Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
831/19.8T8VCT.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS
DECLARAÇÕES DE PARTE
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA A. PARCIALMENTE PROCEDENTE (RECURSO PRINCIPAL) / APELAÇÃO DA R. IMPROCEDENTE (RECURSO PRINCIPAL)
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - O artigo 640.º, n.º 1 do CPC exige que se aponte de forma clara e inequívoca os pontos da matéria de facto dos quais se discorda, as razões da discordância e a decisão que deve ser proferida sobre cada uma das questões de facto impugnadas.
2 - Não é admissível uma impugnação genérica e global da matéria de facto julgada em primeira instância, estando vedado ao apelante, pura e simplesmente, discordar dos factos provados, entendendo que devem transitar para os factos não provados e, ao contrário, entender que todos os factos não provados, devem transitar para os factos provados, manifestando uma genérica discordância com a decisão da 1ª instância, sem indicação, relativamente a cada um dos factos (ou, pelo menos, a pequenos grupos individualizados de factos) dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre esses concretos pontos de facto.
3 - As declarações de parte devem ser apreciadas pelo tribunal a par dos outros meios de prova de apreciação livre, tornando-se necessário, no entanto, pela própria natureza das mesmas, um esforço mais aturado para apurar da sua credibilidade, sobretudo quando em confronto com outra prova de sentido contrário.
4 – Não é pelo facto de o intermediário financeiro ser, em simultâneo, o emitente dos títulos mobiliários transacionados (estando em causa uma atuação na qualidade de intermediário) que a situação deverá ser subsumível ao regime da responsabilidade do emitente por informação desconforme, com a consequente sujeição ao quadro de caducidade previsto no art. 243º, alínea b), do CVM, mas, pelo contrário, deverá beneficiar da proteção do regime da responsabilidade do intermediário financeiro, não sujeita aos prazos de caducidade do citado artigo, mas antes ao regime de prescrição contido no art. 324º, nº 2, do CVM.
5 - Na responsabilidade civil contratual ou pré-contratual proveniente da intermediação financeira, é de vinte anos o prazo de prescrição quando estão em jogo situações de dolo ou culpa grave, sendo que o prazo de prescrição é de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro. Já no que toca à responsabilidade extracontratual, o prazo de prescrição é de três anos (artigo 498º/1 do Código Civil) a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

J. C. e mulher C. R. deduziram ação declarativa contra Banco ..., SA (...) formulando os seguintes pedidos:

1- Ser o Réu condenado a indemnizar os Autores pela violação dos deveres de boa-fé previamente à subscrição do boletim de aceitação da oferta pública de troca de valores mobiliários, nos seguintes valores:
a) € 2.400,00 correspondente a 7,5% do valor nominal das obrigações subordinadas que foi perdido com a sua troca pelas acções do Réu;
b) € 1.294,74 correspondente à remuneração periódica que as obrigações subordinadas confeririam desde Maio de 2015 até ao respectivo vencimento e que correspondia à taxa Euribor a 6 meses acrescida de 1,40%;
c) € 24.897,98 correspondente a 92,5% do valor nominal das obrigações subordinadas, já deduzido o valor recebido com a venda das acções;
d) € 97,91 correspondente aos juros devidos desde o vencimento de cada uma das remunerações devidas pelas obrigações subordinadas até ao dia 18/02/2019 calculados à taxa de juro legal;
e) € 418,82 correspondente aos juros devidos desde Setembro de 2018 (data de vencimento das obrigações subordinadas) até ao dia 18/02/2019, calculados à taxa de juro legal sobre o valor de € 27.297,98, mas que se reclamam até efectivo e integral pagamento;
f) € 10.000,00 correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, acrescido de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, deve ser o Réu condenado a indemnizar os Autores pela violação grave e dolosa dos deveres de informação, boa fé e de lealdade, que sobre si impendiam enquanto instituição financeira, nos termos da responsabilidade contratual, nos seguintes valores:

a) € 2.400,00 correspondente a 7,5% do valor nominal das obrigações subordinadas que foi perdido com a sua troca pelas acções do Réu;
b) € 1.294,74 correspondente à remuneração periódica que as obrigações subordinadas confeririam desde Maio de 2015 até ao respectivo vencimento e que correspondia à taxa Euribor a 6 meses acrescida de 1,40%;
c) € 24.897,98 correspondente a 92,5% do valor nominal das obrigações subordinadas, já deduzido o valor recebido com a venda das acções;
d) € 97,91 correspondente aos juros devidos desde o vencimento de cada uma das remunerações devidas pelas obrigações subordinadas até ao dia 18/02/2019 calculados à taxa de juro legal;
e) € 418,82 correspondente aos juros devidos desde Setembro de 2018 (data de vencimento das obrigações subordinadas) até ao dia 18/02/2019, calculados à taxa de juro legal sobre o valor de € 27.297,98, mas que se reclamam até efectivo e integral pagamento;
f) € 10.000,00 correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, acrescido de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Ainda subsidiariamente, e caso assim não se entenda, deve ser o Réu condenado a indemnizar os Autores pela violação grave e dolosa dos deveres de informação, boa fé e de lealdade, que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro, nos termos da responsabilidade extracontratual, nos seguintes valores:
a) € 2.400,00 correspondente a 7,5% do valor nominal das obrigações subordinadas que foi perdido com a sua troca pelas acções do Réu;
b) € 1.294,74 correspondente à remuneração periódica que as obrigações subordinadas confeririam desde Maio de 2015 até ao respectivo vencimento e que correspondia à taxa Euribor a 6 meses acrescida de 1,40%;
c) € 24.897,98 correspondente a 92,5% do valor nominal das obrigações subordinadas, já deduzido o valor recebido com a venda das acções;
d) € 97,91 correspondente aos juros devidos desde o vencimento de cada uma das remunerações devidas pelas obrigações subordinadas até ao dia 18/02/2019 calculados à taxa de juro legal;
e) € 418,82 correspondente aos juros devidos desde Setembro de 2018 (data de vencimento das obrigações subordinadas) até ao dia 18/02/2019, calculados à taxa de juro legal sobre o valor de € 27.297,98, mas que se reclamam até efectivo e integral pagamento;
f) € 10.000,00 correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, acrescido de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

O réu contestou, excecionando a caducidade do direito invocado e a sua prescrição. Defendeu-se, também, por impugnação.
Os autores responderam à matéria de exceção.
Foi proferido despacho saneador, tendo-se relegado o conhecimento das exceções para final. Foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou o réu a indemnizar os autores nas seguintes quantias:

- € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros) correspondente a 7,5% do valor nominal das obrigações subordinadas que foi perdido com a sua troca pelas acções do Réu;
- € 1.294,74 (mil, duzentos e noventa e quatro euros e setenta e quatro cêntimos) correspondente à remuneração periódica que as obrigações subordinadas confeririam desde Maio de 2015 até ao respectivo vencimento e que correspondia à taxa Euribor a 6 meses acrescida de 1,40%;
- € 24.897,98 (vinte e quatro mil, oitocentos e noventa e sete euros e noventa e oito cêntimos), correspondente a 92,5% do valor nominal das obrigações subordinadas, já deduzido o valor recebido com a venda das acções;
- € 97,91 (noventa e sete euros e noventa e um cêntimo), correspondente aos juros devidos desde o vencimento de cada uma das remunerações devidas pelas obrigações subordinadas até ao dia 18/02/2019 calculados à taxa de juro legal;
- € 418,82 (quatrocentos e dezoito euros e oitenta e dois cêntimos), correspondente aos juros devidos desde Setembro de 2018 (data de vencimento das obrigações subordinadas) até ao dia 18/02/2019, calculados à taxa de juro legal sobre o valor de € 27.297,98, acrescidos dos que entretanto se venceram e os vincendos até efectivo e integral pagamento;
- € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, acrescido de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

