Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1765/14.8TBGMR.G1
Relator: CARVALHO GUERRA
Descritores: SUB-ROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/20/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Nos casos de sub-rogação, no âmbito da responsabilidade extracontratual, tratando-se de crédito reconhecido por sentença transitada em julgado, importa considerar o disposto no artigo 311º, n.º 1 do Código Civil, que dispõe que “o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça ou título executivo.”
2. Daí que não sejam aplicáveis os prazos de prescrição estabelecidos no artigo 498º. do CC e o prazo prescricional do direito do exequente a considerar é o ordinário de vinte anos.
3.Com a introdução do n.º 6 do artigo 54º do Decreto-Lei n.º 291/2007, o legislador não pretendeu criar uma excepção em relação à sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel nos direitos do lesado a quem satisfez o seu direito de crédito reconhecido por sentença, mas tão só pôr fim a qualquer querela em relação à aplicabilidade da norma do artigo 489º, n.º 2 a essa sub-rogação.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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C. intentou os presentes embargos de executado contra a sociedade “B.”, alegando para tanto e em primeiro lugar, a prescrição do crédito reclamado pela exequente/embargada, nos termos do disposto no artigo 54º, nº 6, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08.
Notificada, a exequente/embargada veio pugnar pelo indeferimento dos embargos alegando, em síntese, que o prazo de prescrição é de 20 anos.
Por se ter entendido que o estado em que o processo se encontrava possibilitava, sem necessidade de mais provas, conhecer do mérito da causa, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 595º do Código de Processo Civil, foi de imediato proferida sentença que julgou os embargos procedentes e absolveu o embargante do pedido exequendo.
Desta sentença apelou a Embargada, que conclui a sua alegação da seguinte forma:
- execução essa baseada em sentença referente ao Processo 50/1996 datada de 06 de Julho de 2004 e proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça;
- pela douta sentença do Supremo Tribunal de Justiça, foram o Executado e o Fundo de Garantia Automóvel, condenados a pagar a quantia de euros 17.365,26, acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal aplicável a cada período, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
- valor apurado como consequência de acidente automóvel ocorrido em 20 de Junho de 1993 em Rebordões, em que foi interveniente o veículo de matrícula …-GDM-…-…;
- após o trânsito em julgado da referida sentença, o Fundo de Garantia Automóvel liquidou o montante de euros 12.462,65;
- o título dado à execução consiste numa sentença condenatória proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça;
- ensina-nos o artigo 311º nº 1 do Código Civil que: “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”;
- estando a sentença passada em julgado que reconhece o direito da Exequente, deverá aplicar-se o prazo prescricional de 20 anos, conforme previsto no artigo 309º do Código Civil;
- conforme nos ensina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, referente ao Processo 82-C/2000.C1.S1 datado de 19 de Junho de 2012.
Nestes termos, deverá a douta sentença ser revogada, prosseguindo a execução intentada os seus termos até final.
O Apelado apresentou contra alegações em que defende a improcedência do recurso.
Cumpre-nos agora decidir.
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Delimitado como se encontra o objecto do recurso pelas conclusões da alegação – artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das formuladas pela Apelante resulta que a questão submetida à nossa apreciação consiste em apurar se o direito do exequente se encontra prescrito.
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São os seguintes os factos dados como assentes e serviram de fundamentação de facto da sentença recorrida:
a) aos 15-04-2013, a sociedade “B.” intentou execução comum, para pagamento de quantia certa, contra C., para deste haver a quantia global de euros 27.762,04;
b) “B.” fundou a execução mencionada em a) no acórdão proferido no processo nº 50/1996, que correu seus termos no extinto Tribunal Judicial da Comarca de Celorico de Basto, nos termos da qual o Fundo de Garantia Automóvel e o executado C. foram condenados, solidariamente, a pagar a D. o valor de euros 17.365,26, acrescido de juros desde a data de citação – traslado junto aos autos executivos;
c) em cumprimento do decidido em b), o Fundo de Garantia Automóvel pagou a D. a quantia de euros 12.462,65 aos 20/08/2004.
