Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1293/15.4T8VRL.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
FACTOS CONCRETIZADORES
DIREITO DE REGRESSO
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DO ÁLCOOL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Apenas os factos essenciais têm de ser alegados pelas partes, para além disso, apenas os factos instrumentais e factos complementares ou concretizadores, desde que relevantes para a boa decisão da causa, devem ser considerados;

2) Para que o direito de regresso, da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido tem a mesma, para além de provar a culpa do condutor na produção do evento danoso, alegar e provar, ainda, factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o evento dele resultante.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) L. Seguros, S.A., veio intentar a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra José, pedindo que se condene o réu a pagar-lhe a quantia de €50.258,30, acrescida de juros vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

O réu José apresentou contestação onde conclui entendendo dever julgar-se totalmente improcedente e não provada a ação, absolvendo-se o réu dos pedidos formulados.


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Foi elaborado despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

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Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar a ação improcedente e, consequentemente, absolver o réu do pedido.

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B) Inconformada com a decisão proferida, veio a autora, L. Seguros, SA, interpor recurso (fls. 96 vº), o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 126).

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Nas alegações de recurso da apelante L. Seguros, SA, são formuladas as seguintes conclusões:

1. Conforme supra referido, entende a recorrente que a MMo Juiz do Tribunal "a quo" apreciou de forma incorreta a prova produzida, dado que considera que ao elenco dos factos provados devem ser acrescentados dois outros factos, com a seguinte redação:

- 43. "Antes de iniciar o atravessamento da faixa de rodagem, o peão olhou para a esquerda e para a direita e verificou que apenas se aproximava um veículo no sentido Vila Real/Mateus, a pelo menos 100 metros do local onde ia iniciar o atravessamento."

- 44. "Aquando do atravessamento da faixa de rodagem, o Sr. António S. seguia, cerca de 1,70 metros, à frente do peão."

2. É entendimento geral da doutrina que a alteração ao Código de Processo Civil teve como objetivo a flexibilização do mesmo com vista a possibilitar-se a descoberta da verdade material de cada litígio, permitindo-se que sejam considerados para a decisão da causa factos não alegados pelas partes nos seus articulados e de que o Tribunal tenha conhecimento no decorrer do processo.

3. Da leitura do artigo 5º nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil, o Tribunal pode considerar factos que não tenham sido alegados pelas partes, mas de que tinha tido conhecimento no decorrer da instrução da causa, desde que estes sejam instrumentais ou complemento ou concretização dos factos alegados pelas partes.

4. Os factos que a recorrente pretende que sejam adicionados ao elenco dos factos provados são factos instrumentais e como tal podem, e devem ser aditados ao elenco dos factos provados.

5. Os factos que se pretende aditar resultam dos depoimentos das testemunhas António S., Francisco L., Luís P. e L. Martins.

6. De facto, a testemunha António S., cujo depoimento ficou gravada em ata no dia 05/02/2016 do minuto 10:07:20 ao minuto 10:30:32 referiu que seguia com o peão e que ambos atravessaram a faixa de rodagem, após se certificarem que existiam condições para o efetuar em segurança, dado que o único veículo visível estava a cerca de 100 metros de distância, perto da farmácia MT.

7. Dos depoimentos das testemunhas Francisco L., cujo depoimento ficou gravado em ata no dia 05/02/2016, do minuto 10:31 :35 e Luís P., cujo depoimento ficou gravado em ata no dia 05/02/2016, resulta demonstrado que nas imediações do local onde ocorreu o atropelamento do peão existe uma passadeira de peões, a qual se encontra junto à Farmácia MT.

8. Resultou provado, que a referida passadeira para peões está a cerca de 100 mts do local do atropelamento [facto provado nº 36], pelo que também resultou provado que a farmácia Mateus dista do local do atropelamento 100 metros.

9. Em face do supra exposto, a recorrente considera que ficou devidamente provado que "Antes de iniciar o atravessamento da faixa de rodagem, o peão olhou para a esquerda e para a direita e verificou que apenas se aproximava um veículo no sentido Vila Real/Mateus, a pelo menos 100 metros do local onde ia iniciar o atravessamento", pelo que sendo tal facto essencial, e instrumental em relação aos factos por si alegados na Petição Inicial, deve este facto ser acrescentado ao elenco dos factos provados, com o nº 43.

10. A testemunha António S., ao minuto 04:40 do seu depoimento referiu que atravessou a faixa de rodagem à frente do peão, acrescentando, ao minuto 09:17 do seu depoimento que já tinha chegado à berma direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo GM, quando o peão foi atropelado.

11. A testemunha L. Martins, confirmou ter visto dois peões a atravessar a faixa de rodagem, sendo que um vinha à frente do outro.