O réu interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1ª) Do confronto de todos os meios de prova recolhidos nos autos resulta que a sentença recorrida, ao julgar a matéria de facto, desvalorizou os que lhe cabia valorizar e valorizou aqueles que não podia eleger como bastantes. De facto,
2ª) Se as declarações de parte, sozinhas, não bastam como meio de prova que valha só por si, se, no caso dos autos, as declarações de parte prestadas pelo autores surgem desacompanhadas de outros meios que possam ser caracterizados como complementares de prova e se, a contrariá-las, os autos até oferecem prova documental e testemunhal produzida pelo Recorrente, designadamente pela testemunha V. C., que, na insuspeita qualidade de funcionário que interveio na operação de aceitação da troca de obrigações por acções foi quem recolheu a assinatura do autor marido no Boletim de Troca, está bom de ver que não só o Tribunal recorrido não podia dar como provados os factos alegados pelos autores como devia, em alternativa, ter dado como provados os factos que o Banco alegou;
3ª) No respeito das regras relativas à liberdade da convicção probatória que a sentença tão gravemente violou temos, assim, que devem ser dados por não provados os factos dos Pontos 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 43, 44, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 58, 59, 60, 61. 63, 64, 65, 67, 68, 69, 70, 71,74, 75, 76,78,79, 80, 81, 82, 85, 86, 88, 89, 90, 91, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 106 e 107, dando-se em sus substituição por provados os factos das alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j) e k), atrás mencionadas, constantes do elenco dos factos enunciados na sentença sob a epígrafe de “Não Provados”;
4ª) A decisão que se sustenta na conclusão anterior é a que resulta inevitável de se ponderarem, em sede de reapreciação da matéria de facto e além dos documentos dos autos, os depoimentos das testemunhas que foram ouvidas em julgamento, a saber: M. C. (min. 15:31 a 16:00); D. B. (min. 05:06 a 05:17 da 1ª Parte e min. 16:56 a 18:33 da 2ª Parte); A. C. (min. 11:43 a 12:35 e min. 14:14 a 15:05, ambos da 2ª parte); A. S. (min. 10:25 a 19:00); V. C. (min. 10:02 a 20:55 e 01:41:07 a 01:42:59); A. T. (min. 09:47 a 10:46 da 1ª Parte; 18:09 a 19:06 e 23:12 a 23:30 da 2ª Parte);
5ª) Se o Recorrido apôs a sua assinatura no Boletim de Aceitação da Troca das obrigações por acções imediatamente por baixo de dizeres onde declarou, “para todos os efeitos legais, que conhece e aceita as condições da Oferta constantes do respectivo Prospeto e documentação complementar, acrescentando que lhe foram prestados todos os esclarecimentos que entendeu solicitar (…) e, mais ainda, que tem conhecimento das advertências e aceita os riscos associados ao investimento referidos neste boletim de subscrição e no Prospeto”. (cfr. Ponto nº 113 do elenco dos factos provados) – se isto aconteceu, como aconteceu, tal declaração vale, na esteira do Ac. da Relação de Coimbra de 8 de Novembro de 2011, citado em texto, como presunção de cumprimento do dever de informação sobre todas as condições e riscos da Oferta de Troca, presunção que se não mostra elidida por todos os elementos de prova relevantes corroborarem a declaração, em vez de a infirmarem;
6ª) Modificado o julgamento da matéria de facto nos termos que ficaram sustentados neste recurso e dada, consequentemente, por provada a versão factual alegada pelo Recorrente, impõe-se revogar a decisão recorrida por nada se provar que constitua o Recorrente em responsabilidade civil perante os Autores;
7ª) Mesmo que, modificando-se embora a decisão da instância sobre o julgamento da matéria de facto, ainda assim este Tribunal se fique por uma decisão de non liquet sobre as duas versões dialecticamente em confronto, ainda assim a sentença recorrida tem de ser revogada, por não se presumir a ilicitude e ter o tribunal de decidir contra os Autores por ser sobre eles que recai a obrigação de provar a ilicitude; Sem prescindir,
8ª) Alterada ou não a matéria de facto dada por provada, ainda assim a sentença sob censura teria de ser revogada por ser de entender que o direito ajuizado estava já caducado quando a acção deu entrada em Juízo, por irem decorridos mais de dois anos sobre a data em que em que teve lugar a operação de troca que está no centro da causa de pedir da acção;
9ª) Se no caso dos autos o Recorrente interveio em nome próprio e não na qualidade de intermediário financeiro e se o Banco não toma esta qualidade pela circunstância de, como oferente, contactar os titulares do produto financeiro objecto da oferta, temos que, existindo embora dois regimes de responsabilidade civil, é o regime aplicável o do emitente por ser nesta qualidade que actuou e só nela actuou;
10ª) Ao caso dos autos é, pois, inaplicável o disposto no artº 304, A, nº 1 do CVM artº 304º - A, nº 1 do CVM, que as coisas não são como as decidiu a sentença recorrida: é que, não existindo intermediação financeira e sendo o contacto pessoal estabelecido pelo emitente igual ao estabelecido através de prospecto, o argumento aduzido não pode ser utilizado por envolver interpretação abrogante de todo proibida;
11ª) O caso dos autos está, pois, sujeito à disciplina dos artºs 243º a 541º do Código de Valores Mobiliários, achando-se, por isso, já caducado o direito exercido através da acção quando esta deu entrada em Juízo;
12ª) Mal andou a sentença recorrida ao tomar a responsabilidade em causa nos autos como uma responsabilidade contratual e que, sendo-o, o facto é imputável ao Banco a título dolo, portanto com culpa grave;
13ª) Inscrita no âmbito de uma violação ao dever de informação a que se refere o artº 7º do CVM., a ilicitude apontada ao comportamento do Banco resultaria, por natureza, da violação de uma norma destinada à protecção de interesses alheios, sendo-lhe de todo estranha a violação de um direito subjectivo que é o único de que pode emergir a responsabilidade contratual;
14ª) Participando da natureza extracontratual, o prazo de prescrição mais longo que lhe está assinalado é o de três anos a que se refere o artº 498º do Cód. Civil, sendo de todo inadmissível estender a este tipo de responsabilidade o prazo de vinte anos fixado no artº 309º do Código Civil;
15ª) E não é por, a montante do relacionamento das partes (banqueiro e cliente) existir um contrato de depósito bancário que todo o relacionamento entre ambos passa a participar de natureza contratual;
16ª) Se a responsabilidade civil pedida ao banqueiro emergir do modo como agiu relativamente a uma proposta de troca de títulos de que é emitente e que o cliente tem em custódia em carteira, essa responsabilidade não tem natureza contratual só porque existia entra as partes um contrato de depósito bancário;
17ª) A responsabilidade civil pedida ao Banco na presente acção, a existir, teria apenas natureza extracontratual e, tendo-a, o prazo prescricional era de três e não de vinte anos;
18ª) Este prazo já estava decorrido quando o Banco foi citado para os termos da presente acção pois que o autor ficou consciente da troca das obrigações por acções no dia 27 de Abril de 2015 (data em que assinou o Boletim de Troca) e o Banco apenas foi citado para os termos da demanda no dia 8 de Março de 2019;
19ª) Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artºs 607º, nº 5 do Cód. de Processo Civil, 498º e 309º do Cód. Civil e 7º, 243º e 304º, A do Código de Valores Mobiliários.

