Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
28/18.4T8MNC-A.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DA PARTILHA
ABRANGÊNCIA DO CASO JULGADO
INEXEQUIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – A sentença homologatória de partilha constitui título executivo para efeitos de assegurar a efetivação dos direitos dos respetivos intervenientes, dentro dos limites do que tenha sido discutido e decidido no inventário.

2 – Não emergindo do título dado à execução que determinada questão tenha sido debatida e decidida no inventário, daí resulta a inexequibilidade da correspondente pretensão, uma vez que não se encontra abrangida pelo caso julgado da sentença homologatória da partilha.

3 – Tal falta de demonstração da obrigação impede que se possa extrair dessa sentença uma condenação implícita da executada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

1.1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, que lhe move M. C., a executada M. D. deduziu embargos de executado e oposição à penhora, pedindo que seja declarada extinta a execução e levantadas as penhoras.

Para o efeito, alegou, em síntese, que não existe qualquer sentença condenatória que importe ou reconheça obrigações da Executada para com o Exequente, nem qualquer documento ao qual a lei atribua força executiva, uma vez que a sentença homologatória da partilha, dada à execução como título executivo, não pode valer como tal.

Mais alegou que os valores constantes dos dois depósitos bancários penhorados não são apenas da Executada, mas também do seu marido, pelo que a penhora deverá ser levantada. A prosseguir a execução, a penhora deve efectivar-se apenas sobre os bens que compõem o seu quinhão hereditário, mas que, em todo o caso, é excessiva, uma vez que foi penhorado o valor de € 11.182,21, quando a quantia exequenda é de € 5.407,60.
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Contestou o Exequente/Embargado, alegando que a sentença homologatória da partilha transitada em julgado é um título executivo bastante para intentar acção executiva para pagamento de um crédito, nos termos previstos no artigo 1382º, nº 1, do anterior CPC, e artigo 703º, nº 1, alínea a), do Novo CPC.

Mais invocou que os Executados M. D. e F. C. são responsáveis pelo dinheiro de que se apropriaram quando o levantaram da Caixa ..., em partes iguais, e que o alegado pela Embargante não é fundamento de oposição à execução baseada em sentença.

Concluiu pela improcedência dos embargos de executado e da oposição à penhora.
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Realizou-se a audiência prévia e de seguida foi proferida sentença a julgar os embargos de executado e a oposição à penhora improcedentes, e a determinar o prosseguimento da execução.
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1.2. Inconformada, a Embargante interpôs recurso de apelação da sentença e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:

«A. A sentença dada à execução é uma sentença homologatória de partilha que a recorrente acordou com os restantes herdeiros.
B. A sentença homologatória da partilha é sentença condenatória cujo objectivo é o reconhecimento da propriedade exclusiva dos bens a cada um dos herdeiros. Daí que os herdeiros têm legitimidade para executar a sentença de partilhas “…destinada a fazer entrar no património próprio os bens e rendimento que o cabeça-de-casal não haja voluntariamente entregue". - in João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. II, 4ª edição, Almedina, pág. 527.
C. " ... Não se mostrando do mapa da partilha que quantias recebidas a mais pelos interessados sejam por estes devidas a outro, este não pode executar, por nem
mostrar ser titular dos créditos exequendos, nem se mostrar que a obrigação de
pagamento de tais créditos seja certa, líquida e exigível." in João António Lopes
Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, 4.a edição, Almedina, pág. 536.

D. No caso vertente parece óbvio que o exequente não goza de qualquer crédito contra a recorrente pelo que não é a sentença título executivo para os fins que o exequente pretende.
E. No mapa da partilha nada consta relativamente a verbas que hipoteticamente hajam sido apropriadas em parte ou não pelos herdeiros.