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Para além destes factos, importará considerar também os seguintes que não são controvertidos e relevam para a decisão:
- a exequente adquiriu esse crédito por cessão, primeiramente ao Instituto de Seguros de Portugal para a denominada “E., SA”, através de contrato de 06.06.2011 e, posteriormente, dessa empresa, para a ora exequente, por via do denominado “Contrato de Cessão”, de 17.07.2012.
Entendeu-se na decisão recorrida que o prazo de prescrição do direito do exequente era de 3 anos, nos termos do estabelecido no artigo 498º, n.º 2 do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 54º, n.º 6 do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21/08.
Dispõe o primeiro daqueles artigos:
“Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis”.
E o segundo:
“Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”.
Antes da entrada em vigor daquele diploma, o seu antecessor, o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12, com a redacção que pelas sucessivas alterações lhe foi conferida, não continha norma semelhante; como no actual, no entanto, estabelecia aquele que, satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito e, apesar de a norma do artigo 498º se referir a direito de regresso e da controvérsia que teve lugar, o entendimento dominante era no sentido de reconhecer a semelhança das situações e da sua aplicabilidade aos casos de sub-rogação – ver o acórdão deste Tribunal de 21/06/2012 citado na decisão recorrida – pelo que nem por isso deixava de se considerar aplicável à sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel.
Come refere Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, páginas 345, a sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações, coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo e, no âmbito da responsabilidade extracontratual, como é o dos autos, em princípio, os prazos de prescrição são os estabelecidos no citado artigo 498º.
Porém, tratando-se de crédito reconhecido por sentença transitada em julgado, importa considerar o disposto no artigo 311º, n.º 1 do Código Civil, que dispõe que “o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça ou título executivo.”.
Como se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2012, disponível em www.dgsi.pt, citado pela Apelante, “Reside a razão de ser deste normativo no facto de que tornando-se definitivamente certo um direito de prazo curto de prescrição, com o trânsito em julgado da decisão que o reconhece, desaparecem os fundamentos prescricionais da certeza e segurança jurídica e de dificuldade de prova”.
“Daí que se justifique que a partir de tal trânsito em julgado se inicie um novo prazo prescricional. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela “A sentença, ou outro título executivo, transforma a prescrição a curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos”.
“E pode justificar-se, como observa Vaz Serra, com a consideração de que “o credor, agora, munido como está de uma sentença, é de calcular que se não apresse tanto em obter do devedor a prestação, e seria, por isso, violento que o devedor pudesse opor-lhe a prescrição de curto prazo”.
“Sendo assim inquestionável que os lesados/autores, que dispunham do prazo de três anos para fazer valer o seu direito à indemnização (art. 498º, nº 1 do CC), após o trânsito em julgado da sentença que obtiveram na aludida acção declaratória passaram a dispor de um novo prazo de vinte anos para exercitar o seu direito, forçoso é então reconhecer que o FGA, sub-rogado nos direitos daqueles, investido na posição jurídica até aí pertencente àqueles, ficou com os mesmos direitos dos lesados”.
“Ou seja, porque o direito está definido pela sentença dada à execução e porque o FGA ocupa, pelo pagamento das indemnizações, o lugar dos lesados, ficou também ele com o direito de pedir o pagamento das indemnizações que satisfez aos lesados no prazo de vinte anos a partir do trânsito em julgado em causa”.
Cremos que não há outra forma de afirmar estes princípios e pensamos que, com a introdução do n.º 6 do artigo 54º do Decreto-Lei n.º 291/2007, o legislador não pretendeu criar uma excepção em relação à sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel nos direitos do lesado a quem satisfez o seu direito de crédito reconhecido por sentença, mas tão só pôr fim a qualquer querela que ainda subsistisse em relação à aplicabilidade da norma do artigo 489º, n.º 2 a essa sub-rogação pois que, se assim fosse, julgamos que não deixaria de o afirmar expressamente.
Por tudo quanto ficou dito, a conclusão de que o prazo prescricional do direito da exequente é o ordinário, pelo que se impõe a revogação da decisão recorrida e ordenar o prosseguimento da execução.
Termos em que se concede provimento ao recurso, se revoga a decisão recorrida e se ordena o prosseguimento da execução.
Custas pelo Apelado.
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Carlos Carvalho Guerra
Maria Luísa Duarte
Maria da Conceição Bucho (vencido, mantinha a decisão)