TERMOS EM QUE, tanto no que respeita à decisão sobre a matéria de facto como no que respeita à decisão de direito, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que, julgando procedentes, quer a defesa por impugnação, que a defesa por excepção (caducidade e prescrição) deduzidas pelo Recorrente, o absolva do pedido, com todas as legais consequências.
É o que se espera resulte da sempre douta e esclarecida reflexão de Vossas Excelências.
Assim decidindo, farão Vossas Excelências J U S T I Ç A

Os autores interpuseram recurso subordinado, onde formularam as seguintes
Conclusões:

A) O presente recurso subordinado tem apenas e só por objeto a condenação do R., a pagar aos autores a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais sofridos pelos Autores.
B) Os AA. entendem que, face à factualidade apurada, o Banco R. deveria ter sido condenado numa indemnização, a título de danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 10.000,00.
C) Atentos os factos dados como provados, a atuação dolosa dos funcionários do Banco R..
D) De facto, estes, durante anos, e em diferentes contextos, fizeram os AA. crer que as poupanças de uma vida estavam absolutamente seguras, quando na verdade, aplicaram o dinheiro destes, à sua absoluta revelia, primeiro em obrigações e depois em ações do próprio banco.
E) É absolutamente clara a atuação dolosa do Banco R. ao longo dos anos, resultando tal, claramente, da matéria de facto dada por provada.
F) Veja-se os factos dados como provados para se perceber como foram atuando os funcionários do R., e foram, ao longo do tempo, enganando os AA..
G) É patente nos mesmos a atuação ardilosa dos funcionários do R. ao longo de cerca de 10 anos, desde 2008 pelo menos, até 2017.
H) Por outro lado, se olharmos para a situação económica do R., veremos que apresentou recentemente lucros no valor de cerca de € 183 milhões de euros, relativos ao exercício do ano de 2020.
I) Foi ainda apurado em relação aos AA. que são cidadãos reformados, atenta a sua idade, possuem baixa escolaridade e são pessoas de parcos recursos.
J) Ficaram os AA. sem o dinheiro aplicado em ações (à data de hoje ainda não o recuperaram) e sem o dinheiro que pretendiam doar aos seus filhos.
K) Os AA. vivem apenas das suas reformas, o que não era o seu plano de vida, atento o pé de meia que haviam feito durante uma vida de trabalho.
L) Por outro lado, uma indemnização no valor de € 750,00 pelos danos não patrimoniais a cada um dos lesados, atenta a situação e o tempo que a mesma já leva sem resolução, que releva para o sofrimento, angústias e desgostos sofridos desde 2017 até ao presente, impõe que a indemnização seja fixada em € 10.000,00 e não em € 1.500,00, sendo esse montante manifestamente insuficiente para ressarcir os AA. Dos danos sofridos.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao recurso, como será de JUSTIÇA.

Autores e réu contra-alegaram.
Os recursos foram admitidos, como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, caducidade, prescrição e quantificação dos danos não patrimoniais sofridos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos provados