Deve a sentença de que se recorre ser revogada e, em consequência, ser substituída por Acórdão que dando provimento aos embargos absolva a executada/recorrente julgando não existente o título executivo ou insusceptível de execução e ordenando-se o levantamento das penhoras».
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O Embargado não apresentou contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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1.3. QUESTÕES A DECIDIR

Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (1). Tal restrição não opera relativamente às questões de conhecimento oficioso, as quais podem ser decididas com base nos elementos constantes do processo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes - artigo 5º, nº 3, do CPC. Por outro lado, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a única questão a decidir consiste em saber se a sentença homologatória da partilha dada à execução constitui título executivo contra a ora Recorrente.
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II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. O Exequente apresentou à execução a que estes autos seguem por apenso, como título executivo, uma sentença homologatória do mapa da partilha, proferida no dia 13.11.2017 no âmbito dos autos com o nº 384/07.0TBMNC, que correram termos neste Tribunal, acompanhada do respectivo mapa, do auto de declarações de cabeça-de-casal, relação e bens e acta de conferência de interessados;
2. O Exequente e a Executada foram interessados nesse inventário;
3. Do mapa da partilha acima mencionado resulta que ao Exequente foi adjudicado 25% das verbas nºs 1, 2, 3 e 3-A, no valor de € 9.487,44;
4. A verba nº 1 corresponde à quantia de € 6.350,74 (seis mil trezentos e cinquenta euros e setenta e quatro cêntimos) que estava depositada na conta do Banco ..., Agência de Monção, com o nº …;
5. A verba nº 2 corresponde à quantia de € 10.040,45 (dez mil e quarenta euros e quarenta e cinco cêntimos) que estava depositado na conta do Banco ..., Agência de Monção, com o nº …;
6. A verba nº 3 corresponde à quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), proveniente da venda de madeira; e
7. A verba nº 3–A correspondente à quantia de € 20.058,56 (vinte mil e cinquenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos) que se encontrava depositada nas contas da Caixa ..., Agência de Monção, com o nº ...;
8. No âmbito dos embargos de executado que correm por apenso à acção executiva – Apenso B -, o Exequente e o Executado F. C. transigiram, reduzindo a quantia exequenda, quanto a tal executado, ao valor de € 2.701,80, declarando o Exequente encontrar-se totalmente pago das responsabilidades referentes ao segundo, nada mais tendo a reclamar;
9. Nessa sequência, por requerimento junto aos autos a fls. 44, o Exequente reduziu a quantia exequenda quanto à Embargante para o valor de € 2.687,84, acrescida de juros vencidos e vincendos;
10. É indicado no requerimento executivo que a quantia exequenda é de € 5.407,60;
11. No dia 05.02.2018 a senhora agente de execução penhorou o saldo de duas contas bancárias da Executada, uma no valor de € 7.500,00 e outra no valor de € 3.682,21, tudo no total de € 11.182,21;
12. No auto de penhora que juntou aos autos, a Sra. Agente de execução fez constar o valor de € 5.407,60 a título de “quantia exequenda” e o valor de € 540,76, a título de “despesas prováveis”, tudo no montante de € 5.948,36.
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2.2. Do objecto do recurso

2.2.1. Do título executivo da presente execução

A presente execução, para pagamento de quantia certa, tem por título executivo a sentença de 13.11.2017, transitada em julgado a 19.12.2017, que homologou a partilha a que se procedeu por óbito de J. F. e de M. R..

Conforme resulta da acta de conferência de interessados realizada em 22.03.2017, a partilha em causa tem subjacente o acordo de todos os interessados no que respeita à adjudicação dos bens constantes da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal (o outro Executado, F. C.) – v. certidão do processo de inventário junta com o requerimento executivo.

Resulta da aludida certidão que as verbas nºs 1, 2, 3 e 3-A, correspondentes, com excepção da nº 3 (dinheiro proveniente de venda de madeira), a quantias depositadas em instituições bancárias, foram adjudicadas a todos os interessados, na proporção dos respectivos quinhões, cabendo ao ora Exequente a quantia global de € 9.487,44 (25%).

Segundo a delimitação objectiva feita no requerimento inicial, na execução está apenas em causa a verba nº 3-A correspondente à quantia de 20.058,56 € (vinte mil e cinquenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos) que se encontrava depositada em contas da Caixa ..., Agência de Monção, com o nº ....

No requerimento inicial o Exequente alegou que os Executados M. D. e F. C., nos dias 23 e 24 de Julho de 2007, procederam ao levantamento da quantia de 20.058,56 € (verba nº 3-A), «procedendo ao encerramento daquelas contas, conforme o documento de fls. 354, junto aos autos de inventário, o qual faz parte do documento que ora se junta a fls. 11».