12. Ficou provado que o peão foi atropelado quando se encontrava sensivelmente a meio da via de trânsito afeta ao sentido de marcha do veículo GM, uma vez que, de acordo com as medidas constantes do croqui elaborado pela PSP cada via de trânsito mede de largura 3,40 metros, podemos concluir que a testemunha circulava sensivelmente a 1,70 do peão.

13. Em face do supra exposto, a recorrente considera que ficou devidamente provado que "Aquando do atravessamento da faixa de rodagem, o Sr. António S. seguia, cerca de 1,70 metros, à frente do peão", pelo que sendo tal facto essencial, e instrumental em relação aos factos por si alegados na Petição Inicial, deve este facto ser acrescentado ao elenco dos factos provados, com o nº 44.

14. Quando ocorreu o atropelamento era já de noite, pelo que o veículo GM circulava com as suas luzes acesas na posição de médios, as quais têm um alcance mínimo de 30 metros, pelo que se o réu conduzisse o seu veículo de forma atenta teria visto os peões a atravessar a faixa de rodagem.

15. Entendeu o douto Tribunal que não é possível concluir que o recorrido seguia sem prestar atenção ao trânsito ou com falta de cuidado, já que o atropelamento do peão podia ter acontecido a qualquer condutor normal naquelas circunstância, imputando a culpa pela ocorrência do atropelamento à própria vitima, ou quanto muito repartindo a culpa por ambos os intervenientes, embora em maior grau ao peão do que ao condutor, sendo que a este nunca poderia ser atribuída um grau de culpa superior a 20%.

16. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, não pode a recorrente concordar com a interpretação dos factos provados efetuada pelo douto Tribunal a quo.

17. Nos termos do disposto no artigo 24º, nº 1 do Código da Estrada, os condutores têm que adaptar a velocidade a que circulam às condições atmosféricas que se façam sentir no momento, pelo que, o recorrido ao verificar que as condições atmosféricas e a falta de iluminação pública no local reduziam a sua visibilidade, deveria ter reduzido a velocidade a que circulava, por forma a garantir que, em caso, de necessidade, conseguiria imobilizar atempadamente o seu veículo.

18. A presença do peão na via de circulação do recorrido não configurou uma surpresa para o recorrido.

19. Na berma direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo GM, existem inúmeros estabelecimentos comerciais, sendo que no momento do sinistro encontravam-se estacionados inúmeros veículos na berma esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo GM.

20. Dado que, naquele local, não era proibido o atravessamento da faixa pelos peões, era expectável para um condutor médio que naquele local da Rua V. os peões procedessem ao atravessamento da faixa de rodagem.

21. O peão procedeu ao atravessamento da faixa de rodagem da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo GM, tendo atravessado a totalidade da via de circulação da esquerda só tendo sido colidido pelo veículo GM quando já se encontrava sensivelmente a meio da via de circulação afeta ao veículo GM.

22. Para além do peão atropelado, já tinha passado à frente do veículo GM o peão António S. que seguia apenas a cerca de 1,70 metros daquele, e que à semelhança do peão atropelado foi iluminado pelos faróis do veículo GM.

23. A testemunha que conduzia o veículo que seguia atrás do veículo viu que se encontrava algo a atravessar a estrada, conforme resulta da fundamentação dada pelo douto Tribunal a quo à decisão da matéria de facto provada.

24. Apenas uma conclusão se pode retirar destes factos - o recorrido não seguia com a atenção devida ao trânsito na faixa de rodagem e ao ambiente que o envolvia, caso contrário teria visto os dois peões a atravessarem a faixa de rodagem.

25. O condutor do veículo GM violou com a sua conduta o disposto nos artigos 3º, n.º 2, 11º, nº 2, 24º, nº 1, todos do Código da Estrada, enquanto que o peão não violou qualquer dispositivo legal, na medida em que tomou todas as precauções antes de iniciar o atravessamento da faixa de rodagem, apenas o tendo feito porque o único veículo visível encontrava-se a circular a cerca de 100 mts do local onde se encontrava.

26. Nos termos do artigo 487º, nº 2 do Código Civil, "a culpa é apreciada ( ... ) pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

27. É necessário determinar se um condutor médio colocado nas exatas circunstâncias do recorrido teria possibilidade de ver o peão a atravessar a faixa de rodagem e imobilizar ou reduzir a velocidade da sua marcha por forma a permitir que aquele terminasse o atravessamento em segurança.

28. Um condutor médio tem que efetuar a sua condução com extrema atenção ao trânsito que circula na faixa de rodagem, mas também ao seu meio circundante, nomeadamente à presença de peões e outros obstáculos que possam surgir à sua frente.

29. Tendo em consideração tudo o que já ficou exposto, a verdade é que, apesar das condições de visibilidade que se faziam sentir no momento, o atravessamento da faixa de rodagem pelos peões era visível para um condutor médio que seguisse com atenção à condução que efetuava, sendo possível imobilizar o seu veículo antes que este colidisse com o peão.

