Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1223/16.6T8BGC.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

No cálculo da indemnização por incapacidade temporária, a retribuição anual a atender é o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade; e, quando a incapacidade for superior a 30 dias, acrescem os valores correspondentes aos subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo da sua duração.
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado F. R. e são responsáveis Companhia de Seguros X Portugal, S.A. e Y – Const. Civis Soc. Unipessoal, Lda., foi proferida sentença, onde se diz, além do mais:

«O regime legal a ter em conta é o que resulta da Lei 98/2009 de 4/09, nomeadamente dos artigos 3º, 8º, 19º, 20º, 21º, 23º, 25º, 39º, 47º, 48º, 50º, 71º e 75º.

Assim, a indemnização global devida pelos períodos de incapacidade e o acréscimo pela parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal devida pelo período que excede 30 dias ascende a €4.267,74, assim calculada:

(€9.009,40:365x70%x216)+(€9.009,40:12:365x70%x186x2).
A responsabilidade transferida para a R. seguradora é de €4.202,40. Como já pagou €1.769,43 resta a diferença de €2.432,97.
A fracção da responsabilidade da Ré empregadora é de €65,34.
*
3. Perante o exposto, considerando a matéria de facto apurada e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo procedente a presente acção e, em consequência,
1- Nos termos do art. 140º nº 1 do Cód. Proc. Trabalho, considero o sinistrado F. R. curado sem desvalorização desde 22/09/2016, fixando-lhe, porém, um período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 20/02/2016 a 22/09/2016 (216 dias).
2- Condeno as RR. Companhia de Seguros X Portugal, S.A. e Y – Const. Civis Soc. Unipessoal, Lda. a pagar ao sinistrado:
a) A quantia de €2.432,97 (dois mil quatrocentos e trinta e dois euros e noventa e sete cêntimos) a título de diferenças na indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, a cargo da R. seguradora;
b) A quantia de €65,34 (sessenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos) a título de diferenças na indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, a cargo da R. empregadora;
c) Juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o dia seguinte ao da alta, nos termos do art.º. 135º do Cód. Proc. Trabalho.
Custas pelas RR., na proporção da respectiva responsabilidade.»

A R. seguradora, inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1 - Atendendo ao valor do salário anual contratualmente transferido pata esta Ré, de € 9.009,40, o salário diário, calculado nos termos do disposto na alínea d) do n° 3 do artigo 48° da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, é de € 17,28 (9.009,40:365 dias x 70%).
2 - O Autor/Sinistrado sofreu um período de ITA desde 20 de Fevereiro de 2016 até 22 de Setembro de 2016, num total de 216 dias.
3 - A multiplicação do salário diário pelos 216 dias em que o Autor/Sinistrado se viu afectado de ITA corresponde ao valor total a que o mesmo tem direito a ver se ressarcido, por esta Ré, a título de indemnização, no valor total de € 3.732,48 (três mil, setecentos e trinta e dois euros e quarenta e oito cêntimos).
4 - Atendendo a que esta Ré só pagou ao Autor/Sinistrado, a este título, a quantia de € 1.769,43, tem direito o Autor/Sinistrado a receber ainda desta Ré a quantia de € 1.963,05 (€ 3.732,48 — 1169,43), acrescida dos respectivos juros, legalmente calculados.
5 - A M Juiz a quo considerou os valores auferidos pelo Autor/Sinistrado, a título de subsídio de férias e de Natal em duplicado, uma vez que considerou tais subsídios no cômputo do salário anual e, depois, volta a considerar tais prestações para acrescer ao valor de indemnização por incapacidades temporárias, efectuando novo e isolado cálculo, a título de acréscimo, que não é devido.
6 - O referido cálculo apresentado pela M° Juiz a quo, foi efectuado em desrespeito pelo disposto na alínea d) do n° 3 do artigo 48° da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.
7 - A sentença proferida viola o disposto na alínea d) do n° 3 do artigo 48° da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.»
O Ministério Público, no patrocínio do sinistrado, apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, e colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, a única questão que se coloca a este Tribunal é a do cálculo da indemnização por incapacidade temporária superior a 30 dias.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que resultam do Relatório supra.

4. Apreciação do Recurso

A questão a decidir já foi objecto de algumas decisões judiciais, designadamente do Acórdão desta Relação de Guimarães de 6 de Dezembro de 2018, proferido no processo n.º 399/16.7T8BGC.G1 (disponível em www.dgsi.pt), em que foram Relator e 1.ª Adjunta os ora 1.º e 2.º Adjuntos, respectivamente.

No presente recurso, semelhantemente ao apreciado no sobredito aresto, a Apelante discorda de que na indemnização por incapacidade temporária se inclua, como refere a sentença, «o acréscimo pela parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal devida pelo período que excede 30 dias», entendendo que se «considerou os valores auferidos pelo Autor/Sinistrado, a título de subsídio de férias e de Natal em duplicado, uma vez que considerou tais subsídios no cômputo do salário anual e, depois, volta a considerar tais prestações para acrescer ao valor de indemnização por incapacidades temporárias, efectuando novo e isolado cálculo, a título de acréscimo».

Porém, a Recorrente não tem qualquer razão.

Com efeito, estabelece o regime de reparação de acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, no que agora releva:

Artigo 48.º
Prestações
1 - A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
(…)
3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
(…)
d) Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente;
e) Por incapacidade temporária parcial - indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
(…)
Artigo 50.º
Modo de fixação da incapacidade temporária e permanente
1 - A indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente.
(…)
3 - Na incapacidade temporária superior a 30 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do n.º 3 do artigo 48.º

Artigo 71.º
Cálculo
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
(…)

Retornando ao caso dos autos, e como se expende no Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 5076/15.3T8LSB.L1-4 (disponível em www.dgsi.pt), também citado no aresto desta Relação acima indicado, “(…) atendendo a que no caso os períodos de incapacidade temporária são superiores a 30 dias, face ao preceituado no n.º 3 do artigo 50.º da LAT, deverá proceder-se ao cálculo da parte proporcional das incapacidades temporárias superiores a 30 dias correspondentes aos subsídios de férias e de Natal em função das percentagens das indemnizações devidas pelas incapacidades temporárias.

São pois os referidos preceitos legais que determinam que no cálculo da indemnização temporária a retribuição anual é o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias; e que nas indemnizações temporárias, quando superiores a 30 dias, acrescem valores correspondentes aos subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo das incapacidades.

Não se considera assim correcto o entendimento da Recorrente quando sustenta que, no caso concreto, o cálculo autónomo dos subsídios de férias e de Natal determina o recebimento pelo sinistrado do valor em duplicado, pois é a própria lei que assim o determina, sendo certo que o valor da retribuição anual terá sempre em conta os referidos subsídios e que, constituindo a indemnização paga mensalmente uma percentagem da retribuição total, o pagamento do proporcional dos subsídios de férias e Natal daquela indemnização sucede apenas nas incapacidades temporárias superiores a 30 dias.

Na verdade, se o sinistrado não recebe a sua retribuição normal por força da sua incapacidade para o trabalho, ainda que temporária, e por isso também os proporcionais dos respectivos subsídios, pelo que não se pode concluir que os recebe em duplicado, como entende a Seguradora/recorrente. Com efeito, tal como resulta do artigo 48.º da LAT, a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante do acidente.”

O disposto no n.º 3 do art. 50.º do regime de reparação de acidentes de trabalho, pela sua clareza, não admite outro sentido que não o adoptado na sentença recorrida e nos Acórdãos indicados, em face do estabelecido no art. 9.º do Código Civil, traduzindo-se a pretensão da Apelante numa interpretação revogatória ou ab-rogante que só é admissível quando se reconheça na norma “(…) uma ausência de sentido normativo, em razão de uma contradição insanável nos seus termos ou na sua relacionação com outro preceito (…) Trata-se pois de hipóteses em que não é possível alcançar qualquer sentido aplicativo útil para a norma. Tal conclusão consubstancia o resultado interpretativo e conduz ao reconhecimento de que a norma não encerra um critério normativo de solução, determinando-se pois a sua exclusão” (Comentário ao Código Civil: Parte Geral, coord. de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença, UCP, 2014, p. 50).

Ora, na situação em apreço, inexiste qualquer contradição insanável na aplicação simultânea das normas acima transcritas, pelo que fazer tábua rasa da existência com natureza imperativa do citado n.º 3 do art. 50.º, com o pretexto de se tratar de lapso do legislador (não demonstrado, uma vez que, além do mais, a substituição da referência a 15 dias, constante da lei anterior, pela actual referência a 30 dias, evidencia que houve deliberada ponderação na manutenção do preceito), equivaleria a uma inadmissível correcção da actividade daquele.

A opção do legislador, ao determinar que, em caso de incapacidade temporária superior a 30 dias, à indemnização diária calculada com base na retribuição anual acrescem valores a título de subsídios de férias e de Natal proporcionais, é tão legítima como a opção subjacente na lei anterior de não prever a consideração de qualquer valor a título de subsídios de férias e de Natal na indemnização por incapacidade temporária até 15 dias.

Em face do exposto, improcede necessariamente o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 7 de Fevereiro de 2019

(Alda Martins)
(Eduardo Azevedo)
(Vera Sottomayor)