Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3395/09.7TBVCT-D.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
VALOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A venda de um bem na modalidade de negociação particular pode ser autorizada por valor inferior ao indicado no artigo 816.º n.º 2 do CPC, desde que sejam garantidos os interesses das pessoas ou entidades indicadas no artigo 821.º n.º 3 do mesmo diploma legal.

II – A defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados no processo, mormente dos executados e demais credores, terá de resultar, casuisticamente, da ponderação de diversos factores, designadamente o período de tempo já decorrido com a realização da venda; a forma como a conjuntura económica evolui; as qualidades do bem e consequentes potencialidades da sua venda; o interesse manifestado pelo mercado; a eventual desvalorização sofrida; valores de mercado da zona; e quaisquer outros elementos que devam ser levados em conta para um bom juízo acerca da aceitação das ofertas havidas.
Decisão Texto Integral:
Nos presente autos de Execução Comum em que é exequente António e executadas Maria e outros, foi proferido o seguinte despacho:

"Indefere-se o requerido quanto ao valor de venda do imóvel, por falta de fundamento legal e por contrariar decisão judicial já transitada. Notifique, sendo o exequente para requerer o que tiver por conveniente, sem prejuízo do disposto no artigo 281 º, nº 5, do Código de Processo Civil".
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o exequente interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do despacho com a ref. 42516647, de 10/05/2018, com o seguinte teor: "Indefere-se o requerido quanto ao valor de venda do imóvel, por falta de fundamento legal e por contrariar decisão judicial já transitada. Notifique, sendo o exequente para requerer o que tiver por conveniente, sem prejuízo do disposto no artigo 281 º, nº 5, do Código de Processo Civil. ".
2. Se o exequente bem percebeu o aludido despacho, o mesmo pronuncia-se sobre a decisão do Sr. Agente de Execução, datada de 19/04/2018, nos termos do qual se requer, a final, a venda do direito penhorado por montante inferior a 85 % do valor base de venda definido".
3. O despacho em análise é, desde logo, nulo, por falta de fundamentação, uma vez que o mesmo não especifica os fundamentos de facto e de direito em que justifica a decisão - artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC e artigo 154.º n.º 1 do CPC que "as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas", acrescentando o seu n.º 2 que "a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição...".
4. O Tribunal ad quo limita-se a decidir uma situação controvertida, com opiniões distintas e debatidas, quando estão em causa interesses paralelos mas que convergem num só e único objetivo: o da venda do imóvel pelo melhor preço possível. A ser assim, como de facto é, esta omissão é seguramente prejudicial para todos os intervenientes processuais, já que se fica sem perceber quais as razões que levam o douto Tribunal ad quo a decidir tal qual decidiu.
5. O despacho aqui sindicado faz tábua rasa dos argumentos aduzidos nos autos não só pelo ora Recorrente, bem como pelo Agente de Execução.
6. Desconhece a aqui Recorrente o sustento legal, doutrinário e/ou jurisprudencial em que o douto Tribunal ad quo se baseia para determinar que o requerido quanto ao valor de venda do imóvel, deve ser indeferido por falta de fundamento legal e por contrariar decisão judicial já transitada.
7. Nesta medida, o Tribunal ad quo viola o preceituado no art 154.º, n.º l do CPC e art. 205.º, n.º l da CRP devendo, por conseguinte, o despacho ora sindicado ser declarado nulo por omissão dos fundamentos justificativos de facto e de direito da decisão, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º l, aI. b) e art. 613.º, n.º3 ambos do CPC.
8. Nulidade que aqui invoca, com todas as consequências legais.
9. Sem conceder, e para o caso de se entender que o aludido despacho não é nulo por falta de fundamentação, então deverá entender-se que houve erro de julgamento por parte do Tribunal a quo ao aplicar a norma do art. 816.º, n.º 2 do CPC.
10. A venda por negociação particular funciona como via subsidiária, quando as modalidades de venda principais (venda por propostas em carta fechada e leilão electrónico) se frustram.
11. Como o Sr. Agente de Execução refere no seu ofício de 19/04/2018, é admitida a venda por negociação particular, por valor inferior ao valor base de venda do bem, mediante acordo de todos os interessados ou autorização judicial.