30. O recorrido atuou com culpa exclusiva na produção do presente acidente.

31. Contudo, e caso se considere que, o peão também atuou com culpa e que deve ser efetuada uma repartição de culpa entre os intervenientes no sinistro, conforme também entendeu o douto Tribunal a quo, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que, o grau de culpa do recorrido terá que ser sempre superior ao do peão, numa proporção máxima de 70%-30%.

32. Mesmo neste caso, a recorrente terá direito de regresso sobre o recorrido das quantias que despendeu com a regularização do presente sinistro, ainda que na proporção da culpa deste.

33. Resulta do artigo 27º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto que para o direito de regresso das seguradoras apenas é necessário que o condutor do veículo tenha culpa na eclosão do acidente, não sendo exigido que essa culpa seja exclusiva.

34. A expressão "tenha dado causa ao acidente" apenas exclui as situações em que há responsabilidade objetiva ou pelo risco.

35. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 291/2007, deixou de ser necessária a prova do nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.

36. O direito de regresso da seguradora não depende da prova do nexo de causalidade entre a condução sob efeito do álcool e o acidente.

37. Decorre da redação do art. 27º, nº 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 291/2007 que basta a seguradora demonstrar que o condutor deu causa ao acidente e que acusou uma TAS superior à legalmente permitida para poder exercer direito de regresso contra o mesmo, o que a apelada logrou fazer nos presentes autos.

38. Não obstante, nos presentes autos, tal nexo de causalidade ficou provado.

39. Mesmo que se defenda que continua a ser necessária a prova desse nexo de causalidade, importa salientar que o julgador, através de presunção judicial, pode concluir por esse nexo de causalidade atendendo aos factos dados como provados.

40. Face às regras de experiência comum e científica, a influência de uma TAS de 1,35 g/l no ora Recorrido, em abstrato, era idónea para levar à diminuição dos seus reflexos, e das suas capacidades de atenção, perceção e reação.

41. Atenta a forma como ocorreu o acidente, torna-se evidente que face a uma TAS tão elevada, que esta foi efetivamente causal para ocorrência do acidente.

Termina entendendo dever ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida, e consequentemente condenando-se o recorrido no pedido.


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Pelo apelado José foi apresentada resposta onde conclui entendendo dever ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença proferida.

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C) Foram colhidos os vistos legais.

D) As questões a decidir no recurso são as de saber:

1) Se deverá ser alterada a matéria de facto apurada na 1ª Instância;

2) Se deverá ser alterada a decisão propriamente jurídica da causa.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Factos Provados

1. A autora exerce, devidamente autorizada, a indústria de seguros em vários ramos.

2. No exercício da sua atividade, a autora celebrou com o réu José, um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº AS/1366606/999.

3. Através do referido contrato, a autora assumiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do veículo de matrícula GM.

4. No dia 16 de janeiro de 2014, pelas 17.50 horas, ocorreu um acidente de viação na Rua V., Vila Real.

5. Nesse acidente foi interveniente o veículo seguro GM, conduzido pelo réu.

6. O local do acidente configura uma reta, com boa visibilidade em circunstâncias normais.

7. No local do acidente, o trânsito processa-se em ambos os sentidos, delimitados por linha longitudinal descontínua demarcada no pavimento, comportando uma via de circulação para cada um deles.

8. O piso é asfaltado e, à data do acidente, encontrava-se em bom estado de conservação, sem buracos ou irregularidades.

9. Considerando o sentido de trânsito Vila Real/Mateus, a margem direita da faixa de rodagem é ocupada por edifícios habitacionais e comerciais, com bermas onde se pode estacionar.

10. Considerando o mesmo sentido de trânsito, a margem esquerda da faixa de rodagem é habitualmente utilizada para o parqueamento de viaturas.

11. No momento do acidente chovia, pelo que o piso estava molhado.

12. O réu, condutor do veículo GM, circulava na Rua V., atento o sentido de marcha Vila Real/Mateus.

13. Não se apercebeu que o peão F. Guedes iniciara a travessia da faixa de rodagem, provindo do seu lado esquerdo.

14. O peão tinha saído de uma viatura estacionada na margem esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido de marcha Vila Real/Mateus, e iniciou a travessia da faixa de rodagem para a margem direita da mesma.

15. Quanto o peão já havia percorrido a via de trânsito afeta ao sentido Mateus/Vila Real e se encontrava sensivelmente a meio da via de trânsito afeta ao sentido Vila Real/Mateus, foi colhido pelo veículo GM, tendo sido projetado para a frente, imobilizando-se, tombado.

16. O veículo GM não deixou assinalado no solo qualquer rasto de travagem.

17. Do acidente resultaram ferimentos graves no peão F. Guedes, tendo o mesmo sido transportado de urgência ao Hospital de Vila Real, onde veio a falecer pelas 02,00 horas do dia 17 de janeiro de 2014.