Com o requerimento executivo não foi junto aos autos o aludido «documento de fls. 354» dos autos de inventário. Tal documento apenas foi junto aos autos com a contestação dos presentes embargos de executado, como doc. nº 1. Verifica-se que o aludido documento apenas identifica as contas, os respectivos valores, os titulares e quem estava autorizado a movimentá-las, em concreto os dois Executados. Os respectivos saldos foram levantados em 23.07.2007 e 24.07.2007, sem que o referido documento emitido pela Caixa ... identifique quem em concreto procedeu ao respectivo levantamento.
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2.2.2. Da exequibilidade da sentença homologatória da partilha

Segundo J. A. Lopes Cardoso (2), «Com o trânsito em julgado da sentença que homologou as partilhas fica definitivamente fixado o direito dos intervenientes no processo de inventário. (…) Se os bens atribuídos aos interessados são entregues (…), não é necessário provocar de novo a actividade judiciária. Mas se o cabeça-de-casal ou o detentor se recusam a fazer a aludida entrega (…) podem os prejudicados forçá-los a cumprir as suas obrigações, a realizar o direito que a sentença de partilhas definiu. Daí a execução da sentença».

É por isso que se costuma afirmar que a sentença homologatória da partilha define os direitos de cada um dos herdeiros e constitui título bastante para que cada um deles possa exigir a entrega dos bens que lhe foram adjudicados.

Tanto o Código de Processo Civil de 1961, no seu artigo 46º, al. a), como o actual CPC de 2013, no artigo 703º, nº 1, al. a), atribuem exequibilidade às sentenças condenatórias.

Já Alberto dos Reis (3) referia que «ao atribuir eficácia executiva às sentenças de condenação, o Código quis abranger nesta designação todas as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada responsabilidade». Considerava-se então que, para que a sentença possa servir de base à acção executiva, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que esta obrigação fique declarada ou constituída por aquela.

Hodiernamente considera-se que na expressão “sentenças condenatórias” estão integradas todas as decisões de tribunais que imponham uma ordem de prestação ou comando de actuação ao demandado de maneira incondicional (4).

Antes da vigência do actual regime do processo de inventário, aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05 de Março, o artigo 52º do então vigente Código de Processo Civil conferia expressa exequibilidade às certidões extraídas dos inventários, desde que contivessem os requisitos aí apontados. Porém, o artigo 6º, nº 2, da referida Lei nº 23/2013 revogou esse artigo 52º, passando a regular a matéria no artigo 20º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, em termos semelhantes ao que constava do artigo 52º do anterior CPC. Por isso, à partida, uma certidão extraída de um inventário pode constituir título executivo se contiver os elementos legalmente tipificados.

Como se salienta no acórdão da Relação do Porto de 22.05.2017 (relator Carlos Gil), «a sentença que põe termo ao processo de inventário é uma sentença homologatória e, como tal, condena ou absolve nos precisos termos dos actos homologados (artigo 290º, nº 3, do CPC). Porque assim é, a sentença homologatória da partilha proferida em processo de inventário sempre deveria, no que respeita à sua exequibilidade, ser equiparada a uma decisão condenatória proferida em processo comum (alínea a), do nº 1, do artigo 703º do CPC)».

A sentença homologatória de partilha em processo de inventário produz efeitos reais de constituição ou reconhecimento de certa propriedade singular ou outro determinado direito real. Também da mesma pode derivar a constituição/reconhecimento de concretas obrigações de diferente natureza.

Tudo depende do que tiver sido debatido e decidido no inventário e do respectivo âmbito objectivo e subjectivo. No inventário podem ser discutidas várias questões e as decisões proferidas relativamente às mesmas estão cobertas pelo caso julgado, «não só para os interessados na herança como também para os intervenientes na solução (…), entendendo-se que intervieram na solução de uma questão as pessoas que a suscitaram ou sobre ela se pronunciaram, e ainda as que foram ouvidas, embora não tenham dado resposta (Cód. Proc. Civil, art. 1397º-2). Daqui resulta a subsistência de caso julgado no tocante a todas as questões assim discutidas, com os efeitos atribuídos por lei, desde que procurem suscitar-se de novo entre tais intervenientes» (5).

Tanto na execução para pagamento de quantia certa como na execução para entrega de coisa certa em consequência do inventário, o seu fundamento há-de ser encontrado naquele processo e no caso julgado formado no mesmo relativamente ao direito de crédito ou ao direito à obtenção da entrega de determinados bens.

