Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3330/13.8TJVNF-E.G1
Relator: FRANCISCA MICAELA VIEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
APENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Correndo termos um processo de insolvência, as acções que são apensadas ab initio, de forma automática e por força de apensação ope legis, estão legalmente tipificadas nos artigos 89º, nº2 e 146º, ambos do CIRE.
As situações referidas nos artigo 85º e 86º do CIRE referem-se a situações em que a apensação ao processo de insolvência só se verifica se e na medida em que o julgador verifique que estão preenchidos os requisitos aí previstos, sendo que, nestas hipóteses sempre deverá ser colocada a montante, a apreciação da competência em razão da matéria do tribunal onde foi instaurada a acção.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – RELATÓRIO
Massa Insolvente de AUTOMÓVEIS D - SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., representada por JOANA P, Administradora da Insolvência nomeada, legitimada nos termos do disposto nos art.ºs 55.º, n.º 2 e 3, 81.º, n.º 4, 120.º e 121.º do C.I.R.E. (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março alterado pelo Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto), instaurou, na Instância Central, 2ª Secção de Comércio, Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga, por apenso aos autos principais da insolvência e contra B - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A., sociedade anónima, com sede na Av. A, n.º 132, 1.º, 1050-020 LISBOA, NIPC 502 488 468, acção declarativa de condenação com forma de processo comum, pedindo que seja declarada a NULIDADE das reservas de propriedade registadas a favor da R. sobre dois veículos, um de marca RENAULT, modelo MEGANE, matrícula 08-LO-54 e outro de marca BMW, modelo 290L, matrícula 56-LB-57 e; consequentemente deverá ser ordenado o cancelamento de tal registo sobre os veículos em causa, junto da Conservatória do Registo Automóvel.
Para tanto, e no essencial, alegou:
- A A. é uma massa insolvente por força da declaração de insolvência da sociedade AUTOMÓVEIS D - SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA. decretada nos autos principais do processo de insolvência.
- Por sua vez, a R. é uma instituição financeira de crédito, dedica-se à actividade de financiamento de aquisições a créditos, nomeadamente de veículos automóveis.
- No âmbito do seu escopo social, a R. financiou a aquisição por parte da insolvente dos veículos de marca RENAULT, modelo MEGANE, matrícula 08-LO-54 e de marca BMW, modelo 290L, matrícula 56-LB-57.
Para tanto, os veículos foram transmitidos integralmente a favor do ora insolvente que passou a usufruir e possuir o mesmo sem qualquer impedimento ou reserva da R., que os incorporou integralmente na sua vida quotidiana e que os submeteu ao seu normal desgaste e uso diários.
No entanto, mantém a R., apesar de nunca ter sido proprietária dos mesmos, registado a seu favor sobre ambos os veículos reserva de propriedade que inviabilizada a apreensão dos veículos em causa e a sua posterior transmissão livre de ónus ou encargos.
Alega que as referidas reservas de propriedade registadas a favor da R. não são válidas, porquanto, os contratos celebrados entre a insolvente e a ora R. são designados como contrato de crédito, decorrentes do escopo social desta última, através dos quais esta concedeu àquela um crédito para aquisição dos veículos e que no âmbito do referido contrato as partes acordaram a constituição de reserva de propriedade sobre as viaturas financiadas.
Ora; em face do disposto no artigo 409º do CCivil, a cláusula de reserva de propriedade tem que ser estipulada no âmbito de um contrato de compra e venda, do qual não pode ser cindida. Assim se a venda já foi celebrada, não poderá posteriormente ser nela inserida uma cláusula de reserva de propriedade, dado que, nesse caso, já foi transferida para o comprador.
A instituição de crédito/R. não é alienante das viaturas, mas somente mutuante no âmbito do contrato de mútuo que celebrou com a insolvente para a aquisição das viaturas ora em causa.
Conclui, alegando que as reservas de propriedade registadas a favor da R. não são válidas, pois que estão inquinadas de NULIDADE, cuja declaração peticiona com os legais efeitos.
Cita, em abono da sua argumentação variada jurisprudência.
Por decisão proferida a 03-06-2016, ao abrigo do disposto nos arts. 81.°, nº1, al. a) e b) e n.º 2, al. f), 128.°, n.º1, 130,°, n.º1, al. a) da Lei da Organização do Sistema Judiciário e dos artigos 96,° al, a), 97.°, n.º1, 98.º 99.°, n.ºs 1 e 2,278.°, n.º1, al. a), 279.° do Código de Processo Civil, foi julgada verificada a incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial - incompetência absoluta - para conhecer dos pedidos deste procedimento e, em consequência, foi a Ré absolvida da instância.
Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões:
1ª- Não concorda a recorrente com a decisão recorrida na medida em que entenda que a presente acção, não só PODE, como DEVE prosseguir por Apenso aos autos de insolvência.
2ª - Tal sucede porque a propositura da presente acção por apenso aos autos de insolvência encontra a sua justificação legal nos termos do art.° 85.° do ClRE, na medida em que;
3ª- Prevê tal normativo que qualquer acção, "em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente" e/ou "cujo resultado possa influenciar o valor da massa "deverá ser proposta "como dependência do processo de insolvência".
4ª - Ora, a presente acção visa a apreciação da nulidade da reserva de propriedade sobre bens registados em nome da insolvente, embora com pendência do ónus de reserva de propriedade, apreendidos para a Massa Insolvente, pelo que, se encontra desde logo preenchido o primeiro pressuposto.
5ª- ln casu, também se verifica o segundo pressuposto, na medida em que a determinação da procedência ou improcedência desta acção vai influir directamente no valor da massa e até no próprio acervo patrimonial, porquanto a presente acção visa apreciar a validade dos ónus incidentes sobre bens da Massa Insolvente.
6ª. É consabido que a existência de ónus sobre determinado bem tem influência directa no valor desse mesmo bem.
7ª- Mas mais, a existência desses ónus, caso seja mantida a sua validade, obrigará a Massa Insolvente a exercer a opção conferida pelo art." 102.° do ClRE, enquanto dívida da Massa Insolvente, no sentido de pagar o montante em falta para o cumprimento do contrato;
8ª-. O que não sucederá se a acção for julgada procedente e declaradas nulas as reservas de propriedade.
9ª- Assim, verificando-se que, com a presente acção, o respectivo resultado "possa influenciar o valor da massa", temos que:
a. a proceder, poderão os veículos ser vendidos livres de ónus e encargos em benefício de todos os credores, sendo que nesse caso, o valor da massa será correspondente ao valor de mercado dos veículos, mas;
b. a improceder,
i.os veículos apenas poderão ser vendidos com a liquidação do valor em dívida à locadora e aí, o valor da Massa será correspondente ao valor de mercado dos veículos DEPOIS DE DEDUZIDO o valor a pagar à locadora;
ii. sendo que, em última instância, caso o seu valor comercial não o justifique, determinará mesmo a entrega daqueles, sem liquidação nestes autos, ou seja, o valor da Massa será NULO.
10ª- É nesse espírito legislativo que, salvo melhor opinião, o legislador entendeu determinar a apensação de algumas acções com determinadas especificidades, como é o caso do presentes.
11ª - A expressão constante da lei deve ser interpretada em sentido lato, revelando toda a acção que tenha por objecto acervo patrimonial apreendido para a Massa Insolvente, como o será o do presente caso, em que os veículos se encontram apreendidos para a Massa Insolvente.
12ª- Tal determinação prende-se com o carácter urgente que é atribuído ao processo de insolvência, à liquidação do activo e, consequentemente, à prova e ao conhecimento que o Juiz do processo tem de todo o seu andamento processual e vicissitudes, e que poderão e deverão exigir uma resposta célere e adequado em função do conhecimento que Juiz tem necessariamente do andamento do processo que dirige.
13ª - Aliás, no sentido da admissibilidade do conhecimento das questões inerentes à nulidade da reserva de propriedade sobre bens apreendidos para a Massa Insolvente, vêm sendo proferidas decisões pelos Tribunais de 1ª Instância conhecendo de tal matéria, sem que tenha alguma vez sido suscitada a questão objecto do presente recurso.
14ª - Pelo que a A. sufraga a admissibilidade dos presentes autos, nos termos em que resulta configurada a acção, por Apenso ao processo de insolvência, devendo ser a decisão recorrida objecto de revogação e substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, declare a admissibilidade dos presentes autos, por Apenso ao processo de insolvência e a competência do Tribunal a quo para dirimir as questões suscitadas em sede petitória.
Cautelarmente;
15ª - Contudo, caso assim não se entenda e improceda nesta medida o recurso com os fundamentos supra expostos, desapensada que se encontra acção, não poderia o Tribunal a quo ter declarado a incompetência material e a absolvição da R. da instância. Isto porque;
16ª - Determinam as regras de competência territorial que o Tribunal competente - caso não se apliquem as regras especiais do CIRE em termos de apensação de acções - é o domicílio do R., nos termos gerais do art.° 80.° n.º1 do CPCivil.
17ª - Assim, o Tribunal territorial mente competente passaria a ser o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa.
18ª - Por sua vez, por força da primazia legalmente definida pelo art.º 278.° n.º2 do CPCivil, não poderia o Tribunal a quo ter conhecido da incompetência em razão da matéria, antes cabendo-lhe a apreciação da incompetência em razão do território;
19ª- E, consequentemente, a remessa dos autos ao Tribunal competente, isto é, ao Tribunal Cível da Comarca de Lisboa.
20ª- Neste sentido e sem conceder, ainda e sempre, deverá a decisão recorrida ser objecto de revogação e substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, declare a remessa dos autos ao tribunal competente, isto é, ao Tribunal Cível da Comarca de Lisboa e assim se realizando justiça.
Não foram apresentadas contra – alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II- Delimitação do Objecto do Recurso:
Conforme resulta das conclusões do recurso a questão que cabe reapreciar consiste em decidir se as secções de Comércio são competentes, em razão da matéria, para julgar as acções instauradas pela Massa Insolvente contra a sociedade financiadora da aquisição de veículos automóveis, a favor da qual está registada a reserva de propriedade sobre esses veículos., pedindo que seja declarada a nulidade desses registos e decidir da admissibilidade legal da interposição desta acção por apenso ao processo de insolvência de Automóveis D - Sociedade Unipessoal, Lda.
III- Da Fundamentação Jurídica.
3.1 Para a decisão do recurso releva o que se descreveu no antecedente relatório.
3.2 - É consabido que a competência de um tribunal – enquanto pressuposto processual - é a medida da sua jurisdição, a parte da jurisdição que a lei lhe assinala, tratando-se de determinar, quanto à competência em razão da matéria, em que tribunal é que a ação deve ser proposta, se num tribunal comum, se num tribunal de outra ordem jurisdicional.
Como tem sido enfatizado pela doutrina e jurisprudência pátrias , a apreciação de tal pressuposto processual (tal como os demais) é feita tendo por base a forma como o autor configura a sua ação, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, tendo-se ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exata configuração da causa.
Em suma, para decidir qual das diversas normas definidoras dos critérios que presidem à distribuição do poder de julgar entre os diferentes tribunais, deve olhar-se aos termos em que a ação foi posta – seja quanto aos seus elementos objetivos seja quanto aos seus elementos subjetivos.
A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da ação. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.
Como assim, será em função do modo como a causa é delineada na petição inicial, e não pela controvérsia que venha a resultar da ação e da defesa, que a competência do tribunal se averigua, irrelevando neste recurso apreciar e decidir sobre a legitimidade das partes, bem como, sobre a bondade e acolhimento jurídico da pretensão da demandante.
Como se notou, através da presente ação pretende a autora obter a declaração judicial de nulidade das reservas de propriedade registadas a favor da Ré/ entidade que financiou a sociedade insolvente na aquisição dos veículos de marca RENAULT, modelo MEGANE, matrícula 08-LO-54 e de marca BMW, modelo 290L, matrícula 56-LB-57 e; consequentemente, pede que seja ordenado o cancelamento de tal registo sobre os veículos em causa, junto da Conservatória do Registo Automóvel.
Aqui chegados, urge determinar qual o tribunal competente ratione materiae para a preparação e julgamento da presente demanda, sendo que, face ao posicionamento assumido pelas partes, a questão radica em dilucidar se essa competência incumbe à Instância Local Cível da Comarca de Braga, concretamente Vila Nova de Famalicão, (como foi o entendimento sufragado pelo tribunal a quo) ou então à Secção de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga (como advoga a apelante).
Prescreve, desde logo, o art. 211.º, nº 1 da Constituição da República que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Determina ainda o art. 64º do Cód. Processo Civil e bem assim o art. 40º da Lei nº 62/2013, de 26.08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), que são da competência dos tribunais judiciais, na ordem interna, em razão da matéria, as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Da concatenação dos citados normativos, pode, pois, extrair-se um critério geral residual para a determinação do tribunal competente em razão da matéria, nos termos do qual todas as causas que não forem por lei atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência do tribunal comum.
Porque assim, à luz de tal critério, haverá que apurar se alguma lei estabelece jurisdição especial para a ação que vai propor-se: se tal existir, a ação deverá ser intentado ante essa jurisdição; no caso contrário, deverá a causa ser proposta perante o tribunal comum.
Assim, a menos que alguma "jurisdição especial" se mostre competente para apreciar determinado conflito, a competência para dele conhecer radica-se nos tribunais comuns.
O artigo 64.º do Código de Processo Civil determina que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada - artigo 65.º do Código de Processo Civil.
Ora, segundo o estatuído no artigo 40.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, são da competência dos Tribunais Judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem.
O artigo 80.° dispõe que compete aos Tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais e que estes podem ser de competência genérica e de competência especializada.
Com a publicação da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), posteriormente regulamentada pelo DL nº 49/2014, de 27 de Março, foram fixadas as disposições enquadradoras da reforma do sistema judiciário, globalmente vigentes desde 1.09.2014.
Em termos muito genéricos, pode afirmar-se que a estrutura do Tribunal Judicial de Comarca se organiza agora em torno de ”Instâncias Centrais”, preferencialmente localizadas nas denominadas “capitais de circunscrições socialmente adquiridas” (cfr. Preâmbulo do citado DL nº49/2012) e de “Instâncias Locais”.
As Instâncias Centrais integram, em princípio, sete Secções de Competência especializada – Cível, Crime, Instrução Criminal, Família e Menores, Trabalho, Comércio e Execução – e as Instâncias Locais integram Secções de competência genérica – Cível, Criminal e de Pequena Criminalidade – e Secções de proximidade, todas com competências legalmente definidas, conforme artigos 117º e seguintes da LOSJ.
Dispõe o artigo 117º, nos ditos segmentos, o seguinte:
“1 — Compete à secção cível da instância central:
a) A preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000;
b) Exercer, no âmbito das acções executivas de natureza cível de valor superior a € 50 000, as competências previstas no Código de Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de outra secção ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam acções da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei.
2 — Nas comarcas onde não haja secção de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às acções que caibam a essas secções” [sublinhado nosso]
Por seu lado, estatui o art. 128º do mesmo diploma que:
“1 — Compete às secções de comércio preparar e julgar:
a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As ações de liquidação judicial de sociedades;
f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.
2 — Compete ainda às secções de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.
3 — A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”.
E o artigo 130º, integrado na secção VII - atinente à Instância Local – enuncia ser da competência das secções de competência genérica daquelas, no que ora interessa, “Preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central ou tribunal de competência territorial alargada” (nº1, al. a)).
Ora, perante este quadro legislativo e ponderando, como impõem as regras gerais de interpretação das leis (art. 9º do C. Civil), que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e consagrou a solução mais acertada, não pode deixar de concluir-se, face à precisão terminológica utilizada no art. 117º nº 1 al. a) - acções declarativas cíveis de processo comum - que o legislador quis afastar da competência da secção cível da instância central os processos especiais, os quais se têm de integrar, portanto, na competência residual das secções cíveis das instâncias locais.
E, desde logo, cumpre assinalar que correndo termos um processo de insolvência, as acções que são apensadas ab initio, de forma automática e por força de apensação ope legis,estão legalmente tipificadas nos artigos 89º, nº2 e 146º, ambos do CIRE.

Acresce que as situações referidas nos artigos 85º e 86º do CIRE referem-se a situações em que a apensação ao processo de insolvência só se verifica se e na medida em que o julgador verifique que estão preenchidos os requisitos aí previstos, sendo que, nestas hipóteses sempre deverá ser colocada a montante, a apreciação da competência em razão da matéria do tribunal onde foi instaurada a acção.
Ora, a presente acção, com a causa de pedir e o pedido supra referidos, não cai no âmbito da previsão dos artigos 89º, nº2 e 146º , ambos do CIRE.
O objecto da presente acção, não se insere em nenhuma das alíneas do art. 128º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, pois não estamos perante:
a) um processo de insolvência ou um processo especial de revitalização;
b) uma acção de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
C) uma acção relativa ao exercício de direitos sociais;
d) uma ação de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) uma acção de liquidação judicial de sociedades;
Í) uma acção de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) uma acção de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) uma ação a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) uma ação de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.
Assim, carece a Secção de Comércio de Vila Nova de Famalicão de competência material para preparar e julgar a presente acção, sendo competente a Instância Local Cível da Comarca de Braga, concretamente, de V.N. de Famalicão, atento o valor da causa, nos termos do disposto no artigo 130.°, n.º1, al, a) da referida Lei Orgânica.
A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção esta que é do conhecimento oficioso do tribunal.
Feitas estas considerações segue-se, pois, que a sentença recorrida deve ser mantida, por não merecer censura.
Sempre se dirá, relativamente, à alegada violação do nº2, do artigo 278º do CPC (do qual decorre que o juiz deve sobrepor à apreciação da excepção da competência em razão da matéria, o conhecimento oficioso da excepção da incompetência em razão do território, remetendo o processo para o tribunal territorialmente competente), que pese embora não seja pacífico o entendimento a acolher sobre esse normativo , no caso, a sentença recorrida apesar de ter feito considerações sobre o destino do presente processo após a desapensação, não retirou das mesmas qualquer efeito no dispositivo, limitando-se a julgar verificada a incompetência em razão da matéria da Secção de Comércio de Vila Nova de Famalicão, absolvendo o Réu da instância, sendo certo que, ao Mmo a quo não se colocou a questão da existência de concurso da excepção de incompetência absoluta com a incompetência em razão do território.
Pelo que, nesta parte, não tendo a sentença recorrida proferido decisão expressa sobre o tribunal competente em razão do território para conhecer da presente acção, não pode este Tribunal de Recurso, apreciar essa questão, sem prejuízo da autora usar da faculdade prevista no nº 2 do artigo 279º do CPC.
Síntese Conclusiva:
Correndo termos um processo de insolvência, as acções que são apensadas ab initio, de forma automática e por força de apensação ope legis, estão legalmente tipificadas nos artigos 89º, nº2 e 146º, ambos do CIRE.
As situações referidas nos artigo 85º e 86º do CIRE referem-se a situações em que a apensação ao processo de insolvência só se verifica se e na medida em que o julgador verifique que estão preenchidos os requisitos aí previstos, sendo que, nestas hipóteses sempre deverá ser colocada a montante, a apreciação da competência em razão da matéria do tribunal onde foi instaurada a acção.
IV - Decisão:
Em face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.
Guimarães, 23-06-2016
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)
(Fernando Fernandes Freitas)
(António M. A. Figueiredo de Almeida)
*
1 Cfr., por todos, TEIXEIRA DE SOUSA, A competência declarativa dos tribunais comuns, pág. 36 e seguintes; MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 88 e seguinte; LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 129; acórdãos do STJ de 9.12.99, CJ, Acórdãos do STJ, ano VII, tomo 3º, pág. 283 e de 18.06.2015, relatado por Silva Gonçalves (processo nº 13857/14.9T8PRT.P1.S1), disponível no sítio www.dgsi.pt.
2 Estabelece o Artigo 89.ºdo CIRE
Acções relativas a dívidas da massa insolvente
1 - Durante os três meses seguintes à data da declaração de insolvência, não podem ser propostas execuções para pagamento de dívidas da massa insolvente.
2 - As acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária.
E estabelece o artigo 146º do CIRE:
Artigo 146.º
Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos
1 - Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.
2 - O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior:
a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior;
b) Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente.
3 - Proposta a acção, a secretaria, oficiosamente, lavra termo no processo principal da insolvência no qual identifica a acção apensa e o reclamante e reproduz o pedido, o que equivale a termo de protesto.
4 - A instância extingue-se e os efeitos do protesto caducam se o autor, negligentemente, deixar de promover os termos da causa durante 30 dias.
3 Estabelece o Artigo 85.ºsob a epígrafe “ Efeitos sobre as acções pendentes”
1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
2 - O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
3 - O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária.
E estabelece o Artigo 86.ºsob a epígrafe “ Apensação de processos de insolvência”
1 - A requerimento do administrador da insolvência são apensados aos autos os processos em que haja sido declarada a insolvência de pessoas que legalmente respondam pelas dívidas do insolvente ou, tratando-se de pessoa singular casada, do seu cônjuge, se o regime de bens não for o da separação.
2 - O mesmo se aplica, sendo o devedor uma sociedade comercial, relativamente aos processos em que tenha sido declarada a insolvência de sociedades que, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, ela domine ou com ela se encontrem em relação de grupo.
3 - Quando os processos corram termos em tribunais com diferente competência em razão da matéria, a apensação só é determinada se for requerida pelo administrador da insolvência do processo instaurado em tribunal de competência especializada.
4 A propósito, Montalvão Machado/Paulo Pimenta, in “O Novo Processo Civil”, Montalvão Machado/Paulo Pimenta, referem, que “concorrendo na mesma acção a incompetência absoluta e a incompetência relativa do tribunal, prevalece, evidentemente, o regime daquela por ser mais grave o vicio”.
Já Lebre de Freitas, in “ Código de Processo Civil” anotado, I , entende que o legislador pretendeu que “se julgar o tribunal (territorialmente) incompetente, o juiz deve evitar proferir ao mesmo tempo, qualquer outra decisão, reservando-a para o juiz competente”, mesmo quando essa decisão – dizemos nós - seja a da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria.
Isto significa que nesta situação de concurso da excepção de incompetência absoluta com a incompetência em razão do território, não vale o princípio da aparência da instância: o tribunal que deva ser tido como incompetente em razão do território não pode ter-se (aparentemente) por competente para apreciar a competência em razão da matéria.