18. Após o acidente, o réu foi submetido ao teste quantitativo de alcoolemia, tendo acusado uma TAS de 1,35 g/l.

19. O falecido F. Guedes deixou como herdeiro o filho Fernando M. G..

20. A título de indemnização pelos danos morais sofridos por Fernando M. G., liquidou a autora a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

21. A autora despendeu também, em peritagens e averiguações, o montante total de €258,30 (duzentos e cinquenta e oito euros e trinta cêntimos).

22. O réu conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula GM, na Reta de M., no sentido Vila Real/Mateus, seguindo pela sua mão de trânsito, a uma velocidade de 40 Km por hora, na faixa de rodagem a ele destinada e à circulação rodoviária naquele sentido.

23. Na retaguarda do réu, e no mesmo sentido de circulação, transitavam mais três ou quatro veículos automóveis.

24. Os quais seguiam todos à mesma velocidade de cerca de quarenta km/hora.

25. Tinha chovido e o piso estava molhado.

26. Já era de noite.

27. Apenas existe iluminação pública do lado direito, atento o sentido de marcha do veículo.

28. A faixa de rodagem, asfaltada, já de noite, refletia as luzes dos veículos, sendo a visibilidade ambiental insuficiente e fraca, no local, no dia e hora do acidente.

29. E o peão usava roupa escura.

30. Sendo a sua presença difícil de ser identificada, pelas aludidas condições.

31. Atento o sentido Vila Real/Mateus, o local, do lado direito, tem a seguir à faixa de rodagem, uma berma.

32. Seguida da qual existe espaço para estacionamento de veículos automóveis, desse mesmo lado direito, em frente ao Café C., para onde se dirigia o peão.

33. E do lado esquerdo da faixa de rodagem, atendo o mesmo sentido, também existe uma berma.

34. E desse lado esquerdo, não existem habitações, existindo a seguir à berma um muro de prédio rústico ou Quinta.

35. E existe também do lado direito, atento esse sentido, um entroncamento à direita.

36. E existe a cerca de cem metros uma passadeira para peões.

37. Pelo que, quem para aquele sítio se dirige, ficando tal Café ou casa C. do lado direito, e sendo munido de berma e local de estacionamento, tem todas as condições para que a imobilização dos veículos e o seu estacionamento se faça de forma a nem sequer ter necessidade de se atravessar a via.

38. No momento em apreço, o Peão podia avistar os veículos que circulavam naquela via com os faróis acesos.

39. O peão tinha 86 anos de idade.

40. Atravessou a estrada, quando eram visíveis vários veículos em circulação.

41. O réu não se apercebeu do peão.

42. Do registo individual de condutor do réu, nada consta.


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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

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C) A apelante L. Seguros, SA, discorda da decisão quanto à matéria de facto, entendendo deverem ser aditados aos factos provados dois outros factos, cuja formulação é a seguinte:

43. Antes de iniciar o atravessamento da faixa de rodagem, o peão olhou para a esquerda e para a direita e verificou que apenas se aproximava um veículo no sentido Vila Real/Mateus, a pelo menos 100 metros do local onde ia iniciar o atravessamento.

44. Aquando do atravessamento da faixa de rodagem, o Sr. António S. seguia, cerca de 1,70 metros, à frente do peão.

A apelante reconhece que tais factos não foram expressamente alegados pelas partes nos seus articulados, mas, tratando-se de facto instrumentais, o tribunal deve tomá-los em consideração.

Vejamos.

Conforme se refere no artigo 5º NCPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas), sendo certo que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo tribunal os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e, ainda, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Apenas os factos essenciais têm de ser alegados pelas partes, para além disso, apenas os demais factos acima referidos (factos instrumentais e factos complementares ou concretizadores), desde que relevantes para a boa decisão da causa, devem ser considerados e não todos e quaisquer factos que as partes entendam que são relevantes, mas, apenas aqueles que sejam, objetivamente relevantes, devem ser considerados, para a decisão da causa.

Conforme refere a Dra. Gabriela da Cunha Rodrigues, in A ação declarativa comum, O Novo Processo Civil, contributos da doutrina para a compreensão do Novo Código de Processo Civil, CEJ, “sendo emblemática desta reforma a homenagem do mérito e da substância em detrimento da mera formalidade processual, destaca-se da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 113/XII o seguinte trecho:

“(…) confere-se às partes a prerrogativa de articularem os factos essenciais que sustentam as respetivas pretensões, ficando reservada a possibilidade de, ao longo de toda a tramitação, naturalmente amputada de momentos inúteis, vir a entrar nos autos todo um acervo factual merecedor de consideração pelo tribunal com vista à justa composição do litígio”.