Regra geral, os bens, em sentido amplo, estarão na posse e administração do cabeça-de-casal. Assim o estipula o artigo 2079º do Código Civil: «A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal».

E a lei confere ao cabeça-de-casal poderes para tornar efectiva a administração. Por exemplo, no artigo 2088º, nº 1, do Código Civil estabelece-se expressamente que «o cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído». No anterior CPC também se facultava ao cabeça-de-casal a possibilidade de declarar que estava impossibilitado de relacionar alguns bens em poder de outra pessoa, caso em que esta era notificada para facultar o acesso a tais bens e fornecer os elementos necessários à respectiva inclusão na relação de bens, podendo o notificado alegar que os bens não existiam ou que não tinham de ser relacionados; se o notificado não cumprisse o dever de colaboração, podia o juiz ordenar as diligências necessárias, incluindo a apreensão dos bens (artigo 1347º).

Em todos estes casos a situação acaba por ficar coberta pelo caso julgado, pelo que a subsequente execução, após o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, não oferece dúvidas sobre contra quem deve ser instaurada: ou contra o cabeça-de-casal, por os bens estarem em seu poder, ou contra o terceiro, na situação inversa. Repare-se que, nos termos do artigo 2119º do Código Civil, «feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos». Com a partilha, os herdeiros adquirem a plenitude e exclusividade dos direitos sobre os bens. Como os bens deveriam estar na posse do cabeça-de-casal, a partir da partilha, os herdeiros podem exigir deste a entrega dos bens que lhes couberam.

Porém, sucede com frequência, sobretudo no que respeita aos depósitos bancários, que as quantias depositadas são levantadas, por interessados no inventário ou terceiros, após o decesso do inventariado e as mesmas não são entregues ao cabeça-de-casal. Não é invulgar tais quantias serem relacionadas no inventário sem que se discuta e decida no mesmo quem está na posse das mesmas ou, pelo menos, quem procedeu ao seu levantamento. Quando assim sucede, a sentença que homologa a partilha não constitui título executivo, pois na mesma não está determinada a pessoa do devedor.

A acção executiva identifica-se por ser aquela em que o credor requer as providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida – artigo 10º, nº 4, do novo CPC. Em consonância com o disposto no artigo 817º do CPC, é parte activa na execução o “credor” (6), ou seja, aquele que tem o direito de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, enquanto na parte passiva figura o titular do património responsável pela dívida (v. ainda art. 818º do CC).

Como, nos termos do artigo 10º, nº 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites (7) da acção executiva, será pelo exame de tal título que se apreciará se o exequente pode promover a execução contra certa pessoa. É isso mesmo que resulta do artigo 53º, nº 1, do CPC, ao dispor que a execução «deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor» (8).

Portanto, numa sentença de homologação da partilha, a questão da determinação da pessoa contra quem pode ser instaurada a execução é, em princípio, aferida pela literalidade do título executivo.
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2.2.3. A sentença dos autos constituirá título executivo contra a Executada?

No caso dos autos a Executada/Embargante não desempenhou funções de cabeça-de-casal no inventário, pelo que não está em causa a administração de bens da herança e a consequente demanda do cabeça-de-casal para entrega de bens que administrava.

Por outro lado, na certidão que acompanhou o requerimento executivo, destinada a comprovar o título executivo, nada consta sobre quem levantou os saldos dos depósitos bancários e se apoderou dos mesmos. Também o mapa da partilha é absolutamente inócuo quanto à determinação da pessoa do devedor no que concerne à prestação exigida pelo Exequente; em lado algum o aludido mapa refere que a Executada recebeu a mais determinada quantia e que deve o excesso do seu quinhão a outro interessado, em especial ao Exequente.

No requerimento inicial o Exequente alegou que os Executados M. D. e F. C., nos dias 23 e 24 de Julho de 2007, levantaram a quantia de 20.058,56 € (verba nº 3-A), «procedendo ao encerramento daquelas contas, conforme o documento de fls. 354, junto aos autos de inventário, o qual faz parte do documento que ora se junta a fls. 11». Como já referimos, com o requerimento executivo não foi junto aos autos o aludido «documento de fls. 354» dos autos de inventário e o mesmo só foi junto aos autos com a contestação dos presentes embargos de executado, como doc. nº 1. Porém, o aludido documento, emitido pela Caixa ..., não identifica quem em concreto procedeu ao respectivo levantamento.

Também não foi apresentada qualquer certidão comprovativa de que no inventário essa matéria foi objecto de decisão pelo Tribunal ou de confissão por parte da ora Executada, assumindo ter levantado e embolsado as quantias em causa.

Portanto, face ao título, não está demonstrado que a Executada seja a devedora da obrigação que o Exequente pretende executar. A alegada situação de incumprimento da obrigação exequenda não se encontra abrangida pelo caso julgado da sentença homologatória da partilha dada à execução, o que impede que se possa extrair dessa sentença uma condenação implícita da herdeira M. D., aqui executada e embargante.

Não estando, pois, no título dado à execução certificado que a Executada seja a devedora relativamente à obrigação exequenda, conclui-se pela sua inexequibilidade, sendo este vício insuprível e determinando a extinção da execução nos termos dos artigos 726º, nº 2, alínea a), e 734º, nº 1, do CPC.

Mais, conforme se pode ver no mapa da partilha que integra a certidão extraída do inventário, a Executada é credora de tornas e não devedora das mesmas. Em termos de vinculação, para além da adjudicação das verbas, esse é o único elemento objectivo que resulta da certidão que acompanhou o requerimento executivo.

Acresce que afirmar a condenação implícita da Executada na obrigação de restituir é presumir que se apropriou de determinada quantia que estava depositada e que foi levantada, sem que, face à certidão junta, se saiba por quem. O credor estaria a executar uma obrigação cujo devedor não foi determinado no inventário e relativamente à qual a Executada não se pôde defender e sobre a qual o juiz não produziu condenação (9). Afirmar a condenação implícita da Executada é asseverar uma condenação que seria, em si mesma, nula. É que não há sentença sobre pedidos não formulados ou realidades sobre as quais não se debruçou [artigos 3º, nº 3, e 615º, nº 1, als. d) e e), do CPC].

Na acção executiva não se demanda primeiro e apura-se depois quem é devedor. Pelo título tem que ser possível identificar quem é o devedor, ou seja, o executado. Se o executado não corresponder, face ao título, ao devedor, não pode ser demandado enquanto tal. Não fica na plena disponibilidade do credor instaurar a execução contra quem entende ser o devedor (ou contra quem responde com o seu património pela obrigação exequenda), mas apenas contra a pessoa que se encontra vinculada pelo título a cumprir a prestação. Sendo inequívoco que é titular de um crédito, já a determinação de quem seja o devedor deveria emergir claramente do título dado à execução, o que não sucede no caso vertente.

Termos em que procede a apelação.
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2.3. Sumário

1 – A sentença homologatória de partilha constitui título executivo para efeitos de assegurar a efectivação dos direitos dos respectivos intervenientes, dentro dos limites do que tenha sido discutido e decidido no inventário.
2 – Não emergindo do título dado à execução que determinada questão tenha sido debatida e decidida no inventário, daí resulta a inexequibilidade da correspondente pretensão, uma vez que não se encontra abrangida pelo caso julgado da sentença homologatória da partilha.
3 – Tal falta de demonstração da obrigação impede que se possa extrair dessa sentença uma condenação implícita da executada.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se a extinção da execução, com o consequente levantamento das penhoras.
Custas pelo Recorrido.
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Guimarães, 28.02.2019

(Acórdão assinado digitalmente)
­ Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, pág. 115.
2. Partilhas Judiciais, vol. II, 4ª edição, Almedina, pág. 534.
3. Processo de Execução, vol. I, Coimbra Editora, reimpressão de 1985, pág. 127.
4. Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL, pág. 150.
5. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. II, 4ª edição, Almedina, pág. 530.
6. Nos termos do artigo 606º do Código Civil, o credor do devedor pode sub-rogar-se a este na execução de um devedor.
7. Objectivos e subjectivos.
8. Os desvios à regra geral de determinação da legitimidade constam dos artigos 54º e 55º do CPC.
9. Numa acção declarativa o executado pode impugnar ou excepcionar a obrigação na contestação, de modo autónomo, caso seja pedida a respectiva condenação; na execução de uma sentença homologatória de partilha, caso a questão tenha sido discutida e decidida com força de caso julgado no inventário, não lhe é lícito arguir tal matéria de defesa. Numa execução de uma sentença o direito de defesa é extremamente limitado e exercido num contexto processual que é desfavorável ao executado (os actos executivos precedem a citação).