1- O Autor tem 75 anos;
2- A Autora tem 76 anos;
3- Os Autores completaram o 3.º ano de escolaridade;
4- Na perspectiva de conseguir uma vida melhor para si e para a sua família, o Autor emigrou para França em 1968, com 24 anos;
5- Em 1974, a Autora, já com dois filhos, juntou-se ao marido em França;
6- Em França, o Autor sempre trabalhou na construção civil;
7- A Autora era doméstica;
8- Os Autores construíram a sua casa de habitação em Portugal;
9- Os Autores abriram uma conta no Banco ..., onde permaneceram como clientes até a referida instituição ser incorporada no Banco ..., S.A., ora Réu;
10- O local da sucursal bancária foi e ainda é na Praça da …, em Viana do Castelo;
11- Os Autores, sempre que possível, amealhavam dinheiro e depositavam-no na conta n.º ………59 por eles titulada no banco ora Réu;
12- Em 2008 os Autores, já reformados, regressam a Portugal;
13- Os Autores sempre viram o seu banco como uma instituição que lhes guardava o dinheiro e que lhes pagava por esses depósitos;
14- Os Autores não têm conhecimentos e formação para compreenderem a existência de produtos financeiros, de valores mobiliários, de carteiras de títulos, de futuros;
15- Para os Autores só há uma forma do seu dinheiro estar bem guardado, ou é num depósito a prazo ou num depósito à ordem;
16- Os Autores acreditavam que o Sr. V. C. os conhecia e que colocava sempre o seu dinheiro a prazo ou à ordem;
17- Em Maio de 2015 os Autores foram contactados pelo Sr. V. C. para se deslocarem à sua agência já que tinha uma proposta mais vantajosa para aplicação do dinheiro;
18- Embora desconhecendo o que pretendia dizer, os Autores referiram que, desta vez, não iriam poupar, mas dar € 10.000,00 (dez mil euros) a cada um dos seus quatro filhos;
19- No entanto, depois de muita insistência e tendo o aludido funcionário bancário informado que estava a terminar o prazo de um depósito a prazo, os Autores acederam na marcação de uma reunião;
20- No dia 27 de Maio de 2015, os Autores deslocaram-se à sucursal de Viana do Castelo do Réu, onde reuniram com os seus funcionários V. C. e A. T., esta à frente da sucursal;
21- Nessa reunião, o Réu questionou os Autores se queriam aplicar o montante de € 32.000,00 em acções do próprio banco;
22- Os Autores afirmaram que não queriam comprar acções, pois não percebiam nada disso;
23- Os Autores acrescentaram ainda que queriam dar dez mil euros a cada um dos seus quatro filhos e por isso queriam esse dinheiro à ordem;
24- Pelo que se tinham € 32.000,00, iam trazer mais € 10.000,00 de França e ficavam com € 2.000,00 para eles e com os € 10.0000,00 para cada filho;
25- Tanto o Sr. V. C. como a Sra. Dra. A. T. tentaram convencer os Autores que seria melhor para eles aplicar o dinheiro em acções;
26- Os Autores mantiveram a sua posição;
27- Entretanto a Dra. A. T., ainda antes de se ausentar da reunião, disse ao Sr. V. C. “vê então o que podes arranjar”;
28- Já sozinho, o Sr. V. C. dirigindo-se ao Autor marido referiu “Então Sr. J., se não quer investir em acções, assine aqui para o seu dinheiro ficar à ordem”;
29- Perante isto, o Autor marido assinou os papéis que lhe foram apresentados, convencido que o dinheiro ficaria à ordem;
30- Os Autores não leram os papéis que o Autor marido assinou;
31- Porque confiavam no Sr. V. C.;
32- E não perceberiam o que estava escrito nos papéis;
33- No dia 21 de Agosto de 2015, os Autores, acompanhados de três dos seus quatro filhos, dirigiram-se à sucursal de Viana do Castelo do Réu, onde solicitaram ao Sr. V. C., seu gestor de conta, que os auxiliasse na entrega de € 10.000,00 a cada um dos seus filhos;
34- O Sr. V. C. ficou nervoso, pegando nuns papéis que depois rasgava para pegar noutros;
35- Os Autores, três dos seus filhos e um genro que estavam presentes não entendiam o que se passava;
36- Tendo ficado, todos eles, embaraçados e acanhados com a situação;
37- Os Autores pensavam ter € 32.000,00 disponíveis, queriam ficar com € 2.000,00, pelo que teriam que trazer de França € 10.000,00 para poder dar € 10.000,00 a cada um dos seus quatro filhos;
38- O Sr. V. C. referiu que os Autores apenas precisam de transferir € 3.000,00 de França;
39- É neste contexto que o Sr. V. C. pediu a um dos filhos dos Autores, A. M., para assinar alguns documentos, sem ter explicado sequer o seu conteúdo;
40- Considerando a confiança depositada no gestor de conta, bem como o ambiente tenso dado o nervosismo do Sr. V. C., o A. M. assinou o documento sem nada perguntar;
41- O valor de € 10.000,00 destinado ao filho dos Autores, A. M., só foi creditado na sua conta Banco... em data não concretamente apurada de meados de Setembro;
42- Cerca de três semanas depois da ordem ter sido dada;
43- Os Autores estranharam aquela demora;
44- Em finais de Setembro ou Outubro de 2015, os Autores dirigiram-se à sucursal do Réu, juntamente com um dos filhos e respectiva esposa, para tentar perceber toda a situação junto do Sr. V. C.;
45- Uma vez que o Sr. V. C. se encontrava ausente, os Autores foram atendidos por um colega, o Sr. J. C.;
46- Os Autores questionaram então o Sr. J. C. sobre o que se havia passado com as transferências para os filhos;
47- E a nora, D. B., perguntou o que significava a expressão “carteira de títulos” que aparecia nos extractos;
48- O Sr. J. C. informou, então, os Autores que o seu dinheiro havia sido aplicado em acções e que o seu colega, Sr. V. C., deveria tê-los elucidado sobre este produto;
49- O Sr. J. C., dirigindo-se à nora e ao filho dos Autores, A. C., referiu que era notório que estes não tinham capacidade para entender a amplitude daquele produto nem os riscos que a ele estariam associados;
50- O Sr. J. C. aconselhou ainda o filho e a nora dos Autores a estarem atentos e, quando as acções chegassem aos sete cêntimos, era melhor vendê-las para não perderem dinheiro;
51- Os Autores regressaram a casa confusos, e, sem perceber muito bem tudo o que se tinha passado, decidiram esperar pelo seu gestor de conta para esclarecerem tudo isto;
52- Uns dias depois, os Autores regressaram à mesma sucursal do Réu, de modo a falarem com o seu gestor de conta, V. C., e verem toda a situação explicitada;
53- A Autora, na reunião com o Sr. V. C. e com a Dra. A. T., perguntou onde estava o dinheiro deles;
54- Perante tal pergunta, o Sr. V. C. informou que o dinheiro tinha sido aplicado em acções;
55- Sem saberem os riscos de tal produto e quais as suas implicações, os Autores perguntaram quando é que teriam o seu dinheiro disponível;
56- O Sr. V. C. informou que só estaria disponível em 2020;
57- Mas a Dra. A. T., que interferiu na conversa, disse que o dinheiro estaria disponível em 2018;
58- Considerando a confiança existente entre os Autores e o Sr. V. C., os Autores entenderam desta conversa que o seu dinheiro não estava num depósito a prazo, mas em acções e que, em 2018, iriam receber todo o valor;
59- Embora abalados e descontentes com a actuação do Sr. V. C., os Autores saíram convencidos que iriam receber o seu dinheiro;
60- Em Janeiro de 2016, os Autores regressaram à sua sucursal do Banco Réu, onde conheceram o novo gerente, Dr. N. F.;
61- Em Janeiro de 2017, o Dr. N. F., agora o funcionário do Réu à frente da sucursal, contactou o Autor marido, alertando-o que era melhor vender as acções ou repor mais dinheiro, de forma a evitar “perder tudo”;
62- Perante o telefonema do referido N. F., os Autores decidiram vender as acções, pensando que recuperariam o seu dinheiro;
63- No entanto, quando regressam a Portugal verificam que não foram depositados € 32.000,00 na sua conta, mas apenas € 4.702,02;
64- Os Autores sempre comunicaram que apenas pretendiam depósitos a prazo ou à ordem;
65- Os anteriores gestores da conta e o Sr. V. C. tinham consciência da vontade dos Autores, bem como das suas limitações na compreensão dos documentos que lhes eram apresentados;
66- Desde o ano de 2008, que o dinheiro dos Autores era aplicado em seguros de capitalização / poupança e em obrigações;
67- Estas aplicações foram feitas contra a sua vontade expressa e com o seu desconhecimento;
68- Nunca aos Autores faltou o seu dinheiro, pelo que estes nunca se aperceberam que não estava em depósitos a prazo;
69- Os anteriores gestores da conta e o Sr. V. C. foram gerindo as contas como bem entendiam, mesmo contra as ordens expressas dos Autores;
70- Só após 2017 e neste contexto é que os Autores descobrem que detinham “Obrigações Subordinada ... 1S (2008/2018)” desde o ano de 2008, no valor de € 32.000,00;
71- E que estas obrigações subordinadas tinham capital garantido no vencimento (29/09/2018) – fls. 24 e 25 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
72- Em 25 de Maio de 2015, foi tornado público o lançamento pelo Banco ..., S.A. de oferta pública parcial e voluntária de aquisição sobre valores mobiliários subordinados por contrapartida da entrega de até 5.350.000.000 novas acções ordinárias, escriturais e nominativas, sem valor nominal, nas condições constantes do documento junto aos autos a fls. 26-29 (documento nº 7 junto com a petição inicial) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
73- O prazo da oferta pública foi de duas semanas, decorrendo entre as 8h e 30m do dia 26 de Maio de 2015 e as 15h do dia 9 de Junho de 2015 – ponto 11 de fls. 28 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
74- Na reunião mencionada em 20- dos factos provados, o Sr. V. C. informou os Autores que tinham que assinar uns documentos para colocar o dinheiro (€ 32.000,00) à ordem no prazo do seu vencimento, quando na realidade dá ao Autor marido para assinar um boletim de subscrição de acções;
75- Com a subscrição do boletim de aceitação da oferta, os Autores tiveram um prejuízo de € 2.400,00, correspondente a 7,5% do valor nominal das obrigações subordinadas;
76- Já que o valor da entrada correspondeu a 92,50% do valor nominal do valor mobiliário, que in casu eram obrigações de caixa subordinadas – ponto 5 do documento junto a fls. 26 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
77- Os Autores deixaram de ganhar o valor correspondente à remuneração periódica que as obrigações subordinadas conferiam desde Maio de 2015 até ao respectivo vencimento e que correspondia à taxa Euribor a 6 meses acrescido de 1,40% -documento junto a fls. 24v-25 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
78- Nas circunstâncias mencionadas de 20- a 29- dos factos provados, o Sr. V. C. deu ao Autor marido um boletim de aceitação da oferta, que o Autor marido não leu, mas mesmo que lesse não perceberia os seus dizeres;
79- A aquisição de acções do Réu contra vontade expressa dos Autores apenas foi efectuada em consequência da actuação acima descrita;
80- Aos Autores não foi prestada qualquer informação sobre os riscos associados à aquisição de acções;
81- No dia 21 de Agosto de 2015, os Autores solicitaram ao Sr. V. C. que os auxiliasse na entrega de € 10.000,00 a cada um dos seus filhos;
82- Esta entrega deveria ser feita da seguinte forma: dos € 32.000,00 que supostamente tinham à ordem, € 2.000,00 ficariam para os Autores, os € 30.000,00 permitiriam distribuir € 10.000,00 para cada um dos três filhos e € 10.000,00 seriam entregues à filha que estava em França de uma conta aí existente;
83- Até Agosto de 2015, os Autores eram titulares de duas aplicações financeiras, a “Poupança Garantida”, com o número de apólice ……….16, no valor, nesse mês, de € 29,097,17 e o “Produto Renda Certa”, com o número de apólice UL10361005, que possuía, nesse mês, o valor de € 10.000,00;
84- Relativamente ao produto denominado “Poupança Garantida”, o Réu procedeu ao seu resgate e depositou o valor de € 28.376,76 na conta titulada pelos Autores;
85- Os Autores não deram qualquer ordem para proceder ao resgate deste produto, que nem sabiam que tinham;
86- Todos os documentos por si assinados em Agosto de 2015 foram-no na convicção de que estavam a dar as ordens de transferência do valor de € 10.000,00 para cada um dos seus três filhos;
87- Quanto ao Produto Renda Certa no valor de € 10.000,00, o Réu procedeu ao seu endosso ao filho dos Autores, A. M.;
88- Todas estas operações foram efectuadas contra a vontade dos Autores e com o seu desconhecimento;
89- Os Autores descobrem que têm o seu dinheiro em acções no último trimestre de 2015;
90- Embora não percebam o que isso significa, nomeadamente quanto ao risco de não virem a receber o seu dinheiro na totalidade;
91- Os Autores só se apercebem do significado de terem acções quando, em Janeiro de 2017, procederam à sua venda e apenas receberam € 4.702,02, quando pensavam receber € 32.000,00;
92- O valor investido em acções foi de € 29.600,00, correspondente a 92,5% do valor de € 32.000,00 (valor nominal das obrigações subordinadas);
93- Após a recusa da aquisição de acções, jamais passou pela cabeça dos Autores que o Sr. V. C. lhes desse para assinar uma autorização para aquisição de acções;
94- Sempre pensaram que a documentação que lhes era facultada para assinar estava em conformidade com as informações que lhe eram prestadas;
95- O Banco Réu não explicou aos Autores o conteúdo do denominado Boletim de Aceitação da Oferta;
96- Nunca o Banco Réu explicou aos Autores o conteúdo de qualquer prospecto contemplando a informação acerca de acções;
97- Nunca o Banco Réu leu, explicou ou entregou aos Autores a referida informação complementar atinente a tal prospecto;
98- Nunca o Banco Réu prestou qualquer informação ou esclarecimento a propósito da operação financeira em causa, e, muito menos, dos riscos à mesma inerente;
99- O Banco Réu, ao informar os Autores que estavam a assinar documentos para colocar o seu dinheiro num depósito à ordem, quando lhes entregou um impresso que se destinava à troca de obrigações por acções, não lhes prestou, qualquer informação sobre os instrumentos financeiros que subscreveram nem sobre os especiais riscos envolvidos;
100-Há mais de 40 anos que os Autores são clientes do Banco Réu (inicialmente eram do Banco ...), depositando nele e nos seus funcionários confiança;
101-Era nesta instituição que os Autores depositavam o dinheiro que conseguiam poupar;
102-Os Autores sentem-se enganados;
103-A situação acima descrita provocou aos Autores angústia e desgosto; 104-Os Autores não sabem onde devem colocar o dinheiro;
105-A situação acima descrita provocou aos Autores ansiedade e noites mal dormidas;
106-Os Autores aperceberam-se que foram enganados porque são humildes, de baixa instrução e sem conhecimentos técnicos;
107-Toda esta situação provocou e ainda provoca nos Autores instabilidade, receios e incómodos, afectando a sua saúde;
108-Em Maio de 2015, os Autores eram titulares de 640 (seiscentas e quarenta) obrigações subordinadas Banco... ... 1ª Série – obrigações que tinham subscrito no ano da sua emissão, em 2008, e cuja maturidade era de dez anos (2008/2018);
109-Em Maio de 2015, o Banco, autorizado pela Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e com notícia que foi tornada pública, promoveu uma Oferta Pública de Troca (OPT), entre outros títulos, das obrigações subordinadas que tinha emitido em 2008 por acções representativas do capital social do próprio Banco;
110-O Banco deu notícia da operação a todos os seus clientes e, portanto, também, aos Autores, interrogando-os sobre se estavam interessados na sua aceitação;
111-Avisados, os Autores deslocaram-se pessoalmente ao Banco;
112-Os funcionários que os atenderam deram-lhes notícia da Oferta Pública de Troca;
113-O documento denominado de “Boletim de Aceitação da Oferta”, mencionado em 29- e 74- dos factos provados, que o Autor marido assinou, inclui, na última página e imediatamente antes da assinatura os seguintes dizeres “O ordenante declara, para todos os efeitos legais, que conhece e aceita as condições da presente Oferta constantes do respectivo Prospeto e documentação complementar, tendo-lhe sido prestados todos os esclarecimentos que entendeu solicitar, que não está impedido de alienar e receber por depósito as ações, pela legislação da jurisdição aplicável e que as informações constantes do presente Boletim correspondem à verdade. O Ordenante declara ainda que tem conhecimento das advertências e aceita os riscos associados ao investimento referidos neste boletim de subscrição e no Prospeto” – fls. 50 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
114-Esta troca ocorreu no dia 27 de Maio de 2015;
115-A presente acção deu entrada em Juízo no dia 5 de Março de 2019;
116-O Banco foi citado no dia 8 de Março de 2019.