Acentua-se que às partes cabe alegar os factos essenciais da causa e só estes, nos artigos 5º, nº 1, 552º, nº 1, alínea d), (petição inicial) e artigos 572º, alínea c), e 574º, nº 1 (contestação), embora a prova incida também sobre factos instrumentais (artigos 5º, nº 2, alínea a) e 410º, segundo o qual a instrução tem por objeto os temas da prova ou factos necessitados de prova).

Assim, o nº 1 do artigo 5º estatui que o ónus de alegação que impende sobre as partes se restringe aos factos essenciais que constituem a causa de pedir e àqueles em que se baseiam as exceções invocadas.

Reforça-se que os factos instrumentais não têm de ser alegados nos articulados.

O nº 2 do artigo 5º estabelece que os poderes de cognição do tribunal não se circunscrevem aos factos originariamente alegados pelas partes, já que também devem ser considerados pelo juiz os factos que resultem da instrução da causa, quer sejam instrumentais, quer sejam complemento ou concretização dos alegados.”

Os factos essenciais são aqueles que se referem às relações jurídicas que cada parte invoca para a defesa dos seus direitos, aqueles que diretamente se relacionam com as pretensões em causa, sem os quais as mesmas não podem proceder, sendo constitutivos delas.

Conforme exemplifica o Dr. Paulo Ramos de Faria in A reforma da base instrutória: uma regressão, página 52, CEJ, a propósito da destrinça entre factos essenciais e factos instrumentais, como exemplo dos primeiros, num acidente de viação, a velocidade a que circulava a viatura, o facto de o atropelamento ter ocorrido numa passadeira e, como factos instrumentais, a circunstância de terem ficado manchas de sangue no pavimento, a distância a que a viatura se imobilizou.

Os factos em questão poderão ter alguma relevância para a apreciação da causa.

Refere a apelante que que foi produzida prova relativamente aos factos que se pretende aditar, nomeadamente o depoimento das testemunhas António S., Francisco L., L. Martins e L. Martins.

Sucede, porém, que dos depoimentos das testemunhas em causa, nenhuma refere que, antes de travessar o atravessamento da faixa de rodagem, o peão tenha olhado para a esquerda e para a direita, pelo que não se percebe a que título pretende a apelante que tal matéria seja dada como provada.

E igualmente não se percebe como pretende a apelante que se considere como provado que a testemunha tenha verificado que apenas se aproximava um veículo no sentido Vila Real – Mateus a, pelo menos, 100 metros do local onde ia iniciar o atravessamento, quando se refere que o peão perguntou à testemunha António S., depois de esta dizer àquele “olhe espere aí, vem um carro ali em cima, deixe-o passar, depois de passar o carro…” o peão tenha perguntado “e agora, já podemos?”, uma vez que se trata da constatação óbvia que o peão, antes de atravessar a estrada não olhou para a esquerda e para a direita, nem verificou que apenas se aproximava bum veículo, do seu lado direito a, pelo menos 100 metros do local do atravessamento quando é a própria testemunha que lhe terá dito para esperar que vinha um carro e , depois, o pergunta se já pode travessar.

Quanto aos demais depoimentos indicados, nenhuma testemunha corroborou a matéria que consta do 1º facto que a apelante pretendia que se considerasse como provado, salvo no que se refere à distância daquele local à farmácia e à passadeira para peões, matéria essa que já consta dos factos apurados.

De resto, importa notar que o peão tinha, naquela data, 86 anos de idade e, seria normal que, num local com pouca visibilidade, mal iluminado, com luz apenas no outro lado da via que pretendia atravessar, tivesse dificuldade em fazê-lo e em aperceber-se dos veículos que circulavam naquela estrada, o que é corroborado pelo facto de ser a testemunha António S. a orientar o atravessamento da via ao peão.

Por outro lado, importa notar que quando o peão atravessou, o mesmo podia avistar os veículos que circulavam naquela via com os faróis acesos.

No que se refere ao 2º facto que a apelante pretende que se considere como provado - aquando do atravessamento da faixa de rodagem, o Sr. António S. seguia, cerca de 1,70 metros, à frente do peão – nem uma única testemunha referiu tal facto, pelo que não faz qualquer sentido considerar tais factos como provados.

Pelo exposto, manter-se-á a formulação da matéria de facto apurada.


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Quanto à matéria de direito propriamente dita, tendo em consideração a matéria de facto apurada, não pode deixar de se considerar a inexistência de culpa do condutor do veículo atropelante, elemento esse que é determinante do exercício do direito de regresso, nos termos do disposto no artigo 27º nº 1, alínea c) do DL nº 291/2007, de 21 de agosto, onde se estabelece que “satisfeita a indemnização, a empresa de seguros tem direito de regresso contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos.”

Com efeito, não se descortina qualquer facto que permita imputar culpa na produção do acidente ao condutor do veículo GM, não obstante o mesmo conduzir com uma taxa de álcool no sangue superior ao legalmente permitido.

Com efeito, conforme resulta da matéria de facto provada,

6- O local do acidente configura uma reta, com boa visibilidade em circunstâncias normais.

7- No local do acidente, o trânsito processa-se em ambos os sentidos, delimitados por linha longitudinal descontínua demarcada no pavimento, comportando uma via de circulação para cada um deles.

8- O piso é asfaltado e, à data do acidente, encontrava-se em bom estado de conservação, sem buracos ou irregularidades.

9- Considerando o sentido de trânsito Vila Real/Mateus, a margem direita da faixa de rodagem é ocupada por edifícios habitacionais e comerciais, com bermas onde se pode estacionar.

10- Considerando o mesmo sentido de trânsito, a margem esquerda da faixa de rodagem é habitualmente utilizada para o parqueamento de viaturas.

11- No momento do acidente chovia, pelo que o piso estava molhado.

12- O réu, condutor do veículo GM, circulava na Rua V., atento o sentido de marcha Vila Real/Mateus.

13- Não se apercebeu que o peão F. Guedes iniciara a travessia da faixa de rodagem, provindo do seu lado esquerdo.

14- O peão tinha saído de uma viatura estacionada na margem esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido de marcha Vila Real/Mateus, e iniciou a travessia da faixa de rodagem para a margem direita da mesma.

15- Quanto o peão já havia percorrido a via de trânsito afeta ao sentido Mateus/Vila Real e se encontrava sensivelmente a meio da via de trânsito afeta ao sentido Vila Real/Mateus, foi colhido pelo veículo GM, tendo sido projetado para a frente, imobilizando-se, tombado.

16- O veículo GM não deixou assinalado no solo qualquer rasto de travagem.

18- Após o acidente, o réu foi submetido ao teste quantitativo de alcoolemia, tendo acusado uma TAS de 1,35 g/l.

20- A título de indemnização pelos danos morais sofridos por Fernando M. G., liquidou a autora a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros).

22- O réu conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros de matrícula GM, na Reta de M., no sentido Vila Real/Mateus, seguindo pela sua mão de trânsito, a uma velocidade de 40 Km por hora, na faixa de rodagem a ele destinada e à circulação rodoviária naquele sentido.

23- Na retaguarda do réu, e no mesmo sentido de circulação, transitavam mais três ou quatro veículos automóveis.

24- Os quais seguiam todos à mesma velocidade de cerca de quarenta Km/hora.

25- Tinha chovido e o piso estava molhado.

26- Já era de noite.

27- Apenas existe iluminação pública do lado direito, atento o sentido de marcha do veículo.

28- A faixa de rodagem, asfaltada, já de noite, refletia as luzes dos veículos, sendo a visibilidade ambiental insuficiente e fraca, no local, no dia e hora do acidente.

29- E o peão usava roupa escura.

30- Sendo a sua presença difícil de ser identificada, pelas aludidas condições.

31- Atento o sentido Vila Real/Mateus, o local, do lado direito, tem a seguir à faixa de rodagem, uma berma.

32- Seguida da qual existe espaço para estacionamento de veículos automóveis, desse mesmo lado direito, em frente ao Café C., para onde se dirigia o peão.

33- E do lado esquerdo da faixa de rodagem, atendo o mesmo sentido, também existe uma berma.

34- E desse lado esquerdo, não existem habitações, existindo a seguir à berma um muro de prédio rústico ou Quinta.

36- E existe a cerca de cem metros uma passadeira para peões.

37- Pelo que, quem para aquele sítio se dirige, ficando tal Café ou casa C. do lado direito, e sendo munido de berma e local de estacionamento, tem todas as condições para que a imobilização dos veículos e o seu estacionamento se faça de forma a nem sequer ter necessidade de se atravessar a via.

38- No momento em apreço, o peão podia avistar os veículos que circulavam naquela via com os faróis acesos.

39- O peão tinha 86 anos de idade.

40- Atravessou a estrada, quando eram visíveis vários veículos em circulação.

41- O réu não se apercebeu do peão.

Refere a apelante que nos termos do disposto no artigo 24º nº 1 do Código da Estrada, os condutores têm que adaptar a velocidade a que circulam às condições atmosféricas que se façam sentir no momento, pelo que, o recorrido ao verificar que as condições atmosféricas e a falta de iluminação pública no local reduziam a sua visibilidade, deveria ter reduzido a velocidade a que circulava, por forma a garantir que, em caso, de necessidade, conseguiria imobilizar atempadamente o seu veículo.

Quanto ao disposto no artigo 24º nº 1 do Código da Estrada é verdade que aí se estabelece o que antecede, porém, importa notar que não está demonstrado que o acidente tivesse ocorrido no interior de uma localidade, pelo que, assim sendo, o limite de velocidade no local seria de 90 km/hora, pelo que, circulando o veículo a 40 km/hora, não se pode afirmar que não tivesse cumprido o referido no Código da Estrada, o mesmo se podendo dizer, em princípio, caso o limite de velocidade aí fosse de 50 km/hora.

É certo que no local havia algumas casas, mas não resulta da matéria de facto que estivessem estacionados veículos na berma direita da faixa de rodagem, apenas resulta que existe espaço para estacionamento de veículos automóveis do lado direito, para onde se dirigia o peão, o que é diferente.

Também é certo que não era proibido o atravessamento por peões da faixa de rodagem, mas existia uma passadeira a cerca de 100 metros onde poderia fazê-lo e onde era imposto a quem circula na estrada que reduza a velocidade à aproximação da mesma.

De resto, sendo certo que o réu e aleado seguia a uma velocidade de 40 km/hora, seguindo na sua retaguarda mais três ou quatro veículos automóveis, o que poderia e deveria contribuir para que a infeliz vítima não atravessasse a via.

Refere a apelante que “a testemunha que conduzia o veículo que seguia atrás do veículo viu que se encontrava algo a atravessar a estrada, conforme resulta da fundamentação dada pelo douto Tribunal a quo à decisão da matéria de facto provada.

Ora, se o condutor do veículo que precedia o veículo GM conseguia ver uma sombra na estrada, e isto apesar de à sua frente seguir um veiculo que lhe tapava parcialmente à visão, obstruindo a iluminação fornecida por esse mesmo veículo, não se percebe como é que o recorrido cuja visão para o local onde se encontrava o peão estava desobstruída e iluminada pelas luzes do próprio veículo não o conseguia.”

O que o tribunal a quo fez constar na fundamentação da matéria de facto é que a testemunha “Francisco L. disse que viu o acidente, uma vez que seguia atrás do veículo conduzido pelo réu. Referiu que viu o carro do réu a bater no peão, mas que não viu o peão previamente, apenas tendo tido perceção de uma sombra, porque já estava escuro e o peão estava vestido com roupas escuras também. Esclareceu que seguiam a uma velocidade que não excedia os 40 km/hora, que o carro conduzido pelo réu não travou, o que demonstra que não viu o peão, que estava tempo chuvoso e o piso molhado, embora em boas condições, confirmando as demais características do local.”

O excerto citado esclarece bem que não é possível concluir que o recorrido não seguia com a atenção devida ao trânsito na faixa de rodagem e muito menos se pode afirmar que o peão tomou todas as precauções antes de iniciar o atravessamento da faixa de rodagem.

Com efeito, não se vê que de acordo com as circunstâncias existentes, em concreto o recorrido devesse ter agido de forma diversa ou que um condutor prudente o tivesse feito.

É que – repete-se – as concretas circunstâncias existentes, não permitem considerar que um condutor normal, tivesse agido de forma diversa, para além de se lamentar a ocorrência do infausto evento, pelo que não se pode imputar culpa à conduta do recorrido, o que afasta, desde logo a existência do direito de regresso.

Embora a antecedente conclusão prejudique o conhecimento da questão da necessidade da existência do nexo de causalidade entre a condução sobre o efeito do álcool e o acidente, sempre se dirá a este propósito que anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) nº 6/2002, de 28 de maio de 2002, publicado no DR nº 164, I-A, de 18/07/2002 estabeleceu que “a alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.”

Posteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto, as opiniões sobre tal necessidade dividiram-se, entendendo uns, que tal necessidade não existe – cfr., a título de exemplo os Acórdãos do STJ de 09 de outubro de 2014, na revista nº 582/11.1TBSTB.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Fernando Bento, da Relação de Coimbra de 15/09/2015, na apelação nº 744/14.0TBVIS.C1, relatado pela Desembargadora Catarina Gonçalves.

No sentido da necessidade da verificação do nexo causal, cfr., nomeadamente, os Acórdãos do STJ de 6 de Julho de 2011, na revista nº 129/08.7TBPTL.G1.S1, relatado pelo Conselheiro João Bernardo, de 23/04/2009, na revista nº 132/09, relatado pelo Conselheiro Serra Baptista e da Relação de Guimarães de 12/05/2016, na apelação nº 2131/11.2TBFAF, relatado pelo Desembargador António Santos e de 12/11/2015, na apelação nº 1720/13.5TBGMR.G1, relatado pela Desembargadora Ana Cristina Duarte.

Entendemos ser esta última a posição adequada.

Conforme se refere no último aresto citado, referindo o «Acórdão do STJ de 06/07/2011, relatado pelo Conselheiro João Bernardo e disponível em www.dgsi.pt: “O condutor etilizado que vê uma pessoa conhecida no passeio ao lado e se distrai a olhar para ela, não reparando que está a entrar numa passadeira por onde passa um peão, que atropela, sem que o seu comportamento tenha algo a ver com a alcoolização, teria contra si o direito da seguradora na primeira das interpretações e não o teria na segunda”

Como bem se diz no Acórdão do STJ citado “estando firmado o entendimento de que tinha que haver uma relação de causalidade entre a etilização e o evento, se se pretendesse romper com ela, a redação havia de ser muito mais categórica.

A referência “quando tenha dado causa” não encerra um alargar da previsão a todos os casos em que o condutor tenha dado causa ao acidente, mas antes o consagrar, em texto legal, do que faltara ao texto anterior e já vinha sendo entendimento constante…”

“Sufragando a primeira das interpretações veja-se, entre outros, o Acs. do STJ de 8.01.2009, da Relação de Coimbra de 8.05.2012 e da Relação do Porto de 13.12.2011 enquanto outros defendem a segunda interpretação – cfr., entre outros, o já citado Ac. do STJ de 06/07/2011, da Relação de Lisboa de 17.05.2012 e da Relação do Porto de 19.01.2012, de 20.09.2012 e de 16/05/2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Também alguma doutrina tem defendido esta segunda interpretação, cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in “Prova por Presunção no Direito Civil”, pág. 273: “É verdade que a redação anterior do art.º 19.º e a atual do art.º 27.º são diferentes, numa postulava-se “…tiver agido sob a influência do álcool… “ e agora dispõe-se “…tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida…”, todavia e como se sabe, segundo o disposto no art.º 9.º do C.Civil -“A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

Logo é necessário para uma correta interpretação do atual texto da lei ter-se em consideração todos os elementos hermenêuticos de interpretação da lei e não dar apenas relevância ao elemento literal, descurando os restantes elementos histórico, sistemático e racional.

A doutrina e a jurisprudência que têm defendido a segunda interpretação, ou seja, a de que se exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida a prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução com essa taxa e o acidente, com os seguintes argumentos: em primeiro lugar, um argumento de índole histórica, porquanto a redação de 2007 vem na sequência do entendimento prevalecente anteriormente e plasmado no acórdão uniformizador de jurisprudência 6/2002, de 28.05, no sentido de que tinha de haver uma relação de causalidade entre a etilização e o evento.

Daí que, se fosse propósito do legislador romper com tal estado de coisas, teria utilizado uma técnica legislativa mais assertiva.

A referência a “tenha dado causa” visará, precisamente, consagrar a relação de causalidade entre a etilização e o acidente.

Em segundo lugar, a desconsideração do nexo de causalidade levaria a uma objetivação das consequências da condução sob a influência do álcool em benefício da seguradora, imputando responsabilidades ao condutor que nada têm a ver com a conduta culposa consistente no estado etílico.

Nós acompanhamos e também defendemos este entendimento.

Na verdade, o direito de regresso é no dizer de Antunes Varela, in “Obrigações em Geral”, vol. II, pág.334 “um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta”, ou seja, este direito das seguradoras não poderá ultrapassar a amplitude do direito em que se fundamenta, in casu na responsabilidade civil do segurado.

Daí que considerar-se que o segurado que provoca um acidente com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, por si só, é condição para legitimar o direito de regresso da seguradora, estar-se-ia a sancionar (civilmente) o agente (segurado) pela taxa de álcool no sangue de que é portador, sem a necessidade de se estabelecer um nexo causal entre esse mesmo estado de alcoolemia e os danos resultantes do acidente, e consequentemente a alterar a natureza reparadora do direito civil (ao invés de sancionadora), pois que se sancionar-se-ia o agente em função da sua culpa e não da causalidade entre a sua ação e os danos casuísticos da mesma.

Assim entendemos que para que o direito de regresso, da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido tem a mesma, para além de provar a culpa do condutor na produção do evento danoso, alegar e provar, ainda, factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o evento dele resultante” – Acórdão da Relação do Porto de 15/01/2013, disponível em www.dgsi.pt...»

Por todo o exposto resulta que a apelação terá de ser julgada improcedente e, em consequência, confirmada a douta sentença recorrida.


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D) Em conclusão:

1) Apenas os factos essenciais têm de ser alegados pelas partes, para além disso, apenas os factos instrumentais e factos complementares ou concretizadores, desde que relevantes para a boa decisão da causa, devem ser considerados;

2) Para que o direito de regresso, da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido tem a mesma, para além de provar a culpa do condutor na produção do evento danoso, alegar e provar, ainda, factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o evento dele resultante.


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III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Notifique.


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Guimarães, 11/07/2017



Relator: António Figueiredo de Almeida (63787071617)
1º Adjunto: Desembargador Joaquim Espinheira Baltar
2ª Adjunta: Desembargadora Eva Almeida