12. É verdade que o valor proposto é inferior ao valor indicado para venda do imóvel.
Se fosse superior, não haveria, como é lógico, necessidade de submeter a referida decisão a apreciação judicial.
13. Portanto, o argumento expendido pelo tribunal a quo, para rejeitar a proposta apresentada, por alegadamente inexistir fundamento legal e por contrariar decisão judicial já transitada, não é por si só suficiente para rejeitar a venda por valor inferior ao valor base da venda.
14. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, o Meritíssimo Juiz a quo, deveria ter analisado as circunstâncias do caso em apreço (duração do processo de execução, quantia exequenda, várias diligência de venda a que o imóvel foi sujeito, avaliação do mercado, valor das propostas apresentadas) por forma a apreciar se, no caso, a venda por valor inferior ao valor base se justificava ou não.
15. É vasta a jurisprudência no sentido da admissibilidade da venda de bens penhorados por valor inferior ao valor base de venda, no caso de o bem se encontrar a ser vendido por negociação particular. 16. Nos presentes autos, a proposta mais elevada apresentada até à presente data para aquisição do referido imóvel, foi a do exequente, tendo a mesma sido aceite pelo credor reclamante.
17. As diligências de venda do referido imóvel arrastam-se há mais de um ano, sem que tenham surgido quaisquer propostas superiores à proposta apresentada pelo exequente, contribuindo para um avolumar da dívida da Executada, para uma contínua desvalorização do imóvel e para um atraso significativo na recuperação da quantia exequenda por parte do ora requerente e do credor reclamante, uma vez que os presentes autos tiveram o seu início em Abril de 2012 (há cerca de 6 anos, portanto...)
18. A proposta apresentada pelo exequente foi uma Proposta de Aquisição nos termos do artº 832.º e 833.º do CPC e não de adjudicação do imóvel nos termos do artº 799.º e seguintes do CPC, ao contrário do alegado pela executada.
19. Impunha-se, portanto, que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre o requerimento do Sr. Agente de Execução, apreciando o ali requerido, ponderando para o efeito os interesses das partes.
20. É certo que a executada se opôs à aceitação da proposta de aquisição apresentada pelo aqui Recorrente. Porém, não nos parece coerente deixar nas mãos da própria executada - por via da sua não concordância - impossibilidade de se efetivar a venda dos bens por preço inferior aos 85% do seu valor base, caso que a poderia incentivar a dificultar essa mesma venda.
21. A executada pretende apenas e tão só protelar esta ação executiva por tempo incerto e indeterminado. Ora, a venda não se pode eternizar só porque um credor ou executado não concorda com o preço oferecido por outro credor ou por um terceiro.
22. A ausência de propostas nos autos, demonstra, ou pelo menos indicia, que os valores base atribuídos aos imóveis são excessivos face aos seus valores reais/comerciais.
23. Por outro lado, são os credores, mormente, o exequente, os maiores interessados na concretização da venda do imóvel penhorado pelo maior valor possível, por forma a assim poder satisfazer a dívida exequenda.
24. Sucede que, atento o lapso temporal decorrido, desde a fixação dos valores base e mínimo de venda e, fundamentalmente considerando a situação actual do mercado imobiliário e a forte depreciação que se verifica no valor dos imóveis, impõe-se concluir que o montante fixado nos autos se revela desfasado da realidade.
25. A decisão recorrida perfilha-se ser, assim, decisão violadora dos arts. 811.º, n.º2, 832.º e 833.º todos do CPC, devendo, por conseguinte, ser revogada e substituída por outra que determine a aceitação da proposta de aquisição apresentada pelo exequente, ora recorrente…”.
Pede, a final, que seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que determine a aceitação da proposta de aquisição apresentada pelo exequente.
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Pelas recorridas foram apresentadas contra-alegações nas quais pugnam pela manutenção da decisão recorrida.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- A de saber se a decisão proferida é nula por falta de fundamentação;
- Se havia impedimento legal para o tribunal autorizar a venda por negociação particular pelo valor proposto pelo sr. agente de execução.
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São os seguintes os factos a considerar para a decisão da causa:

a) O exequente instaurou processo executivo contra a executada em 10.04.2012, para pagamento da quantia exequenda de 92.389,35€
b) O prédio em causa - prédio urbano sito no …, em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o artigo ... com o valor patrimonial de 30.370,00 €, descrito na Conservatória de Registo Predial de Viana do Castelo sob a descrição n.º ... - foi penhorado em 17.07.2012
c) O credor reclamante Banco A, SA, veio reclamar o seu crédito hipotecário quanto ao imóvel penhorado nos autos em 11.07.2013
d) À data de 04.01.2013, pelo Senhor Perito, foi atribuído ao imóvel o valor de 85.700,00€.
e) Em 06.02.2015 o Agente de Execução decidiu a modalidade de venda (venda mediante propostas em carta fechada) e o valor base do bem penhorado (85.700,00€) não podendo ser aceites propostas inferiores a 85% daquele valor.
f) A diligência de venda resultou frustrada dada a ausência de propostas apresentadas.
g) Posteriormente, o Sr. Agente de Execução determinou que a venda se realizasse por leilão electrónico, mantendo-se o valor base antes fixado.
h) Não tendo sido apresentada qualquer proposta.
i) Na sequência de tal, o Agente de Execução determinou que se procedesse à venda por negociação particular, tendo sido obtidas as seguintes propostas:

- Uma proposta no valor de € 45.000,00, apresentada a 28 de Fevereiro de 2018;
- Uma proposta no valor de € 46.000,00, apresentada a 11 de Março de 2018;
- Uma proposta no valor de € 47.000,00, apresentada a 14 de Março de 2018;
- A proposta da exequente no valor de € 48.000,00, apresentada a 04 de Abril de 2018;
j) Notificada as partes das propostas anteriores, veio a executada declarar não aceitar nenhuma das propostas apresentadas.
k) O credor reclamante nos autos declarou expressamente aceitar a proposta da exequente - cfr. comunicação datada de 19 Março de 2018.
1) Por esse motivo, o Agente de Execução em funções veio requerer a autorização judicial, como lhe competia, para autorizar a venda do imóvel por montante inferior a 85% do valor base de venda definido.
m) Nessa sequência, o Tribunal ad quo proferiu despacho de que ora se recorre.
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Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação:

Começa o recorrente por invocar a nulidade do despacho proferido por falta de fundamentação, dizendo que o mesmo não especifica os fundamentos de facto e de direito em que justifica a decisão - artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC.

Mas não cremos que lhe assista razão, como teve já oportunidade de referir o tribunal recorrido, por despacho de fls. 14 dos autos, constando do mesmo o seguinte: “Inexiste a nulidade apontada à decisão recorrida uma vez que esta identifica claramente o fundamento do indeferimento por contrariar decisão judicial já transitada. A decisão em causa e que transitou, consta dos autos de fls. 57 e 58 do apenso B. O valor do imóvel é de € 85.700,00 e os processos executivos não podem ser utilizados para a realização de negócios com prestações desequilibradas e com características leoninas…”
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Trata-se de um mero despacho proferido nos autos, ao qual não podem ser impostas as regras rígidas impostas para as “sentenças judiciais” pelo artº 607º do CPC, muito embora a lei mande aplicar aquela norma aos despachos, com as necessárias adaptações (artº 613º nº3 do CPC).
Efetivamente, no que se refere aos despachos, a lei impõe apenas que os mesmos (inseridos na categoria de decisões em geral) quando proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, sejam sempre fundamentados (conforme artº 154º do CPC sob a epígrafe “Dever de fundamentar a decisão”).

Ora, esse dever de fundamentação deve ser o adequado ao tipo de decisão em causa, nomeadamente ao seu grau de complexidade e à repercussão que ela possa vir a ter para as partes e para o desenrolar do processo.

Quer isso dizer que na motivação da decisão o juiz deve (apenas) desenvolver uma argumentação justificativa, da qual resultem as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica.

Ou seja, na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos (com base nas provas), até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo.

Da motivação deve resultar, no fundo, que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração e, portanto, de forma imparcial (Michele Tarufo, Páginas sobre justicia civil, Marcial Pons, 2009, pág. 53).

Ora, no caso em apreço, a decisão proferida tem a motivação suficiente em termos de racionalidade, objectividade e imparcialidade, que lhe permite ser apreendida e controlada, quer pelas partes, quer pela comunidade (jurídica) em geral. A prova disso é a interposição pelo recorrente da presente apelação, da qual se denota que compreendeu perfeitamente a decisão proferida e da qual discorda.