Factos não provados

Tudo foi feito na precedência de completo e cabal esclarecimento prestado aos Autores pelos funcionários do Banco que os atenderam.
Os Autores conheciam bem a natureza destas obrigações, sabiam perfeitamente que se tratava de obrigações subordinadas que, “pagando” um juro muito mais elevado do que o juro do melhor depósito a prazo, todavia em caso de insolvência da Instituição o seu capital só seria reembolsado depois de pagos os credores comuns e, portanto, só depois de pagos os titulares de depósitos a prazo.
Porque confiavam, porém, na solvabilidade do Banco ..., os Autores preferiram o investimento em obrigações por causa, justamente, da mais elevada remuneração que proporcionavam.
Foi-lhes dito, que, do que se tratava, era de trocar, querendo, as obrigações por acções do próprio Banco, segundo um rácio de troca que à data, lhes não causava qualquer prejuízo e até lhe valorizava a aplicação em capital uma vez que as obrigações, porque só seriam reembolsadas no vencimento, que era em Setembro de 2018, estavam cotadas no mercado secundário a um valor algo inferior ao valor de mercado das acções do Banco que receberiam em troca, se aceitassem a oferta.
Dizendo isto, disseram-lhes ainda, tornando-os bem conscientes, de que as acções que recebessem em troca eram acções representativas do capital do próprio Banco e, como tal, sujeitas ao risco de variarem de cotação que, podendo envolver subida, também podia envolver descida.
Foi então que, inequivocamente cientes do risco de hipotética baixa de cotação, os Autores declaram querer a troca.
E ficando cientes disto, cientes ficaram ainda que, se quisessem vender as acções que recebessem em troca das obrigações, podiam fazê-lo em qualquer altura porque as mesmas tinham na bolsa grande liquidez, sendo, de todos os títulos cotados, o mais líquido de todos.
Naquela ocasião e depois de os Autores terem declarado querer a troca, o funcionário que os atendia fez entrega ao Autor marido (por ser o que o ia assinar) do denominado Boletim de Aceitação da Oferta.
Já de posse do Boletim, foi explicado o seu conteúdo – conteúdo que incluía as condições e os riscos de que instantes antes o funcionário tinha posto os Autores ao corrente e de que lhe voltou a falar, alertando-os para o risco das acções e, designadamente, para o risco de baixa de cotação.
Voltando a dizer que queriam a troca que lhes era proposta, mesmo conhecedores dos riscos inerentes, o Autor marido apôs então resolutamente a sua assinatura na última página do Boletim, tal como se vê do documento nº 1.
Fê-lo a saber o que assinava e consciente do que, com o acordo da Mulher, assinava.

Comecemos por analisar a impugnação da decisão de facto, pois esta decisão constitui a base da discordância do apelante réu relativamente à sentença proferida.
O apelante pretende reverter completamente a decisão de facto. Dos 116 factos provados, impugna 77 (sendo que a maior parte dos restantes ou foram alegados por si, como é o caso dos últimos 9 factos, ou se prendem com as condições pessoais dos autores – idade, escolaridade, percurso de vida) e, ao mesmo tempo, pretende passar todos os factos não provados para os factos provados.
Para o efeito, convoca o depoimento das testemunhas M. C. (filha dos autores), D. B. (nora dos autores), A. C. (filho dos autores) e A. S. (sobrinho dos autores) apenas para esclarecer que estas testemunhas não estiveram presentes no Banco, no dia em que o autor assinou o Boletim de Troca das obrigações por ações. Convoca, também, o depoimento dos seus funcionários V. C. e A. T.. A testemunha A. T. começa por dizer que não se lembra de ter estado com os autores e de ter falado da operação, para depois aceitar que quando entrou já tinha sido aceite a operação. Já a testemunha V. C. foi quem esteve reunido com os autores. Não há dúvida que, no seu depoimento, disse que mostrou aos autores os prós e os contras de ter ações e que estes tomaram a decisão, no próprio momento, sem qualquer coação e que os clientes sabiam o que eram ações e dos riscos associados, tendo o Boletim de Troca sido assinado pelo autor à sua frente. Que o Boletim de Troca das obrigações por ações, está assinado pelo autor, também não há dúvida, conforme resulta do facto provado n.º 113.
Ora, se, por um lado, os excertos dos depoimentos destas testemunhas (ainda que ouvidos na sua totalidade) não são de molde a, por si sós, dar como não provada toda a matéria constante dos setenta e sete factos impugnados, é também verdade, que o apelante não dá cumprimento ao ónus que para si decorre do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, ao não especificar em concreto como os concretos meios probatórios enunciados poderiam impor decisão diversa, e qual, relativamente a cada um dos factos impugnados.
Vejamos melhor.
O artigo 640.º, n.º 1do CPC exige que se aponte de forma clara e inequívoca os pontos da matéria de facto dos quais se discorda, as razões da discordância e a decisão que deve ser proferida sobre cada uma das questões de facto impugnadas.
Pode ler-se, a propósito, em Lopes do Rego, Código de Processo Civil Anotado, 2.ª edição, vol. I, pág. 584: “O ónus imposto ao recorrente que impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto traduz-se na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento – o ponto ou pontos da matéria de facto – da decisão proferida que considera viciado por erro de julgamento”.
De igual modo salienta Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pág. 124: “…foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente”, prosseguindo, mais à frente (pág. 126) “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões (…) deixando expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” e concluindo (pág. 129) que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, tratando-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”
O que o apelante fez foi analisar pequenos excertos do depoimento da sua testemunha V. C., bem como socorrer-se de vários considerandos (dispensáveis, diríamos nós) sobre o “lastimável erro de julgamento” e do “ilusório subjectivismo” da sentença, de forma a concluir que houve erro de julgamento e que a ação devia ter sido julgada improcedente.
Ora, o que logo verificamos é que o apelante formula, na prática, um verdadeiro pedido genérico de alteração da matéria de facto e não indica correctamente, para cada ponto em concreto, qual o específico meio probatório que impunha ali decisão diferente, limitando-se a indicar a prova que avalia de um certo modo – diferente da do tribunal - e propondo a seguir, conjuntamente, a alteração de todas as respostas relativamente aos factos que sustentariam a sua versão.
Não pode dizer só que discorda da decisão, não revelando qual o sentido da decisão que entende como correto para cada um dos factos impugnados (veja-se que existem factos impugnados que correspondem, genericamente, ao que as testemunhas do réu disseram e, consequentemente, não se vê, qual a decisão que o apelante entende como adequada para esses factos, designadamente os n.º 13, 14, 17, 18, 19, 22 a 25, 33, 41, 44, 60, 61, 63, 81 e 82, bem como não são indicados quaisquer meios de prova suscetíveis de conduzir a decisão diversa relativamente aos factos que se prendem com os danos não patrimoniais) e referir-se a extratos de depoimentos testemunhais, sem indicar, em concreto, qual o facto ou factos que entende incorretamente julgados e que deveriam obter decisão diversa com base nesses depoimentos.

Ora, não é de todo admissível uma impugnação genérica e global da matéria de facto julgada em primeira instância, estando vedado ao apelante, pura e simplesmente, discordar dos factos provados, entendendo que devem transitar para os factos não provados e, ao contrário, entender que todos os factos não provados, devem transitar para os factos provados, manifestando uma genérica discordância com a decisão da 1ª instância, sem indicação, relativamente a cada um dos factos (ou, pelo menos, a pequenos grupos individualizados de factos) dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre esses concretos pontos de facto.
Não cumpre, assim, o ónus estabelecido no artigo 640.º, n.º 1 do CPC para o recorrente que impugna a decisão de facto, motivo pelo qual se impõe a rejeição do recurso, nos termos deste mesmo artigo.

Ainda quanto à matéria de facto, deve acrescentar-se que, ao contrário do apelante, que pretende que se considere provada a sua versão dos factos, apenas com base no depoimento de uma das suas testemunhas, a sentença recorrida fez uma análise criteriosa de toda a prova produzida.

Relativamente às declarações de parte, não há dúvida que, devendo ser apreciadas pelo tribunal (cfr. n.º 3 do art.º 466.º do C.P.C.), a par dos outros meios de prova de apreciação livre, torna-se necessário, no entanto, pela própria natureza das mesmas, um esforço mais aturado para apurar da sua credibilidade, sobretudo quando em confronto com outra prova de sentido contrário. O que aconteceu, nos autos, é que as declarações de parte dos autores foram confirmadas genericamente, não só pelos seus familiares que, não tendo estado presentes na primeira reunião, estiveram presentes em outras reuniões com importância para o esclarecimento da situação, como pelo depoimento da testemunha comum (e note-se que os próprios autores arrolaram as três testemunhas do Banco) N. F. (novo gerente do Banco), que relatou as diversas vezes em que atendeu os autores, em 2016 e 2017, a pedido destes, e relatou todos os esclarecimentos e informações que teve que lhes prestar, bem como as reações de surpresa e incredibilidade dos autores às suas explicações, de onde decorre que os autores, apenas com as explicações deste funcionário, ficaram a perceber o que eram as ações e o que tinha acontecido ao dinheiro deles. Veja-se que, mesmo a testemunha V. C. aceita os factos relativos à vontade dos autores doarem € 10.000,00 a cada um dos seus filhos, mas enreda-se em explicações e tentativas de desligar esse facto com a reunião de maio de 2015. Veja-se também, como o autor negou a autoria da assinatura do documento que o réu juntou já no decurso da audiência de julgamento – Questionário de Conhecimento e Experiência sobre instrumentos Financeiros e Equiparados – e a perícia efetuada pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, chega à conclusão que é muito provável que a assinatura não tenha sido efetuada pelo punho do autor, trazendo, assim, mais seriedade e honestidade às suas declarações de parte (veja-se que nunca negou que tivesse assinado o Boletim de Troca).

Finalmente, cabe ainda analisar o argumento do apelante relativo à assinatura do autor no Boletim de Troca ter sido efetuada por baixo dos dizeres que constam do facto provado n.º 113, de que ao fazê-lo, se tem de sentir obrigado aos dizeres do documento que subscreveu.
A jurisprudência que o apelante cita, para além de se prender com um contrato de adesão com cláusulas contratuais gerais (locação financeira), o que, de todo não era o caso dos autos, baseia-se na ideia de que o proponente está vinculado, apenas, a proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de ela tomar conhecimento das condições do contrato pré-estabelecidas, não se erigindo o direito à informação como um dogma e ponderando-se que o aderente pode, por iniciativa sua pedir os esclarecimentos que tiver por convenientes, sendo que deles pode prescindir por se ter como suficientemente esclarecido ou por qualquer outra razão. Ora, como se vê da matéria de facto provada nos autos, nada disso aconteceu, uma vez que os autores não tiveram a mínima consciência do que estavam a assinar e pensavam, até, que estavam a assinar um papel para que o seu dinheiro ficasse à ordem – facto n.º 26 dos factos provados – tendo sido induzidos em erro pelo próprio funcionário do Banco em quem confiavam.

Mantida, assim, a decisão sobre a matéria de facto, cabe apreciar as questões jurídicas suscitadas e que se prendem com a caducidade e a prescrição.

Na sentença recorrida a questão da caducidade é tratada nos seguintes termos:
“O Réu sustentou que entre a data dos factos e a data da entrada da acção em Tribunal decorreram mais de dois anos, pelo que o seu direito caducou, invocando o disposto no artigo 243º, do C.V.M., aplicável ex vi do disposto no artigo 251º, do mesmo diploma legal.
Os Autores defenderam que as normas invocadas não têm aplicação na situação em apreço.
Vejamos.
Dispõe o artigo 243º, do C.V.M. que o direito à indemnização deve ser exercido no prazo de seis meses após o conhecimento da deficiência do prospeto ou da sua alteração e cessa, em qualquer caso, decorridos dois anos a contar da divulgação do prospeto de admissão ou da alteração que contém a informação ou previsão desconforme.
Relembrando a factualidade em causa nos autos, não restam dúvidas que está em causa a actuação do Banco Réu na qualidade de intermediário financeiro e não qualquer informação desconforme por este prestada como mero emitente. Neste contexto, não nos parece ser aplicável a norma invocada (artigo 243º, alínea b), do C.V.M.).
A questão em causa foi apreciada no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14-11-2019 (processo nº 3527/18.4T8VCT-A.G1 (in www.dgsi.pt), nos seguintes termos:
“I- O nº 1 do artigo 304º-A, do CVM, ao prescrever que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”, apresenta-se como uma norma “autosuficiente” para determinar a obrigação de indemnizar, não havendo, pois, qualquer necessidade de, neste âmbito da atuação do intermediário financeiro, recorrer ao art. 251º do CVM como “norma de imputação”; II- Presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quer quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais, quer quando o dano seja causado no âmbito de relações pré-contratuais, todas essas situações de responsabilidade civil pela atuação do intermediário financeiro estão sujeitas ao regime de prescrição previsto no art. 324º, nº 2, do CVM; III- O facto de uma entidade ser simultaneamente emitente dos títulos mobiliários e intermediário só aporta riscos acrescidos para o investidor e, por isso mesmo, tal situação carece, mais do que qualquer outra, da proteção conferida pelo art. 304º-A, nº 1, do CVM; IV- Cumulando-se na mesma entidade o papel de emitente dos títulos mobiliários transacionados e o de intermediário financeiro e estando em causa uma atuação nesta última qualidade, a situação não deverá ser subsumível ao regime da responsabilidade do emitente por informação desconforme, com a consequente sujeição ao quadro de caducidade previsto no citado art. 243º, alínea b), do CVM, mas, pelo contrário, deverá beneficiar da proteção do regime da responsabilidade do intermediário financeiro, não sujeita aos prazos de caducidade do citado artigo, mas antes ao regime de prescrição contido no art. 324º, nº 2, do CVM.”.
Ora, uma vez que nos presentes autos, não é posto em causa o prospeto da operação de troca, mas sim a actuação dolosa do Réu, conclui-se pela inaplicabilidade da norma invocada, improcedendo a excepção de caducidade invocada”.
Considera o apelante que a responsabilidade civil do Banco é a de emitente, quer dos títulos a receber (obrigações), quer dos títulos a entregar em troca (ações), não tendo havido intermediário financeiro entre os dois interlocutores, pelo que o caso dos autos está sujeito à disciplina dos artigos 243.º a 251.º do Código de Valores Mobiliários, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 7.º do mesmo Código e, assim, provando-se a violação por parte do Banco, emitente de valores mobiliários admitidos à negociação em bolsa, dos deveres de informação enunciados naquele artigo 7.º, haverá que aplicar o regime legal de responsabilidade civil aí previsto, nos termos do qual, por expressa remissão do artigo 251.º, se revela aplicável o regime de caducidade previsto na alínea b) do artigo 243.º (dois anos).

Vejamos.

Estipula o artigo 243º do CVM (que regula a responsabilidade pelo conteúdo do prospeto nas “formas organizadas de negociação”) que “à responsabilidade pelo conteúdo do prospeto aplica-se o disposto nos artigos 149.º a 154.º (relativos às ofertas públicas), com as devidas adaptações e as seguintes especialidades:

a) São responsáveis as pessoas referidas nas alíneas c), d), f) e h) do n.º 1 do artigo 149.º;
b) O direito à indemnização deve ser exercido no prazo de seis meses após o conhecimento da deficiência do prospeto ou da sua alteração e cessa, em qualquer caso, decorridos dois anos a contar da divulgação do prospeto de admissão ou da alteração que contém a informação ou previsão desconforme.”

Já o artigo 251º estipula que “À responsabilidade pelo conteúdo da informação que os emitentes publiquem nos termos dos artigos anteriores aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 243.º”
Relativamente ao intermediário financeiro, prescreve o artigo 324º, n.º 2 “salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos”
Enquadrando o dever de informação quer do intermediário financeiro, quer do emitente, prescreve o artigo 7.º n.º 1 do CVM “a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”
Ora, acompanhando aqui, tal como na sentença recorrida, o entendimento expresso no Acórdão desta Relação de Guimarães de 14/11/2019, processo n.º 3527/18.4T8VCT-A.G1, de que foi relatora Margarida Sousa, in www.dgsi.pt, diremos que “Da análise e articulação dos citados normativos decorre claramente para nós a existência no CVM, e no que para o que agora nos interessa, de dois regimes específicos de responsabilidade civil por violação do dever de informação – a do intermediário financeiro pelo conteúdo da informação prestada ao seu cliente no âmbito da prestação de serviços de intermediação e a do emitente pelo conteúdo do prospeto de oferta pública e pelo conteúdo do prospeto nas “formas organizadas de negociação” (nesta se incluindo também, sem qualquer problema, a responsabilidade pela omissão no conteúdo de tais prospetos) – regimes de responsabilidade esses que incluem prazos distintos para o exercício dos correspondentes direitos.
(…)
A questão que se coloca é, pois, apenas, a de saber se, cumulando-se na mesma entidade o papel de emitente dos títulos mobiliários transacionados e o de intermediário financeiro e não obstante estar em causa uma atuação nesta última qualidade, como de acordo com o alegado pelos Autores, no caso dos autos sucede, a situação deverá ser subsumível ao regime da responsabilidade do emitente por informação desconforme, com a consequente sujeição ao quadro de caducidade previsto no citado art. 243º, alínea b), do CVM, ou, pelo contrário, deverá beneficiar da proteção do regime da responsabilidade do intermediário financeiro, não sujeita aos prazos de caducidade do citado artigo.
Vejamos.
Certo é, porém, que, embora na doutrina se discuta se a responsabilidade do intermediário financeiro é extracontratual/delitual ou contratual ou até uma responsabilidade intermédia, o legislador resolveu a questão de uma forma pragmática ao prescrever no citado artigo 304.º-A, nº 1, do CVM que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (nº 2 do citado artigo), o que claramente abarca todas as hipotéticas situações de violação do dever de informação pelo intermediário financeiro, não havendo, pois, qualquer necessidade de, neste âmbito da atuação do intermediário financeiro, recorrer ao art. 251º do CVM como “norma de imputação”.
(…)
A confirmar que a aplicação do art. 324º, nº 2, do CVM a todas as situações de responsabilidade civil pela atuação do intermediário financeiro tem sido a posição predominantemente assumida pelas instâncias recursivas vejam-se os acórdãos identificados pelos Recorridos, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt: Ac. do TRP de 11/04/2018 relatado por Carlos Querido; Ac. TRP de 30/05/2018 relatado por Aristides Sousa Almeida; Ac. TRP de 11/10/2018 relatado por Inês Moura; Ac. TRP de 30/05/2018 relatado por Maria Cecília Agante; Ac. TRP de 06/03/2018 relatado por Rodrigues Pires; Ac. do TRL de 21/06/2018 relatado por Ondina Alves; Ac. TRL de 05/07/2018 relatado por Ondina Alves; Ac. TRL de 21/07/2018 relatado por A. S. e Ac. do TRG de 17/12/2018, relatado por António Figueiredo de Almeida; Ac. do STJ de 17.03.2016, relatado por Maria Clara Sottomayor; Ac. STJ de 10.04.2018, relatado por Fonseca Ramos.
Ainda no mesmo sentido, atente-se nos acórdãos da Relação de Coimbra, de 11.12.2018 (Relatora Maria Teresa Albuquerque) e da Relação do Porto, de 24.01.2019 (Relator Paulo Dias da Silva).
Claramente firmando a orientação de que os prazos, para o exercício do direito de indemnização por responsabilidade do intermediário financeiro, previstos no citado art. 324º, nº 2, do CVM não se restringem à responsabilidade na execução dos contratos mas se estendem à responsabilidade pela conduta anterior à celebração dos próprios contratos, pode ler-se no sumário do Acórdão da Relação do Porto de 30/05/2018 relatado por Maria Cecília Agante: “Presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais, é de dois anos o prazo de prescrição, tratando-se de culpa leve ou levíssima, e de 20 anos nos casos de dolo ou de culpa grave”.
Perante a completude deste regime, estando em causa, segundo a versão apresentada pelos demandantes, uma atuação no âmbito da atividade de intermediação financeira, não há qualquer razão para recorrer ao regime da responsabilidade do emitente de títulos mobiliários – e à norma da caducidade para ele prevista – só pelo facto de o intermediário financeiro em causa ser, no caso concreto, também emitente.
Pensamos, aliás, que o facto de uma entidade ser simultaneamente emitente e intermediário só aporta riscos acrescidos para o investidor e, por isso mesmo, tal situação carece, mais do que qualquer outra, da proteção conferida pelo art. 304º-A, nº 1, do CVM.
De novo citando Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in www.revistadedireitocomercial.com (2018-10-12), pág. 1228, não é quando o intermediário “assume o papel de gestor, mandatário ou conselheiro do cliente no que toca a contratos que ele pretende celebrar com terceiros (dando ao intermediário as respectivas ordens)” que urge mais protegê-lo, mas sim “quando o intermediário actua por conta própria, sendo, ou querendo ser a contraparte do cliente” “que se torna mais importante proteger o cliente contra as consequências desfavoráveis de um certo contrato, e que mais tentador se torna para o intermediário financeiro ganhar iniquamente à custa do seu cliente”. (artigo citado, pág. 1232)
Como frisa o aludido autor “nem há base, seja no direito comum, seja no CVM, para sustentar que os deveres de informação ou de adequação a cargo do intermediário financeiro cessam, ou não existem, assim que ele aja na qualidade de contraparte no contrato com o cliente, dividindo de forma tão artificial, rígida e restrita, para efeitos de valoração jurídica, essas modulações da actividade dos intermediários financeiros. Na realidade, o legislador previu-os e consagrou-os como deveres gerais da actividade de intermediação” (artigo citado, pág. 1233)”.

Assim, estando em causa uma atuação no âmbito da atividade de intermediário financeiro, não é pelo facto de o intermediário ser em simultâneo o emitente dos títulos mobiliários transacionados que a situação deverá ser subsumível ao regime da responsabilidade do emitente por informação desconforme, forçoso sendo, antes, aplicar-lhe o regime próprio da responsabilidade do intermediário financeiro.
No caso dos autos, o Banco atuou na qualidade de intermediário financeiro, não estando em causa, apenas, qualquer informação desconforme por este prestada como mero emitente.
Assim sendo, não lhe é aplicável a norma que prevê a caducidade do exercício do direito contra o emitente, ou seja, não lhe é aplicável o art. 243º, al. b), do Código de Valores Mobiliários, pelo que improcede a apelação, nesta parte.

A última questão suscitada pelo apelante prende-se com a prescrição.
Independentemente da dicotomia quanto à natureza da responsabilidade aqui em causa - extracontratual ou contratual – o que interessa considerar é que, ao contrário do que alega o apelante, os autores não ficaram conscientes da troca das obrigações no dia 27 de abril de 2015, mas sim apenas após a venda das ações, em janeiro de 2017. Só nessa altura é que os autores tomaram conhecimento que, afinal, o dinheiro não estava numa aplicação a prazo, só nessa data é que tiveram conhecimento dos termos do negócio de troca das obrigações por ações, do que significava tal negócio e das suas consequências (o que ocorreu, conforme já supra referido, após as explicações que lhes foram dadas pelo funcionário do Banco, N. F.).
Tendo a ação dado entrada no dia 5 de março de 2019, não tinha ainda decorrido o prazo de três anos previsto no artigo 498.º do Código Civil, caso se considerasse estarmos perante responsabilidade extracontratual, como defende o apelante.
Tratando-se de responsabilidade contratual ou pré-contratual, em que se presume a culpa do intermediário financeiro, o prazo de prescrição será de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima, e de 20 anos nos casos de dolo ou culpa grave.
Lembremos que o artigo 324º, n.º 2 do CVM estipula que, salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.
Trata-se de norma, que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2018, processo n.º 31/17.1T8PVZ.P1 (Cecília Agante), in www.dgsi.pt “em função da própria epígrafe, se reporta à responsabilidade contratual do intermediário financeiro, pois, no tocante à responsabilidade extracontratual, é convocável o artigo 498º/1 do Código Civil, que prevê a prescrição do direito indemnizatório em três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. E, na responsabilidade civil dimanante da intermediação financeira, é também de vinte anos o prazo de prescrição quando estão em jogo situações de dolo ou culpa grave, a significar que o prazo de prescrição é de dois anos, tratando-se de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, e de vinte anos nos casos de dolo ou de culpa grave (artigo artigo 324º/2 do CdVM”.
Em face dos factos provados, não há dúvida estarmos perante um caso de dolo ou culpa grave, face ao “emprego de qualquer sugestão ou artifício com intenção de induzir ou manter em erro o autor da declaração (dolo positivo) ou quando ocorra a dissimulação do erro do declarante (dolo negativo) – Almeno de Sá, Direito Bancário, Coimbra Editora, 2008, pág 99 - ou um elevado grau de inobservância do dever de cuidado do declaratário, em comportamentos temerários, indesculpáveis, reprovados pelo mais elementar sentido de prudência, correspondentes àquelas condutas que não são assumidas pela generalidade das pessoas - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, Almedina, 3.ª ed., pág. 467, nota 3” – cfr. último Acórdão citado.
Improcede, assim, totalmente, a apelação do Banco réu.

Quanto à apelação dos autores, entendemos dar-lhes razão parcialmente.
Nos danos não patrimoniais, como é sabido, não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, mas apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, páginas 563 e 564.
Como também se tem dito, trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização tem aqui um papel mais compensatório, mais do que reconstitutivo.
Como ensina Antunes Varela in ob. cit., pág. 568, “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
O dano deve ser de tal modo grave que justifique a tutela do Direito, pela concessão da satisfação de ordem pecuniária – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.

O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal (nº 3 do referido art.º 496º), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta, devendo ser ponderadas as circunstâncias concretas de cada caso.
No caso dos autos, considerando os contornos da situação pela qual passaram os autores e os factos provados, entendemos como mais adequada a indemnização no valor de € 5.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos, procedendo, assim, parcialmente, a apelação dos autores.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- julgar improcedente a apelação do réu;
- julgar parcialmente procedente a apelação dos autores, revogando a sentença recorrida no que concerne à fixação do valor dos danos não patrimoniais, que agora se fixam em € 5.000,00, acrescidos de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
- confirmar a sentença recorrida quanto ao mais.
Custas da apelação do réu pelo apelante e da apelação dos autores, por apelantes e apelado na proporção do decaimento.
***
Guimarães, 11 de novembro de 2021

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira