de família e usucapião.

Na verdade, o tribunal recorrido, no que concerne àquele primeiro fundamento, refere-se à abertura do caminho pelo autor marido, em 1997, com autorização do proprietário Joaquim, que passou a ligar as duas propriedades (Casal X e Casal Y), cuja execução ocorreu antes da venda concretizada em janeiro de 1998, não sendo mencionado, na escritura, nada em contrário à ligação entretanto ocorrida. Não fez referência à ligação mencionada no ponto de facto n.º3.

Daí que julgamos que se verificam os pressupostos de aquisição do direito de servidão de passagem por destinação do pai de família, ao abrigo do disposto no artigo 1549 do C.Civil, na medida em que os dois prédios em discussão ficaram unidos por um caminho, no tempo do anterior proprietário (Joaquim), realizado pelo autor marido, com autorização daquele e no interesse dele, que aceitou como condição da aquisição do prédio “Casal Xs”, nada tendo sido referido, em contrário, na escritura de compra e venda de janeiro de 1998.

No que concerne à aquisição da servidão por usucapião, ficou provada a boa-fé dos autores, na medida em que usaram o caminho desde o início de janeiro de 1998, com autorização do anterior proprietário, que lhe vendeu o prédio “Casal X” com a condição de lhe deixar abrir o caminho para acesso ao mesmo com automóveis, até dezembro de 2014, quando a ré destruiu parte do caminho, com obras de terraplanagem.

A aquisição originária, por usucapião, concretizou-se em janeiro de 2013, passados 15 anos após o início da posse pacífica, de boa-fé, pública e reiterada, nos termos do artigo 1287, 1288, 1296, como se retira dos pontos de facto 9 a 17.

No que diz respeito à responsabilidade civil, julgamos que se verificam os pressupostos do artigo 483 do C.Civil, na medida em que as obras realizadas pela ré, no seu prédio, violaram o direito de servidão de passagem, ao destruírem, parcialmente, o caminho ali existente, e que dava acesso ao prédio dos autores, impedindo-os de circular. A destruição foi culposa e causou danos aos autores, como se infere dos pontos de facto 28 a 37.

Em face do exposto é de manter a decisão recorrida.

Concluindo: 1. Não se verificam os pressupostos da nulidade prevista no artigo 615 n.º 1 al e) do CPC, porque o tribunal recorrido não condenou em pedido diverso do formulado, uma vez que qualificou os factos alegados pelo autor dentro dos poderes de interpretação que lhe são conferidos no artigo 5.º do CPC.
2. Apenas foi considerado não provado o ponto 3.º da matéria de facto provada porque o TRG ficou com dúvidas, depois de apreciada a prova produzida, sobre a verdade dos factos insertos no ponto de facto questionado.
3. Verificam-se os pressupostos da aquisição da servidão de passagem por destino de pai de família e usucapião, a favor do prédio dos autores sobre o prédio da ré.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante.

Guimarães,


1 - Apelação 119.15.3T8CBC.G1 – 2ª
Ação Proc. Comum
Tribunal Judicial Comarca Braga – Cabeceiras de Bastos
Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Eva Almeida e Beça Pereira