E embora a sua repercussão para o apelante possa ser relevante, os contornos da questão colocada – do valor da venda do bem penhorado -, são de grande simplicidade, bastando apenas ao tribunal justificar qual o motivo pelo qual não aceita que a venda se efetue pelo valor proposto pelo sr. agente de execução.

E com base nesse pressuposto, temos para nós como seguro que a decisão proferida foi suficientemente fundamentada, quer de facto, quer de direito, fazendo o tribunal apelo aos motivos que o levaram a indeferir a proposta apresentada.

Sempre será de acrescentar que, mesmo considerando que é de aplicar aos despachos – com as devidas adaptações – a norma que regula as nulidades da sentença (por força do artº 613º nº3 do CPC), o que tem sido entendido quanto à nulidade constante do artº 615º nº1, alínea b) é que apenas é nula a decisão quando a mesma não especifique, de todo, os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão. Ou seja, o que tem sido entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, cremos que de forma unânime, é que uma decisão apenas é nula quando lhe falte, em absoluto, a sua fundamentação (de facto e/ou de direito); não quando essa fundamentação seja parca ou deficiente.

Como nos ensina José Alberto dos Reis ("Código de Processo Civil anotado", vol. V, reimpressão, pág. 140), "Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade."

No mesmo sentido se pronuncia Antunes Varela (in "Manual de Processo Civil", Coimbra Editora, 2ª edição, 1984, págs. 687), afirmando que "Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito."

Em termos correntes pode dizer-se que se verifica a falta de fundamentação da decisão quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, conforme o impõem, além dos artºs 154º e 607º nºs 3 e 4 do CPC, o artº 208 nº 1 da Lei Fundamental (a Constituição da República Portuguesa).
Desta forma, para se mostrar preenchida a alegada nulidade da decisão, seria necessário verificar-se – o que não acontece, como dissemos acima - uma ausência total de fundamentação, de facto ou de direito.

Concluímos do exposto que não se verifica a alegada nulidade da decisão proferida.
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Da aplicação ao caso dos autos do artº 816.º nº 2 do CPC:

O despacho recorrido – a indeferir a venda judicial pelo valor apresentado pelo sr. agente de execução -, foi proferido na sequência de uma decisão proferida nos autos, em 19.4.2018, pelo mesmo Agente de Execução (a fls. 38 e 39) na qual se refere o seguinte:

"Nos presentes autos encontram-se a ser levadas a cabo diligências de venda do bem constante da verba 1 - auto de penhora datado de 17 de julho de 2012: Prédio Urbano sito no …, em ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, afecto á habitação, em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, descrito na caderneta predial como casa de 1 só pavimento para 1 fogo composto de R/C com 1 sala, 3 quartos, cozinha e casa de banho, com 10 vãos e logradouro, inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo ... com o valor patrimonial de 30.370,00 € e descrito na Conservatória de Registo Predial de Viana do Castelo sob a descrição n.º .../....

Através da decisão de venda datada de 06 de Fevereiro de 2015 foi o valor base de venda fixado em € 85.700,00 (oitenta e cinco mil e setecentos euros), merecendo aceitação propostas de valor igual ou superior a € 72.845,00 (setenta e dois mil e oitocentos e quarenta e cinco euros).
Frustraram-se todas as diligências de venda mediante a modalidade de propostas em carta fechada. Introduzida a modalidade de venda mediante leilão eletrónico, foi o imóvel em apreço submetido a venda na plataforma eletrónica e-leilões.

Conforme a certidão de leilão eletrónico com data de encerramento em 21 junho de 2017, verifica-se que o mesmo decorreu sem que fosse apresentada alguma proposta.
Tendo a venda prosseguido pela modalidade de negociação particular a 13 de julho de 2017, foram obtidas as seguintes propostas:

- Uma proposta no valor de € 45.000,00, apresentada a 28 de Fevereiro de 2018;
- Uma proposta no valor de € 46.000,00, apresentada a 11 de Março de 2018;
- Uma proposta no valor de € 47.000,00, apresentada a 14 de Março de 2018;
- A proposta da exequente no valor de € 48.000,00, apresentada a 04 de Abril de 2018;
Notificadas as partes das propostas anteriores, veio a executada declarar não aceitar nenhuma das propostas apresentadas.
O credor reclamante nos autos declarou expressamente aceitar a proposta da exequente - cfr. comunicação datada de 19 Março de 2018.
As diligências de venda do imóvel penhorado iniciarem-se a 10 de janeiro de 2015, ou seja, há aproximadamente três anos.
Até à presente data nunca foi apresentada proposta de valor superior ao valor proposto pelo exequente, bem como, naturalmente, de valor igual ou superior a 85% do valor base de venda definido.
Releve-se, atenta a publicidade oferecida pela modalidade de venda em leilão eletrónico, que com a sujeição do imóvel em venda à avaliação do "mercado”: a proposta mais alta obtida foi de € 47.000,00. E salvo melhor entendimento, respeitando-se, nomeadamente, o valor fixado pelo perito ou o entendimento quer da exequente, quer da executada acerca do real valor do bem em venda, não foi possível encontrar no "mercado" melhor proposta que a referida no ponto anterior.

De acordo com a jurisprudência dominante plasmada no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 06.11.2013, no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 20.06.2016, no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 16.05.2017, entre outros, é admitida a venda por negociação particular, por valor inferior ao valor base de venda do bem, mediante acordo de todos os interessados ou autorização judicial.

Mais advoga a referida jurisprudência que deve emergir como critério decisivo a aceitação do mercado ao bem em venda.

Em conformidade, vêm o ora signatário mui respeitosamente requerer, salvo melhor entendimento, que Vossa Excelência se digne a autorizar a venda do direito penhorado por montante inferior a 85 % do valor base de venda definido”.
Sobre o requerimento apresentado recaiu o despacho recorrido, a indeferir o requerido quanto ao valor de venda do imóvel, por falta de fundamento legal e por contrariar decisão judicial já transitada.

A falta de fundamento legal a que se refere o despacho proferido só pode ser, como bem anota o recorrente, a norma do art.º 816 n.º 2 do CPC, nos termos do qual "O valor a anunciar para a venda é igual a 85 % do valor base dos bens."

Todavia, concordamos com o apelante – e com a jurisprudência maioritária dos nossos tribunais superiores por ele citada –, de que tal norma não se aplica ao caso dos autos, em que está em causa uma venda por negociação particular, pois como se refere na sua epígrafe - “Venda mediante propostas em carta fechada”-, a mesma apenas se aplica ao caso da venda mediante propostas em carta fechada.

A venda por negociação particular funciona como via subsidiária, quando as modalidades de venda principais (venda por propostas em carta fechada e venda através de leilão electrónico) se frustram, como resulta, de forma expressa, do artº 832º, alíneas d) e f) do CPC.

Como se decidiu em ac. desta Relação de Guimarães, de 07.01.2016 (disponível em www.dgsi.pt), trata-se, no caso da venda por negociação particular, de uma via subsidiária, a qual entra em acção “em desespero de causa”, quando a primeira não funcionou no objectivo basilar que se intenta: a venda dos bens. E daí que não seja de estranhar que o formalismo exigido naquela venda seja mais aligeirado, precisamente em ordem a alcançar aquele objectivo básico que com a venda por propostas em carta fechada se não alcançou.

Ora, como o Sr. Agente de Execução refere na sua decisão de 19/04/2018, é admitida a venda por negociação particular, por valor inferior ao valor base de venda do bem, mediante acordo de todos os interessados ou autorização judicial. E uma vez que o valor proposto é inferior ao indicado para a venda do imóvel e a executada não concordou com aquele valor, houve necessidade de submeter a referida decisão a apreciação judicial.

Acontece que não vemos razão legal para o tribunal não ter autorizado aquela venda, pela proposta mais elevada que se conseguiu obter (oferecida pelo exequente e aceite pelo credor reclamante), sendo também a mesma de aceitar, na otica do sr. agente de execução, o qual indica na decisão por si proferida os motivos que devem levar à sua aceitação, como sejam, o longo período de tempo decorrido desde o início da venda e encontrarem-se esgotadas as outras duas modalidades legalmente previstas para se efectuar a mesma sem sucesso (a venda mediante propostas em carta fechada e através de leilão electrónico).
O outro argumento invocado pelo tribunal recorrido – de que a proposta apresentada contraria decisão judicial já transitada – entronca na primeira, que é a circunstância de o valor do imóvel se encontrar fixado em definitivo nos autos, por recurso a prova pericial.

Mas, como se disse, tal valor apenas serve de base para a venda judicial pela modalidade de propostas em carta fechada, prevista no artº 816º do CPC, não podendo a fixação desse valor servir de argumento para se indeferir o requerido pelo sr. agente de execução (nem esse valor formar caso julgado nos autos, para impedir que a venda se faça por valor inferior a 85% do mesmo).

Seguimos nesta matéria o que tem sido decidido pela jurisprudência dos tribunais das Relações (citados pelo recorrente), de que a venda de um bem na modalidade de negociação particular pode ser autorizada por valor inferior ao indicado no artigo 816.º n.º 2 do CPC, desde que sejam garantidos os interesses das pessoas ou entidades indicadas no artigo 821.º n.º 3 do mesmo diploma legal.

E a defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados no processo, mormente dos executados e demais credores, terá de resultar, casuisticamente, da ponderação de diversos factores, designadamente o período de tempo já decorrido com a realização da venda; a forma como a conjuntura económica evolui; as qualidades do bem e consequentes potencialidades da sua venda; o interesse manifestado pelo mercado; a eventual desvalorização sofrida; valores de mercado da zona; e quaisquer outros elementos que devam ser levados em conta para um bom juízo acerca da aceitação das ofertas havidas (Acs Relação de Coimbra de 16.12.2015 e de 16.05.2017; desta Relação de Guimarães de 07.01.2016; da Relação do Porto, de 20.06.2016; e da Relação de Lisboa de 06.11.2013 e de 19.04.2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt)

Ora, seguindo o entendimento da jurisprudência mencionada, estamos em presença de uma venda que já se arrasta desde Fevereiro de 2015, e em que se frustraram todas as diligências de venda do imóvel mediante propostas em carta fechada e em leilão electrónico.

Tendo a venda prosseguido pela modalidade de negociação particular, foram obtidas várias propostas: de € 45.000,00; de € 46.000,00; de € 47.000,00; e de € 48.000,00 - todas muito próximas umas das outras, o que pode ser sintomático de que é esse o valor real do imóvel.

Ora, é de considerar que decorreu bastante tempo desde que se iniciaram as diligências para a venda do imóvel sem que o mesmo tivesse recebido propostas melhores do que a última apresentada, sendo certo que tal proposta apresenta-se, ainda assim, superior ao valor tributário do imóvel – de € 030.370,00.
Assim sendo, considerando todos estes factos, conclui-se que a venda proposta pelo sr. agente de execução – ainda que por um valor inferior ao publicitado no art. 816º nº2 do CPC -, não viola os interesses patrimoniais dos executados e do credor reclamante, sendo, por isso, de autorizar.

Acresce que, como se referiu nos acórdãos citados, o processo não pode ser um escolho para a justiça, mesmo que formal, desde que estejam garantidos os interesses de todas as partes.

Ademais, a venda não se pode eternizar, só porque a executada não concorda com o preço oferecido pelo exequente, não sendo razoável que se espere eternamente durante anos que os preços subam e apareça um comprador que ofereça mais, tudo a contribuir para um avolumar da dívida dos executados, para uma contínua desvalorização do imóvel, e para um atraso significativo na recuperação da quantia exequenda por parte do exequente e do credor reclamante.

Acresce a tudo isto que foi a executada quem deu causa à ação executiva por força do incumprimento das suas obrigações perante o exequente e o credor reclamante, não sendo aceitável que a mesma obstaculize a realização da venda, com prejuízo para os demais intervenientes no processo.

A decisão recorrida merece assim ser revogada e substituída por outra a ordenar a aceitação da venda pelo valor proposto pelo exequente.
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DECISÃO:

Pelo exposto Julga-se procedente a Apelação e revoga-se a decisão recorrida, devendo ser autorizada a venda do imóvel pelo valor oferecido pelo exequente.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
Guimarães, 25.10.2018


Maria Amália Santos
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas